Decisão Arbitral
I. Relatório
1. No dia 09-07-2015, a sociedade A..., LDA., NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (de ora em diante “IRC”) e respectivos juros compensatórios, identificado com o n.º 2012..., emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao período de tributação de 2008, no valor (a reembolsar) de € 28.855,42 e da respectiva Demonstração de Acerto de Contas, identificada como documento n.º 2012..., que originou um valor a pagar de € 8.117,46.
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico: designou os árbitros do tribunal arbitral coletivo: o Exmo. Conselheiro José Baeta Queiroz, o Exmo. Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e o Exmo. Prof. Doutor António Martins, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
3. Tendo o Tribunal notificado as partes dessa designação em 28-08-2015, nenhuma delas manifestou intenção de recusar os árbitros designados, pelo que o tribunal se encontra regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1 A Requerente desenvolve a actividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. ...– R3), encontrando-se enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante “RETGS”), como sociedade dominante.
4.2 Do perímetro de consolidação do seu grupo fazem, ainda, parte as sociedades (todas conjuntamente designadas de ora em diante como “Grupo”):
• B... S.A., pessoa colectiva n.º ... (de ora em diante “B...”);
• C... S.A. (de ora em diante “FSI”);
• D... Lda. (de ora em diante “Escapes”); e
• E..., Unipessoal Lda. (de ora em diante “E...”)
4.3 Através do Oficio n.º..., de 30 de Agosto de 2011, a B... foi notificada de que iria ser iniciada uma acção inspectiva, a qual começou no dia 15 de Novembro de 2011 e terminou no dia 20 de Dezembro de 2011.
4.4 Nessa sequência, em 20 de Dezembro de 2011, a B... foi notificada do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção e, subsequentemente, em 22 de Fevereiro de 2012, do Relatório de Inspecção Tributária (de ora em diante “Relatório B...”) com as conclusões e correcções decorrentes da inspecção efectuada às suas contas individuais.
4.5 Enquanto sociedade dominante, a Requerente foi notificada, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2012..., emitida em 16 de Fevereiro de 2012, da realização de um procedimento de inspecção interno referente ao exercício de 2008 com o objectivo de fazer reflectir no resultado tributável do Grupo as correcções efectuadas pela AT em resultado do procedimento de inspecção efectuado à empresa dominada B..., tendo sido notificada, em 7 de Março de 2012, do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção e, posteriormente, em 4 de Abril de 2012, do Relatório de Inspecção Tributária (de ora em diante “Relatório Final”), no qual se propunham correcções técnicas à matéria colectável do exercício de 2008.
4.6 Posteriormente, em 17 de Maio de 2012, foi a Requerente notificada da Liquidação, a qual, tendo em conta os valores constantes da “Demonstração de Acerto de Contas” n.º 2012..., originou um valor a pagar de € 8.117,46, com data limite de pagamento de 20 de Junho de 2012 – pagamento que a Impugnante efectuou nessa data.
4.7 Na mesma data, foi notificada da “Demonstração de liquidação de Juros”, identificada como Compensação n.º 2012..., com a explicitação do cálculo dos juros compensatórios.
4.8 Em 13 de Setembro de 2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa da Liquidação.
4.9 Nesta sequência, a Requerente foi notificada pela AT, em 18 de Dezembro de 2012, do projecto de indeferimento da reclamação apresentada, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, o qual foi remetido à AT em 5 de Março de 2013.
4.10 Não obstante os argumentos avançados pela Requerente naquela sede, a AT manteve o entendimento vertido no Relatório Final, tendo notificado a Requerente, através do Ofício n.º ... de 28 de Março de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
4.11 Ora, não se conformando quer com a Liquidação, quer com os argumentos em que a AT fundamentou a decisão de indeferimento, a Requerente apresentou, em 30 de Abril de 2013, recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, recurso esse que foi indeferido, conforme Oficio n.º ... notificado à Requerente em 10 de Julho de 2015.
4.12 A correcção ao lucro tributável da B..., no montante de € 3.189.298,00, com a consequente correcção aos seus prejuízos fiscais, a qual foi, posteriormente, reflectida na Impugnante, enquanto sociedade dominante do Grupo, originando a Liquidação que ora se contesta, teve origem na correcção operada pela AT aos termos e condições em que se realizaram as operações vinculadas à actividade da B... de fabricação de capas para assentos.
4.13 No âmbito da sua actividade, a B... realiza diversas operações com entidades relacionadas.
4.14 No ano de 2008, essas operações foram as seguintes
Proveitos:
• Vendas de mercadorias e outros produtos (capas para assentos de automóveis): € 31.114.707, distribuídos pelas seguintes entidades relacionadas:
- Impugnante: € 663.105;
- E... (Portugal): € 497.626;
- F... (Espanha): € 53.410;
- G... (Espanha): € 340.784;
- H... (Marrocos): € 21.314;
- I... (França): € 9.274.251;
- J... (França): € 995.667;
- K... (França): € 17.048.019;
- L... (França): € 4.262;
- M... (França): € 2.215.414;
- N... Polonia: € 105; e
- O... Tunísia: € 750.
• Outros Rendimentos (redébitos diversos, incluindo redébitos a entidades relacionadas relativos a custos com pessoal e custos de transporte): € 226.895, distribuídos pelas seguintes entidades relacionadas:
- Impugnante: € 6.761;
- E... (Portugal): € 5.388;
- F... (Espanha): € 4.188;
- H... (Marrocos): € 4.278;
- P... (França): € 740;
- M... (França): € 45.764;
- I... (França): € 5.625;
- J... (França): € 82.385;
- K... (França): € 50.063;
- O... Tunísia: € 4.749.
- L... (França): € 10.240; e
- Q... (Rep. Checa): € 6.764.
Custos:
• Aquisição de serviços intra-grupo (suporte administrativo, serviços industriais e serviços centrais): € 1.769.450, distribuídos pelas seguintes entidades relacionadas:
- Impugnante: € 326.293;
- M... (França): € 1.125.109;
- R... SA (França): € 148.600; e
- S... (França): € 169.448.
• Compras de mercadorias e outros produtos (aquisição de componentes ao grupo, indispensáveis ao processo produtivo da B...): € 550.486, distribuídos pelas seguintes entidades relacionadas:
- Impugnante: € 28,744;
- P...(França): € 132.078;
- M... (França): € 15.865;
- J... (França): € 870;
- L...(França): € 378.496; e
- Q... (Rep. Checa): € (5.567).
• Aquisição de activos (máquinas adquiridas ao grupo): € 313.289, distribuídos pelas seguintes entidades relacionadas:
- Impugnante: € 121.069;
o I... (França): € 2.900; e
o Q... (Rep. Checa): € 189.320.
• Outros encargos (redébitos de facturas de fornecedores independentes e outros débitos de custos centrais repartidos pelas empresas do grupo): € 408.058, distribuídos pelas seguintes entidades relacionadas:
- Impugnante: € 151.440;
- E...(Portugal): € 4.630;
- F...(Espanha): € 5.046;
- G...(Espanha): € 1.947;
- T... (França): € 5.900;
- M...(França): € 93.799;
- R... SA (França): € 13.088;
- I... (França): € 55.733;
- J... (França): € 24.470;
- K... (França): € 16.192; e
- L... (França): € 35.813.
• Custos financeiros (empréstimo obtido junto da Impugnante, cujo saldo a 31.12.2008 era de € 3.109.521):
- Impugnante: € 179.272.
• Royalties a pagar no âmbito de contrato de cedência de know-how celebrado com a M...:
M...(França): € 635.100.
4.14 Os proveitos totais da B... totalizaram, em 2008, € 31.482.583,00, dos quais € 31.341.602,00 foram obtidos junto de entidades relacionadas.
4.15 Neste sentido, e no cumprimento do disposto no artigo 63.º do CIRC e no artigo 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro (de ora em diante “Portaria”), a B... elaborou um dossier de preços de transferência, no qual detalhou aqueles que, por referência a cada tipo de operações vinculadas (acima mencionadas), considerou serem os métodos susceptíveis de assegurarem o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efectuou e outras substancialmente idênticas, efectuadas entre entidades não relacionadas.
4.15 Pelos motivos detalhadamente expostos no relatório de análise económica de preços de transferência da B..., relativo ao exercício de 2008 os métodos considerados mais apropriados pela B... foram os seguintes:
• No que diz respeito à venda de mercadorias e outros produtos: método do custo majorado, tendo o indicador de lucratividade seleccionado sido o da margem bruta [calculada através do rácio entre o resultado bruto (i.e., diferença entre o volume de negócios e o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas) e o custo das mercadorias e matérias consumidas];
• No que diz respeito à aquisição de determinados serviços intra-grupo: método indirecto de alocação, de acordo com chaves de repartição indexadas ao tipo de serviços prestados e ao benefício que deles resultou para a B...;
• No que diz respeito aos royalties: outro método baseado numa variável do método do preço comparável de mercado;
• No que diz respeito ao financiamento intra-grupo: método do preço comparável de mercado.
4.16 Sem pôr em causa as análises individualizadas realizadas em determinadas operações (as que se referiram no artigo anterior), e na impossibilidade de conduzir uma análise individualizada das demais operações vinculadas realizadas (compras de mercadorias e outros produtos, aquisição de certos serviços intra-grupo, aquisição de activos, outros encargos e outros rendimentos), a B... tomou a decisão de realizar uma análise à sua actividade global por forma a avaliar se, para além das operações vinculadas analisadas de forma individualizada, também a nível operacional, e considerando igualmente estas operações, a B... estaria a obter um retorno de mercado.
4.17 O método utilizado nesta análise complementar foi o método do lucro comparável, o qual, não estando expressamente previsto no regime português, não deixa de ser aceitável (cfr. alínea b), do n.º 3, do artigo 63.º do CIRC e alínea b), do n.º 1, do artigo 4.º da Portaria). Refira-se que, na aplicação deste método, o indicador de lucratividade seleccionado foi o custo líquido majorado (calculado através do rácio entre o resultado operacional e o total dos custos operacionais).
4.18 O resultado das análises conduzidas pela B... apontou as seguintes conclusões:
• No que diz respeito à venda de mercadorias e outros produtos: na aplicação do método do custo majorado, a B... apurou uma margem bruta, no ano 2008, de 57,1%. As empresas tomadas como comparáveis apontaram, para o período de 2005 a 2007, margens brutas que variaram entre um mínimo de 19,1% e um máximo de 82,9%. Pode assim concluir-se que, nas operações de vendas de mercadorias e outros produtos, pela B... a entidades relacionadas, foram estabelecidos termos e condições de plena concorrência, i.e., substancialmente idênticos aos que teriam sido obtidos se essas operações se tivessem realizado com entidades independentes;
• No que diz respeito à aquisição de determinados serviços intra-grupo: da aplicação das chaves de repartição concluiu a B... que resultou uma relação apropriada entre o benefício económico auferido por si e os custos em que incorreu com os serviços que lhe foram prestados;
• No que diz respeito aos royalties: os royalties pagos pela B... corresponderam a 2% sobre a venda líquida dos produtos associados à tecnologia transferida. As empresas tomadas como comparáveis apuraram taxas de royalties que variaram entre um mínimo de 2% e um máximo de 5%. Pode assim concluir-se que a taxa de royalty aplicada ao contrato celebrado entre a B... e a M... foi substancialmente idêntica à que teria sido praticada entre entidades independentes; e
• No que diz respeito ao financiamento intra-grupo: os custos financeiros pagos pela B... corresponderam a uma taxa de juro anual correspondente à taxa euribor, acrescida de um spread que variou entre 0,45% e 1,70%. As empresas tomadas como comparáveis apuraram taxas de juro que variaram entre um mínimo de 3,24% e um máximo de 7,74%. Pode assim concluir-se que a taxa de juro aplicada ao contrato de financiamento celebrado entre a B... e a Impugnante foi substancialmente idêntica à que teria sido praticada entre entidades independentes.
4.19 No que diz respeito à análise da actividade global da B..., a aplicação do método do lucro comparável determinou um custo liquido majorado de (-) 6,9% no ano 2008, sendo que as empresas tomadas como comparáveis apuraram custos líquidos majorados que variaram entre um mínimo de (-) 1,3% e um máximo de 11,1%.
4.20 Para justificar a menor margem de rentabilidade da B..., no que à análise da sua actividade global dizia respeito, foram apresentadas diversas justificações pela Requerente, todas elas assentes na brutal crise económica que assolou a indústria automóvel em 2008 e, por consequência, a dos seus componentes como é o caso da B... e da Impugnante.
4.21 A Requerente considera que, no que lhe parece relevante para os efeitos deste pedido de pronúncia arbitral, o Relatório B... reflecte a seguinte posição da AT:
• Presume-se que não contesta os métodos adoptados pela B... no que diz respeito a custos financeiros, royalties e aquisição de determinados serviços intra-grupo;
• Não aceita as conclusões alcançadas pela B... pela aplicação do método do custo majorado, por considerar que o indicador de rentabilidade considerado [margem bruta, calculada através do rácio entre o resultado bruto (i.e., diferença entre o volume de negócios e o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas) e o custo das mercadorias e matérias consumidas] “não se revela o mais adequado para efeitos de verificação do cumprimento do Principio de Plena Concorrência nestas operações (…)”.
4.22 Todavia, depois de ter desconsiderado a aplicação do método do custo majorado e depois de ter considerado que a B... não demonstrou que o método do lucro comparável era o mais apropriado às operações vinculadas em causa (venda de mercadorias e outros produtos), a AT em lado algum do seu relatório se debruça sobre qual então o “(…) método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que (a B...) efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco” (n.º 2, do artigo 63.º, do CIRC).
4.23 Em vez disso, pegou no método do lucro comparável – método que a B... havia utilizado para testar as operações não testadas individualmente, e com efeitos meramente complementares das operações testadas individualmente –, e decidiu, sem qualquer fundamentação – o que desde já se alega para todos os efeitos legais – que esse devia ser o método a utilizar para assegurar o cumprimento do Principio da Plena Concorrência.
4.24 As fragilidades que são apontadas ao estudo de comparabilidade da B... são essencialmente as seguintes:
• A B... não desconsiderou as empresas com vendas inferiores a € 3.000.000,00, limite que a AT considerou adequado em resultado do disposto no artigo 13.º da Portaria e na alínea b), do n.º 2 do artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais.
o Note-se que a B... havia considerado apenas empresas cujos proveitos operacionais ascendessem, pelo menos, a €. 1.000.000,00 em cada um dos 3 anos seleccionados;
o Todavia esta decisão da B... não obteve acolhimento, pois a AT considerou que o limite de € 3.000.000,00 “(…) tem por principio subjacente o facto de se pretender tomar como comparável entidades que se encontrem sujeitas a obrigações similares. (…) O critério “dimensão da entidade tomada como comparável” facilitará a exclusão de empresas “start up” e/ou “que se encontrem numa fase de liquidação” (e consequentemente, não comparáveis com a empresa em análise), mas, essencialmente, este critério contribui para assegurar que as entidades tomadas como comparáveis exercem funções similares à da “tested party” e apresentam uma posição competitiva similar” (pg. 32 do Relatório Projecto B...).
• A B... utilizou um comparável (U... SL) que “(…) no entender da Inspecção tributária (…) não assegura um grau de comparabilidade razoável (…)” (pg. 38 do Relatório Projecto B...).
4.25 A estas alegadas fragilidades juntou a AT outras, que reproduziu no Relatório B..., a saber:
• A actividade das empresas tomadas como comparáveis “(…) não consiste na actividade de produção de capas para assentos de automóveis, mas numa actividade que a B... entendeu considerar como similar a esta (…)”;
• “(…) Existe uma diferença entre o volume de negócios da B... em 2008 e o apresentado pelas entidades tomadas como comparáveis (…)”;
• “(…) O número de empregados da B... é substancialmente inferior ao apresentado pelas entidades tomadas como comparáveis (…)”.
4.26 Apesar de todas as fragilidades encontradas, a AT limitou a sua acção inspectiva ao seguinte:
• Manteve como comparáveis adequados as 7 das 13 empresas utilizadas pela B... que apresentaram proveitos operacionais abaixo dos € 3.000.000,00;
• Manteve como comparável a U..., apesar de ter referido (pg. 39 do Relatório Projecto B...) que “(…) o valor da média ponderada do indicador de rentabilidade considerado é fortemente influenciado pelo valor relativo ao exercício de 2007 que claramente é desconforme com o comportamento anterior desta entidade (…) a observação em causa (exercício de 2007) apresenta características de outlier pelo que (a U...) deveria ter sido excluída da análise efectuada” (negritos nossos);
• Considerou que as condições de plena concorrência ficariam satisfeitas se limitasse a sua acção a atender ao intervalo interquartil, assentando essa sua consideração no disposto no §3.57 das Orientações da OCDE, do qual retira que “(…) sempre que o estudo de comparabilidade apresente limitações, a utilização de medidas estatísticas (ex. intervalo interquartil), limitando a amplitude do intervalo, poderá fomentar a fiabilidade da análise”;
• Todavia, considerando que a B... havia, no decurso do processo inspectivo, invocado que tinha em 2008 sido afectada por situações extraordinárias que reflectiram uma crise do sector de componentes para automóveis – situações que diga-se, a AT contestou na íntegra – decidiu que a correcção a propugnar teria por base o valor relativo ao segundo quartil do intervalo de plena concorrência, i.e., (+) 2,4%.
• É da correcção de um custo líquido majorado de (-) 6,9% para um custo liquido majorado de (+) 2,4% que resulta a correcção do lucro tributável de € 3.189.298,00 constante do Relatório B... e do Relatório Final, a qual origina a correlativa correcção no valor dos prejuízos fiscais do Grupo e conduz à liquidação de derrama e dos respectivos juros compensatórios, reflectida na Liquidação que ora se contesta.
4.27 Esta posição foi depois confirmada, quer no despacho de indeferimento da reclamação graciosa, quer no despacho de indeferimento do recurso hierárquico.
4.28 A discricionariedade stricto sensu, enquanto faculdade de escolha de uma entre várias opções legais, com vista à concretização de um fim definido por lei, não parece ter acolhimento em sede do direito fiscal, na medida em que, neste ramo do direito, vigora um princípio constitucional de tipicidade (artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, doravante “CRP”).
4.29 Contudo, esta figura da discricionariedade em sentido estrito distingue-se de uma outra – a da livre margem de apreciação ou discricionariedade técnica da AT.
4.30 Na sua actividade de livremente apreciar factos ou determinar conceitos, não se encontra a AT legitimada a eleger, casuisticamente, o desfecho que, entre vários aceitáveis aos olhos da lei, se demonstre mais vantajoso para o interesse público, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade. Simplesmente dispõe, de acordo com a sua experiência e saber técnico, de autonomia na escolha de critérios que lhe permitam valorar os factos em causa, de forma a encontrar a solução mais justa e adequada ao caso concreto.
4.31 Na opinião da Requerente, resulta do que acima se expôs que a AT não pode usar o artigo 63.º do CIRC e a Portaria para discricionariamente escolher um de vários resultados possíveis de tributação, mas apenas para analisar fundamentadamente os motivos pelos quais considera que o caminho escolhido pelo sujeito passivo não é o mais apropriado e substitui-lo pelo mais apropriado – que será aquele que a conduzir à aplicação das normas legais, sejam do IRC, sejam da Portaria, ou sejam mesmo da OCDE (as quais, embora soft law, não deixam de ter um papel relevante na interpretação dos métodos de determinação do principio da plena concorrência, para que remete o artigo 63.º do CIRC e que a Portaria tão bem acolhe).
4.32 O n.º 3, do artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”) impõe à AT o cumprimento de certos requisitos na fundamentação das correcções à matéria colectável, efectuadas por aplicação do artigo 63.º do CIRC.
4.33 Com efeito, a aplicação do artigo 63.º do CIRC implica um cuidado acrescido de fundamentação, o qual obriga a AT a descrever as relações especiais, indicar as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo, aplicar os métodos previstos na lei e quantificar os respectivos efeitos.
4.34 Em particular, a alínea c) daquela disposição impõe à AT que, depois de fundamentar as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo (conforme refere a alínea b) da mesma disposição), aplique os “métodos previstos na lei” – sendo que a lei prevê, para cada situação apenas um método – o mais apropriado –, impondo ainda que se dê primazia aos chamados métodos tradicionais, de entre os quais se encontra o método do custo majorado (n.º1, do artigo 4.º, da Portaria, em particular alíneas a) e b)).
4.35 É verdade que, na aplicação dos “métodos previstos na lei”, a AT pode utilizar quaisquer elementos de que disponha, sendo que o seu “dever de fundamentação dos elementos de comparação” se considera adequadamente observado “ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem digam respeito”.
4.36 Mas não é menos verdade que, desse exercício, só pode resultar uma conclusão, qual seja a de que, após o mesmo, a AT se encontra vinculada a aplicar o método mais apropriado a assegurar o princípio da plena concorrência nas operações ou séries de operações que se encontra a analisar (e a corrigir).
4.37 A Requerente sustenta, assim, que, em matéria de ónus de prova na aplicação de regras sobre preços de transferência, deve reger o seguinte:
Cabe ao sujeito passivo o ónus de provar que as operações que realizou com entidades relacionadas respeitaram a regra do n.º 1, do artigo 63.º, do CIRC – assim lho impõe, como lembra a AT, o disposto no n.º 6, do artigo 63.º, do CIRC e o n.º 1, do artigo 13.º, da Portaria;
Se preencher os requisitos do n.º 3, do artigo 13.º, da Portaria, essa prova constará necessariamente do Dossier de Preços de Transferência que terá de elaborar; caso contrário, deverá estar em condições de demonstrar que, na determinação desse preço, foi adoptado o método ou métodos que asseguram o mais elevado grau de comparabilidade com operações idênticas ou similares realizadas entre entidades independentes. Esse ónus cabe-lhe a si;
No entanto, ele não pode ser um ónus impossível, nem se lhe pode exigir, a cada momento, e atenta a complexidade destas matérias, que seja infalível na adopção do método apropriado. O que nos parece essencial é que exista um esforço de enunciação de elementos fáctico-jurídicos convincentes da adequação e correcção do juízo em que o sujeito passivo se baseou para concluir que um determinado método é aquele que assegura o mais elevado grau de comparabilidade com operações idênticas ou similares realizadas entre entidades independentes;
Quando exista um Dossier de Preços de Transferência, tem de se partir do princípio que o sujeito passivo enunciou esses elementos de facto, confrontou os diferentes métodos em busca do mais apropriado e tomou uma posição que se encontra devidamente fundamentada nesse dossier;
Organizado que esteja em conformidade com a lei, os elementos constantes do Dossier de Preços de Transferência presumem-se verdadeiros e elaborados de boa-fé – ex vi n.º 1, do artigo 75.º, da LGT;
Se a AT considera que assim não é, i.e., que o método adoptado pelo contribuinte não é o método mais apropriado, então, em nossa opinião, tem que o demonstrar – por outras palavras, se invoca esse facto, então impõe-lhe o n.º 1, do artigo 74.º, da LGT que sobre si recaia o ónus de o provar;
Ou seja, o sujeito passivo tem de estar apto a provar que utilizou o método mais apropriado. Se falhar nessa prova, porque assim o considera a AT e o confirma o tribunal, então ainda assim, a lei manda impor que aos preços praticados com entidades relacionadas se aplique o método mais apropriado. Ora se a AT considera que essa prova não foi feita, tem então a obrigação de buscar ela própria o método que seja mais apropriado;
Nessa busca pode socorrer-se dos elementos mencionados na alínea c), do n.º 3, do artigo 77.º da LGT mas não pode deixar de os usar em estrita observância do princípio da legalidade que rege o artigo 63.º do CIRC, ou seja, de que, dessa busca, tem de resultar a aplicação do método mais apropriado a assegurar a aplicação do princípio da plena concorrência.
4.38 A AT considera que o método mais apropriado às operações da B... relativas à venda de mercadorias e outros produtos não é o método do custo majorado, por considerar que o indicador de rentabilidade considerado [margem bruta, calculada através do rácio entre o resultado bruto (i.e., diferença entre o volume de negócios e o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas) e o custo das mercadorias e matérias consumidas] “não se revela o mais adequado para efeitos de verificação do cumprimento do Principio de Plena Concorrência nestas operações (…)”.
4.39 Se é verdade que a B... não tomou em consideração a totalidade dos custos de produção, não é menos verdade que, conforme explicou à AT em carta remetida a 15 de Dezembro de 2011 os custos que tomou em consideração (CMVMC) são representativos de uma parcela relevante da totalidade dos custos de produção de uma capa de assento de automóvel e plenamente habilitado a medir a verificação do princípio da plena concorrência.
4.40 Acresce que, quando analisou os resultados obtidos pelas 13 empresas comparáveis, a B... apenas tomou em consideração – para o cálculo do custo bruto majorado – o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas dessas 13 empresas, com exclusão de quaisquer outros custos.
4.41 Ou seja, ao seleccionar como indicador de lucratividade – para efeitos de aplicação do método do custo majorado – a margem bruta, a B... não deixou de aplicar o mesmo indicador para medir a margem bruta das empresas que utilizou como comparáveis.
4.42 No Relatório B..., a AT não questiona nenhum destes dados, nem sequer a valia de qualquer das empresas comparáveis (com excepção da U... SL, que desqualifica para depois acabar por incluir no seu exercício).
4.43 Perante o exposto, a Requerente considera que foi feita a prova que lhe era exigida pelo n.º 6, do artigo 63.º, do CIRC e pelo n.º 1, do artigo 13.º, da Portaria e – da mesma forma que demonstrou, e a AT aceitou, que o método do preço comparável de mercado era o mais apropriado às operações de financiamento intra-grupo, que um método baseado numa variável do método do preço comparável de mercado era o mais apropriado às operações relativas a royalties e que o método indirecto de alocação era o mais apropriado a determinados serviços intra-grupo – demonstrou que o método do custo majorado era o mais apropriado às operações de “vendas de mercadorias e outros produtos”.
4.44 Porquanto demonstrou a Impugnante que o método por si utilizado observou o disposto no artigo 63.º do CIRC, o que desde já se alega para todos os efeitos legais, razão pela qual a AT, ao desconsiderar, sem mais, esse método, incorreu em vício de violação de lei, devendo a Liquidação emitida ser anulada, com as demais consequências legais.
4.45 Mas ainda que se entenda que a B... não cumpriu o ónus de prova que lhe era imposto, a Requerente invoca que:
• A AT nunca fundamenta, nem a esse respeito apresenta qualquer argumento, relativamente à desconsideração do método do custo majorado como o método mais apropriado a aferir o cumprimento do principio da plena concorrência nas operações relativas a “vendas de mercadorias e outros produtos”,
• A AT limita-se a pôr em causa a fórmula utilizada pela B... para calcular a margem bruta,
• Ora, a alínea b), do n.º 1, do artigo 4.º da Portaria estabelece que a aplicação de métodos não tradicionais só pode ser afastada quando se conclua que os mesmos (a) não podem ser aplicados ou (b) “podendo sê-lo, não permitem obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam”.
4.46 A Requerente considera que a margem de lucro bruta utilizada por si foi consistente com a que utilizou para todas as empresas que tomou como comparáveis (a fórmula e as variáveis foram exactamente as mesmas, como demonstrou a artigos 90.º a 93.º supra), pelo que o resultado dessa análise foi fiável e credível, não podendo ser afastado apenas porque não levou em consideração a totalidade dos custos de produção.
4.47 Mas ainda que a AT não desejasse aceitar essa fórmula, sempre a resposta deveria ter sido a de salvar o método tradicional, apurando os ajustamentos que ao mesmo coubessem, como impõe o n.º 3, do artigo 8.º, da Portaria.
4.48 Pelo exposto, a Requerente considera ilegal, por falta de fundamentação, o afastamento do método do custo majorado, o qual, nos termos do exposto, se revelava o mais apropriado a assegurar o cumprimento do princípio da plena concorrência.
4.49 No caso da B..., a AT, após desconsiderar a aplicação do método do custo majorado – tinha um de 3 possíveis caminhos a percorrer:
• Se considerasse que o método do lucro comparável era o mais apropriado (para medir as operações relativas a “venda de mercadorias e outros produtos”), mas que o problema residia na entidade comparável U... SL, então mandava o §3.56 das Orientações da OCDE que se limitasse a eliminar esse comparável:
o Nesse caso, não oferecendo os demais comparáveis obstáculos intransponíveis, a AT deveria corrigir o resultado operacional da B... de (-6,9%) para (+1,8%);
• Se considerasse que o método do lucro comparável era o mais apropriado (para medir as operações relativas a “venda de mercadorias e outros produtos”), mas que o problema residia na entidade comparável U... SL, e no facto de 7 outras empresas comparáveis deverem ser eliminadas por terem vendas inferiores a € 3 milhões, então mandava ainda o §3.56 das Orientações da OCDE que se limitasse a eliminar esses comparáveis:
o Nesse caso, não oferecendo os demais comparáveis obstáculos intransponíveis, a AT deveria corrigir o resultado operacional da B... de (-6,9%) também para (+1,8%),
• Se considerasse que subsistiam outros problemas, para além desses, que colocavam em causa a própria valia do método do lucro comparável e dos comparáveis utilizados em geral, então a AT não poderia assegurar o preço de plena concorrência com esses dados pois que, não servindo à tese da Impugnante, não poderiam depois servir à tese da AT.
4.50 Acontece que, o resultado final aplicado pela AT [correcção para (+ 2,4%)] não se concilia com nenhuma desses 3 caminhos possíveis.
4.51 Com efeito, no Relatório B..., a AT oscila entre desconsiderar todo o dossier de preços de transferência da B... para o ano 2008, encontrando defeitos em todos os comparáveis, a desconsiderar apenas a U...SL
4.52 Todavia, depois de todas as considerações tecidas pela AT, esta acaba por concluir da seguinte forma (pg. 43 do Relatório B...): “A aceitar-se a inclusão da entidade comparável U...SL, dever-se-á atender à interpretação constante do §3.57 das Guidelines da OCDE, o qual refere que sempre que o estudo de comparabilidade apresente limitações, a utilização de medidas estatísticas (ex. intervalo interquartil), limitando a amplitude do intervalo, poderá fomentar a fiabilidade da análise”.
4.53 Ou seja, resolve o “problema” aceitando tudo o que havia considerado não assegurar o cumprimento do preço de plena concorrência, e limitando-se a anular o percentil mínimo do intervalo de plena concorrência. O suporte jurídico para esta decisão: O§3.57 das orientações da OCDE!
4.54 Ora, na opinião da Requrente, é exactamente esta abordagem que a lei lhe veda. Porque o §3.57 das Orientações da OCDE visa apenas atender às situações em que não seja possível identificar ou quantificar os comparáveis que apresentem um menor grau de comparabilidade. Pois que, quando essa identificação é possível, a solução não é a do §3.57 mas a do §3.56 (eliminação, com os correspondentes efeitos, ou seja, aplicação do percentil mínimo dentro do intervalo de plena concorrência, ou seja, no caso, (+1,8%)).
4.55 É ainda importante ter em conta o que dispõe o §3.60 das Orientações da OCDE, que refere o seguinte: “If the relevant condition of the controlled transaction (e.g., price or margin) is within the arm’s length range, no adjustment should be made”.
4.56 Ou seja, a partir do momento em que a AT decide incluir a U... SL, bem como as 7 das 13 empresas com vendas abaixo dos € 3 milhões, duas vias se lhe abriam:
• Ou não aceitava as explicações que a B... lhe ofereceu para justificar os motivos pelos quais a sua rentabilidade operacional (-6,9%) se desviou do valor mínimo do intervalo de plena concorrência (que, se considerarmos a inclusão da U... SL, era de (-1,3%)), e aplicava esse valor mínimo (correcção de -6,9% para -1,3%) ou
• Aceitava essas explicações e não alterava a rentabilidade operacional da B..., ou alterava-a para um valor que se situasse abaixo desse mínimo (de -1,3%) e acima dos referidos (-6,9%).
4.57 O que, na opinião da Requerente, a lei lhe vedava, era uma via (que foi a que seguiu) pela qual, com o pretexto de aceitar as explicações da B..., a AT corrige a sua rentabilidade operacional, não para o valor mínimo do intervalo de plena concorrência (- 1,3%), não para um valor que se situasse entre esse e a rentabilidade operacional da B..., mas para + 2,4%.
4.58 Para além disso, é uma via que a Requerente não consegue compreender: então, afinal, aceitam-se as explicações que justificam a menor rentabilidade da B... face ao intervalo de plena concorrência, que ia de um mínimo de (- 1,3%) a um máximo de (+ 11,1%), e depois recusa-se aceitar a menor rentabilidade operacional da B..., ou sequer fixar essa rentabilidade no patamar mínimo do intervalo de plena concorrência?
4.59 Cabia à AT demonstrar que o método do lucro comparável era o mais apropriado – despido do método do custo majorado – para assegurar o principio da plena concorrência nas operações relativas a “vendas de mercadorias e outros produtos”, prova que, na opinião da Requerente – atendendo ao que se expôs anteriormente e às fragilidades que a AT decidiu apontar a esse método – a AT não efectuou, facto que não pode deixar de ser valorado contra si.
4.60 A acção inspectiva efectuada à B... foi efectuada na sequência de uma outra acção inspectiva, efectuada à Requerente, abrangendo os exercícios de 2007 e de 2008, a qual havia dado origem a um projecto de relatório de inspecção tributária e a um relatório final notificado à Impugnante em 15 de Dezembro de 2010, sendo que nos referiremos abaixo ao projecto de relatório de inspecção tributária – de ora em diante “Relatório FAA”.
4.61 Como a B..., também a Requerente elaborou um dossier de preços de transferência no qual detalhou aqueles que, por referência a cada tipo de operações vinculadas, considerou serem os métodos susceptíveis de assegurarem o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efectuou e outras substancialmente idênticas, efectuadas entre entidades não relacionadas.
4.62 E, tal como a B..., também a Requerente testou o retorno operacional que auferiu no exercício de 2008 através do método do lucro comparável, tendo sido escolhido como indicador de lucratividade o custo liquido majorado.
4.63 Com base na aplicação deste método, foi identificado um intervalo de plena concorrência que variava entre um mínimo de (-) 1% e um máximo de (+) 9,3%.
4.64 Uma vez que o custo liquido majorado da Requerente no exercício de 2008 havia sido de (-) 0,6%, foi possível concluir que que o seu retorno operacional se encontrava contido dentro do intervalo de plena concorrência.
4.65 No entanto, e apesar de considerar que a Requerente não podia realizar uma análise agregada das suas operações – e por conseguinte, que o método do lucro comparável não era apropriado a demonstrar o cumprimento do principio de plena concorrência – a AT acabou por aplicar o referido método para corrigir o resultado operacional da Impugnante de 2008, de (-) 0,6% para (+) 0,4%.
4.66 Todavia, ao fazê-lo a AT não tomou por base os dados apurados no período de 2005 a 2007, mas apenas e exclusivamente os dados apurados em 2008.
4.67 Naturalmente, não é a inspecção à Requerente que está aqui em causa, mas o que esta deseja realçar com as referências à sua própria inspecção, é que, no Relatório B..., a AT decidiu adoptar uma posição totalmente distinta.
4.68 Por um lado, enquanto no caso da Requerente a AT considerava que esta não havia conduzido uma análise individualizada das operações realizadas, no caso da B... ignorou por completo a análise individualizada efectuada, e da qual resultou a aplicação às mercadorias e outros produtos vendidos, do método do custo majorado.
4.69 Ou seja, no caso da B..., desconsiderou o método tradicional, sem sequer considerar o que impõe o n.º 3, do artigo 8.º, da Portaria, que estabelece que: “(…)[S]empre que as operações não sejam comparáveis em todos os aspectos considerados relevantes e as diferenças produzam um efeitos significativo sobre a margem de lucro bruto, o sujeito passivo deve fazer os ajustamentos necessários para eliminar tal efeito, for forma a determinar a margem bruta ajustada correspondente à da operação não vinculada comparável”.
4.70 Por outro lado, ao desconsiderar os dados de 2008 da B... (juntos a pg. 40 do Relatório B...), que apontavam para um intervalo interquartil que variava entre + 1,4% e + 6,4%, a AT tomou uma decisão completamente distinta da que havia tomado para a Impugnante.
4.71 Da mesma forma, se a AT tivesse utilizado os dados de 2005/2007, como fez, mas tivesse retirado da lista de empresas comparáveis, a U..., como tanto pugnou nos seus relatórios, então a correcção deveria ter sido feita para o menor dos intervalos atingidos após essa retirada, ou seja de + 1,8%.
4.72 Na opinião da Requerente, está errada a AT, porquanto o princípio da legalidade impõe que, em matéria de preços de transferência, a AT não utilize quaisquer critérios, mas antes que busque, em cada caso, uma solução que permita atingir o preço de plena concorrência, respeitando assim também o princípio da tributação pelo rendimento real.
4.73 Vale isto por dizer que a Liquidação de que ora se reclama é ilegal também por assentar num exercício puramente discricionário da AT, e não em função da lei (artigo 63.º do CIRC).
4.74 Acresce que a AT se “esqueceu” de fundamentar a forma como a correcção que propôs deveria ser tida em conta pela Requerente.
4.75 Uma vez que, em sede de preços de transferência, nos termos do n.º 11, do artigo 63.º, do CIRC, quando se “(…) proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro”, principio que vigora igualmente quando seja de aplicar uma Convenção destinada a evitar a Dupla Tributação.
4.76 A omissão de qualquer referência a respeito destas questões é uma grave omissão do dever de fundamentação da AT, uma vez que dele decorre a impossibilidade de aplicar à correcção efectuada os ajustamentos correlativos que a lei portuguesa, bem como as Convenções contra a Dupla Tributação celebradas por Portugal, vieram garantir aos contribuintes.
4.77 A Impugnante chamou a atenção da AT para este facto, e para todas estas questões, quer na reclamação graciosa quer no recurso hierárquico, mas a resposta que a AT entendeu dar-lhe foi simplesmente esta, no que diz respeito às operações realizadas com as empresas do Grupo (RETGS): “De referir que conforme o determinado no artigo 20.º da Portaria mencionada, os ajustamentos a efectuar nos termos do disposto no nº 1 do artigo 17º, deve-lo-ão ser efectuados após o trânsito em julgado quer administrativo, quer judicial, das correcções positivas ao lucro tributável decorrente da não observação do princípio da plena concorrência em operações vinculadas” e esta no que diz respeito às operações realizadas com entidades relacionadas não residentes: “No caso das operações vinculadas terem ocorrido com entidades não residentes, cabe a estas efectuar o pedido de ajuste junto das suas autoridades tributárias”.
4.78. É verdade que o n.º 1, do artigo 20.º, da Portaria estabelece que esses ajustamentos se devem realizar no prazo de 180 dias contados do trânsito em julgado “da decisão, quer administrativa, quer judicial, das correcções positivas efectuadas ao lucro tributável (…)” , mas também é verdade que adita a essa frase a seguinte: “(…) do outro sujeito passivo (…)”.
4.79 No caso da Impugnante, não há, como é bom de ver, do ponto de vista fiscal, um outro sujeito passivo, pois que, no RETGS, todas as empresas do Grupo (logo, Impugnante, B... e E...) são tributadas como se fossem um único sujeito passivo.
4.80 Ou seja, na medida em que a correcção se dirige a todas as operações efectuadas com entidades relacionadas envolvidas na actividade de fabricação de capas de assentos para automóveis, a Liquidação não poderia ter deixado de considerar desde logo o impacto que, dessa correcção, resultaria nos resultados fiscalmente consolidados da Impugnante.
4.81 Quando a AT se recusa a fazer esse “ajustamento correlativo” não está apenas a violar as disposições que ela própria cita e diz aplicar – o n.º 11, do artigo 63.º, do Código do IRC e o n.º 1, do artigo 21.º, da Portaria 1446-C/2001 –, mas está efectivamente a impor à Requerennte uma dupla tributação, que resulta automaticamente efectiva pelo facto de ela e a B... serem tributadas ao abrigo do RETGS.
4.82 Uma tal inércia, para além de violadora do principio da legalidade e da tributação pelo rendimento real, seria igualmente violadora do principio da boa-fé e, designadamente, do disposto no n.º 2, do artigo 266.º da CRP, no artigo 55.º da LGT, no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo e nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º e 21.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT).
4.83 O segundo aspecto tem a ver com os ajustamentos correlativos no que diz respeito à parte da correcção efectuada pela AT que seja alocável às operações realizadas entre a B..., de um lado, e a demais entidades relacionadas, residentes em França, Espanha, Polónia, Republica Checa, Marrocos e Tunísia.
4.84 O problema, é certo, prende-se com o facto de as correcções propostas pela AT à B... não se sustentarem em métodos transaccionais mas num método que mede a adequação da margem de rentabilidade operacional de cada empresa com a margem similar de outras empresas (não relacionadas).
4.85 Ou seja, as correcções propostas pela AT não se dirigem às operações efectuadas com entidades relacionadas, mas ao ajustamento, para cima, das rentabilidades apuradas pela B... no exercício de 2008 – quer isto dizer que não permite à B... uma imputação da correcção às operações realmente efectuadas com cada uma das suas contra-partes relacionadas, não residentes, impedindo que estas solicitem os adequados ajustamentos correlativos juntos das autoridades fiscais dos seus Países.
4.86 A AT respondeu à Impugnante dizendo muito laconicamente que “No caso das operações vinculadas terem ocorrido com entidades não residentes, cabe a estas efectuar o pedido de ajuste junto das suas autoridades tributárias”.
4.87 A questão é a de saber exactamente que ajustamentos correlativos deve cada uma dessas entidades relacionadas solicitar.
4.88 E a resposta a esta questão não pode deixar de ser dada no âmbito do mesmo procedimento inspectivo em que ocorre a correcção primária, desde logo porque, quer a Convenção de Arbitragem, quer as Convenções de Dupla Tributação, impõem um prazo de dois ou três anos para que esse ajustamento correlativo seja solicitado, prazo que se conta a partir do momento em que ocorre a notificação da medida que é susceptível de originar uma dupla tributação.
4.89 Ora, como é bom de ver, é impossível cumprir esses prazos se as entidades relacionadas não residentes não souberem que ajustamentos devem solicitar, no contexto e no âmbito da inspecção em que operar a correcção primária, pois, que se o direito internacional – que Portugal não pode deixar de cumprir -, lhes concede um prazo de dois ou de três anos contados do momento em que a B... é notificada da medida susceptível de originar uma dupla tributação (ou seja, no momento da notificação da Liquidação), então, nesse momento, não podem deixar de estar apurados os critérios de que dependem esses ajustamentos.
4.90 Acresce que o artigo 63.º do CIRC é uma norma que tem por objecto os preços de transferência “nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras (…)” (n.º 1).
4.91 Ou seja, nenhuma correcção pode estar completa se não for efectuada por referência às operações comerciais ou financeiras do sujeito passivo, o que equivale a dizer que, quando a AT decida corrigir os preços de transferência do sujeito passivo mediante aplicação de um método não transaccional – i.e., um método que apura o preço de plena concorrência por referência a critérios globais – não pode deixar depois de alocar essa correcção às operações comerciais ou financeiras realizadas por esse sujeito passivo, sob pena de incumprir o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC.
4.92 Se verificarmos o conteúdo da Liquidação, facilmente constataremos que:
• dela não resulta que tenha havido qualquer correcção aos prejuízos fiscais da Impugnante, uma vez que nada se indica a esse respeito nas importâncias corrigidas;
• indica prejuízos fiscais de zero, quando, mesmo após a correcção, a Impugnante continuaria a ter prejuízos reportáveis de € 4.623.084,49;
• indica um valor a reembolsar de € 28.855,42 – sendo que nenhuma explicação é dada para o respectivo cálculo, obrigando a Impugnante a contas autónomas para procurar compreender a relação entre esse número e as correcções efectuadas;
• as operações de acertos e estornos mencionadas naquele documento não são, ainda que de forma mínima, explicadas.
4.93 Estas falhas constituem uma clara violação do direito à fundamentação constitucionalmente garantido porquanto impedem a Impugnante de compreender totalmente a Liquidação e assim acautelar os seus direitos contestando os argumentos e os cálculos efectuados pela AT.
4.94 Refira-se, neste âmbito, que a Impugnante não ignora que, na base da Liquidação, está o Relatório B... elaborado pela AT; contudo, não consegue apreender em que medida as correcções efectuadas estão reflectidas na Liquidação, em particular por que razão são indicados prejuízos fiscais de € 0,00 (quando na realidade estes são de € 4.623.084,49), porque é determinado um reembolso de € 28.855,42 e, posteriormente, um valor a pagar de € 8.117,46.
4.95 Ora, no caso que aqui se discute, a Impugnante não consegue compreender a Liquidação elaborada, o que impossibilitou ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto.
4.96 Com efeito, mesmo que se admitisse que a remissão para outro documento, suportado por um relatório da Inspecção, seria suficiente para a fundamentação do acto (como pretende a AT quando menciona na Liquidação a “fundamentação já remetida”) – o que não se concede –, veja-se que, mesmo procurando estabelecer uma relação entre os referidos documentos, não é possível perceber com certeza os motivos da exigência deste imposto e a forma como as correcções efectuadas em sede de Relatório Final foram calculadas e reflectidas na Liquidação resultando em imposto a pagar pela Impugnante.
4.97 A este respeito, saliente-se que o procedimento de liquidação de imposto não pode ser entendido como um puzzle que os contribuintes devem pacientemente tentar montar, escolhendo de entre várias peças a que se encaixa na parte já construída, caracterizado por uma sucessão de actos herméticos, sem qualquer explicação, impossíveis de apreender para além do valor a pagar e do termo do prazo para fazer, sendo que no presente caso é convicção da Impugnante que o referido dever de fundamentação não foi observado, na medida em que um contribuinte médio (e mesmo um contribuinte com formação e conhecimentos superiores à média) não consegue compreender os cálculos efectuados pela AT, nem porque razão são indicados prejuízos fiscais de € 0,00 (quando na realidade estes são muito superiores), ou porque é determinado um reembolso de € 28.855,42 e, posteriormente, um valor a pagar de € 8.117,46.
4.98 Nesta medida, a Liquidação de que se reclama não pode deixar de ser considerada ilegal, por violação do disposto no artigo 268.º da CRP, preceito que garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa senda também ilegal por violação do disposto no artigo 77.º da LGT.
4.99 A Impugnante, procedeu, em 20 de Junho de 2012, ao pagamento do montante de imposto apurado.
4.100 Nos termos do n.º 1, do artigo 43.º, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos Serviços no pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido.
4.101 Conforme acima se explicitou, a Liquidação e respectivos juros compensatórios enferma de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do direito, o que configura um erro imputável aos Serviços, pelo que desde já se requer o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, desde o dia seguinte ao do pagamento indevido, até à data da emissão da respectiva nota de crédito, nos termos prescritos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1 Em primeiro lugar deu por reproduzido o relatório inspectivo subjacente à liquidação que juntou ao processo administrativo.
5.2 Efectivamente, através da ordem de serviço número OI2011... foi emitida a 29 de Agosto de 2011 por Despacho do Chefe de Divisão de Empresas Não Financeiras – II, por delegação de competências do Director de Serviços, uma acção inspectiva ao Requerente, tendo sido remetida a carta aviso através do Ofício n.º..., de 30 de Agosto de 2011.
5.3 O objecto da acção inspectiva, de âmbito parcial, incidiu sobre o Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), visando, nomeadamente avaliar se as condições praticadas nas operações vinculadas estão em conformidade com o Princípio de Plena Concorrência previsto no número 1 do artigo 58.º do Código do IRC, e incidiu sobre o exercício de 2008.
5.4 A 15 de Novembro de 2011 teve inicio a acção inspectiva tendo sido entregue ao sujeito passivo, nessa data, cópia da Ordem de Serviço, conforme determina o artigo 51.º do RCPIT.
5.5 Em 20 de Dezembro de 2011, foi entregue ao sujeito passivo a Nota de Diligência, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 61.º do RCPIT e concluída a acção inspectiva.
5.6 O objectivo da acção inspectiva teve um âmbito parcial ao Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), visando, nomeadamente avaliar se as condições praticadas nas operações vinculadas estão em conformidade com o Princípio de Plena Concorrência previsto no número 1 do artigo 58.º do Código do IRC, e incidiu sobre o exercício de 2008.
5.7 De acordo com o Relatório de Análise Funcional de Preços de Transferência, é referido que: “Inicialmente, a B... surge como fabricante de componentes de automóvel que operava em sistema just-in-time para a ... Portuguesa, localizada em Setúbal. Na sequência do encerramento desta empresa multinacional, a B... foi desactivada durante 1998 e 1999, sendo que posteriormente foi deslocalizada para Vouzela, renascendo com a sua actual actividade de negócio. Desta forma, desde 2001 até inícios de 2005, a B... prestou apenas serviços de corte e costura à A.... A partir desta data, a B... deixou de ser uma entidade prestadora de serviços para se inserir inteiramente na cadeia de valor dos produtos que fabrica”.
5.8 Relativamente a este tipo de operações e por estarmos no âmbito de relação especiais (não contestadas pela Requerente), a B... nos termos do n.º 1 do artigo 13.º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, e do n.º 6 do artigo 58.º do Código do IRC deverá manter a documentação respeitante à política adoptada na determinação dos preços de transferência.
5.9 As operações vinculadas dizem respeito a cinco tipos, a saber:
- Vendas de mercadorias e outros produtos;
- Análise da actividade global da B...;
- Aquisição de Serviços de Suporte Administrativo à A...;
- Pagamento de royalties à M... pelo licenciamento de know-how;
- Financiamentos intra-grupo.
5.10 Os valores associados às operações vinculadas constam da seguinte tabela:
5.11 Os serviços de inspecção apuraram resultados operacionais e fiscais negativos na esfera da B..., efectuando-se uma análise agregada dos anos de 2006, 2007 e 2008.
5.12 De acordo com o Dossier de Preços de Transferência, a B... indica que foi utilizado o Método do Custo Majorado e bem como indicador de rentabilidade, a Margem Bruta calculada através do rácio entre o resultado bruto (i.é., a diferença entre o volume de negócios e o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas) e o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas.
5.13 Por sua vez, concluiu que o retorno bruto auferido se encontra no intervalo de plena concorrência apurado pelo conjunto de empresas consideradas como comparáveis (intervalo inter quartil a variar entre 36,7% e 72,3 para o exercício de 2005 a 2007) dado que em 2008 a B... apurou uma margem bruta de 57,1%.
5.14 Ora, o conjunto de empresas consideradas como comparáveis são as mesmas empresas que respeitam à actividade global de produção de capas para assentos de automóveis, mas neste caso, o indicador considerado foi a margem bruta.
5.15 Segundo os Serviços de Inspecção, o indicador de rentabilidade considerado pela B... não se revela o mais adequado para efeitos de verificação do cumprimento do Princípio de Plena Concorrência nestas operações, dado que a base de custos considerada não incorpora todos os custos directamente relacionados com a actividade de “Venda de mercadorias e outros produtos”, não incorporando a totalidade dos custos de produção de uma capa de assento para automóvel (aproximadamente 60%).
5.16 De acordo com os Serviços de Inspecção Tributária, a análise efectuada pela B... não permitiu extrair qualquer conclusão ao nível da aderência ao Princípio de Plena Concorrência nas “Vendas de mercadorias e de outros produtos”, porquanto a margem bruta que foi calculada para cada uma das entidades tomadas como comparáveis foi obtida através do seguinte rácio (Volume de negócios – Custo dos materiais) / Custo dos materiais.
5.17 Pelo que, não estamos perante uma margem bruta no sentido de compararmos os preços de venda dos produtos fabricados menos o custo industrial dos produtos vendidos (pois estamos perante uma entidade industrial).
5.18 Ou seja, a B... limitou-se a comparar em que medida o preço de venda dos produtos produzidos cobria o custo dos materiais incorporados na produção.
5.19 Foi, assim, concluído que a análise efectuada não possibilita a extracção de qualquer conclusão quanto à aderência ao Princípio de Plena Concorrência nestas operações, pois teria que ter sido incluído na base de custos todos os que estivessem relacionados com a actividade de fabricação (ex: mão-de-obra do sector fabril, seguros, etc…).
5.20 Ora a B... reconhece que o rácio utilizado para efeitos de aplicação do método do custo majorado não tem em consideração a totalidade dos custos de produção de uma capa de assento para automóvel (aproximadamente 60%).
5.21 A título complementar, foi realizado um estudo de comparabilidade respeitante à análise global da actividade da B... com recurso à base de dados comercial SABI (tendo adicionalmente efectuado uma revisão desse estudo utilizando para o efeito a base de dados OneSource).
5.21 O método de preços de transferência utilizado foi o método do lucro comparável que se baseia na comparação de um indicador de lucratividade, o qual é calculado com referência à actividade global do sujeito passivo e de um conjunto de entidades independentes consideradas comparáveis.
5.22 A aplicação do método do lucro comparável baseou-se no processo de pesquisa antes referido, no âmbito do qual foram identificadas 13 empresas independentes, das quais 12 são residentes em Espanha e uma em Portugal.
5.23 O indicador de rentabilidade utilizado foi o custo líquido majorado, determinado através da divisão do resultado operacional pelo total de custos operacionais.
5.24 O quadro seguinte contém, para o rácio “custo líquido majorado”, os valores apurados pela Sasal nos exercícios aí indicados:
5.25 Com base nos valores apurados pelas entidades tomadas como comparáveis, foi determinado o seguinte intervalo:
|
Company name
|
RO/C0
2005
|
RO/CO
2006
|
RO/CO
2007
|
Tiénio 2005-2007
|
1
|
V...
|
5,7%
|
4,5%
|
3,9%
|
4,7%
|
2
|
U...
|
1,3%
|
2,1%
|
-7,9%
|
-1,3%
|
3
|
W...
|
10,3%
|
14,7%
|
8,6%
|
11,1%
|
4
|
X...
|
1,7%
|
1,9%
|
1,8%
|
1,8%
|
5
|
Y...
|
4,7%
|
10,1%
|
5,7%
|
6,9%
|
6
|
Z...
|
4,0%
|
10,0%
|
4,2%
|
6,0%
|
7
|
AA...
|
6,5%
|
7,2%
|
6,5%
|
6,7%
|
8
|
BB...
|
4,5%
|
6,8%
|
10,7%
|
7,8%
|
9
|
CC...
|
5,6%
|
4,2%
|
2,8%
|
4,2%
|
10
|
DD...
|
1,6%
|
1,7%
|
2,2%
|
1,8%
|
11
|
EE...
|
6,5%
|
4,3%
|
7,5%
|
6,2%
|
12
|
FF...
|
1,5%
|
3,3%
|
|
2,4%
|
13
|
GG...
|
3,7%
|
3,5%
|
3,9%
|
3,7%
|
|
Mínimo
|
1,3%
|
1,7%
|
-7,9%
|
-1,3%
|
|
1º Quartil
|
1,7%
|
3,3%
|
2,7%
|
2,4%
|
|
Mediana
|
4,5%
|
4,3%
|
4,1%
|
4,7%
|
|
3º Quartil
|
5,7%
|
7,2%
|
6,7%
|
6,7%
|
|
Máximo
|
10,3%
|
14,7%
|
10,7%
|
11,1%
|
5.26 Da comparação do indicador “Custo Líquido Majorado” da B... (-6,88%) com os valores do intervalo construído a partir dos dados das entidades tomadas como comparáveis pelo sujeito passivo no Dossiê de Preços de Transferência relativo ao exercício de 2008, a B... apresentou um valor inferior ao valor mínimo desse intervalo (-1,3%; 11,1%), pelo que concluíram os Serviços de Inspecção que as condições praticadas divergem daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes.
5.27 Tal como descrito no número 2.1 do ponto III 1.1.1 do relatório de inspecção constante do processo administrativo, entre a B... e as entidades aí indicadas existem relações especiais por força das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, pelo que, em conformidade com o número 1 desse artigo, nessas operações vinculadas devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
5.28 Conforme consta do relatório de inspecção foram apresentados os fundamentos sobre as quais nas operações vinculadas realizadas pela B..., durante o exercício de 2008, e que foram objecto da apresentação de um estudo de comparabilidade no Dossiê de Preços de Transferência, não foram estabelecidos termos e condições de plena concorrência, pelo que se considera foi violado o disposto no n.º 1 do artigo 58.º do Código do IRC.
5.29 A B... procurou justificar o enquadramento fora do intervalo constante do Dossiê de Preços de Transferência, invocando que:
• Teve custos de arranque com novos projectos;
• O impacto da crise mundial de 2008 na esfera da actividade operacional da B..., sendo que os dados utilizados como comparáveis (2005-2007) ainda não incorporam esse efeito;
• Realização de investimentos significativos em imobilizado corpóreo.
5.30 Todavia entenderam os Serviços de Inspecção que as limitações resultantes das fragilidades identificadas, a OCDE preconizam que se limite a amplitude do intervalo a considerar (ex: através da consideração do intervalo interquartil), por forma a aumentar o grau de comparabilidade das entidades tomadas como comparáveis e a aumentar a fiabilidade da aproximação aos termos e condições de plena concorrência.
5.31 No mesmo sentido, o número 5 do artigo 4.º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, estabelece que o intervalo de valores a considerar para efeitos de determinação das condições normais de mercado deve ser composto por um conjunto de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável.
5.32 Ora se foram identificadas fragilidades ao estudo de comparabilidade realizado pelo sujeito passivo, tal significa que existem pontos dentro desse intervalo que não asseguram o mesmo grau de comparabilidade que os restantes, os quais serão naturalmente os extremos do mesmo na medida em que entidades independentes a desenvolver actividades similares tendencialmente apuram valores semelhantes.
5.33 Pelo que para efeitos de determinação do montante de violação do Princípio de Plena Concorrência, atendeu-se ao intervalo interquartil do estudo de comparabilidade constante do Dossiê de Preços de Transferência. Da aplicação do Princípio de Plena Concorrência previsto no n.º 1 do art.º 58º do Código do IRC do qual resulta que o resultado tributável da B... está subavaliado em € 3.189.298.
5.34 Tendo sido efectuada uma correcção positiva ao lucro tributável declarado pelo sujeito passivo -, no montante de € 3 189 298, nos termos do estatuído no art.º 58º do CIRC (actual artigo 63.º do Código do IRC).
5.35 A liquidação adicional contestada, referente ao período de tributação de 2008, foi originada pelas correcções efectuadas no relatório de acção de inspecção interna de âmbito parcial à sociedade dominada B..., S.A..
5.36 A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, contesta quer a correcção promovida ao lucro tributável da B..., no montante de € 3.189.298,00, com a consequente correcção aos seus prejuízos fiscais que se veio a reflectir na Requerente enquanto sociedade dominante, quer a consequente liquidação de derrama e juros compensatórios, que originou um valor a pagar de €8.117,46.
5.37 A correcção ao lucro tributável tem na sua base um ajustamento de preços de transferência traduzido na desconsideração do indicador de rendibilidade global (designado por custo líquido majorado) de -6,9% para um custo líquido majorado de + 2,4%.
5.38 Sustenta a AT que, no âmbito da acção inspectiva, deu cumprimento ao dever de fundamentação das correcções, tal como prescrito no n.º 3 do art.º 77.º da LGT, preenchendo os requisitos aí enunciados procedendo nomeadamente à análise, quer dos métodos utilizados pelo contribuinte para a determinação dos preços de transferência, confrontando cada um deles, em ordem a eleger o método ou métodos considerados mais apropriados a assegurar o princípio de plena concorrência, quer da análise de comparabilidade constante do Dossier dos Preços de Transferência (doravante, DPT) e em resultado das deficiências detectadas, procedeu à quantificação dos ajustamentos correspondentes ao desvio praticado na observância do princípio de plena concorrência.
5.39 Com efeito, no âmbito da actividade desenvolvida, a B... realizou operações vinculadas de diferente natureza, a saber:
5.40 Categorias de operações realizadas no triénio 2006-2008 Valores em Euro
Natureza das operações
|
2006
|
2007
|
2008
|
Vendas de mercadorias e produtos
|
23.571.786
|
29.490.801
|
31.114.707
|
Compra de mercadorias e outros produtos
|
741.626
|
1.522.177
|
550.486
|
Aquisição de serviços intra-grupo
|
1.555.394
|
1.553.875
|
1.769.450
|
Aquisição de activos
|
16.391
|
813
|
313.289
|
Outros encargos
|
340.385
|
212.596
|
408.058
|
Outros rendimentos
|
222.947
|
731.612
|
226.895
|
Custos financeiros
|
30.148
|
137.618
|
179.272
|
Empréstimos obtidos
|
800.000
|
2.070.000
|
3.109.521
|
Royalties
|
485.600
|
594.700
|
635.100
|
Total
|
17.764.277
|
36.389.936
|
38.306.778
|
5.41 A acção inspectiva com vista a avaliar se, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 58.º do Código do IRC, nas operações vinculadas tinham sido praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, centrou-se, em primeiro lugar, nas operações “Vendas de mercadorias e outros produtos”.
5.42 O afastamento do método do Custo Majorado (MCM) - Relativamente às operações de venda de mercadorias e outros produtos a entidades relacionadas, embora não tenha sido posto em causa, em si mesmo, a validade do método seleccionado pela B...– o Método do Custo Majorado – foi considerado no entanto, que a forma de cálculo do indicador de rendibilidade seleccionado não se revelava, em face da natureza e circunstâncias específicas da actividade da empresa, como sendo a mais adequada para efeitos de verificação do cumprimento do princípio de plena concorrência nestas operações, pela seguinte ordem de razões:
• a margem bruta foi calculada através do rácio entre o resultado bruto (i.e., a diferença entre o volume de negócios e o custo das mercadorias vendidas e consumidas) e custo das mercadorias vendidas e consumidas;
• tendo em conta que se trata de uma actividade de fabricação, o custo dos produtos vendidos – capas de assentos para automóveis - deve incorporar todos os custos directamente relacionados com a produção e apenas o custo dos materiais consumidos; e
• o rácio utilizado para efeitos de aplicação do método do custo majorado incorpora aproximadamente 60% da totalidade dos custos de produção.
5.43 Assim, não obstante a B..., em resultado da análise de comparabilidade levada a cabo, com base numa amostra de 13 empresas independentes tomadas como genericamente comparáveis, ter concluído que o retorno bruto auferido – traduzido pela Margem Bruta calculada de acordo com a fórmula acima referida - se encontrava dentro do intervalo de plena concorrência (intervalo interquartil), as deficiências de que enferma o cálculo do indicador utilizado são susceptíveis de enviesar o resultado da análise, retirando-lhe fiabilidade, e, portanto, foi desconsiderado como válido para efeitos de avaliar a observância do princípio de plena concorrência.
5.44 De acordo com o parágrafo 2.42 de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administration (doravante Guidelines), “(…) If the cost plus method were being applied, the mark ups being compared in the controlled and uncontrolled transactions would be the difference between the selling price by the manufacturer to the distributor and the costs of manufacturing the product, divided by the costs of manufacturing the product.(…)”, ou seja, quando as operações em causa têm por objecto produtos fabricados, o cálculo do indicador “margem bruta” deve tomar como base os “custos de produção”.
5.45 Logo, ao não tomar em consideração no cálculo do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas uma parte significativa dos custos de fabrico, nomeadamente, os custos com o pessoal afecto à produção, deixa de ser possível assegurar com um mínimo de certeza se os resultados obtidos na análise de comparabilidade da “margem bruta” seriam aqueles que foram obtidos pela B... .
5.46 Não é correcta a posição da Requerente de que, mesmo assim, deveria a AT ter–se esforçado por salvar o método tradicional, apurando os ajustamentos que ao mesmo coubessem, segundo o n.º 3 do art.º 8.º, da Portaria.
5.47 Uma vez que não se poderia atribuir à AT o ónus de um tal exercício, que envolveria cálculos complexos, em termos de contabilidade analítica, que a própria B... não quis efectuar, tendo, em alternativa, recorrido a outra metodologia para confirmar os resultados de aplicação do Método do Custo Majorado.
5.48 Com efeito, o desconforto e insegurança associados dos resultados da utilização do Método do Custo Majorado estão patentes no Relatório de Análise Económica de Preços de Transferência
5.49 Ou seja, as razões para a selecção do método do lucro comparável foram aceites pela própria B... que igualmente lhe reconheceu méritos suficientes para o qualificar como o método mais apropriado, tendo em linha de conta os factos e as circunstâncias específicas da sua actividade e os dados disponíveis para análise.
5.50 Perante esta opção da B... pelo recurso ao método do lucro comparável e dadas as reservas suscitadas quanto à fiabilidade do resultado obtido com aplicação do Método do Custo Majorado para assegurar se estaria a ser observado o princípio de plena concorrência, a AT não poderia deixar de verificar a sua aplicação, tanto mais que, perante a diversidade de operações vinculadas realizadas pela B..., este método era o que se revelava como mais apto para avaliar o retorno operacional global obtido pela Empresa na sua actividade.
5.51 Por conseguinte, as alegadas ilegalidades em que, segundo a Requerente, incorreu a AT, enunciadas no art.º 53.º da PI, por não ter fundamentado as razões pelas quais o Método do Custo Majorado não é o método mais apropriado a determinar o preço de plena concorrência e por não ter promovido os ajustamentos a que se referem o n.º 3 do art.º 8.º da Portaria n.º 1446-C/2001, não procedem, conforme acima foi explicado.
5.52 Deste modo, a aplicação do método do lucro comparável embora, como é reconhecido pela Requerente, este método não esteja expressamente previsto, quer no n.º 3 do art.º 63.º do Código do IRC, quer também no n.º 1 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, é subsumível na categoria residual de “outro método apropriado” reservado para os casos em que os métodos tradicionais não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
5.53 O indicador de lucratividade seleccionado para efeitos de comparação com entidades independentes tomadas como comparáveis foi o custo líquido majorado que corresponde ao rácio entre o resultado operacional e o total dos custos operacionais.
5.54 A análise de comparabilidade efectuada pela B... teve por base um conjunto de 13 empresas independentes que já tinham sido objecto de selecção no âmbito de aplicação do Método do Custo Majorado, que permitiu a construção de um intervalo de margens médias ponderadas de plena concorrência, com referência ao custo líquido majorado, para o período de 2005-2007, cujos limites mínimo e máximo eram respectivamente de -1,3% e 11,1%, a mediana de 4,7% e com o intervalo interquartil situado entre 2,5% e 6,7%.
5.55 Comparando os valores do intervalo com os valores deste indicador registados pela Sasal (constantes do Quadro infra, verifica-se que estes, além de negativos, em qualquer dos anos, são inferiores ao limite mínimo do intervalo de plena concorrência.
Custo líquido Majorado
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
(Proveitos operacionais – Custos operacionais) /Custos operacionais
|
-2,52%
|
-2,26%
|
-6,88%
|
-1,10%
|
5.56 As razões fornecidas pela B... para justificar que o indicador custo líquido majorado calculado para 2008 se situasse abaixo do limiar mínimo do intervalo (-1,3%) e, portanto, fora do intervalo de plena concorrência, apontavam para circunstâncias específicas da actividade da Empresa, resultantes do ciclo de negócios e da crise conjuntural do sector de componentes de automóveis.
5.57 Os Serviços de Inspecção da AT não consideraram que as explicações fornecidas tivessem relevância suficiente para determinar a realização de ajustamentos aos valores do intervalo de plena concorrência.
5.58 Na tentativa de refinar a consistência da análise de comparabilidade, por forma a, nos termos previstos no n.º 5 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, conduzir a um intervalo de valores que assegurasse um grau de comparabilidade razoável e a encontrar o valor de retorno global da actividade que melhor se conformasse com o princípio de plena concorrência, a IT, levou a cabo um exercício mais analítico e, nesse âmbito, começou pela análise dos critérios de selecção das entidades tomadas como comparáveis.
5.59 Assim, tendo por base um dos critérios susceptíveis de afectar a comparabilidade dos dados das observações extraídas das entidades da amostra, referidos no parágrafo 3.43 das Guidelines, que se prende com a dimensão económica aferida em termos de Vendas, Activos ou Número de Trabalhadores, foi suscitada a questão de saber se o limiar de selecção das entidades não deveria ter sido alinhado com o valor de vendas líquidas e outros proveitos, fixado no n.º 3 do art.º 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de €3.000.000, para efeitos da obrigação de dispor do Dossier de Preços de Transferência.
5.60 Todavia, como facilmente se retira do RIT (ponto 4.2, in fine) a utilização deste critério não veio a ser considerado determinante para a exclusão da U... ou de outras empresas seleccionadas, uma vez reconhecido que se trata de um dos critérios de selecção que deve ser objecto de ponderação não isoladamente mas, antes, em conjunto com outros factores.
5.61 Num segundo passo, foram analisadas as razões pelas quais os dados relativos à U... SL- a única entidade tomada como comparável, que, para o indicador custo líquido majorado, apresentava, no triénio 2005-2007, um valor médio ponderado negativo (-1,3%) que resultava exclusivamente de, em 2007, ter registado um valor de -7,9%, pois que os valores de 2006 (+2,1%) e de 2005 (+1,3%) eram positivos – se afastavam das demais observações do intervalo e o modo como poderia ser neutralizado o enviesamento daí resultante.
5.62 Na linha das orientações contidas nos parágrafos 3.56, 3.59 e 3.63 das Guidelines que recomendam que os resultados anómalos bem como os extremos sejam objecto de uma análise mais aprofundada, a IT procedeu a uma averiguação mais detalhada das características da actividade da entidade U... SL, que evidenciaram nomeadamente que o valor “extremo” do indicador de rendibilidade registado em 2007 apresentava um desvio muito significativo relativamente aos valores dos anos anteriores, a par de uma evolução negativa muito expressiva (-25%) no volume de negócios registada no triénio 2005-2007, requisitos que indiciavam um grau reduzido de comparabilidade com a B..., para além das duas empresas se situarem em escalões muito diferentes, em termos de dimensão económica.
5.63 Em resultado deste exercício, a construção de um intervalo de observações dotadas de maior homogeneidade recomendaria ou a eliminação dos dados relativos à U... SL seguindo a orientação do parágrafo 3.56 das Guidelines ou, em alternativa, tendo presente as limitações do estudo de comparabilidade seguir as orientações do parágrafo 3.57 das mesmas Guidelines e confinar a amplitude do intervalo de plena concorrência ao intervalo interquartil, na medida em que os valores estatísticos mais centrais estão mais aptos a produzir uma melhor estimativa dos valores de plena concorrência.
5.64 Foi esta a opção que se afigurou à AT, perante os dados disponíveis, como a solução susceptível de oferecer resultados mais conformes com o princípio de plena concorrência, tendo em linha de conta os factos e as circunstâncias do caso concreto e as limitações do estudo de comparabilidade explicitadas no RIT.
5.65 No cálculo da correcção ao lucro tributável resultante da acção inspectiva a B... apresentou, em 2008, para o indicador de rendibilidade seleccionado, um valor (-6,88%) que se situava fora do intervalo de plena concorrência, quer considerando o intervalo construído a partir dos valores médios ponderados do triénio 2005-2007: limite mínimo: -1,3%; 1.º quartil: 2,4, %; mediana: 4,7%; 3.º quartil: 6,7%, limite máximo: 11,1%, quer o intervalo construído com valores apurados em 2008: limite mínimo: 1,4%; 1.º quartil: 3,1 %; mediana: 3,5%; 3.º quartil: 4,3%, limite máximo: 6,4%.
5.66 Como já, antes, referido, a B... apresentou nos anos 2006, 2007 e 2008, valores negativos, para o indicador custo líquido majorado, ou seja, nunca registou lucros neste período, o que significa que o ano de 2008 não constituiu uma excepção, em termos de rendibilidade negativa, pese embora os efeitos negativos que, no final desse ano, tenham sido provocados pela crise que afectou o sector das componentes para automóveis.
5.67 Assim, tendo por base o estreitamento da amplitude do intervalo de plena concorrência ao intervalo interquartil, realizado ao amparo das recomendações das Guidelines, foi considerado razoável propor como medida de plena concorrência, tendo em atenção que o valor de 2008 reflectirá em alguma medida os efeitos da crise do sector iniciada nesse ano, para o indicador de rendibilidade custo líquido majorado, o valor correspondente ao 1.º quartil: 2,4%, do intervalo construído para o triénio 2005-2007, que permitiu obter um resultado operacional de plena concorrência de € 825.247 (34.385.282 x 2,4%), o que implicou uma correcção positiva de € 3.189.298 (825.247 + 2.364.051).
5.68 A alegação da Requerente que ao desconsiderar os dados de 2008 da B... que apontavam para um intervalo interquartil que variava entre + 1,45 e + 6,4%, a AT tomou uma decisão incoerente com a que havia adoptado no seu próprio caso, não tem razão de ser, porquanto, o quadro para que remete, inserido na página 40 do RIT da B..., apresenta para um intervalo interquartil cujos limites eram +3,1% e +4,3%.
5.69 Ou seja, se a AT tivesse utilizado os dados relativos ao custo líquido majorado calculados para o ano de 2008, o valor seleccionado (1.º quartil do intervalo) seria 3,1%, em lugar de 2,4%.
5.70 Donde se conclui que, perfilhando uma posição mais conservadora, a AT optou um valor mais baixo (2,4%) do que teria adoptado se tomasse por base os dados apurados em 2008.
5.71 No que concerne aos ajustamentos correlativos, a AT rejeita a argumentação da Requerente de que o recurso a um método não-transaccional irá ter consequências na realização do ajustamento correlativo, na esfera das entidades contrapartes relacionadas, quer sejam residentes em território, quer quando sejam residentes em Estados membros da União Europeia, na medida em que se tornará necessário operar uma repartição do ajustamento global pelas diferentes operações e entidades relacionadas.
5.72 Quanto à apresentação do pedido para eliminação da dupla tributação ao abrigo da Convenção de Arbitragem (Convenção 90/436/CEE, de 23 de julho), já foi apresentado pela Requerente em 2013-11-29, à Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), um pedido ao abrigo do artigo 6.º da Convenção, no sentido de ver considerado na esfera das contrapartes em situação de relações especiais, com a B..., S.A. o ajustamento correlativo derivado do ajustamento primário aos lucros tributáveis de ambas, efectuado pela AT em sede de procedimentos inspectivos relativos ao período de 2008.
5.73 O pedido apresentado contém uma proposta de alocação dos ajustamentos pelas contrapartes abrangidas pelas operações, donde se conclui que a Requerente conseguiu ultrapassar as alegadas dificuldades decorrentes da aplicação do método do lucro comparável.
5.74 A apresentação dos referidos pedidos, uma vez aceites, desencadeia, nos termos do n.º 2 do art.º 6.º da Convenção, a abertura do procedimento amigável entre as autoridades competentes nacionais, para o efeito, a DSRI, e as autoridades competentes dos quatro Estados membros (Espanha, França, Polónia e República Checa) envolvidos, em ordem a encontrar uma solução para o caso que foi submetido para apreciação.
5.75 Relativamente ao ajustamento correlativo a efectuar em sede de entidade residente, vale o disposto no n.º 1 do art.º 20.º da Portaria n.º 1446-C/2001, não distinguindo este normativo os casos em que as entidades intervenientes são tributadas pelo regime normal ou pelo Regime Especial de tributação dos Grupos de Sociedades.
5.76 Quanto ao dever de fundamentação a AT entende que a Requerente demonstrou conhecimento que lhe permita optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, permitindo igualmente conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
5.77 Pelo que não se verifica a falta de qualquer dever de fundamentação.
5.78 Conclui assim a AT que a sua actuação se pautou pela estrita observância dos preceitos legais, constitucionais e de direito comunitário e internacional a que se encontra vinculada.
5.79 Pelo que não se poderá considerar que tenha existido erro imputável aos serviços na emissão da liquidação em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, de acordo o artigo 43º nº 1 da LGT.
5.80 Visando o processo arbitral, nos termos definidos no RJAT, um mero controle de legalidade da liquidação impugnada, não pode pois determinar que houve “erro imputável aos serviços” quando através de uma interpretação legalmente sustentada em facto tributário sujeito a IRC não se considerou ou gastos/custos aqui em questão.
6. No dia 18-11-2015, pelas 10h30, compareceram no Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD - na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, os Senhores árbitros designados, o Exmo. Dr. AA... e a Exma. Dra. BB..., na qualidade de mandatários da Requerente, conforme Procuração e Substabelecimento juntos aos autos, e o Exmo. Dr. CC..., jurista em representação do Director-Geral da Autoridade Tributaria e Aduaneira, dirigente máximo dos serviços.
6.1 Presidiu ao acto o Senhor Árbitro Presidente antes designado, o Exmo. Conselheiro José Baeta Queiroz, que foi secretariado pela Dra. Cláudia Paris Vicente, jurista do Centro de Arbitragem Administrativa.
6.2 Iniciados os trabalhos, o Senhor Árbitro Presidente, nos termos e para os efeitos do artigo 18º do RJAT, deu a palavra aos representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem, se pronunciarem sobre:
(i) a tramitação processual;
(ii) eventuais excepções que devessem ser apreciadas e decididas antes do Tribunal conhecer do pedido;
(iii) a necessidade de serem feitas correcções nas peças processuais apresentadas;
(iv) a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais.
6.3 No uso da palavra, o representante da Requerente declarou prescindir da inquirição da testemunha por si arrolada.
6.4 No uso da palavra, os representantes da Requerente e da Requerida manifestaram a intenção de produzirem alegações orais.
6.5 Após prévia articulação de agendas de todas as partes presentes, foi igualmente definido o dia 21-12-2015, pelas 14h30 para efeitos de produção das alegações orais.
7. No dia 21-12-2015, pelas 14h30, teve lugar, no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa - na Av. Duque de Loulé nº 72, em Lisboa, a reunião do Tribunal Arbitral tendo por objecto a realização de alegações orais, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
7.1 Presidiu ao acto o Senhor Árbitro Presidente antes designado, o Exmo. Conselheiro José Baeta Queiroz, estando igualmente presentes o Exmo. Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e o Exmo. Prof. Doutor António Martins, na qualidade de árbitros adjuntos, tendo o Tribunal Arbitral sido secretariado pela Dra. Viviana Penas Ribeiro, jurista do Centro de Arbitragem Administrativa.
7.2 Compareceram os representantes legais da Requerente e da Requerida.
7.3 Aberta a audiência, o Senhor Presidente deu a palavra aos Ilustres Mandatários da Requerente para alegarem oralmente sobre a matéria, o que fizeram.
7.4 De seguida, foi dada a palavra ao Ilustre Representante da Requerida, que no uso da palavra alegou oralmente.
7.5 O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18º n.º 2º do RJAT, designou até ao dia 11-03-2015 para o efeito de prolação da decisão arbitral.
II - Factos Provados
8. Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
8.1. A Requerente desenvolve a actividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. ...– R3), encontrando-se enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante “RETGS”), como sociedade dominante.
8.2. Do perímetro de consolidação do seu grupo fazem, ainda, parte as sociedades:
B... S.A., pessoa colectiva n.º ... (de ora em diante “B...”);
C... S.A.;
D... Lda; e
E..., Unipessoal Lda.
8.3. Através do Oficio n.º..., de 30 de Agosto de 2011, a B... foi notificada de que iria ser iniciada uma acção inspectiva, a qual começou no dia 15 de Novembro de 2011 e terminou no dia 20 de Dezembro de 2011.
8.4. Em 20 de Dezembro de 2011, a B... foi notificada do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção e, subsequentemente, em 22 de Fevereiro de 2012, do Relatório de Inspecção Tributária.
8.5. A Requerente foi notificada, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2012..., emitida em 16 de Fevereiro de 2012, da realização de um procedimento de inspecção interno referente ao exercício de 2008 e foi notificada, em 7 de Março de 2012, do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção e, posteriormente, em 4 de Abril de 2012, do Relatório de Inspecção Tributária.
8.6. A 17 de Maio de 2012, foi a Requerente notificada da Liquidação, a qual, tendo em conta os valores constantes da “Demonstração de Acerto de Contas” n.º 2012..., originou um valor a pagar de € 8.117,46, com data limite de pagamento de 20 de Junho de 2012.
8.7. A Requerente efectuou o pagamento da mesma.
8.8. A 17 de Maio de 2012, a Requerente foi ainda notificada da “Demonstração de liquidação de Juros”, identificada como Compensação n.º 2012..., com a explicitação do cálculo dos juros compensatórios.
8.9. Em 13 de Setembro de 2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa da Liquidação.
8.10. A Requerente foi notificada pela AT, a 18 de Dezembro de 2012, do projecto de indeferimento da reclamação apresentada, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, o qual foi remetido à AT em 5 de Março de 2013.
8.11. A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º ... de 28 de Março de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
8.12. A Requerente apresentou, em 30 de Abril de 2013, recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa,
8.13. O recurso hierárquico foi indeferido, conforme Oficio n.º ... notificado à Requerente, a 10 de Julho de 2015.
8.14. No âmbito da sua actividade, a B... realiza diversas operações com entidades relacionadas.
8.15. Os valores associados a essas operações são os seguintes:
8.16. Foi apresentado pela Requerente em 29-11-2013, à Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), um pedido ao abrigo do artigo 6.º da Convenção de Arbitragem (Convenção 90/436/CEE, de 23 de julho), no sentido de ver considerado na esfera das contrapartes em situação de relações especiais, com a B..., S.A. o ajustamento correlativo derivado do ajustamento primário aos lucros tributáveis de ambas, efectuado pela AT em sede de procedimentos inspectivos relativos ao período de 2008.
III – Factos não provados
9. Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.
IV - Motivação da decisão de facto.
10. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no acervo documental junto, incluindo o processo administrativo instrutor. Foi considerada ainda, na apreciação da prova, a circunstância de não se surpreender nos articulados apresentados,qualquer controvérsia das partes relativamente ao quadro factual alegado pela requerente. Não se constataram factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
V - Do Direito
11. SQuestões a apreciarestssoal Lda.ão as seguintes as questões a apreciar:
- Da ilegalidade da liquidação de IRC e da Demonstração de Acerto de Contas
- Dos juros compensatórios
Examinemos assim essas duas questões:
I - DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IRC E DA DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
1. A relevância fiscal dos preços de transferência
As operações entre empresas relacionadas poderão criar distorções aos princípios da equidade e neutralidade fiscal. Tal é a importância das questões emergentes destas operações que certas organizações internacionais – como é o caso da OCDE – nelas se têm envolvido e desempenhando um papel importante no estudo e proposta de soluções técnicas a adotar nesta matéria.
A repartição dos lucros ou prejuízos de uma empresa multinacional pelas unidades que a compõem pode, estando essas unidades sedeadas em países com sistemas de tributação diferenciados, influenciar consideravelmente a distribuição da receita fiscal. Assim, os métodos para determinar a base tributária que corresponderá a cada uma das várias jurisdições são bastante relevantes.
O princípio da independência (arm’s-length principle) confere às autoridades fiscais o poder de efetuar correções, caso as condições praticadas nas transações entre empresas relacionadas não sejam idênticas às que seriam praticadas entre empresas independentes.
As convenções adotadas pelos diversos países passaram a incluir nos seus textos sobre preços de transferência o referido princípio da independência, também designado por princípio de plena concorrência. Este mais não é do que a obrigação de considerar que na valorização das transações entre entidades relacionadas se pressupõe que os preços estabelecidos para essas transações deverão ser os mesmos, ou semelhantes, aos que seriam praticados em transações idênticas entre entidades independentes.
Embora o princípio seja de formulação simples, poderá revelar-se de difícil aplicação. Com efeito, as empresas multinacionais são, pela própria natureza das suas atividades, entidades para as quais se torna difícil e complexo o controlo dos preços de transferência que nelas são praticados.
As economias de escala, que muitas vezes são um fator decisivo para os investimentos daquelas empresas num determinado país, bem como o peso das transações intra-grupo, a diversificação geográfica, a internacionalização dos processos produtivos, os centros operacionais de serviços intra-grupo, os ativos intangíveis partilhados, os centros de I&D, são algumas das várias questões que se suscitam para uma correta avaliação dos preços de transferência praticados.
A OCDE, procurando intervir na matéria através do fornecimento de linhas de orientação que pudessem ser usadas internacionalmente, publicou, em 1960, a Convenção Modelo sobre Dupla Tributação, reformulada em 1963 e finalizada em 1977, onde o princípio da independência passa a ser estruturante de toda a sua orientação em matéria de preços de transferência.
E o quadro legal de muitos países tem vindo a acolher as sugestões da OCDE.
Entre nós, o artigo 63.º do CIRC [1]dispõe, a este respeito, seguinte:
Artigo 63.º
Preços de transferência
1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 – O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.
Como se observa, este preceito acolhe o princípio da independência, determinando que as operações entre entidade relacionadas devem ser valoradas tal como se fossem realizadas entre entidade independentes. Todavia, o n.º 1 do citado preceito também acolhe o princípio da comparabilidade das operações, e o n.º 2 sublinha que se deve buscar o mais elevado grau de comparabilidade.
2. O caso em apreço
2.1 Os métodos usados pela requerente na verificação da aplicação do princípio de plena concorrência nas transações vinculadas
No Documento 5, anexo ao Processo, intitulado "Relatório de análise económica de preços de transferência" referente ao exercício de 2008, encontram-se os métodos usados pela requerente no cumprimento das obrigações que, no tocante a preços de transferência, lhe eram impostas pelo (então) artigo 58º do CIRC.
Neste Relatório se refere (p.7) que o método selecionado foi o do "custo majorado"; e que o indicador de lucratividade utilizado foi a "margem bruta". Esta margem foi definida como o quociente entre (no numerador) a diferença entre volume de negócios (VN) e custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (CMVMC); constando (no denominador) o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas.
Ou seja: Margem bruta = (VN - CMVMC)/CMVMC
A título do que a requerente designa como “análise complementar” foi usado o método do lucro comparável, tendo-se usado como indicador de lucratividade o "custo líquido majorado". Este último dado pelo quociente entre o resultado operacional (RO) e o total de custos operacionais (CO).
Estes métodos suscitam várias questões que de seguida se analisarão.
2.2 O método do custo majorado
A Portaria 1446-C/2001, de 21 dezembro, estabelece, a propósito do custo majorado que:
"Artigo 8.º
Método do custo majorado
1 - A aplicação do método do custo majorado tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável.
2 - A margem de lucro bruto adicionada aos custos pode ser determinada tomando como base de referência a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável efectuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente, devendo, em qualquer dos casos, as referidas entidades exercer funções similares, utilizar o mesmo tipo de activos e assumir idênticos riscos, bem como, preferencialmente, transaccionar produtos ou serviços similares com entidades independentes e adoptar um sistema de custeio idêntico ao praticado na operação comparável.
3 - Sempre que as operações não sejam comparáveis em todos os aspectos considerados relevantes e as diferenças produzam um efeito significativo sobre a margem de lucro bruto, o sujeito passivo deve fazer os ajustamentos necessários para eliminar tal efeito, por forma a determinar a margem bruta ajustada correspondente à de operação não vinculada comparável[2]."
Ora esta norma contém um primeiro aspeto relevante: o de que a margem a usar deve ser adicionada ao "montante dos custos suportados". E a questão surge desde logo: a que custos? Ao CMVMC, ou a um conjunto de custos (ou gastos) operacionais?
A lei, quando refere “adoptar um sistema de custeio” permite concluir que serão os custos resultantes desse sistema de custeio. Ora, como bem se conhece da disciplina que se designa por Contabilidade Analítica (também por vezes designada de Contabilidade de Custos ou de Gestão) em empresas industriais, como é o caso dos autos, que fabricam e vendem produtos e não mercadorias, os sistemas de custeio podem variar na sua lógica de conceção e aplicação (v.g., custeio total, custeio variável, custeio racional, etc.). Mas têm um ponto em comum: não se confinam ao apuramento do custo das matérias consumidas. O custo do produtos incorpora outros encargos suportados na respetiva produção (v.g.: energia, mão de obra fabril).
Essa clarificação concetual é também sustentada na literatura fiscal. Com efeito, M. de Freitas Pereira, a propósito da utilização do método do custo majorado e da base de custos a que a margem deve ser aplicada, sublinha que: "....para uma empresa industrial, o mais comum é considerar o chamado custo industrial, que mais não é do que o somatório de matérias primas ou materiais consumidos, mão de obra direta e gastos gerais e de fabrico".[3]
As Guidelines da OCDE ajudam, também, a contribuir para clarificar tal questão pois, sobre o método do custo majorado, referem que:
"D. Cost plus method[4]
D.1 In general
2.39 The cost plus method begins with the costs incurred by the supplier of property (or services) in a controlled transaction for property transferred or services provided to an associated purchaser.
2.47 While precise accounting standards and terms may vary, in general the costs and expenses of an enterprise are understood to be divisible into three broad categories. First, there are the direct costs of producing a product or service, such as the cost of raw materials. Second, there are indirect costs of production, which although closely related to the production process may be common to several products or services (e.g. the costs of a repair department that services equipment used to produce different products). Finally, there are the operating expenses of the enterprise as a whole, such as supervisory, general, and administrative expenses.
2.48 The distinction between gross and net profit analyses may be understood in the following terms. In general, the cost plus method will use mark ups computed after direct and indirect costs of production, while a net profit method will use profits computed after operating expenses of the enterprise as well."
As Guidelines, vistas como um elemento técnico-doutrinal importante quando se analisam preços de transferência, expressam que a base de custos (à qual se deve aplicar a margem) não poderá ser apenas constituída pelo CMVMC. Como bem se entende, as condições de remuneração de ativos, funções e riscos não serão adequadamente expressas por uma margem que resulte da diferença entre Vendas e CMVMC. Esta deixa de fora muitos gastos operacionais que afetam os excedentes em que se baseia a remuneração económica das entidades.
Como a seguir melhor se verá, não se julga apropriado o uso que a requerente faz do método do custo majorado com o intuito de provar a utilização de condições de plena concorrência.
2.2.1. Da adequação do método do custo majorado
O quociente (que a requerente designa por "margem bruta") entre o custo das existências consumidas (CMVMC) e as vendas de produtos não deveria ser o primeiro critério quantitativo usado na aferição sobre o cumprimento do princípio de plena concorrência a que está obrigada pelas disposições do CIRC.
Resulta claro da construção algébrica do dito quociente que ele afere apenas em que medida a empresa obteve uma margem ou excedente sobre uma das componentes dos gastos operacionais. Assim, ficam de fora vários gastos que intervêm na formação do preço de venda entre entidades relacionadas e que, consequentemente, devem ser considerados na avaliação do cumprimento do princípio fiscal acima mencionado. De entre estes, ficam de fora gastos muito relevantes, como sejam os fornecimentos e serviços externos, os gastos com pessoal, as depreciações, e outros gastos operacionais que entram no custo dos produtos vendidos pela requerente.
Para ilustrar melhor esta posição do tribunal vejamos o seguinte exemplo, relativo a duas hipotéticas entidades empresariais, A e B, cuja demonstração de resultados para um dado ano se apresta no quadro 1.
Quadro 1
Demostração de resultados das entidades A e B Lda (em euro)
EMPRESA
|
A
|
B
|
Vendas
|
4 000 000
|
4 000 000
|
- CMVMC
|
2 000 000
|
2 000 000
|
- FSE
|
200 000
|
400 000
|
- Gastos com o pessoal
|
500 000
|
800 000
|
- Outros gastos
|
300 000
|
300 000
|
=EBITDA
|
1 000 000
|
500 000
|
- Depreciações
|
700 000
|
700 000
|
=EBIT (Res. operacional)
|
300 000
|
- 200 000
|
- Gastos financeiros
|
200 000
|
200 000
|
=Res. Antes imposto
|
100 000
|
- 400 000
|
- Imposto sobre lucros (25%)
|
25 000
|
0
|
=Resultado líquido
|
75 000
|
- 400 000
|
Como se observa, ambas as entidades apresentam igual "margem bruta", calculada como a requerente a apurou, a partir do confronto entre Vendas e CMVMC. Com efeito, em ambos os casos teremos (4 000 000 - 2 000 000) /2 000 000= 100%.
Mas não é essa margem que remunera os investidores. O excedente económico (depois eventualmente transformado em fluxo de caixa) a partir do qual se remuneram os titulares do capital próprio e do capital alheio que financia uma empresa é o resultado operacional (ou EBIT, na designação atual sistema de contabilidade - SNC). No caso das empresas A e B, as diferentes estruturas de gastos induzem uma rendibilidade operacional totalmente distinta, positiva num caso (A) e negativa no outro (B).
Ao usar este método, com a base de custos apenas circunscrita ao CMVMC, a requerente teria de ancorar numa sustentação muito clara a sua relevância e força probatória no caso concreto. Ora, nos elementos anexos ao processo, o tribunal não encontra fundamentação que satisfaça tal opção da requerente.
É ainda de referir que a designação de "margem bruta" que surge na documentação da requerente se afigura inapropriada. Com efeito, na literatura de Contabilidade ou de Análise Financeira, o conceito de margem bruta não é usualmente dado pela diferença entre vendas e CMVMC, mas sim entre as vendas e o custo dos produtos vendidos. Ora o custo dos produtos vendidos engloba, em regra e como já antes se referiu a propósito dos sistemas de custeio que a lei menciona, elementos como sejam os gastos com existências, energia, pessoal, subcontratos, combustíveis, seguros e depreciações.[5]
Mas ainda que este conceito de margem bruta possa ser discutível nos seus componentes e apresente diferenças em função dos sistemas de custeio utlizados por uma empresa (v.g., custeio total ou custeio variável), o ponto que aqui se julga decisivo é o facto de a lei dispor que na avaliação do cumprimento do princípio de plena concorrência, os métodos usados devem ter em conta "a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco."
Ora a margem bruta usada pela requerente, ao proporcionar apenas uma diferença entre vendas e CMVMC, não faculta um indicador de margem que possibilite aferir da remuneração de ativos, funções e riscos. Na verdade, à margem bruta (positiva) como calculada pela requerente pode corresponder um excedente operacional negativo, tudo dependendo da estrutura dos restantes custos e da sua repercussão (ou não) no preço de venda dos produtos transacionados com a entidade associada. E é o excedente operacional que serve de base económica para a remuneração dos ativos e riscos. Ou seja, os investidores não centram a análise de rendibilidade no apuramento de uma margem com aquela usada pela requerente. Ela de pouco serve para aferir da rendibilidade de recursos afetos uma atividade empresarial.
O tribunal entende assim que o método que requerente designou por custo majorado não proporciona a validação do cumprimento do princípio de plena concorrência. Em face da sua clara desadequação, a requerente não o deveria ter usado como método primacial na demonstração do cumprimento do princípio de plena concorrência.
Analisemos de seguida o método complementar utilizado no dossier de preços de transferência.
2.3 O método do lucro comparável e sua relação com o método da margem líquida das operações
Na p. 22 do “Relatório de análise económica de preços de transferência"- ou dossier - respeitante ao exercício de 2008, refere-se que:
Afere-se, assim, o retorno operacional da requerente, por comparação com a rentabilidade média de uma amostra de entidades tidas como comparáveis. O método usado é o designado de “lucro comprável” (que no dossier se reconhece não estar explicitamente previsto no - então - artigo 58º do CIRC, englobando-se na designação de "outros métodos"). O indicador de lucratividade usado foi a relação entre lucro operacional e custos operacionais.
Quem trata habitualmente de temas de preços de transferência facilmente reconhece na relação “Lucro operacional/Custos operacionais” um indicador de lucratividade regularmente aplicado em situações de utilização do designado método da margem líquida das operações (MMLO). E este já é um método expressamente previsto no artigo 58º do CIRC.
Vejamos então na literatura da especialidade, incluindo as Guidelines da OCDE se, em substância, o que a requerente designou por lucro comparável (LC) se pode reconduzir ao MMLO.
A) A literatura
Na literatura, a obra de Miller e Oats[6] é clara sobre a relação entre o método do lucro comparável e o MMLO. Começando por afirmar que o LC é um método frequentemente usado nos EUA (adinte se explorará melhor este ponto), embora com fraco acolhimento na Europa e nas Guidelines da OCDE, caraterizam-no da seguinte forma (p. 371):
"The comparable profiots method examines the amount of operating profit that the company under investigation would have earned on related party transactions if its profit level indicatos were equal of an uncotrolalled comparable".
Isto é, compara-se um indicador de rendibilidade de uma entidade vinculada com um indicador semelhante de entidades não controladas.
Os mesmos autores sustentam (p. 371, sublinhado do tribunal) que: "...it should give the same results, broadly speaking, as transacional net margin method ….". Ou seja, sustenta-se a equivalência do LC e do MMLO.
Na verdade, ambos os métodos usam um indicador de rendibilidade ou lucratividade e comparam-no com a média do mesmo indicador para uma amostra de entidades independentes. Não se comparam preços, mas sim margens. Se as margens de uma entidade vinculada se encontram dentro dos limites das que são auferidas por entidades independentes, conclui-se que os preços praticados são preços de plena concorrência, pois que geram margens (que são a base da remuneração de ativos, riscos e funções) comparáveis às que se obtiverem na atividade de entidades independentes.
Esta semelhança é também notada por R. Feinschreiber[7] que menciona:
"The comparable profits method applies one or more ratios in achieving arm´s length results. The resulting amount is the amount that the tested party would have earned on related party transactions if its profit level were equal to that of an uncontrolled comparable party.
The comparable profits method may be computed by using financial ratios between profits, costs or sales revenue."
Ora, em face do exposto, vejamos agora o que determina a lei nacional - maxime a Portaria 1446-C/2001 - relativamente à concretização da aplicação do MMLO.
B) A lei nacional. A portaria 1446-C/2001
Artigo 10.º
Método da margem líquida da operação
1 - O método da margem líquida da operação baseia-se no cálculo da margem de lucro líquido obtida por um sujeito passivo numa operação ou numa série de operações vinculadas tomando como referência a margem de lucro líquido obtida numa operação não vinculada comparável efectuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente.
2 - A margem de lucro líquido é calculada relativamente a um indicador apropriado, de acordo com as circunstâncias e características de cada operação, bem como a natureza da actividade, podendo ser representado pelas vendas, custo ou activos utilizados, ou outra grandeza relevante.
3 - Sempre que as operações ou as empresas nelas intervenientes não sejam comparáveis em todos os aspectos considerados relevantes e as diferenças identificadas produzam um efeito significativo na margem de lucro líquido das operações, o sujeito passivo deve fazer os ajustamentos necessários para eliminar tal efeito, por forma a determinar a margem de lucro líquido ajustada, correspondente à de operação não vinculada comparável.”
A aplicação do MMLO, tal como descrito na citada portaria, redunda na comparação de um indicador de lucratividade, que poder aferido por via de ativos, vendas ou custos. Vejamos, por fim, o que se dispõe nas Guidelines da OCDE.
C) As Guidelines da OCDE[8] e o transacional net margin method
Sobre o MMLO referem as ditas Guidelines, para o que aqui releva (subl. do tribunal):
B.3.3 Determination of the net profit
2.77 As a matter of principle, only those items that (a) directly or indirectly relate to the controlled transaction at hand and (b) are of an operating nature should be taken into account in the determination of the net profit indicator for the application of the transactional net margin method.
2.87 The denominator should be focused on the relevant indicator(s) of the value of the functions performed by the tested party in the transaction under review, taking account of its assets used and risks assumed. Typically, and subject to a review of the facts and circumstances of the case, sales or distribution operating expenses may be an appropriate base for distribution activities, full costs or operating expenses may be an appropriate base for a service or manufacturing activity, and operating assets may be an appropriate base for capital-intensive activities such as certain manufacturing activities or utilities.
Como se observa, quer a lei quer a doutrina (nela se incluindo as Guidelines da OCDE, cuja relevância técnico-doutrinal é elevada em tal matéria) apontam para uma conceptualização e aplicação do MMLO que se reconduz ao método complementar que a requerente usou[9].
Assim, em face de tudo que até aqui se explanou, o tribunal entende que:
- a AT andou bem ao rejeitar que o método do custo majorado - tal como aplicado pela requerente - pudesse provar que entre ela e as entidades vinculadas se tivessem praticado termos e condições idênticos aos que se observariam entre entidades independentes;
- o método que a requerente designa por lucro comprável se reconduz substancialmente ao MMLO, que está previsto na lei Portuguesa;
- a AT, ao centrar-se na apreciação da consistência da aplicação método que a requerente designou por lucro comparável procedeu de forma correta no tocante à questão de saber qual dos métodos deveria ser escrutinado (custo majorado ou lucro comparável) no contexto de um eventual ajustamento a efetuar ao lucro tributável da requerente.
Porém, surge na Petição uma outra questão que o tribunal reputa de grande relevo e que passará agora a analisar: o facto de a requerente alegar que a AT, tendo questionado a adequação do método do lucro comparável nos termos em que o fez, não poderia, depois, usar os resultados de tal método para chegar à correção (ajustamento) ao lucro tributável que os seus cálculos implicaram. Deveria a AT, no entender da requerente, propor um “melhor método”, por ela sugerido e aplicado ao caso, estando-lhe vedada, da forma como o fez, a utilização do método que criticou e a que apontou fragilidades.
Quer isto dizer que o tribunal deverá agora dilucidar a questão de saber se as fragilidades que a AT aponta ao método do lucro comparável (v.g., amostra e dimensão de algumas empresas dela constantes) a impediriam de o usar como base no cálculo do ajustamento efetuado ou se, ainda assim, essas fragilidades apontadas não impediriam que a AT se baseasse nos resultados do dossier de preços de transferência da requerente para, a partir deles, procede à correção efetuada ao lucro tributável de 2008.
3. O processo usado pela AT no apuramento da correção ao lucro tributável da requerente
3.1 Como aplicou a requerente o método do lucro comparável e que críticas aponta à AT?
A requerente aplicou o método do lucro comparável da forma que a seguir se sintetiza, partindo do dossier de preços de transferência. Assim:
- A partir de uma amostra de 13 empresas tidas como comparáveis, e por via da utilização de um quociente (profit level indicator) entre resultado operacional e custos operacionais, obtém-se uma distribuição de valores que é a seguinte (p. 24 do Dossier de preços de transferência e p. 18 do Relatório da inspeção):
Quadro 2
A margem das empresas tidas como comparáveis
|
Mínimo
|
1º quartil
|
mediana
|
3º quartil
|
Máximo
|
Valor do indicador
|
-1,3%
|
2,4%
|
4,7%
|
6,7%
|
11,1%
|
- A requerente obteve no exercício em causa em valor, para o mesmo indicador de rendibilidade, de -6,9%;
- A requerente sustenta a desnecessidade de qualquer ajustamento no lucro tributável a que estivesse obrigada face ao disposto no artigo 58º do CIRC com base na situação particular do ano de 2008; uma vez que os fatores decorrentes da crise do setor automóvel teriam implicado uma quebra anormal de rendibilidade.
A este procedimento contrapõe a AT que os fatores invocados pela requerente quanto ao impacto na rendibilidade das particularidades económicas e de mercado relativas ao ano de 2008 não justificam a rendibilidade registada de -6,9%; situando-se claramente abaixo do valor mínimo da amostra.
De seguida, a AT questiona o grau de comparabilidade da amostra, a dimensão de algumas das empresas nela incluídas e a inclusão de uma das entidades (U...) que nela se encontra.
Por fim a AT conclui que haveria lugar a um ajustamento do lucro tributável da requerente a efetuar para o limite do 1º quartil, que ascende a 2,4% (cf. Relatório de Inspeção).
Que críticas aponta a requerente a tal método?
i) Que a AT desconsiderou erradamente as razões invocadas para que as particularidades observadas em 2008 implicassem a desnecessidade de ajustamento. Isto é, a margem negativa de -6,9% obtida pela requerente estaria fundada na conjuntura adversa que enfrentou;
ii) Que a AT, tendo criticado fortemente o método do LC, não o poderia depois ter usado como base para ajustamentos;
iii) Que, a fazer ajustamentos, a AT tinha apenas um de três caminhos legais:
1- Eliminava a entidade U...
2- Eliminava a entidade U... e todas as outras com volume de negócios abaixo de 3 milhões de euros
3- Apresentava um outro "melhor método" em que fundasse as correções a efetuar ao lucro tributável.
Analisem-se pois todas estas questões.
3.2 O desempenho económico de 2008, as razões invocadas pela requerente para a ausência de ajustamentos ao lucro tributável e a análise da AT
O artigo 58º do CIRC dispunha, ao tempo, que:
Artigo 58.º
Preços de transferência
1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
(...)
8 — Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância
Assim, a requerente usou o método do lucro comparável e aplicou, como indicador de lucratividade, uma margem que designou por custo líquido majorado. Obteve um valor de -6,9%, abaixo do ponto mínimo (-1,3%) do intervalo das empresas que definiu como comparáveis. Neste contexto, o dossier de preços de transferência (p. 25) aponta razões para a não aplicação do disposto no nº 8 do artigo 58º do CIRC que se centram em:
- Custos de arranque com lançamento de projetos;
- Impacto da crise económica mundial na esfera da atividade operacional da requerente, em especial no último trimestre do ano;
- Investimentos significativos em imobilizado corpóreo, que vieram a ser acompanhados por um aumento do número de colaboradores da empresa.
Nas pp. 19 e seguintes do Relatório de inspeção descrevem-se as diligências realizadas e as conclusões obtidas pela AT acerca destes motivos que, no entender da requerente, fundamentariam a margem obtida em 2008 e a desnecessidade de ajustamentos face ao previsto no artigo 58º do CIRC.
O tribunal analisou ambas as perspetivas e convalida a posição da AT segundo a qual as razões invocadas pela requerente não se podem considerar como determinantes da desnecessidade de ajustamentos ao lucro tributável.
Com efeito (vejam-se as pp. 23 e 24 do dossier de preços de transferência - em especial a tabela 9 na p. 24) as entidades tomadas pela requerente como comparáveis apresentam sempre, mesmo no valor mínimo do intervalo, entre 2005 e 2007, valores positivos para o indicador de rendibilidade considerado. (A única exceção é a U..., apenas em 2007, mas sobre isso adiante nos debruçaremos melhor).
Como se mostra no Relatório de inspeção (p. 20) a rendibilidade da requerente foi, entre 2006 e 2008, persistentemente negativa, agravando-se em 2008. A AT também mostra, de forma que o tribunal entende como suficiente, que os custos de arranque com projetos não constituiriam situação excecional, antes evidenciando uma certa regularidade no âmbito da atividade da requerente. A AT sublinha depois que o último trimestre do ano vinha apresentando, historicamente, decréscimos de volume de negócios e que, mesmo antes desse trimestre, já a rendibilidade operacional se situava num valor negativo de -3,3%.
É ainda mencionado pela AT que as vendas da requerente cresceram, em 2008, num valor absoluto de mais de 2 milhões de euro, e que o facto de no quadriénio 2006 a 2009 se evidenciar sistematicamente uma rendibilidade negativa contribui para afastar o carácter excecional ou particular das condições de exploração do ano de 2008 como elemento decisivo para a desnecessidade de ajustamentos ao lucro tributável.
De notar, ainda, que a pp. 27 e 28 do Relatório de inspeção se analisam os argumentos da requerente e da AT sobre a rendibilidade global do grupo. Mesmo comparando a atividade de "Módulos internos" - e ainda supondo que ela é equivalente ao segmento de "seating", o que não se pode comprovar - surge uma desproporção entre a rendibilidade desse segmento do grupo (-0,30%) em 2008 relativamente à da requerente (-6,9%).
A problemática dos preços de transferência gira, como bem se sabe, em torno das condições praticadas entre entidades independentes como padrão de aferição relativamente às operações entre entidades vinculadas em circunstâncias comparáveis. Observando-se que a requerente apresenta anos sucessivos de rendibilidade negativa (veja-se a tabela da p. 20 do Relatório de inspeção) não parece crível que uma entidade independente pudesse transacionar os mesmos bens que requerente fornece numa situação de rendibilidade negativa persistente. A não repercussão total dos custos da requerente nas políticas de pricing praticadas intra grupo surge como um motivo plausível para as rendibilidades apuradas.
Não se julga pois procederem as razões apresentadas quanto à excecionalidade do ano de 2008 para justificar, sem mais, a ausência de qualquer correção ao lucro tributável da requerente.
3.3 Os ajustamentos ao lucro tributável efetuados pela AT e as alegações da requerente
No seguimento da realização do ajustamento quantitativo efetuado pela AT ao lucro tributável (para o valor do 1º quartil, correspondente a 2,4%) a requerente alega que:
ii) a AT, tendo criticado fortemente o método do LC não o poderia depois ter usado como base para ajustamentos;
iii) a fazer ajustamentos, a AT tinha apenas um de três caminhos:
1- Eliminava a entidade U...
2- Elimina a entidade U... e todas as outras com volume de negócios abaixo de 3 milhões de euros
3- Apresentava um outro "melhor método" em que fundasse as correções a efetuar ao lucro tributável.
Vejamos, pois.
3.3.1 As fragilidades apontadas pela AT à análise de comparabilidade efetuada apela requerente
Nas pp. 29 e seguintes do Relatório de inspeção a AT efetua a análise da comparabilidade da amostra selecionada pela requerente. Refira-se que a atividade da requerente se traduz na “produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis” e que, conforme tabela 7, a p. 22 e 23 do dossier de preços de transferência, as empresas tomadas como comparáveis são:
Tabela 7: Conjunto final de empresas comparáveis
N.º
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Nome da empresa
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País
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Descrição do negócio17
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1
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V...
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Espanha
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Confeccion e instalation de toldos, velas de patio, marquesinhas, capotas y todo tipo de articulos de lona. La venta al por mayor y al por menor de lonas y todo tipo de acessorios para toldos.
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2
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U...
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Espanha
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La fabricacion, venta y comercializacion de toda a clase de productos textiles, incluida su importacion y exportacion.
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3
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W...
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Espanha
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Confeccion y comercializacion de lonas, toldos, cortinas y similares y acessorios de materiales derivados de estos.
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4
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X...
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Espanha
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La fabricacion, comercialization y venta de articulos textiles de todas clases asi como la realizacion de todas las operaciones previas o posteriores que son propias de la industria textil y el arrendamiento no financier.
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5
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Y...
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Portugal
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Outras indústrias texteis, n.e.
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6
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Z...
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Espanha
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Fabricacion, comercializacion y venta prendas textiles.
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7
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AA...
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Espanha
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Fabricacion y comercialization de toda clase de toldos y velamen.
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8
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BB...
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Espanha
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La fabrication y montage de lonas y toldos de todas clases, y la comercialization y distribucion de muebles y articulos para la decoration de edificios.
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9
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CC...
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Espanha
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Fabricacion, almacenamiento y venta de articulos textiles.
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10
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DD...
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Espanha
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Confeccion de toldos y velamenes.
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11
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EE...
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Espanha
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La instalacion y venta de toda classe de toldos, asi como la fabrication de los mismos.
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12
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FF...
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Espanha
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Confeccion, comercialization y colocation de todo tipo de toldos.
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13
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GG...
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Espanha
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La fabrication y comercialization de toldos, lonas y capotas. Directa e indirectamente.
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Conforme determina o artigo 5º da Portaria 1446-C/2001, as características específicas dos bens objeto de transação constituem o primeiro dos fatores de comparabilidade. Bem se entende que assim seja, pois a semelhança de produtos fabricados há-de implicar forte similitude de ativos, funções, riscos, excedentes obtidos e rendibilidade da atividade.
Artigo 5.º
Factores de comparabilidade
Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:
a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
No caso concreto, a designação da atividade de todas as empresas tidas como comparáveis não pode deixar de suscitar o problema de que o grau de comparabilidade das empresas integrantes da amostra relativamente à atividade específica da requerente se afigura discutível. Compreende-se, assim, que tal problemática - e respetiva discussão com requerente - tenha surgido, com ênfase, no âmbito da inspeção tributária.
Com efeito, nas 13 empresas tidas como comparáveis não se descortina um grau de identidade ou proximidade que permita afastar significativas dúvidas sobre o efetivo grau de comparabilidade da amostra, em geral. A coluna intitulada “descrição do negócio” constante da tabela 7 do dossier, acima transcrita, é elemento bastante para fazer emergir tais questões.
O facto de a AT questionar tal comparabilidade não implica que desconsidere ou que rejeite o método do lucro comprável. Significa que questionou o grau de comparabilidade da amostra usada e buscou obter esclarecimentos adicionais por parte da requerente. A observação da descrição da atividade das entidades tomadas como comparáveis provocaria, por certo, interrogações similares relativas ao grau de comparabilidade com a atividade operacional da requerente por parte de um analista.
Assim, e sintetizando, o tribunal julga razoáveis as dúvidas expressas pela AT sobre o grau de comparabilidade da amostra, no tocante às características específicas dos bens transacionados.
Idêntica apreciação merecem ao tribunal as questões que a AT dirigiu à requerente sobre a dimensão de algumas das 13 empresas constantes da amostra, em especial o facto de parte delas apresentar um volume de negócios inferior a 3 milhões de euros.
Com efeito, como se estabelece na lei, quer:
"b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos";
quer:
e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
não podem deixar de ser influenciadas pela dimensão das entidades económicas.
A requerente apresenta uma faturação superior a 30 milhões de euros. Na lei nacional ao tempo em vigor (veja-se o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro), uma empresa que fature até 2 milhões de euros é considerada uma micro empresa. É assim atendível que AT questione o modo como a amostra de comparáveis é obtida quanto ao critério dimensão, relativamente a certas entidades nela incluídas.
Uma micro empresa que fature até 2 milhões de euros não tem, em regra, uma estrutura de ativos semelhante, nem suporta os mesmos riscos, comparativamente à requerente. Por outo lado, as estratégias de entidades de dimensão tão diversa dificilmente serão similares. A requerente enquadra-se num grupo com uma estratégia global e definida de forma estruturada. Uma entidade que fature cerca de 1 ou 2 milhões de euros é, as mais das vezes, de cariz familiar, evidenciando geralmente ausência de estratégias estruturadas, e exposta a fatores operacionais, financeiros e de risco de investimento bastante distintos da requerente.
Assim, entendem-se como plausíveis e justificadas as dúvidas expressas pela AT relativamente à inclusão das ditas entidades com volume de negócios inferior a 3 milhões de euros.
Por fim, a entidade U...
Sobre esta entidade observa-se (veja-se a tabela 8, da p. 23 do dossier de preços de transferência) que das 13 entidades comparáveis, cujo indicador de rendibilidade foi analisado para três anos - produzindo, assim, 39 observações estatísticas – apenas a U...,e só em 2007, aparenta um indicador de margem negativo. Para esta entidade, a evolução do indicador é a seguinte:
2005: 1,3%
2006: 2,1%
2007: -7,9%
Adicionalmente, o valor mínimo da amostra total (-1,3%) é claramente influenciado por esta empresa e pelo valor por ela obtido relativo a 2007.
A AT procurou obter esclarecimentos da requerente sobre a inclusão da U... alegando a não comparabilidade (ponto 4.3 do Relatório, p. 34). A requerente respondeu sustentando a manutenção a U... na amostra de comparáveis (p. 38 do Relatório de inspeção). Por fim a AT conclui (p. 38 e 39 do Relatório) que a U... não asseguraria um grau de comparabilidade razoável com as demais observações do intervalo, deveria ter sido considerada pela requerente, na elaboração do dossier, um outlier e por isso desconsiderada.
Ora que a U... apresenta características específicas que incrementam as dúvidas acerca do seu grau comparabilidade é claro para o tribunal. O que adiante se verá é se isso impunha à AT, como sustenta a requerente, um certo padrão de quantificação, que decorreria inexoravelmente dos parágrafos usados constantes das Guidelines da OCDE em que AT se fundou para quantificar o ajustamento.
Vistas as questões da amostra de entidades comparáveis, entremos agora na questão do ajustamento efetuado.
3.3.2 A lei, as Guidelines da OCDE e outros elementos técnico-doutrinais relativos ao tipo de ajustamento a efetuar
Na análise deste importante ponto, comecemos por atender ao que dispõe a lei sobre os ajustamentos quantitativos no contexto dos preços de transferência.
A) A lei
Artigo 58.º
Preços de transferência
1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
(....)
8 — Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância
13 — A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.
Em face do disposto na lei, requerente entendeu não efetuar qualquer ajustamento decorrente do artigo 58º, nºs 1 e 8, porque:
- o método do custo majorado determinava uma margem bruta dentro do intervalo de valores das empresas comparáveis;
- o método complementar usado na análise do dossier de preços de transferência (lucro comparável), determinando embora uma rendibilidade inferior à da amostra de empresas tidas como comparáveis, não implicaria ajustamentos em função da excecionalidade do valores referentes a 2008.
O tribunal já se pronunciou sobre estas duas questões, entendendo que nenhuma delas poderia servir de base à não realização de ajustamentos ao lucro tributável de 2008.
Ora, sobre os ajustamentos e, em particular, a respetiva determinação ou quantificação, o que dispõe a lei?
A resposta encontra-se, em primeiro lugar, na Portaria 1446-C/2001, nos preceitos que a seguir se transcrevem.
Assim, o artigo 3º estabelece, no seguimento do previsto no artigo 58º do CIRC, que:
Artigo 3º
Ajustamentos ao lucro tributável
1 - Sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, deve aquele efectuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112.º do Código do IRC, uma correcção positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio, por forma que o lucro tributável determinado não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais.
Como se observa, esta norma impõe as correções (ajustamentos) ao lucro tributável, caso as condições praticadas entre entidades vinculadas difiram das que se praticariam entre entidades independentes, mas não apresenta um método, uma regra ou uma fórmula de cálculo para efetuar tais ajustamentos.
Prossigamos.
O artigo 4º da mesma Portaria estabelece que:
Artigo 4.º
Determinação do método mais apropriado
5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.
A citada norma é bastante relevante. Com efeito, ela prevê que, caso se obtenha um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, e a margem ou o preço da entidade vinculada se situarem dentro desse intervalo, então nenhum ajustamento haverá a fazer.
Porém, este não é o caso dos autos. Nem a aplicação do método do custo majorado, nem a utilização do método complementar (do lucro comparável) evidenciam, no caso, a força probatória bastante para afastar ajustamentos.
E, por fim, tendo o tribunal sublinhado anteriormente que o método do lucro comparável se poderia reconduzir ao MMLO, o que prevê a Portaria sobre este último, quanto a ajustamentos?
Artigo 10.º
Método da margem líquida da operação
(...)
3 - Sempre que as operações ou as empresas nelas intervenientes não sejam comparáveis em todos os aspectos considerados relevantes e as diferenças identificadas produzam um efeito significativo na margem de lucro líquido das operações, o sujeito passivo deve fazer os ajustamentos necessários para eliminar tal efeito, por forma a determinar a margem de lucro líquido ajustada, correspondente à de operação não vinculada comparável.
Ora, também aqui não se encontra qualquer regra de cálculo para os ditos ajustamentos, mas sim e apenas um princípio geral acerca da sua necessidade nas condições previstas na norma.
Em síntese, que conclusões retira o tribunal?
Que, em primeiro lugar, a lei (o então artigo 58º do CIRC e Portaria 1446-C/2001) não estabeleciam métodos de cálculo estatístico de aplicação objetiva para o apuramento quantitativo dos ajustamentos. (Apenas o artigo 4º, nº 5, da Portaria estabelecia as condições para a inexistência desses ajustamentos).
Em segundo lugar, que tal determina uma busca ou utilização de elementos técnico-doutrinais que permitam balizar práticas aceitáveis, equilibradas e justas de medição e concretização de tais ajustamentos. E, nesta aplicação, dificilmente, como aliás a própria OCDE reconhece, dificilmente se escapa a juízos profissionais ou critérios valorativos com alguma subjetividade. A própria lei - no preâmbulo da Portaria 1446-C/2001 o refere, ao dizer:
"Importa sublinhar que as regras sobre preços de transferência não permitem actuar com o rigor e a precisão próprios de uma ciência exacta, porquanto a fiabilidade dos resultados obtidos com a aplicação das metodologias preconizadas para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente aceites ou praticados numa operação comparável entre partes independentes depende, em grande medida, de análises complexas e elaboradas, em que entra um grande número de variáveis, da disponibilidade e facilidade de recolha de dados comparáveis externos e do maior ou menor apelo a critérios de índole subjectiva e aos pressupostos básicos assumidos. "
Dentro dos elementos ou fontes que se podem alvitrar é claro que as Guidelines da OCDE surgem como instrumento muito relevante. Todavia, antes de entrar na forma como a AT as usou, vale a pena referir dois aspetos julgados pertinentes:
i) Existem, no plano concetual, várias formas defensáveis de efetuar ajustamentos em sede de preços de transferência, sendo as Guidelines, até em face do exposto no Preâmbulo da Portaria 1446-C/2001, um elemento de uso aconselhável;
ii) As Guidelines da OCDE são apenas recomendações, que se podem usar para de produzir soluções aplicadas.
B- A doutrina, incluindo as Guidelines, e a quantificação dos ajustamentos
Aprofundemos estes aspetos, pois que tal se julga relevante no caso em apreço.
i) - Existem, no plano concetual, várias formas defensáveis de efetuar ajustamentos em sede de preços de transferência
A fim de se comprovar este ponto, atente-se na seguinte (hipotética, porém realista) situação. Admita-se que uma determinada empresa realiza operações com entidades vinculadas e se socorre de um método com base em margens para demonstrar o cumprimento das obrigações impostas pelas normas relativas a preços de transferência. Suponha-se que a margem obtida para a empresa em causa é de -3%; e que a amostra de entidades comparáveis apresenta os seguintes valores para o mesmo indicador.
Mínimo: 1%
Máximo: 12%
1º Quartil: 2,58%
Média: 5,5%
Mediana: 6,3%
Desvio padrão: 3,5%
Em tal caso, e admitindo que a necessidade de ajustamentos decorre do leque de medidas estatísticas apresentado e em função do grau de comparabilidade da amostra, a margem da empresa sob análise poderia ser corrigida para:
a) O valor mínimo do intervalo: 1%
b) O valor do primeiro quartil: 2,58%
c) A mediana: 5,5%
d)A média: 6,3% (pois dada a proximidade assumida no exemplo entre a média e a mediana, tal significa que os valores extremos não tornam a média inapropriada, face à mediana)
e) A diferença entre média e o desvio padrão (5,5% - 3,5%) = 2%
f) O leque de valores compreendido entre o percentil 40 e o percentil 60. (Admita-se que o percentil 40 apresentava o valor de 4%)
Em suma, sendo a lei, como o é entre nós, omissa sobre os exatos termos da quantificação dos ajustamentos, a sua concretização poderá ser feita com base em diversos procedimentos estatísticos, desde que fundamentados e razoáveis.
No entender do tribunal, quanto maiores as dúvidas sobre a comparabilidade das entidades da amostra, maior será a propensão para que os ajustamentos tomem como referência indicadores de tendência central da amostra de entidades tidas como comparáveis tais como a mediana (ou resultantes de percentis mais próximos do meio do intervalo) e a secundarizar ajustamentos para valores mais baixos (e.g., valor mínimo ou o correspondente ao primeiro quartil).
Quanto ao método do lucro comparável, existem elementos doutrinais importantes que devem também ser mencionados. Com efeito, as Guidelines da OCDE não referem o lucro comparável como método expressamente previsto em sede de preços de transferência, e a lei portuguesa apenas o acolhe na categoria de outros métodos. Mas nos EUA, por exemplo, tal método tem consagração legal expressa e existe abundante doutrina sobre os ajustamentos a realizar aquando da respetiva utilização.
As “Transfer pricing regulations” do Internal Revenue Service norte-americano, no seu § 1482-5, sobre o Comparable profit method[10] referem, na parte geral, secção § 1482-1, que[11]:
Como se observa no excerto, a mediana é erigida como medida estatística central para os ajustamentos a efetuar.
Vários exemplos numéricos (em especial os designados como exemplos 2, 3 e 4) usam o ajustamento para a mediana, no método do lucro comparável, na seção 1482-5 das ditas Regulations.
A consultora ..., ao analisar o uso deste método nos EUA menciona que[12]:
Uma vez mais, a mediana surge como medida de referência.
R. Feinschreiber[13] no contexto da análise dos ajustamentos potenciais aquando da aplicação do método pelo Internal Revenue Service americano, sublinha também que, em regra, tais ajustamentos tomarão como referências a mediana ou a média do intervalo de valores das empresas comparáveis.
Por fim, refira-se que a AT, a pp. 43 e 44 do Relatório de inspeção, ao quantificar o ajustamento e basear tal procedimento, menciona que ele também poderia ser feito para a mediana do intervalo. Não acolhe tal solução em face das particularidades associadas à B... e à invocação, pela requerente, da atipicidade do ano de 2008, e opta antes por uma solução menos gravosa para o sujeito passivo, fazendo o ajustamento para o primeiro quartil, apoiando-se nas orientações da OCDE. A requerente alega que um tal procedimento lhe estava legalmente vedado, o que adiante se analisará.
ii) As Guidelines da OCDE são apenas recomendações, que se podem usar para de produzir soluções aplicadas
Tendo sido elaboradas por uma entidade de conhecida e elevada reputação, no contexto de consultas amplas com operadores económicos, as Guidelines apresentam sólida base analítica. Mas são orientações ou recomendações.
Fundando-se nelas a AT, deve ser consistente na sua aplicação, isso é certo. Mesmo assim, não se trata de ciência certa ou inquestionável porque, como adiante se verá, os parágrafos delas constantes invocados pelas partes (3.56 e 3.57) não têm, no entender do tribunal, uma cristalinidade concetual ou regras aplicacionais que, sem algum juízo de valor e certa margem de discricionariedade, permitam chegar a uma solução equilibrada e justa.
3.3.3 O ajustamento efetuado pela AT, a alegação da requente sobre a ilegalidade do mesmo e a posição do tribunal
No artigo 120º da petição afirma-se expressamente o seguinte:
“Na opinião da Impugnante, não faz sentido, nem a lei permite que a AT, depois de fixar os argumentos na base dos quais opera a correcção (inclusão da U... manutenção das 7 empresas com vendas abaixo dos € 3 milhões, aceitação das justificações da B...), decida em contradição com esses argumentos.”
Para o tribunal essa contradição não se deteta.
Diga-se, desde já, que a AT põe em causa, quer quanto ao método do custo majorado quer quanto ao do lucro comparável, não os métodos em si mesmos, mas a forma como foram aplicados. Quanto ao primeiro, é o tipo de margem usada que o torna inviável para os fins do artigo 58º do CIRC. Quanto ao segundo, os problemas de comparabilidade suscitaram várias dúvidas à AT que, por isso, ajustou a margem da requerente para o primeiro quartil.
Não se coloca aqui a questão de um “melhor método”, mas sim ajustar o método do lucro comparável para valores que se entendem como permitindo limitar as deficiências de comparabilidade da amostra constante do dossier de preços de transferência.
Nas páginas 38 e seguintes do Relatório de Inspeção e nos artigos 109º e seguintes da Petição usam-se alguns parágrafos das Guidelines, esgrimindo-se, a propósito da sua utilização, os argumentos que a partes entenderam relevantes. Uma vez que os parágrafos em questão são os nºs 56 e 57 vale a pena transcrevê-los[14]:
Como procedeu então, em síntese, a AT?
Aponta várias fragilidades quanto à comparabilidade da amostra (que o tribunal já evidenciou e entende como manifestas) e questionou largamente sobre elas o sujeito passivo. Este não aceitou que qualquer delas constituísse problema de relevo, defendendo convictamente a manutenção da amostra de comparáveis na sua totalidade.
A inclusão na amostra final, usada pela inspeção, da entidade U... e a manutenção das empresas com vendas abaixo dos € 3 milhões não dissipam, como é visível no Relatório, as dúvidas da AT sobre a comparabilidade. Todavia, apesar dos esforços e da ampla troca de argumentos (que sobressaem no Relatório da inspeção), não se verificou concordância entre a AT e a requerente sobre o possível rearranjo da amostra, dela eliminando alguns comparáveis e apurando o consequente ajustamento.
Como reagiu, por fim, a AT? Apontou amplamente as fragilidades da amostra, mas decidiu mantê-la na sua totalidade. Entendeu a inspeção que, a manter-se a totalidade da amostra, como sempre sustentou a requerente, e face aos procedimentos sugeridos ou recomendados constantes das Guidelines (designadamente o parágrafo 3.57), a aplicação do intervalo inter quartil melhoria a qualidade do apuramento quantitativo do intervalo de plena concorrência, e usou o primeiro quartil como medida desse ajustamento.
Note-se que a base aritmética deste ajustamento poderia ser a média, a mediana, o primeiro quartil ou outro indicador referencial. (Já se evidenciou que em países como os EUA, onde o método do lucro comparável está expressamente previsto na lei e é regularmente aplicado, a mediana constitui medida habitual para basear ajustamentos). A AT teria pois alguma discricionariedade técnica, desde que fundamentando tal escolha. Ora, ao selecionar como padrão algébrico um valor menos gravoso para o contribuinte, julga-se que não merece censura a opção da AT, provada que está a necessidade de ajustamentos em face de todas a fragilidades no tocante ao grau de comparabilidade da amostra e o que, em consequência, determinava o artigo 58º do CIRC.
E, em divergência do que alega a requerente, não é o § 3.57 o fundamento legal das correções. Estas surgem pela conjugação do artigo 58º do CIRC e da Portaria 1446-C/2001. Provado o desvio da margem da requerente face às entidades tidas como comparáveis, e não sendo de aceitar como bastantes as razões invocadas para esse desvio, impunha-se o ajustamento de plena concorrência.
As Guidelines apenas recomendam ou sugerem o modo algébrico do apurar tal ajustamento, pois a lei não o estabelece. Há, assim, que lançar mão de uma base (que face ao método em causa até poderia ser outra que não as Guidelines) que permita fundamentar uma solução quantitativa equilibrada e justa.
As recomendações ou linhas de orientação técnica da OCDE sugerem, orientam, mas não vinculam ou obrigam. Não há caderno de instruções para a sua aplicação algébrica. Denota-se, antes, um grau ou margem de discricionariedade aplicacional, que o tribunal tem de analisar se foi usado pela AT de forma aceitável ou excessiva. Em suma, se é um caminho que aplica (quantificando) os princípios legais de forma considerada justa ou se se afasta, face ao disposto no CIRC e na Portaria 1446-C/2001, de uma solução legalmente aceitável.
A requerente alega que a AT só poderia usar o § 3.56 e efetuar o ajustamento para o limite inferior do intervalo corrigido (+1,8%). No entender do tribunal, essa solução não é legalmente determinística nem se impõe como a mais adequada.
A aplicar-se o § 3.56, ficaria por resolver, em primeiro lugar, a questão da eliminação de comparáveis com “lesser degrees of comparability”. Essa eliminação poderia excluir apenas a U...; ou esta e todas as entidades com volume de negócios inferior a 3 milhões de euros. Admita-se que se eliminavam ambas. Ora o que alega a requerente só se julga aceitável se, após esta eliminação, se dissipassem as dúvidas de comparabilidade. Como já se mencionou, elas subsistiram ainda, pois as empresas tidas como comparáveis suscitam questões significativas no plano da atividade desenvolvida ou do objeto de negócio quando confrontada com a da requerente.
E se após esta eliminação se aplicassem conjuntamente os § 3.56 e 3.57, teríamos que pelo §3.56, se eliminaria, admita-se, a U... e as entidades cujo volume de negócios se situasse abaixo de 3 milhões de euro, e dado que o §3.57 refere que se após estes esforços ainda restarem dúvidas sobre a comparabilidade (o que se admite ser o caso), então a AT teria uma base técnica para aplicar as medidas estatísticas de tendência central do § 3.57 à subamostra ainda restante.
Ora tal produziria um ajustamento mais gravoso para o sujeito passivo. (E ainda se teria de discutir se, nesta subamostra, se encontraria " a sizeable number of observations"...) Ou seja, o caminho que começa no § 3.56 revelar-se-ia, se aplicado na sua totalidade e não de forma estanque, não menos permeável à discricionariedade que a requerente imputa ao procedimento da AT.
O tribunal tem pois que decidir se, face à aplicação de recomendações ou orientações técnico-doutrinais a um problema de quantificação, a solução da AT se afigura correta. E julga-se que sim.
Com efeito, uma vez provada, como se entende que está, a fragilidade do grau de comparabilidade e daí decorrendo à necessidade de ajustamentos, a AT não tem uma métrica legalmente prevista e obrigatória para os quantificar. Pode fundar-se em várias medidas estatísticas. A AT usou no ajustamento uma medida estatística de tendência central. As Guidelines indicam o intervalo interquartil ou outras (que poderiam ser a mediana, a média, etc., como antes se referiu). A inspeção optou, dentro das medidas possíveis, por uma solução menos gravosa para a requerente.
Assim, dada a amplitude possível do cálculo a efetuar, e em face de tudo quanto se analisou, o tribunal convalida a posição da AT como tendo suporte geral na lei, aplicando uma das soluções quantitativas que se descortinam na doutrina aconselhável, e produzindo uma solução justa porque, atenta a necessidade de ajustamentos, os que se operaram não oneram desproporcionadamente o contribuinte, quando comparados com soluções alternativas também passíveis de tradução em ajustamentos ao lucro tributável, no caso em apreço.
A requerente alega ainda a existência de uma contradição entre os critérios utilizados na inspeção à B... e numa anterior ação inspetiva, efetuada à Requerente, abrangendo os exercícios de 2007 e de 2008, a qual deu origem a um projeto de relatório de inspeção tributária e a um relatório final notificado à Requerente em 15 de Dezembro de 2010.
Pois, na ação inspetiva anterior, a AT não tomou por base os dados apurados no período de 2005 a 2007, mas apenas e exclusivamente os dados apurados em 2008, enquanto no caso da B..., desconsiderou os dados de 2008, que apontavam para um intervalo interquartil que variava entre + 1,4% e + 6,4%, tomando uma decisão distinta.
Releve-se, em primeiro lugar, que a B... invocou, e como a própria requerente refere, no decurso do processo inspetivo, que tinha em 2008 sido afetada por situações extraordinárias que refletiram uma crise do sector de componentes para automóveis.
Por outro lado, a B... apresentou, em 2008, para o indicador de rendibilidade seleccionado, um valor (-6,88%) que se situava fora do intervalo de plena concorrência, quer considerando o intervalo construído a partir dos valores médios ponderados do triénio 2005-2007: limite mínimo: -1,3%; 1.º quartil: 2,4, %; mediana: 4,7%; 3.º quartil: 6,7%, limite máximo: 11,1%, quer o intervalo construído com valores apurados em 2008: limite mínimo: 1,4%; 1.º quartil: 3,1 %; mediana: 3,5%; 3.º quartil: 4,3%, limite máximo: 6,4%.
Esta solução não se pode considerar injusta ou pouco razoável, dado que, tendo em conta os dados relativos ao custo líquido majorado calculados para o ano de 2008, o valor seleccionado para a B... (1.º quartil do intervalo) seria 3,1%, em vez de 2,4%.
E a Administração Tributária procurou apenas ter em conta as situações extraordinárias, decorrentes da crise do sector de componentes para automóveis, que a própria B... alegou.
Quanto à questão dos ajustamentos correlativos, o artigo 20º da Portaria nº 1446-C/2001 refere o seguinte:
“ 1 — Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º, a Direcção-Geral dos Impostos deve proceder ao ajustamento correlativo adequado na determinação do lucro tributável do sujeito passivo no prazo de 180 dias a contar da data do conhecimento, ou da data em que for possível obter o conhecimento, do trânsito da decisão, quer administrativa quer judicial, das correcções positivas efectuadas ao lucro tributável do outro sujeito passivo por virtude de ambos se encontrarem numa situação de relações especiais e de não ter sido entre eles observado o princípio de plena concorrência.
2 — Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 17.º, no caso de a Direcção-Geral dos Impostos, na sequência da revisão à situação tributária do sujeito passivo e das consultas estabelecidas com as autoridades fiscais competentes do outro Estado, no âmbito dos procedimentos aplicáveis, considerar justificadas, no todo ou em parte, as correcções por aquelas efectuadas, quer quanto ao princípio em que se basearam, quer quanto ao montante, e, após o trânsito da decisão, administrativa ou judicial, relativamente a estas correcções, concluir pelo cabimento do ajustamento correlativo adequado na determinação do lucro tributável do sujeito passivo, deve efectuá-lo no prazo de 120 dias a contar da data do acordo obtido com as autoridades do outro Estado.”
Ora, refere-se claramente no nº 1 que a Autoridade Tributária deverá proceder ao ajustamento correlativo “no prazo de 180 dias a contar da data do conhecimento, ou da data em que for possível obter o conhecimento, do trânsito da decisão, quer administrativa quer judicial, das correcções positivas efectuadas ao lucro tributável do outro sujeito passivo”.
Não existindo nenhuma norma específica relativamente ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, neste contexto.
E, portanto, não podendo a Autoridade Tributária proceder ao ajustamento correlativo antes de a decisão ter transitado em julgado.
Relativamente ao ajustamento correlativo, na esfera das entidades contrapartes não residentes no território nacional, a própria Requerente já terá apresentado o pedido para eliminação da dupla tributação ao abrigo da Convenção de Arbitragem (Convenção 90/436/CEE, de 23 de julho), em 29-11-2013, à Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI).
De acordo com o artigo 6º, nº 2 da Convenção, após a aceitação do pedido, é aberto um procedimento amigável entre as autoridades competentes nacionais, para o efeito, a DSRI, e as autoridades competentes dos Estados membros envolvidos, em ordem a encontrar uma solução para o caso que foi submetido para apreciação.
Tendo a Autoridade Tributária procedido a estas informações e a requerente efetuado, com sucesso, o pedido à DSRI, não se pode compreender que exista falta de fundamentação.
Sendo que a Autoridade Tributária também informou a requerente de que, de acordo com o artigo 20º da Portaria nº 1446-C/2001, ainda não poderia proceder a qualquer ajustamento.
Alega ainda a requerente que a liquidação padece do vício formal de falta de fundamentação.
Ora, refere, quanto a esta situação, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Junho de 2013, Proc. Nº 06739/13
“Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc.3096/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.6134/12).”
Refere ainda o mesmo Acórdão:
“Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão.”
Refere ainda o nº 3 do artigo 77º da Lei Geral Tributária:
“ Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;”
Sendo que os requisitos definidos pela Lei Geral Tributária estão cumpridos e também não existe qualquer violação do artigo 125º do CPA ou do artigo 268.º da CRP.
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Maio de 2008, Proc n.º 0256/08, “a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado”.
Todavia, a requerente está a tentar aplicar um critério de um bonus pater familiae, enquanto contribuinte fiscal médio, quando o destinatário normal destes actos não é um contribuinte fiscal médio (particular), que não compreenderia a fundamentação da Administração Tributária, como também não compreenderia os trâmites da actividade empresarial e os próprios cálculos efectuados pela requerente.
Ou seja, o destinatário normal destes actos administrativos terá sempre de ser alguém com capacidades suficientes para proceder aos actos e efectuar os cálculos a que a requerente procede, regularmente.
Sendo que a decisão da Administração Tributária tem uma fundamentação clara, não contraditória e sem expressões genéricas ou obscuras, cumprindo também os requisitos do artigo 77º da LGT, no que concerne a entidades em situação de relações especiais, pelo que não se pode entender que exista falta de fundamentação.
II- DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Estabelece o artigo 43º, nº1 da Lei Geral Tributária que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No entanto, no caso em concreto, não qualquer erro por parte dos serviços, imputável ou não aos mesmos.
Pois o Tribunal entende que a posição da Administração está correcta e não padece de qualquer vício ou ilegalidade.
Pelo que não pode existir direito a juros indemnizatórios.
VI – Decisão
Com base nos fundamentos invocados, o Tribunal decide julgar improcedente o pedido da Requerente de anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e respectivos juros compensatórios, identificado com o n.º 2012 ..., e da respectiva Demonstração de Acerto de Contas, identificada como documento n.º 2012... .
Fixa-se ao processo o valor de: 3.189.298,00 euros (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em 40.567,01 euros nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas a cargo da entidade requerente.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2016
Os Árbitros
(José Baeta Queiroz)
(Luís Menezes Leitão)
(António Martins)
( [1] ) A que corresponde o artigo 58.º na redação do CIRC anterior à renumeração operada pelo DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, e que vigorava em 2008.
[2] Cf. artº 8º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro - I Série B
[3] Manuel Freitas Pereira, Fiscalidade, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 437
[4] Veja-se "OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations", July 2010, Paris; p.70 e segs
[5] Veja-se Luís Saias, Rui Carvalho e Maria Amaral, "Instrumentos fundamentais de gestão financeira", Lisboa, Universidade Católica, 1998, p.534; Carlos Caiano Pereira e Vítor Seabra Franco, "Contabilidade Analítica", Lisboa, 1988, p.329.
[6] Miller, Angharad and Oats, Lynne (2014) Principles of International Taxation, London, Bloomsbury
[7] R. Feinschreiber, Transfer pricing methods, N. Jersey, John Wiley & Sons, 2004, p. 84 e segs.
[9] Quer isto apenas dizer que a requerente, em face da inadequação do custo majorado, tal como o aplicou, poderia ter prescindido deste e usado, à partida, o MMLO, previsto no CIRC.
[10] Veja-se: http://www.ustransferpricing.com/26CFR_1_482_complete.pdf
[11] Em tradução livre do tribunal: “Ajustamentos caso os resultados obtidos pelo contribuinte estejam fora do intervalo de valores de plena concorrência. Se os resultados das transações vinculadas se situarem fora do intervalo de plena concorrência, o responsável pela área pode efetuar correções que ajustem o resultado do contribuinte para qualquer ponto dentro desse intervalo. Caso o intervalo interquartil seja usado, esse ajustamento será normalmente para a mediana dos resultados do intervalo”.
[12] Veja-se Price Waterhouse Coopers, International Transfer Pricing 2013/2014, disponível em: http://www.pwc.com/gx/en/international-transfer-pricing/assets/united-states.pdf
[13] R. Feinschreiber, Transfer pricing methods, N. Jersey, John Wiley & Sons, 2004, p. 86 e segs.
[14] Em tradução livre do tribunal: “3.56 Em alguns casos, nem todas as transações comparáveis analisadas apresentam o mesmo grau de comparabilidade. Quando for possível determinar que algumas transações não controladas evidenciam um menor grau de comparabilidade devem ser eliminadas.
3.57 Pode também acontecer que, apesar dos esforços efetuados para excluir observações resultantes de um menor grau de comparabilidade, o que resta é um intervalo de valores para o qual se considera - dado o processo de seleção de comparáveis e as limitações da informação sobre eles disponível – que ainda restam problemas de comparabilidade que não podem ser identificados e /ou quantificados, e por isso não ajustados. Nestes casos, se o intervalo inclui um número de valores significativo ou razoável, medidas estatísticas de tendência central (e.g. o intervalo interquartil ou outras) podem ajudar a incrementar a fiabilidade da análise”.