Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 555/2014-T
Data da decisão: 2014-12-29  Selo  
Valor do pedido: € 126.118,34
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; terreno para construção
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Acórdão Arbitral

 

I – Relatório

 

1.      O contribuinte "A…", NIPC …, representado por "B…, S.A.", NIPC …, apresentou, no dia 29 de Julho de 2014, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo (a seguir PI), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT").

2.      O Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade de quatro liquidações de Imposto do Selo ("IS") (verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ["TGIS"]) emitidas pela AT, respeitantes a quatro prédios da propriedade do Fundo, e referentes ao ano de 2013: documentos de cobrança n.º 2014 …, no montante de imposto de €50.807,67 e n.º 2014 …, no montante de imposto de €48.224,97, sobre prédios sitos na Freguesia de …(…), e documentos de cobrança n.º 2014 …, no montante de imposto de €10.555,94 e n.º 2014 …, no montante de imposto de €16.529,76, sobre prédios sitos na união de freguesias de … (…), tudo perfazendo o total de €126.118,34; e pede o decretamento da respectiva anulação.

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 1 de Agosto de 2014.

4.      Em 11 de Setembro de 2014 a AT comunicou, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, a decisão de manutenção integral dos actos tributários subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral.

5.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 17 de Setembro de 2014.

6.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 2 de Outubro de 2014; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

7.      Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 2 de Outubro de 2014, para apresentar resposta.

8.      A AT apresentou a sua resposta em 4 de Novembro de 2014, acompanhada de cópia do processo administrativo, conforme lhe fora solicitado.

9.      Nessa resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido de pronúncia arbitral do Requerente, pedindo a absolvição de todos os pedidos.

10.  Conjuntamente com a resposta, e na mesma data, a AT apresentou um requerimento solicitando a dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, por entender não existirem obstáculos ao conhecimento do mérito da causa, e por tratar-se nesta de uma questão estritamente jurídica, não carecida de prova testemunhal.

11.  Em requerimento de 10 de Novembro de 2014, o Requerente manifestou a sua concordância com a dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT.

12.  O Despacho Arbitral de 10 de Novembro de 2014 determinou a dispensa tanto da reunião referida no art. 18.º do RJAT como da apresentação de alegações escritas pelas partes; e fixou a data de 2 de Fevereiro de 2015 para a prolação da decisão final.

13.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

14.  As Partes encontram-se devidamente representadas.

15.  A cumulação de pedidos relativa aos quatro actos de liquidação de IS subjacentes aos documentos de cobrança n.ºs 2014 …, 2014 …, 2014 … e 2014 … é admissível em face do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, porquanto a procedência dos pedidos depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

16.  O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados

 

a)       O Requerente foi notificado das seguintes quatro notas de cobrança de IS (1.ª prestação) emitidas pela AT, respeitantes a quatro prédios da sua propriedade, e referentes ao ano de 2013:

i) nota n.º 2014 …, com o montante de colecta de €50.807,67, relativa ao prédio urbano sito em …, …, freguesia de … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, com o valor patrimonial tributário (VPT) de €5.080.766,67;

ii) nota n.º 2014 …, com o montante de colecta de €48.224,97, relativa ao prédio urbano sito em …, …, freguesia de … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, com o VPT de €4.822.497,13;

iii) nota n.º 2014 …, com o montante de colecta de €10.555,94, relativa ao prédio urbano sito na …, união de freguesias de … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, com o VPT de €1.055.594,35;

iv) nota n.º 2014 …, com o montante de colecta de €16.529,76, relativa ao prédio urbano sito no …, …, união de freguesias … (Cascais), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, com o VPT de €1.652.976,13;

tudo perfazendo o montante global de €126.118,34 (cfr. as notas de cobrança juntas como docs. n.ºs 1 a 4 à PI e as cadernetas prediais juntas como docs. n.ºs 5 a 8 à PI).

b)       O Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário, sujeito ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20/03, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho).

c)       Os prédios objecto da liquidação de IS são terrenos para construção, tal como vêm identificados nas respectivas cadernetas prediais urbanas (cfr. docs. n.ºs 5 a 8 juntos à PI).

d)       Os prédios situados na freguesia de … estão sujeitos a diversas classificações de acordo com os aplicáveis critérios de PDM, REN e POOC, mas à data das liquidações não se encontravam construídos ou em construção; e mesmo nos terrenos para construção não havia, nessa data, qualquer despacho ou deliberação final do pedido de loteamento, já apresentado mas ainda pendente.

e)       Os prédios sitos na união de freguesias de … estão igualmente sujeitos a diversas classificações de acordo com os aplicáveis critérios de PDM, REN e POOC, mas à data das liquidações não se encontravam construídos ou em construção; e mesmo nos terrenos para construção não havia, nessa data, qualquer despacho ou deliberação final de qualquer pedido de operação urbanística, qualquer alvará de loteamento ou construção de que decorresse a permissão de qualquer operação urbanística.

f)        Todas as liquidações assentam na verba n.º 28.1 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo (“CIS”), alterado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que prevê uma taxa adicional de 1% sobre prédios com afectação habitacional com valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros (cfr. as notas de cobrança juntas como docs. n.ºs 1 a 4 à PI).

 

II.B. Motivação da decisão de facto

 

a)      A prova apresentada é de base documental, assentando em particular nas cadernetas prediais dos prédios identificados e nas notas de cobrança do IS, conforme referido no probatório, e foi incorporada no processo.

b)      Nenhuma matéria provada nos autos viu a sua autenticidade ou correspondência com os factos serem questionadas.

c)      Não há factos não provados que tenham interesse para a decisão da causa.

 

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição do Requerente

 

a)      O Requerente entende que as liquidações enfermam de nulidade decorrente da inconstitucionalidade da norma do n.º 28.1 da TGIS, além de várias invalidades conexas com essa legislação; e que, adicionalmente, as liquidações revelam erros sobre os pressupostos e resultam em duplicação de colecta.

b)      O Requerente reconstitui o processo legislativo que conduziu à Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e ao regime estatuído na verba n.º 28.1 da TGIS (enriquecido com a consideração autónoma dos efeitos do regime transitório instituído pelo art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012), com o objectivo de demonstrar que a mens legislatoris foi exclusivamente a de agravar a tributação dos prédios de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário fosse superior a um milhão de euros, no pressuposto de que tais prédios revelariam uma capacidade contributiva especialmente elevada – porque, ficava subentendido e correspondia até a declarações públicas, tinha-se em vista, com este "adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI")", tributar as casas de luxo, as habitações usufruídas por quem tivesse um milhão de euros para investir na respectiva aquisição.

c)      Tratou-se, argumenta o Requerente, de responder às necessidades conjunturais de aumento da receita fiscal através da criação de um "adicional" decalcado do IMI mas separado dele, para que a receita pudesse reverter para o Estado e não, como no caso do IMI, para os Municípios.

d)     O Requerente sustenta que a inconstitucionalidade (e a ilegalidade da violação de princípios da Lei Geral Tributária ("LGT")) emerge em especial das consequências do regime transitório instituído pelo art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, na medida em que cria um facto tributário instantâneo durante o ano de 2012, atentando contra a tutela da confiança, contra a proporcionalidade, contra a igualdade e contra a proibição de retroactividade (isso por efeito tanto do art. 6.º como dos arts. 3.º e 4.º da Lei nº 55-A/2012, dos quais resultariam, no entender do Requerente, não somente a retroactividade como a violação da proporcionalidade e da legalidade, com a duplicação de factos tributários sujeitos ao mesmo imposto resultante da sobreposição de critérios temporais de incidência – e daí a duplicação da colecta).

e)      O Requerente enfatiza especialmente a inconstitucionalidade que, no seu entender, resulta da violação do princípio da igualdade: seja porque é injustificada a discriminação entre a afectação habitacional (que é a única onerada) e outras afectações possíveis, rústicas, urbanas (não-habitacionais) ou mistas que são possíveis em prédios do mesmo valor; seja porque, reportando-se a uma base de cálculo pretérita, introduz uma discriminação entre aqueles que promoveram, e os que não promoveram, transformações nas suas propriedades com impacto no respectivo valor; seja ainda porque o apego ao valor patrimonial total leva a exacerbar a forma em detrimento da substância, induzindo o tratamento indiscriminado de realidades muito diversas (nomeadamente privilegiando os prédios habitacionais em propriedade horizontal em detrimento dos demais, mesmo que estes estejam numa situação idêntica de fraccionamento em divisões susceptíveis de utilização independente).

f)       Por outro lado, a remissão da Lei n.º 55-A/2012 para o quadro conceptual e interpretativo do Código do IMI ("CIMI") gera uma ambiguidade insanável, no entender do Requerente, que é a de se utilizar na verba 28.1 da TGIS um conceito – "afectação habitacional" – que não encontra qualquer correspondência precisa naquele outro quadro conceptual e interpretativo.

g)      Mais ainda, no caso em apreço essa remissão para o CIMI deixaria de imediato transparecer que este outro diploma cinde, no seu art. 6.º, as categorias de "edifícios ou construções", por um lado, da categoria "terrenos para construção", por outro, como subclasses no conjunto "prédios urbanos", reservando exclusivamente à primeira subclasse os fins "habitacionais, comerciais, industriais" – recusando, pois, liminarmente, a possibilidade de a "afectação habitacional" ter seja efectividade, seja relevância jurídica, ou jurídico-tributária, nos "terrenos para construção".

h)      Aliás, acrescenta o Requerente, mesmo a admissão de uma tal "afectação habitacional" a terrenos para construção não obstaria a que o mero potencial construtivo destes pudesse nunca vir a realizar-se, traduzindo-se numa afectação habitacional efectiva – pelo que tal "afectação" nunca poderia designar, nesse caso, mais do que um potencial de destino futuro e hipotético – incomparável com a "actualidade" de um edifício ou construção apto a desempenhar imediatamente a sua função habitacional.

i)        Tomando estas implicações por evidências, o Requerente retira daí a ilação de que as liquidações que as desconsideraram só podem estar viciadas por erro de facto ou de direito imputável aos serviços da AT – seja o erro de facto de confundir "terrenos para construção" com "edifícios ou construções", seja o erro de direito de se considerar que ambas as categorias – "terrenos para construção" por um lado, "edifícios ou construções" por outro – seriam subsumíveis indiscriminadamente na mesma norma, a verba 28.1 da TGIS.

j)        A este último propósito, o Requerente apela ainda ao art. 11.º, 1 da LGT, na medida em que aí se estatui a subordinação à terminologia empregue em outros ramos de Direito, quando para eles se remeta – o que sucederia precisamente no caso vertente, lançando-se mão das acepções juscivilísticas de "prédio" para também aí se inferir que jamais um terreno para construção poderá ser considerado uma construção afecta à habitação. Concomitantemente, sublinha-se o princípio da "tipicidade específica" para se vedar qualquer "densificação" do conceito de "afectação habitacional" que extravase das limitações que resultam da importação conceitual a partir de outros ramos de Direito.

k)      Em apoio da sua alegação de que houve um erro de facto e um erro de direito, o Requerente conclui invocando a jurisprudência entretanto acumulada sobre o tema, em sede jurisdicional e arbitral.

l)        O Requerente sustenta ainda que as liquidações estão viciadas por falta de fundamentação nos termos dos arts. 36.º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), do art. 77.º, n.º 6 da LGT, do art. 125.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) e no art. 268.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e por ausência de audiência prévia, para os efeitos do art. 60.º, 1, a) da LGT.

m)    Dada a existência de erro imputável aos serviços, do qual pode resultar pagamento de dívida tributária em excesso, o Requerente reclama juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 61.º do CPPT e 100.º da LGT.

n)      Conclui invocando a "litigância de má fé", que no seu entender resultaria do facto de a AT não poder ignorar a inexistência ou o erro de fundamentos para as liquidações a que procedeu; o que no entender do Requerente resultaria até da alteração à verba 28.1 da TGIS a que procedeu o art. 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que, ao passar a incluir expressamente na incidência da norma o "terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação", estaria a reconhecer a omissão ou o equívoco precedente.

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Em resposta, a AT sustenta que nenhuma razão assiste à Requerente, e que a fundamentação das liquidações assenta na correcta interpretação e aplicação do quadro normativo pertinente.

b)      A Requerida defende que a redacção da verba n.º 28.1 da TGIS é inequívoca no seu sentido e alcance, seja na generalidade com que abarca a titularidade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros, seja na remissão que faz para os conceitos e critérios do CIMI.

c)      A Requerida chama a atenção para o facto de tal remissão deixar claro que os terrenos para construção são integrados na categoria "prédios urbanos" (art. 6.º, 1 CIMI), e que o respectivo valor patrimonial não pode deixar de ser aferido tendo-se em conta a sua afectação, habitacional ou não-habitacional (nos termos do art. 45.º, 2, e para os efeitos do art. 41.º, ambos do CIMI).

d)     Sendo assim, a "afectação habitacional" não seria uma característica a ser considerada autonomamente, mas um elemento ínsito na própria qualificação do imóvel, algo já espelhado no cômputo do seu valor patrimonial tributário (como resultaria do disposto no art. 45.º do CIMI). Essa "afectação" estaria pois determinada em momento prévio ao daquele em que outras normas (como o RJUE, por exemplo) especificam as utilizações concretas dos prédios.

e)      A AT sustenta igualmente que tal regime da verba n.º 28.1 da TGIS não viola qualquer princípio ou norma constitucionais, seja porque nada comporta de irretroactividade (dado que em 2013, ano a que se reportam as liquidações, não houve mudança de regime), seja porque não viola a igualdade (dado que discrimina apenas o que é diferente, e fá-lo por aplicação de critérios gerais e abstractos, e dado ainda que se subordina a um critério explícito de adequação).

f)       A Requerida defende-se do argumento de falta de fundamentação das liquidações com a invocação do princípio de que é fundamentação bastante aquela que leva o destinatário à compreensão das razões determinantes da decisão, sem necessidade de descrição exaustiva ou de enumeração integral de todas as condicionantes, próximas e remotas, dessas razões.

g)      A Requerida lembra até que a insuficiência da fundamentação deveria ter conduzido, da parte do Requerente, à solicitação de emissão de uma certidão como a prevista no art. 37.º do CPPT, o que não sucedeu; e que, por outro lado, o próprio requerimento de pronúncia arbitral demonstra, na precisão dos seus argumentos, que o Requerente compreendeu bem as razões da decisão subjacente às liquidações, com as quais discorda precisamente na medida em que não as desconhece.

h)      Por outro lado, a AT procura remover a ideia de que possa ter havido erro imputável aos serviços na emissão das liquidações, de modo a afastar a hipótese de haver lugar a juros indemnizatórios a pagar ao Requerente.

i)        Igualmente, e por fim, contesta a alegação do Requerente de que tenha havido litigância de má fé, e para isso lembra que não está preenchida a previsão do art. 104.º, 1 da LGT, que é a norma aplicável – e não outra norma como aquelas a que recorreu o Requerente na sua argumentação.

 

III.C. Questões a decidir

 

1. Atento o pedido de pronúncia arbitral que foi deduzido, e conforme resulta dos factos acima descritos (vd. a alínea a) do probatório), o presente processo tem como objecto as liquidações de IS resultantes das notas n.ºs 2014 …, 2014 …, 2014 … e 2014 … que se referem ao ano de 2013. Em consequência, só importa examinar nestes autos as questões que sejam relevantes para a solução do litígio relativo a este objecto, não competindo a este Tribunal, atenta a missão que lhe cabe (arts. 1.º e 2.º do RJAT), emitir pronúncia sobre matérias que não assumem pertinência para a decisão por não serem susceptíveis de incidir sobre o caso sub judice.

2. Ora, como facilmente se conclui da descrição da posição do Requerente atrás efectuada, verifica-se que ao longo da PI são expostas diversas matérias sobre a temática do imposto do selo sobre prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00 objecto da verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, as quais extravasam inteiramente os confins do objecto processual aqui em apreciação. 

3. Assim sucede com a alegação da inconstitucionalidade dos arts. 3.º, 4.º e 6.º, n.º 1 da Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, com base na invocação de que a criação de um novo facto tributário instantâneo reportado a 31 de Outubro de 2012, bem como a subsequente constituição de outro facto tributário a 31 de Dezembro de 2012, violam o “princípio do Estado de direito democrático na vertente do sub-princípio tutela da confiança e proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal (arts. 2.º, 13.º e 103.º da CRP)” (arts. 32.º a 44.º, 52.º a 54.º, 58.º a 59.º da PI), que é manifestamente impertinente para os autos, porquanto as liquidações aqui impugnadas (vd. a alínea a) do probatório) respeitam ao ano de 2013, em cobrança em 2014, não tendo como sustentáculo fundamentador a disposição do n.º 1 do art. 6.º da mencionada Lei n.º 55-A/2012.

4. Do mesmo modo, é impertinente para a resolução do presente litígio a invocação da inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS por violação do princípio da igualdade (arts. 55.º a 57.º da PI) no que concerne à interpretação normativa de que, para definição do valor do prédio, é relevante o valor global nos prédios urbanos inscritos na matriz em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, dado que esta realidade predial pura e simplesmente não se manifesta nos autos (cfr. as alíneas a), c), d) e e) do probatório).

5. Desta forma, extraindo do prolixo articulado apresentado pelo Requerente os motivos alegados que, tendo em conta o objecto do processo, podem ser efectivamente relevantes para a resolução do pleito, são as seguintes as questões que cabe abordar aqui para solução do caso sub judice (sem embargo de a resposta a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outras):

a) inconstitucionalidade da previsão da verba n.º 28 da TGIS sobre a tributação de “prédios urbanos” “com afectação habitacional” por violação do princípio da igualdade (arts. 13.º e 103.º da CRP), por excluir do novo imposto os prédios rústicos (art. 3.º do CIMI), os prédios urbanos com afectação não habitacional (art. 6.º do CIMI), como sejam os prédios urbanos da espécie “comerciais, industriais ou para serviços”, e os prédios mistos (art. 5.º do CIMI);

b) erro de facto ou erro de direito nas liquidações impugnadas, no primeiro caso “por terem considerado que os terrenos para construção da impugnante (...) se subsumiam erradamente à espécie edifícios ou construções licenciados ou destinados a fins habitacionais (...) ” (art. 76.º da PI), no segundo caso “por interpretarem a menção da norma do número 28 e 28.1 da Tabela Geral (...) a “prédios urbanos” (...) “com afectação habitacional” no sentido de abranger ambas as espécies de prédios urbanos previstas no art. 6.º n.º 1, a) e b) e n.º 2 (edifícios ou construções) e 6.º n.º 3 do CIMI (terrenos para construção)” (art. 77.º da PI);

c) falta de fundamentação, em violação do disposto nos arts. 36.º e seguintes do CPPT, no art. 77.º, n.º 6 da LGT, no art. 125.º do CPA e no art. 268.º da CRP “pois não é perceptível para um destinatário normal o motivo pelo qual se tributam parcelas de terreno destinadas a construção mas não construídas, quando toda a jurisprudência conhecida vai no sentido de que a fattispecie da norma (…) não inclui a categoria dos terrenos para construção” (art. 94.º da PI);

d) falta de audiência prévia do Requerente em momento anterior à prática das liquidações (art. 60.º, n.º 1, al. a) da LGT);

e) direito a juros indemnizatórios nos termos dos arts. 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT, dado o pedido do Requerente de que “seja expressamente declarada a existência de erro dos serviços e reconhecido (...) direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias impugnadas que (...) venha, eventualmente, a pagar até ao termo do pleito”;

f) litigância de má fé da Requerida, conforme pedido do Requerente de que a AT “seja condenada ao pagamento de uma indemnização ao impugnante por litigância de má-fé, a fixar mediante justo arbítrio do tribunal, ex vi do disposto nos arts. 542.º e 543.º do CPC, caso se mantenha a litigância contra lei expressa, de forma dolosa ou pelo menos com culpa grave, pois não pode desconhecer a falta de fundamento da sua posição”.

6. Atenta, conforme se observa da descrição antecedente, a ordenação efectuada pelo Requerente quanto aos vícios invocados (cfr. art. 124.º do CPPT), importa assinalar que a apreciação do litígio tem necessariamente de principiar pela matéria do erro de facto ou de direito das liquidações controvertidas quanto à inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS. Com efeito, a questão respeitante à (des)conformidade constitucional da solução normativa resultante da lei só pode ser conhecida depois da realização, em concreto, da própria interpretação da disposição legal pertinente e da aferição da sua aplicação ao caso sub judice, dado que, evidentemente, só tem sentido e utilidade examinar a inconstitucionalidade da solução normativa constante da verba 28.1 da TGIS se se concluir, em sede da respectiva interpretação e concretização, que a mesma é aplicável à situação dos autos; se assim não suceder, designadamente por se julgar que a incidência tributária não abrange a realidade sub judice então aquela questão da inconstitucionalidade da norma não se coloca processualmente.

7. Nestes termos, a primeira questão que importa começar por apreciar respeita à verificação da conformidade legal dos actos tributários de liquidação impugnados com a lei, especificamente, com a disposição objecto da verba 28.1. da TGIS.

 

III.D. A verba 28.1 da TGIS e os “terrenos para construção”

 

1. Para resolução da questão atinente ao invocado erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das liquidações impugnadas, que assenta basicamente na alegação de que a verba 28.1 da TGIS não permitia a cobrança deste IS em relação a terrenos para construção, importa ter presente a versão aplicável ratione temporis da verba 28 e da subverba 28.1 da TGIS, que é constituída pela redacção dada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (antecedente, pois, à modificação operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro). Ora, à data dos factos, dispunha aquela verba 28.1 o seguinte:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional 1%”.

2. Pois bem, não é objecto de definição específica em sede de CIS o conceito de prédio com afectação habitacional, a qual é necessária para efeitos de concretização da sujeição tributária resultante da verba n.º 28.1 da TGIS, pelo que tal omissão sobre uma decisiva questão carente de regulação tem de ser devidamente superada. Para tanto, aparece como indeclinável a aplicação da determinação constante do n.º 2 do art. 67.º do CIMI, nos termos da qual: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”. Assim, não constando do CIS qualquer caracterização da realidade “prédio com afectação habitacional”, bem como, aliás, da própria figura dos terrenos para construção, impõe-se operar com a remissão para o CIMI que resulta da colocação direta e específica desde diploma como direito subsidiário (em que nem sequer se ressalva o clássico caveatcom as necessárias adaptações”) em relação à verba n.º 28 da TGIS.

3. Deve acrescentar-se, ainda, que o CIS, antes da introdução pela Lei n.º 55-A/2012 desta verba n.º 28 da TGIS, já continha uma norma específica de remissão para o CIMI para efeitos da definição do conceito de prédio, pois o art. 1.º, n.º 6 do CIS estabelece que: “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.

4. Nestes termos, por força destas disposições remissivas, a definição de “prédio urbano” “com afectação habitacional” e a apreensão da figura dos terrenos para construção envolve necessariamente a consideração dos dispositivos próprios do CIMI em que o legislador procedeu à caracterização das diversas realidades prediais relevantes, dispositivos esses que são constituídos, no que aqui importa tendo em conta as referências a “prédio”, a “prédios urbanos” e a prédios “com afectação habitacional” constantes da verba 28.1 da TGIS, pelo art. 2.º e pelo art. 6.º do CIMI.

5. Pois bem, nos termos do n.º 1 do art. 2.º do CIMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”. Por sua vez, o art. 6.º do CIMI dispõe acerca das “espécies de prédios urbanos” do seguinte modo: o n.º 1 prevê que os prédios urbanos se dividem em “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”; o n.º 2 estabelece que: “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”; o n.º 3 refere que: “Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”. 

6. Segundo estas disposições legais definitórias constantes do CIMI, em sede de espécies de prédios urbanos, cabe diferenciar inteiramente, como duas categorias autónomas e distintas, os edifícios ou construções habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços e os terrenos para construção (cfr., ainda, as manifestações desta distinção que resultam das diferentes regulações objecto dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do art. 40.º-A e dos arts. 41.º e 45.º, todos do CIMI).

7. Ora, a fórmula legal “prédio com afectação habitacional” constante da verba 28.1 da TGIS, ainda que não inteiramente coincidente com a expressão prédios “habitacionais” resultante do n.º 2 do art. 6.º do CIMI, apela imediatamente, como manifesta a menção existente neste preceito ao “destino normal” ao fim habitacional, à classificação das espécies de prédios urbanos objecto do indicado n.º 2 do art. 6.º do CIMI, na qual elege os edifícios ou construções habitacionais, seleccionando nestes os edifícios ou construções que possuem efectivamente afectação a uso habitacional.

8. Precisamente, a caracterização de terrenos para construção que resulta daquela definição legal do n.º 3 do art. 6.º do CIMI não passa pela concreta afectação a um uso, mas antes pelo destino a uma operação, precisamente, a construção. Na verdade, enquanto os prédios urbanos habitacionais são os “edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal” esse fim (al. a) do n.º 1 e n.º 2 do art. 6.º do CIMI), os terrenos para construção são os terrenos “para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo” (al. c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 6.º do CIMI).

9. Como tal, a fórmula legal “prédio com afectação habitacional” constante da verba 28.1 da TGIS não compreende os terrenos para construção, pois estes, por força da caracterização legal do n.º 3 do art. 6.º do CIMI, não surgem definidos por uma “afectação habitacional” própria de edifícios ou construções existentes (cfr. n.º 2 do art. 6.º do CIMI).

10. Explicite-se que, para a caracterização dos terrenos para construção, não assumem relevo os factores de ponderação para efeitos de avaliação nos termos do art. 45.º do CIMI, maxime o coeficiente de afectação (art. 41.º do CIMI), os quais constituem elementos de consideração subsequente e autónoma em relação àquela caracterização, já para não mencionar a estranheza que assumiria a determinação do âmbito de incidência objectiva da verba n.º 28 da TGIS residir afinal em norma de determinação do VPT (como se assinala no acórdão do STA de 9.4.2014, proc. n.º 1870/139).

11. Acresce que, de um ponto de vista material ou ontológico, um terreno para construção não pode ser considerado como prédio com afectação habitacional (ou outra qualquer), porquanto, por natureza, um terreno para construção, enquanto tiver essa condição, não tem qualquer afectação, e, especificamente, não é susceptível de ser habitado. Por isso, bem questionou o Provedor de Justiça, em ofício dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o seguinte: “considerando que na verba 28.1 o legislador consagrou taxativamente a sujeição ao imposto dos prédios “com afetação habitacional”, como se explica a tributação de terrenos para construção, que, salvo melhor opinião, enquanto neles não existirem quaisquer construções susceptíveis de utilização para habitação e como tal licenciadas pelas autoridades competentes, encontram-se objectivamente impossibilitadas de ter tal afetação?”.

12. Daí que no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 2014, proc. n.º 1870/13, se tenha entendido o seguinte: “atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno”.

13. Acrescente-se que esta questão de saber se o conceito de “prédio com afectação habitacional” engloba um terreno para construção já foi apreciada em diversas ocasiões pelo Supremo Tribunal Administrativo que perfilhou uma resposta negativa constante sobre a matéria, firmando jurisprudência no sentido de que os “terrenos para construção” não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afectação habitacional. Esta jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo, que se pode recolher dos acórdãos de 09.04.2014, processos n.ºs 1870/13 e 48/14, de 23.04.2014, procs. n.ºs 0270/14 e 0272/14, de 28.05.2014, proc. n.º 0396/14, de 02.07.2014, proc. 0467/14, e de 09.07.2014, proc. 0676/14 (todos consultáveis em dgsi.pt), sustenta-se precisamente no entendimento de que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”. Também neste CAAD tem sido entendido, em múltiplas decisões arbitrais (cfr. os processos n.ºs 42/2013-T; 48/2013-T; 49/2013-T; 53/2013-T; 75/2013-T; 144/2013-T; 158/2013-T; 180/2013-T; 189/2013-T; 191/2013-T; 215/2013-T; 231/2013-T; 288/2013-T; 310/2013-T), que a verba n.º 28 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, não abrange a espécie autónoma de prédios urbanos que são os terrenos para construção.

14. Conclui-se, pois, que a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS (cfr., ainda, o art. 1.º do CIS), na qual assentam as liquidações impugnadas, ao reportar-se a “prédio com afectação habitacional”, não abrange “terrenos para construção”. Como se disse, um terreno para construção não implica, enquanto tal, uma afectação habitacional que permita a respectiva subsunção à verba n.º 28 da TGIS.

15. Dado que os prédios objecto das liquidações em apreço, ou seja, o prédio sito em …, , freguesia de … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, o prédio sito em …, …, freguesia de … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, o prédio sito na …, …, união de freguesias de … e … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. …, e o prédio sito no …, …, união de freguesias de … (…), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. … (cfr. alínea a) do probatório) constituem terrenos para construção (cfr. os factos dados como provados na alíneas c), d) e e) do probatório) e, como tal, não se reconduzem à categoria dos prédios “com afetação habitacional”, segue-se que não se encontram sujeitos à citada verba 28.1 da TGIS, não podendo incidir sobre eles o IS aí previsto.

16. Em consequência, as liquidações impugnadas padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito quanto à interpretação e aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, que não incide sobre os terrenos para construção, o que acarreta, nos termos do art. 135.º do CPA, a anulação das liquidações identificadas.

17. Atenta a procedência desta ilegalidade das liquidações controvertidas, fica prejudicada, por inútil, a apreciação das questões alegadas pelo Requerente atinentes à inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, à ausência de fundamentação e à falta de audiência prévia.

 

III.E. Juros indemnizatórios

 

1. Invoca o Requerente ter direito a direito a juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT, sobre “os montantes que, eventualmente, venha futuramente a pagar”, pelo que formula o pedido de que “seja expressamente declarada a existência de erro dos serviços e reconhecido (...) direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias impugnadas que (...) venha, eventualmente, a pagar até ao termo do pleito”.

2. Como é sabido, determina o art. 43.º, n.º 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (cfr. igualmente art. 61.º do CPPT).

3. No caso, a ilegalidade das liquidações impugnadas é imputável à Requerida, porquanto as praticou em erro sobre os pressupostos de direito, nos termos acima expostos, o que implica a ocorrência de erro imputável aos serviços.

4. Sucede, porém, que é pressuposto do direito a juros indemnizatórios precisamente o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a existência de imposto a restituir. Ora, no caso, tal como resulta dos autos, não se verificou o pagamento de qualquer quantia dos impostos ilegalmente liquidados, declarando mesmo o Requerente que “não procedeu até à data de dedução do presente pedido ao pagamento das quantias liquidadas e impugnadas, devendo requerer no SF de Lisboa 10 a suspensão das eventuais execuções a que as liquidações em causa venham a dar causa, mediante a indicação de bens à penhora” (vd. art. 100.º da PI).

5. Logo, não há base factual para reconhecer aqui, no âmbito dos presentes autos, o direito a juros indemnizatórios, sem prejuízo, claro está, do dever que incide sobre a AT, em conformidade com o art. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e com o art. 100.º da LGT, de restabelecer a situação que existiria se os actos tributários ilegais objecto da presente decisão arbitral não tivessem sido praticados, mediante a adopção dos actos e operações necessários para o efeito.

6. Improcede, assim, esta pretensão do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios invocada pelo Requerente.

 

III.F. Litigância de má fé

 

1. Requer, por fim, o Requerente que a AT “seja condenada ao pagamento de uma indemnização ao impugnante por litigância de má-fé, a fixar mediante justo arbítrio do tribunal, ex vi do disposto nos arts. 542.º e 543.º do CPC, caso se mantenha a litigância contra lei expressa, de forma dolosa ou pelo menos com culpa grave, pois não pode desconhecer a falta de fundamento da sua posição e o tribunal não deve coonestar arbítrios da AT para a qual não só não existe base legal, mantendo a AT uma atitude dolosa de violação de norma expressa”.

2. É notoriamente improcedente, a vários títulos, o pedido assim formulado pelo Requerente, que carece, em absoluto, de fundamento razoável.

3. Desde logo, dado o Requerente basear esta sua pretensão na invocação do disposto no art. 542.º do actual Código de Processo Civil (e não na previsão do art. 104.º, n.º 1 da LGT), cabe assinalar que a litigância de má fé pressupõe uma actuação processual da parte, um ilícito praticado no processo, pelo que, deste modo, dificilmente se compreende a consistência de um pedido de condenação como litigante de má fé que antecede a própria intervenção em juízo arbitral da parte objecto da censura, numa verdadeira prognose da peça processual da resposta.

4. Depois, como o Requerente escora esta sua pretensão simplesmente no facto de a AT perfilhar uma certa interpretação normativa da verba 28.1 da TGIS (que aqui não se acolheu), deve-se notar que a sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas, não integra litigância de má fé, como consistentemente se assinala na jurisprudência (vd., por exemplo, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 442/91, de 20.11.1992, n.ºs 11 e 13, e n.º 200/94, de 1.3.1994, n.º IV.2).

5. Deste modo, e sem obnubilar que a boa fé processual constitui um relevante princípio conformador do processo arbitral, aplicável, aliás, aos árbitros, às partes e aos mandatários (cfr. artigo 16.º, alínea f), do RJAT), é manifestamente infundada a pretensão de condenação como litigante de má fé da Requerida, tanto mais quanto, como esta observa na sua resposta, não está em causa a aplicação da previsão do art. 104.º da LGT.

6. Nestes termos, improcede este pedido de condenação em litigância de má da Requerida.

 

 

IV. Decisão

Em face de tudo quanto antecede, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular as liquidações de Imposto do Selo identificadas nas notas de cobrança n.º 2014 …, com o valor de colecta de €50.807,67, n.º 2014 …, com o valor de colecta de €48.224,97, n.º 2014 …, com o valor de colecta de €10.555,94, e n.º 2014 …, com o valor de colecta de €16.529,76, tudo perfazendo o montante global de €126.118,34, com as legais consequências;

 

b) Julgar, na parte restante, improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

c) Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €126.118,34, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas a cargo da Requerida, dado que o pedido de anulação das liquidações impugnadas foi julgado totalmente procedente, no montante de €3.060,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 29 de Dezembro de 2014

 

Os Árbitros

 

José Poças Falcão

(Presidente)

João Menezes Leitão

Fernando Borges Araújo