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Processo n.º 42/2013-T
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
1.1. No dia 15-03-2013, a A… – SOCIEDADE DE EDIFICAÇÕES LDA., contribuinte n.º …, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 janeiro (doravante designado por “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por “ATA”), com vista à:
– anulação da liquidação de imposto do selo no montante de €11.310,10, com data de 07/11/2012, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …, concelho de …;
– condenação da ATA no pagamento de uma indemnização estimada em €848,22, pela prestação indevida de garantia bancária para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2013… instaurado para cobrança coerciva desta liquidação de imposto do selo.
1.2. A Requerente alega, sucintamente, que:
– a liquidação impugnada não contém a indicação do seu autor, nem a sua assinatura;
– a liquidação impugnada não contém a fundamentação devida;
– a liquidação impugnada não foi precedida de audição prévia;
– a ATA, ao pressupor que o terreno para construção é um prédio com afetação habitacional, faz uma errada interpretação do artigo 1.º, n.º 1, do CIS e da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (de ora em diante abreviadamente designada por “TGIS”), bem como do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da citada Lei n.º 55-A/2012 ou comete o chamado “erro de direito acerca dos factos”;
– a tributação da verba 28.1 da TGIS encarada como uma tributação da propriedade de prédios com afetação habitacional de valor superior a 1 milhão de euros mesmo nos casos em que aquela não corresponde a uma manifestação de luxo dos seus proprietários, mas apenas ao mero desenvolvimento da sua atividade económica é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade previstos nos artigos 266.º, n.º 2, 13.º e 104.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por “CRP”).
1.3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-03-2013.
1.4. Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.5. Em 06-05-2013, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-05-2013.
1.7. Em 24-06-2013, a Requerida apresentou resposta pronunciando-se pela manutenção da liquidação impugnada, alegando, em síntese, o seguinte:
– o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, com base nos seguintes argumentos:
– a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do artigo 13.º da CRP, já que a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do imposto do selo para os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.
– a indemnização requerida pela Requerente constitui um dever que impende sobre a AT a título de execução de julgado, não cabendo nesta sede obter uma qualquer pronúncia condenatória.
1.8. No dia 06-09-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada Ata que se encontra junta aos autos.
1.9. Nessa reunião, as partes prescindiram da produção de prova testemunhal e da realização de alegações orais, tendo o Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJTA, designado o dia de 27-09-2013 para o efeito de prolação da decisão arbitral.
1.10. Em 25-09-2013, a Requerente requereu a junção de um documento, tendo o Tribunal deferido essa junção e notificado a Requerida para exercer o contraditório, adiando em consequência a data para efeitos de prolação da decisão arbitral para o dia 18-10-2013.
1.11. A Requerida exerceu o contraditório.
2. Saneamento
O Tribunal é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Com relevância para a decisão em causa atenta a causa de pedir, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica à construção de edifícios (residenciais e não residenciais) e à compra e venda de bens imobiliários (cfr. documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 03.12.2012, a Requerente foi notificada da liquidação de imposto do selo no montante de €11.310,10, com data de 2012-11-07, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia do …, concelho de … (cfr. documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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O prédio objeto da liquidação está inscrito na matriz como terreno para construção (cfr. documentos n.º 5 e 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 01.03.2005, a Requerente apresentou a declaração modelo 1 de IMI (cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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O “Tipo de coeficiente de localização” utilizado na avaliação do Valor Patrimonial Tributário do prédio objeto da liquidação foi a habitação (cfr. documento n.º 5, cujo teor se dá como reproduzido).
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Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2013… para cobrança coerciva da liquidação de imposto do selo melhor identificada na alínea b) supra.
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Em 07-03-2013, a Requerente constituiu hipoteca voluntária sobre a fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão Loja B, do prédio sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, da freguesia do … e inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo …, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º …2013… (cfr. documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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O Cartório Notarial em … de … emitiu a fatura n.º …, de 07.03.2013, à Impugnante, referente a escritura, certidões e outros atos e serviços inerentes à constituição da hipoteca voluntária sobre o prédio identificado no artigo anterior (cfr. documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
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A Sociedade de Advogados … & Associados Sociedade de Advogados R.L. emitiu a fatura FACC. 2013…, de 12.04.2013, para cobrar à Impugnante os honorários devidos pelos serviços profissionais prestados no âmbito da constituição de hipoteca para suspensão do processo de execução fiscal n.º …2013…, no montante de €422,75 (cfr. documento junto com requerimento que deu entrada no CAAD em 25-09-2013).
3.1.1. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos dados como provados resultam da matéria documentalmente provada nos autos.
3.2. Factos não provados
Não existe matéria de facto relevante para a decisão da causa dada como não provada.
4. Matéria de direito
Questões a decidir
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Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir por este tribunal arbitral consiste em saber se o ato de liquidação de imposto do selo, no montante de €11.310,10, com data de 07/11/2012, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …, concelho de … padece dos vícios formais (falta de indicação do seu autor e da sua assinatura; falta de fundamentação; falta de audição prévia) e de violação de lei (errónea interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS e do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da citada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro) imputados pela Requerente e, em caso afirmativo, se esta deverá ter direito a uma indemnização pela prestação indevida da garantia para suspensão do processo de execução fiscal n.º …2013… instaurado para cobrança coerciva dessa liquidação, nos termos do artigo 171.º do CPPT.
Vícios formais imputados ao acto de liquidação de imposto do selo
Da falta de autor do acto de liquidação
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A Requerente alega que a liquidação não contém a indicação do seu autor e a respectiva assinatura, pelo que tal liquidação viola o art. 123.º, n.º 1, a) e g) do CPA, sendo nula nos termos dos artigos 133.º, n.º 1, do CPA e 99.º, alínea d), do CPPT.
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O vício arguido pela Requerente é um vício que, a ser considerado procedente, afeta não a liquidação impugnada, mas sim o acto de notificação da liquidação, tendo, por conseguinte, como consequência a nulidade do ato de notificação, nos termos do artigo 39.º, n.º 12, do CPPT e a ineficácia do acto tributário subjacente.
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Ou seja, a ser demonstrado o vício arguido pela Requerente, a consequência seria a ineficácia da liquidação impugnada e não a sua invalidade.
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A competência deste Tribunal Arbitral está, nos termos do artigo 2.º do RJAT, limitada à apreciação das seguintes pretensões:
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A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
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A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
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A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.
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Assim, resulta claro que o presente Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar questões relativas à ineficácia da liquidação impugnada.
Da falta de fundamentação da liquidação
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A Requerente alega que a liquidação impugnada padece do vício de falta de fundamentação.
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Segundo a Requerente, a liquidação não fundamenta a regularidade lógica e formal indispensável à apreensão clara, suficiente e congruente das razões da decisão, já que “nada se diz na liquidação que justifique de que forma o dito prédio teria (que não tem) a afetação habitacional que é um pressuposto necessário da exigência da incidência de imposto do selo da nova verba 28.1 da TGIS.”
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A jurisprudência administrativa e fiscal já amplamente firmada, que nos dispensamos de citar dada a sua vastidão, tem defendido que o ato se considera suficientemente fundamentado quando permite dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela administração para decidir nos termos que decidiu.
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Sendo certo que, nos denominados atos de massa, como é o caso da liquidação impugnada, não deve ser exigido o mesmo rigor formal que se deve exigir de outros actos administrativos que se destinam a situações específicas individualizadas (neste sentido vide, por exemplo, o acórdão do STA de 22-11-2000, processo n.º 25389).
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Da análise da liquidação impugnada parece resultar claro que a ATA considerou que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia do …, concelho de … era subsumível ao conceito de “prédios com afetação habitacional” e por esse motivo tributou a Requerente, na qualidade de proprietária desse prédio, em imposto do selo ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1, al. f), i) da Lei n.º 55-A/2012, 29 de outubro.
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Esta fundamentação afigura-se elucidativa quanto ao iter cognoscitivo e valorativo seguido pela ATA para decidir nos termos que decidiu, especialmente se tivermos em conta que se trata de um ato de massa.
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Aliás, o presente pedido de pronúncia arbitral, e a fundamentação apresentada pela Requerente, é uma evidência de que esta percebeu esse iter cognoscitivo e valorativo.
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Nessa medida, não se vislumbra in casu que a liquidação careça de fundamentação legal, pelo que se considera que o ónus de fundamentação foi cumprido e que o pedido da Requerente improcede nesta parte.
Da falta de audição prévia
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Alega a Requerente que a ATA não terá dado devido cumprimento ao dever de audiência prévia, em obediência ao disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT.
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O artigo 60.º, n.º 1 da LGT determina que os contribuintes têm o direito de audição antes da liquidação.
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Tal direito é apenas dispensado, nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da LGT: (i) no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação ou petição lhe seja favorável; e (ii) no caso de a liquidação se efetuar oficiosamente com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação de declaração em falta, sem que o tenha feito.
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A liquidação impugnada sustenta-se na verba 28.1 da TGIS e no regime transitório previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, 29 de outubro, que visam tributar a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional com o Valor Patrimonial Tributária (de ora em diante abreviadamente designado por “VPT”) constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00.
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O valor tributável corresponde pois, no presente caso, ao VPT do prédio.
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O VPT do prédio objeto da liquidação impugnada foi determinado nos termos do IMI e por iniciativa da Requerente que apresentou uma declaração (declaração modelo 1 de IMI) para efeitos de inscrição do prédio na matriz e sua avaliação, conforme resulta claro do documento n.º 5, junto com o pedido arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.
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E após a apresentação desta declaração, a Requerente teve sempre a possibilidade de participar no processo de avaliação, quer através do pedido de segunda avaliação, quer através da impugnação do do ato de fixação do VPT.
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Assim, a liquidação impugnada, na medida em que se limita a aplicar uma taxa fixa ao VPT que foi fixado, em resultado da declaração apresentada pela Requerente, e com a participação da Requerente, cai no âmbito da exceção do artigo 60.º da LGT, considerando-se, neste caso, que a Requerida estava dispensada de notificar a Requerente para exercer o direito de audição prévia.
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Termos em que improcede a alegação da Requerente nesta parte.
Vícios de lei imputados ao acto de liquidação
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A Requerente alega, sinteticamente, que a ATA, ao pressupor que o terreno para construção é um prédio com afetação habitacional, faz uma errada interpretação do artigo 1.º, n.º 1, do CIS e da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (de ora em diante abreviadamente designada por “TGIS”), bem como do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da citada Lei n.º 55-A/2012 ou comete o chamado “erro de direito acerca dos factos”, assim como que a tributação da verba 28.1 da TGIS encarada como uma tributação da propriedade de prédios com afetação habitacional de valor superior a 1 milhão de euros mesmo nos casos em que aquela não corresponde a uma manifestação de luxo dos seus proprietários, mas apenas ao mero desenvolvimento da sua atividade económica é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade previstos nos artigos 266.º, n.º 2, 13.º e 104.º, n.º 3, todos da CRP.
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A Requerente, por sua vez, entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, alegando em síntese:
– o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido tem de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI;
– a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projeto de urbanização e construção, pelo que muito antes da edificação do prédio é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção;
– não existe qualquer violação do princípio da igualdade do artigo 13.º da CRP, dado que a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do imposto do selo para os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.
– não existe qualquer violação do princípio da proporcionalidade dado que a tributação em sede de imposto do selo obedecerá ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.
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A questão essencial do presente litígio centra-se, pois, em saber se os terrenos para construção são subsumíveis no conceito de “prédios com afectação habitacional” e, por conseguinte, se estão incluídos no âmbito da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS.
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A Lei n.º 55-A/2012 de 29/10/2012 veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo, a Verba 28, passando a cair no âmbito de incidência do imposto do selo:
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %; [...]»
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O artigo 6.º do aludido diploma consagra sob a epígrafe "Disposições Transitórias", o regime legal aplicável em 2012, determinando que a taxa aplicável nesse ano é de 0,5% ou 0,8%, consoante se trate, respectivamente, de prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI ou prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do CIMI.
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Foi ainda aditado um n.º 2 ao artigo 67.º do CIS, que determina que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
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A questão essencial reside, pois, em saber qual o âmbito de aplicação da norma de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS, nomeadamente quanto à determinação do âmbito da definição de “prédios urbanos com afetação habitacional”, uma vez que se afigura pacífica in casu a questão do VPT igual ou superior a € 1 000 000.
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Nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, nem o CIS, definem “prédio urbano com afetação habitacional”, pelo que face à remissão do citado n.º 2, do artigo 67.º do CIS teremos de procurar determinar tal definição no âmbito do CIMI, recorrendo naturalmente aos mecanismos de interpretação da lei.
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O artigo 4.º do CIMI define prédios urbanos como todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos.
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Nos termos do referido preceito, os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
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Estes tipos de prédios urbanos são definidos, no CIMI, nos seguintes termos:
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Os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins (n.º 2, do artigo 6.º do CIMI);
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Os terrenos para construção são os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos (n.º 3, do artigo 6.º do CIMI).
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Os prédios do tipo outros são os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem classificados como prédios rústicos e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não fins habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços e ainda os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos (n.º 4, do artigo 6.º do CIMI).
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Verifica-se, pois, que o CIMI também não contém uma definição específica do que sejam “prédios urbanos com afetação habitacional”. Pelo que qual será o âmbito de aplicação dessa norma de incidência para efeitos da verba 28.1 da TGIS? Será que engloba apenas prédios urbanos habitacionais, ou abrangerá também outros tipos de prédios urbanos como sejam os terrenos para construção? E em caso afirmativo, serão todos os terrenos para construção?
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Como ponto prévio não podemos deixar de denunciar a deficiente técnica legislativa que decorre da utilização em normas de incidência tributária de conceitos que não estão legalmente definidos.
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De uma interpretação literal da norma de incidência em causa resulta que o legislador quis incluir no âmbito de aplicação da norma os prédios urbanos que tenham uma “afectação habitacional”.
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A expressão “afetação habitacional” não parece poder ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.
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E não podemos confundir uma “afectação habitacional” que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afectação habitacional”.
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Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).
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Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objectiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afectação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afectação habitacional.
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E nos terrenos para construção mais não existe do que a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder, após a edificação, vir a ter uma “afectação habitacional”. Mas apenas quando a “afetação habitacional” se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objetiva em apreço.
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Discordamos do entendimento da Requerida de que a qualificação dos terrenos para construção como “prédios com afetação habitacional” encontra apoio no artigo 45.º do CIMI.
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O artigo 45.º do CIMI tem por objetivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos.
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Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma “afetação habitacional” para efeitos da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS.
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Pelo exposto, considera-se que a expressão “prédio urbano com afetação habitacional” prevista no Verba 28.1 da TGIS reconduz-se ao de prédio urbano habitacional, previsto no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.
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Nessa medida, sendo o prédio urbano em questão um terreno para construção, o mesmo não cai no âmbito da norma de incidência objetiva da Verba 28.1 da TGIS, o que fere de ilegalidade a liquidação objeto do presente processo arbitral, e torna procedente, nesta parte, o pedido da Requerente.
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A Requerente levantou questões de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, no pressuposto de esta incluir “terrenos para construção”. Não tendo sido essa a interpretação dessa norma na presente Decisão Arbitral, deixa de fazer sentido, e de ter utilidade, a apreciação da (in)constitucionalidade dessa interpretação da norma.
Indemnização pela prestação de garantia indevida
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A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, ao abrigo do artigo 171.º do CPPT, pelo valor das despesas com emolumentos, impostos e com honorários cobrados pelos serviços jurídicos a que recorreu com vista à preparação e prestação de garantia.
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Na sua resposta, a ATA opõe-se a este pedido, alegando que não cabe em sede arbitral obter qualquer pronúncia condenatória relativamente à indemnização pela prestação de garantia indevida e que além disso a Requerente não fez prova das despesas suportadas com a prestação da garantia.
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Vejamos primeiro a redação do artigo ao abrigo do qual a Requerente peticiona a indemnização:
Artigo 171.º
«1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.»
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A garantia prestada pela Requerente para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida aqui em crise assumiu a forma de hipoteca voluntária.
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Resulta da letra do artigo 171.º do CPPT que as garantias que podem gerar um direito indemnizatório ao abrigo desse preceito são apenas a garantia bancária e equivalentes e não toda e qualquer garantia que seja idónea para suspender a execução fiscal.
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Uma garantia equivalente à garantia bancária será aquela que implica para o interessado uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida (neste sentido, vide Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011, a pág. 242).
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Uma hipoteca voluntária, que apenas tem custos de constituição inicial, não se afigura como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do artigo 171.º do CPPT.
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Ainda que "de jure condendo" a solução possa ser discutível, é esse o sentido do artigo 171.º do CPPT.
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Face ao exposto, concluímos que a Requerente não tem direito à indemnização prevista no artigo 171.º do CPPT, sem prejuízo de, atento o princípio constitucional da responsabilidade da Administração constante do artigo 22.º da CRP, poder sempre recorrer aos meios indemnizatórios gerais para ser ressarcida desse encargo.
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Termos em que improcede, nesta parte, o pedido da Requerente.
DECISÃO:
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de imposto do selo impugnada, com a consequente anulação dessa liquidação.
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Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €11.310,10.
Custas: Fixa-se o montante das custas em €918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e Requerida na proporção do decaimento, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º, n.º 4 do citado regulamento.
Lisboa, 18-10-2013
O Árbitro
(Nuno Azevedo Neves)
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