Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 734/2014-T
Data da decisão: 2015-04-07  IRC  
Valor do pedido: € 157.956,16
Tema: IRC – SGPS, gastos dedutíveis
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Processo n.º 734/2014-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Alberto Franco e Prof.ª Doutora Luísa Anacoreta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-12-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., SGPS, S.A., com sede na Rua …, número …. …, …, contribuinte número …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e seguintes todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e de juros de mora n.º 2013 …, e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2013 … (compensação n.º 2013 …), todos praticados por referência ao exercício de 2010, e, bem assim, anulado o despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa 22-07-2014, devendo consequentemente a requerente ser ressarcida dos custos incorridos com a prestação de garantia que, a final, se demonstrou indevida.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26-09-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-10-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-12-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26-12-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência da presente acção arbitral.

Por despacho de 19-02-2015, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto  

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, actuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) ;

b)      A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil:

c)      Com referência ao exercício de 2010, a Requerente era a sociedade dominante                             de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS") (Grupo fiscal), constituído pelas seguintes empresas:

 

d)     Por  forma   a   financiar   as   suas   participadas,   a   Requerente obteve financiamentos, os quais se destinaram à realização de prestações suplementares, ou de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, em favor daquelas entidades.

e)      Em virtude dos financiamentos concedidos, a Requerente passou a suportar os respectivos encargos financeiros, contabilizando-os no exercício de 2010 como custos do exercício fiscalmente relevantes;

f)       Relativamente ao exercício de 2010, o Grupo declarou um lucro tributável de €27.529.333,40, através da Declaração de Rendimentos Modelo 22 identificada com o n.º … de 27-05-2011;

g)      Em cumprimento da Ordem de Serviço na … da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Autoridade Tributária e Aduaneira realizou um procedimento de inspecção externa ao exercício de 2010 à C… SGPS, SA (doravante “C...”);

h)      A C... tem como actividade principal a gestão de participações sociais noutras sociedades e encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em IRC, sendo tributada de acordo com o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, integrando-se no grupo de que é sociedade dominante a Requerente;

i)        Na sequência da referida acção de Inspecção foi efectuada uma correcção ao resultado fiscal declarado, em termos individuais à sociedade acima identificada, que se fixou no montante total de € 648.977,08;

j)        No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se com fundamento da correcção o seguinte, além do mais:

1) Descrição dos factos

O sujeito passivo acresceu ao lucro tributável o montante de €1.115.888,00 relativo a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, de acordo com o n.º 2 do art.º 32.º do EBF -Estatuto dos Benefícios Fiscais, não concorrem para o apuramento do Lucro Tributável.

Para efeitos do correto apuramento dos encargos financeiros a excluir, conforme infra exposto, devem ser consideradas como partes de capital as prestações suplementares e as prestações acessórias com idêntico regime.

De acordo com a contabilidade, as prestações acessórias concedidas às diversas empresas do Grupo encontram-se registadas na conta SNC 411300000 -IF -Subs. -emprést. conc.. Na óptica das sociedades beneficiárias as prestações acessórias são registadas numa rubrica do capital próprio, mais concretamente na conta SNC 53100000 -Prest Suplementares.

Por outro lado, em consulta a Atas da Assembleia Geral das supra citadas empresas, pode-se constatar, por exemplo que (i) "(. ..) a realização, pela acionista única, de prestações acessórias à Sociedade (. ..)" (ii) ou que "(. ..) as referidas prestações deverão seguir, em tudo o que não contrarie o regime das prestações acessórias, o regime das prestações suplementares previsto no artigo 210º do Código das Sociedades Comerciais (. ..)", ou seja que, as prestações acessórias concedidas pela C... são a título gratuito e seguem o regime das prestações suplementares.

Apresenta-se de seguida a posição das prestações acessórias concedidas às participadas:

(...)

III. À luz da coerência do sistema fiscal:

As prestações suplementares, bem como as prestações acessórias sob regime das prestações suplementares, enquanto investimentos financeiros incluídos no ativo Imobilizado, seguem, na sua alienação, o regime das mais-valias e das menos-valias realizadas constante dos art°s 46° e segs. do Código do IRC, pelo que as perdas sofridas com a transmissão onerosa de prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares representam fiscalmente uma menos-valia, sujeita ao regime correspondente.

Por outro lado, importa colocar em evidência os motivos pelos quais, em substância, os encargos financeiros suportados com os financiamentos das prestações acessórias devem ser excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do art. 32.º, do EBF, corporizando o princípio constante do art.º 23° do Código do IRC.

(...)

Assim, se conclui pela subsunção, ao conceito de partes da capital, exarado no art.º 32.0 do EBF, não s6 das participações sociais (ações e quotas) mas também de outras componentes do capital próprio que em substância desempenhem as funções de capital social, como acontece, in casu, com as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares. A não ser assim, poderia estar em causa o princípio da igualdade e a própria coerência do sistema fiscal. Resulta então, que os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais ou concessão de prestações suplementares -que possam potencialmente vir a beneficiar, no momento da alienação, do regime de exclusão de tributação não podem influenciar a determinação do lucro tributável, ou seja, se os ganhos não são tributados, os correspondentes gastos que estão ligados a tais rendimentos não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Face ao exposto, são excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, atento ao estatuído no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, os encargos financeiros suportados quer com a aquisição de partes sociais, quer com a concessão de prestações suplementares.

(...)

Da norma do art. 23° do CIRC

Ainda que às prestações suplementares não seja aplicável o regime especial previsto no artigo 32.º do EBF, então sempre terá de se aferir da dedutibilidade destes encargos à luz do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC

Os encargos financeiros suportados, por uma entidade - seja ou não uma SGPS - com a obtenção de fundos os quais se destinam a ser concedidos a título não remunerado por essa mesma entidade, a uma participada, não são considerados gastos fiscais face à norma do art.º 23.º do Código do IRC.

(...)

Considera-se, assim, que a dedução dos juros e outros encargos deverá obedecer às mesmas regras que são genericamente aplicáveis aos outros gastos suportados pelas empresas, estando, portanto, a sua dedutibilidade condicionada à observância do principio básico segundo o qual apenas serão fiscalmente dedutíveis quando sejam comprovadamente Indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora do respetivo sujeito passivo.

De facto, os capitais obtidos, geradores dos encargos financeiros, ao serem canalizados para a concessão de prestações suplementares às participadas não são manifestamente utilizados na atividade da empresa que suporta os encargos, para a qual não revertem rendimentos tributáveis que compensem os gastos, na medida em que as prestações suplementares não são remuneradas.

(...)

Concluímos, assim, que, ainda que as prestações suplementares não fossem consideradas partes de capital para efeitos de aplicação do art.º 32.º do EBF, os encargos financeiros suportados com os financiamentos obtidos para a concessão/manutenção das prestações suplementares não remuneradas, não são aceites como gasto nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, no sentido aliás do que tem sido a Jurisprudência, quer do STA quer do TCA.

Em síntese, não são considerados como fiscalmente dedutíveis, nos termos do art.º 23° do CIRC, os encargos financeiros suportados com financiamentos utilizados para a concessão de prestações acessórias a participadas, por aqueles capitais não serem utilizados na atividade própria da empresa nem estarem associados a ativos remunerados.

 

3) Conclusão

Face a tudo o exposto a montante, não pode, pois, deixar de concluir-se que, por um lado, a aplicação da disciplina do n.º 2 do art.º 32.º do EBF à factualidade em análise - a qual é subsumível naquela norma por, conforme supra demonstrado, ali se enquadrarem as prestações suplementares - conduz à exclusão dos encargos financeiros suportados com a concessão das referidas prestações suplementares para efeitos de apuramento do lucro tributável. Por outro lado, ainda que as prestações suplementares não fossem consideradas partes de capital, para efeitos da aplicação do art.º 32º do E8F, a dedutibilidade fiscal daqueles encargos financeiros colidia com o art.º 23.º do CIRC, na medida em que os mesmos não se encontram conexos com a atividade própria da empresa nem associados a ativos remunerados.

(...)

Por fim, de referir que, o montante de encargos financeiros não dedutíveis considerado e acrescido ao Quadro 07 da declaração Modelo 22 da C..., corresponde a €1.169.022,00 e não a apenas €1.115.888,00 conforme considerado no Projeto de Relatório, pelo que a correção proposta de €702.111,08 converte-se em €648.977,08.

 

k)      Na sequência da correcção efectuada a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e de juros de mora n.º 2013 …, e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2013 … (compensação n.º 2013 …), de que resultou um valor a pagar de € 157.956,16 e data limite de pagamento de 11-03-2013 (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)        Em 19-04-2913, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos referidos na alínea anterior (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

m)    Através de Ofício n.º …, de 23-07-2014, da Divisão de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, a ora Requerente foi notificada do Despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, de 22-07-2014, que determinou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as referidas liquidações (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

n)      A Requerente prestou uma garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º …2013…, que foi instaurado para cobrança da quantia a pagar resultante das liquidações referidas (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

o)      Em 22-10-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no processo administrativo e nos documentos juntos com a petição inicial, não havendo controvérsia sobre os factos provados.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questões a apreciar

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção à matéria tributável do exercício de 2010 da C..., sociedade integrada no grupo de que a Requerente é sociedade dominante, por entender que não são de considerar como gastos os encargos financeiros no valor de € 648.977,08, suportados por aquela sociedade para realização das prestações acessórias sobre o regime de prestações suplementares a sociedades suas participadas.

A correcção efectuada tem dupla fundamentação.

Em primeira linha, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que tem aplicação a esta situação a limitação que constava do n.º 2 do artigo 32.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2010, por as prestações suplementares se enquadrarem no conceito de «partes de capital».

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os encargos financeiros referidos não preenchem os requisitos para serem considerados como gastos, exigidos pelo artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2010, por terem sido incorridos em favor de uma outra entidade, jurídica e economicamente independente.

Sendo fundamentos autónomos, cada um deles com potencialidade para sustentar a correcção efectuada, serão apreciados separadamente, sem prejuízo de, se se concluir que um deles tem suporte legal, ficará prejudicado, por inútil, o conhecimento do outro.

 

3.2. Questão da qualificação das prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2010

 

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia, na redacção vigente em 2010, o seguinte:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

            Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

            No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela C..., que é uma SGPS, para efectuar prestações suplementares com o regime de prestações acessórias, a suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações suplementares como «partes de capital».

Assim, «na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais devam ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma excepção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

Aliás, é uma excepção que está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação, isto é, se decorre directamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido directamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar e não o sentido com que é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.

De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que, em, boa hermenêutica, a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre directamente o sentido desse termo.

Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2010.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

 

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia « (...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC ( [1] ) da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro ( [2] ), só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que ele, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.

Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, neste termos:

 

“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização  condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um activo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.”

 

Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2010, ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não fasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares.

Por isso, a correcção efectuada não tem suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

 

3.3. Questão da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da C...

 

A não consideração pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos referidos encargos financeiros com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da Requerente baseou-se também no entendimento de que essas despesas não podem considerar-se indispensáveis para a formação do lucro tributável da C...:

«(...) os capitais obtidos, geradores dos encargos financeiros, ao serem canalizados para a concessão de prestações suplementares às participadas não são manifestamente utilizados na actividade da empresa que suporta os encargos, para a qual não revertem rendimentos tributáveis que compensem os gastos, na medida em que as prestações suplementares não são remuneradas»;

«Em síntese, não são considerados como fiscalmente dedutíveis, nos termos do art.º 23° do CIRC, os encargos financeiros suportados com financiamentos utilizados para a concessão de prestações acessórias a participadas, por aqueles capitais não serem utilizados na actividade própria da empresa nem estarem associados a activos remunerados».

 

Esta questão foi já apreciada, com os mesmos pressupostos de facto e de direito no processo do CAAD n.º 39/2013-T, com cuja decisão se concorda, pelo que se seguirá a sua fundamentação.

 

3.3.1. A interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos ou perdas

A interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.

Para o primeiro destes autores: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.”

E continua: “ (…) A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.

O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:

 

“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei”.

 

Estas obras sustentam pois que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.

No plano da jurisprudência, e em especial no que respeita à dedutibilidade de gastos relativos a juros suportados por sociedades que aplicam os capitais tomados de empréstimo no financiamento de participadas, merece destaque o Acórdão do STA de 7 de Fevereiro de 2007, no qual se afirma:

 

“Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

 

Também aqui a noção de actividade ou de interesse social se revela o traço marcante na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC. E na jurisprudência adicional, citada pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, predomina, como era de esperar, a questão de ligação da admissibilidade fiscal dos gastos financeiros em função de se considerar que a entidade financiadora realiza ou não, nessas operações, actividade própria.

Ora, em face do que se referiu, é claro que, tanto no plano doutrinal como na esfera jurisprudencial, a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade. Assim, e para o caso em apreço, a análise do que se entende por “actividade” das sociedades, em particular de uma SGPS, revela-se essencial.

Vejamos então, num plano geral, o que entendemos por actividade dos entes societários; e depois, no caso em apreço, o que se deve entender por actividade própria de uma SGPS.

 

 3.3.2. A actividade das sociedades

 

A actividade de um ente societário consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos. Tais recursos são, em primeira linha, os activos que constam do respectivo património.

A partir da noção de “activo” que o normativo contabilístico estabelece, pode concluir-se que tanto será actividade a gestão de um activo físico, como a de um intangível, com a de um activo não corrente detido para venda, como a de um activo financeiro.

Assim, suponha-se que a sociedade ALFA participa na sociedade BETA na proporção de 100%. A primeira é pois titular de um activo financeiro. Que “actividade” resulta na esfera de ALFA da participação que esta detém em BETA?

A primeira pode intervir na segunda, determinando a produção de novos bens ou serviços, a minimização de gastos, ou outras medidas que aumentem o lucro operacional. Mas é também claro que ALFA poderá intervir em BETA no plano das operações financeiras. Quer aumentando o capital de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a tesouraria.

A entidade ALFA, no exercício da sua actividade própria, administra e toma decisões referentes a um activo financeiro, que decorre da dita participação. Tal constitui actividade de ALFA e não de BETA. Esta beneficia dessa actividade, sofre os efeitos das decisões de ALFA, mas não desenvolve a actividade de gestão da participação.

Caso os gestores de ALFA executem operações que afectem o financiamento de BETA não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão a desenvolver actividade própria de ALFA, derivada directamente da gestão do activo financeiro traduzido na participação em BETA. A empresa BETA tem a natureza de entidade participada, o que confere às decisões da participante o qualificativo de uma actividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E essa gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante.

A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos, e posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.

 

3.3.3. A actividade das SGPS e a dedutibilidade dos encargos financeiros em causa

 

 De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( [3] ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. ( [4] )

A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS - conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.

Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, o financiamento de tal activo e a eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade. ( [5] )

Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação o conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número

Pelo exposto, falece também o segundo fundamento da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao lucro tributável da Requerente, relativo aos encargos financeiros com as referidas prestações suplementares.

Assim, conclui-se que a correcção efectuada não tem fundamento legal, pelo que enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação (artigo 135.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

3.4. Liquidação de juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto as correcções ao lucro tributável da Requerente, pelo que, tendo-se concluído pela ilegalidade destas, aquelas liquidações enfermam dos mesmos vícios que enferma a liquidação de IRC, pelo que também têm de ser anuladas.

 

            3.5. Liquidação de juros de mora

 

A Requerente, embora tenha feito referência na parte inicial do pedido de pronúncia arbitral à liquidação de juros de mora, acaba por dizer, nos artigos 274.º a 277.º que a liquidação de juros de mora tem por base uma demonstração de liquidação n.º 2011 …, que foi impugnada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Sendo assim, não se toma conhecimento da questão da legalidade da liquidação de juros de mora.

 

4.      Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros da correcção que está subjacente à liquidação de IRC e à liquidação de juros compensatórios é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a correcção que efectuou foi da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Assim, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram da prestação de garantia para suspender a execução fiscal n.º …2013…, instaurada para cobrança das quantias liquidadas, na parte em que se reporta à liquidação de IRC e juros compensatórios (a parte relativa aos juros de mora está excluída, pelo que se refere no ponto 3.5.).

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º no Código de Processo Civil e artigo 565.º do Código Civil).

 

   4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, a liquidação de juros compensatórios n.º 2013 …, a demonstração de acerto de contas n.º 2013 … e a compensação n.º 2013 … na parte referente àquelas liquidações;

b)      Não tomar conhecimento da questão da legalidade da liquidação de juros de mora n.º 2013 …;

c)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com a garantia prestada para suspender a execução fiscal n.º …2013…, na parte em que se reporta à liquidação de IRC e juros compensatórios.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 157.956,16.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 07-04-2015

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(António Alberto Franco)

 

(Luísa Anacoreta)



( [1] )          O artigo 42.º do CIRC, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, corresponde ao artigo 45.º, na renumeração do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

( [2] )          A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:

 3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

( [3] )          Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

( [4] )          No entanto, apesar de o único objecto contratual das SGPS ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

( [5] )          Como já se referiu, adoptou-se nos pontos 3.3. 1., 3.3.2. e 3.3.3. a fundamentação do acórdão proferido no processo do CAAD  n.º 39/2013-T.