Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 269/2014-T
Data da decisão: 2015-01-05  IRC  
Valor do pedido: € 408.111,13
Tema: IRC – Neutralidade fiscal de operação de cisão simples; Ramo de atividade
Versão em PDF

 

Acórdão Arbitral

 

Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro presidente), Jaime Carvalho Esteves e João Menezes Leitão, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório[1]

 

1. A…, SA, pessoa coletiva n.º …, com sede em …, …-… … (a seguir a Requerente), apresentou em 18.03.2014, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), relativamente ao ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de juros compensatórios n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009, no valor de €408.111,13.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e em conformidade com o estabelecido no artigo 10.º, n.º 2, al. g) e no artigo 11.º, n.º 2, todos do RJAT, a Requerente designou como árbitro o Senhor Dr. Jaime Carvalho Esteves. Por seu turno, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, a Requerida designou como árbitro o Senhor Dr. João Menezes Leitão. A requerimento dos árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro presidente o Senhor Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa.

Nos termos do n.º 7 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 04.06.2014.

 

3. No seu requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente pediu a anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009, no valor de €408.111,13, com fundamento na ocorrência dos seguintes vícios: i) erro quanto aos pressupostos de facto e de direito na qualificação tributária da operação de cisão simples ocorrida; ii) violação do princípio da verdade material; iii) vício de fundamentação. Mais requereu a condenação da Requerida “ao pagamento da indicada quantia de €408.111,13 já paga pela requerente, acrescida de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento (18/12/2013)”.

 

4. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral por não se verificarem os vícios apontados pela Requerente ao ato impugnado.

 

5. Em 16.9.2014, conforme consta da competente ata, procedeu-se à produção de prova testemunhal, com inquirição das testemunhas B…, C…, D… e E… arroladas pela Requerente e da testemunha F…arrolada pela Requerida. As partes prescindiram da realização de alegações orais. O Tribunal arbitral fixou a data para a decisão final até ao dia 28.11.2014, a qual foi, posteriormente, prorrogada ao abrigo do n.º 2 do art. 21.º do RJAT.

 

6. O Tribunal arbitral é competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), e não ocorrem nulidades nem foram invocadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

 

 

II. Questões a decidir

 

7. Atentas as posições assumidas e os fundamentos alegados pelas partes no âmbito do presente processo arbitral, tal como emergem da PI da Requerente e da resposta da Requerida, as questões a decidir, em atenção às disposições legais aplicáveis ratione temporis aos factos (ano de 2009)[2], prendem-se com a apreciação dos seguintes vícios imputados à liquidação adicional de IRC impugnada:

i) erro quanto aos pressupostos de facto e de direito na qualificação da operação de cisão ocorrida relativamente ao regime de neutralidade fiscal aplicável nos termos estabelecidos nos artigos 67.º, n.º 2, al. a) e n.º 4 e 68.º, n.º 1 do CIRC (artigos 73.º, n.º 2, al. a) e n.º 4 e 74.º, n.º 1 do CIRC na redação do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho);

ii) violação do princípio da verdade material;

iii) violação do dever de fundamentação.

 

 

III. Decisão da matéria de facto

 

8. Relativamente à matéria de facto, em face das diversas alegações constantes da PI, importa observar, a título prévio, que a factualidade relevante se delimita em razão das várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito que se devam considerar controvertidas (para recorrer à feliz formulação que constava do n.º 1 do art. 511.º do anterior Código de Processo Civil), pelo que o tribunal não tem que se pronunciar sobre todas as alegações realizadas, mas sim selecionar os factos que são efetivamente relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

A escolha dos factos pertinentes afere-se, pois, pela sua relevância jurídica, que é fornecida pela respectiva conexão com cada uma das soluções plausíveis das questões de Direito. São estes, assim, os termos em que, em atenção às questões jurídicas a decidir acima elencadas (vd. supra n.º 7), se procede subsequentemente à delimitação da matéria de facto pertinente.

 

 

 a) Factos provados

 

9. Examinada a prova documental apresentada, o processo administrativo tributário junto (a seguir, PA) e os depoimentos testemunhais produzidos, o Tribunal fixa os factos que se consideram provados nos termos que se seguem:

I. A A…, SA é uma sociedade comercial anónima, com o capital social de €1.036.000,00, cujo objeto social é o “fabrico de fornos, maquinismos e acessórios para a indústria de panificação” (cfr. certidão permanente a fls. 25 e seguintes do PA), com o CAE principal de “fabricação de máquinas para as indústrias alimentares, das bebidas e tabaco” e o CAE secundário de “Comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos” (cfr. Relatório de Inspeção Tributária a fls. 3 do PA).

II. A Administração da sociedade A…, SA elaborou o projeto de cisão simples, datado de 12 de dezembro de 2008, que se encontra junto no PA (a fls. sem indicação de numeração), do qual consta o seguinte:

- “A cisão que se pretende consumar passa pelo destaque de parte do património da A…,  SA, mais concretamente passa pela separação de partes de capital na sociedade participada G…, SA para com ele constituir uma nova sociedade gestora de participações sociais, sob o tipo de sociedade anónima”.

-  A A…, SA “[é] detentora de 77.545 ações do capital da sociedade G…, SA, cada uma com o valor nominal de 5 euros, com sede no lugar do …, freguesia de …, e concelho de ..., contribuinte n.º ….

Pretende-se separar juridicamente o património composto pela participação na sociedade G…, SA para com ele constituir uma nova sociedade gestora de participações sociais”.

- “Os bens que pretendem destacar do património da A…, SA para com eles constituir uma nova sociedade são 77.545 ações ao portador, representativas de capital da sociedade G…, SA, cada uma com o valor nominal de 5 euros, com sede no lugar do …o, freguesia de …, e concelho de ..., contribuinte n.º …, estando avaliadas de acordo com o método do custo, e inscritas no balanço da sociedade A…, SA, pelo montante de 464.000 euros.

A Cisão que se pretende levar a cabo tem como objectivos autonomizar património da A…, SA o qual não tem a ver com a atividade principal da empresa, que é a produção de fornos e máquinas para a indústria de panificação, criando uma nova sociedade cujo objecto será a gestão de participações sociais”.

- “Os bens ativos e passivos a transmitir traduzem-se em:

Bens ativos:

-77.545 ações do capital da sociedade G…, SA, cada uma com o valor nominal de 5 euros, com sede no lugar do …, freguesia de …, e concelho de ..., contribuinte n.º …,  com o valor contabilístico de 464.000 euros.

As ações a transmitir materializam-se em:

- 4 títulos de 10.000 ações cada de valor nominal de 5 euros, com os números 1 a 40.000;

- 36 títulos de 1.000 ações cada de valor nominal de 5 euros, com os números 50.001 a 86.000;

- 15 títulos de 100 ações cada de valor nominal de 5 euros, com os números 11.001 a 116.500;

- 9 títulos de 5 ações cada de valor nominal de 5 euros, com os números 119.801 a 119.845.

Os ativos a transferir para a nova sociedade são os que resultam de balanço, com referência à data de 30 de Setembro de 2008, devidamente aprovado pelos sócios da  A…, SA.

Os bens a transferir não estão sujeitos a registo.

Com vista a aproveitar o regime de neutralidade fiscal previsto no art. 68.º do código do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, os elementos patrimoniais objecto de transferência serão inscritos na contabilidade da nova sociedade, com os mesmos valores que tinham, na contabilidade da cindida”.

III. A cisão foi deliberada na Assembleia Geral da Requerente de 2 de fevereiro de 2009, conforme ata n.º 28 que se encontra junta a fls. não numeradas do PA, da qual consta que o “acionista e Presidente do Conselho de Administração H…” apresentou à assembleia “um conjunto de considerações sobre a intenção de a sociedade reduzir a amplitude dos seus negócios, autonomizando património da  A…, SA, o qual não tem a ver com a atividade principal da empresa criando uma nova sociedade cujo objecto será a gestão de participações sociais”, com o que “liberta-se dos elementos patrimoniais não afetos à sua atividade, com carácter de permanência, através de uma cisão simples de ativos compostos por participações sociais noutra sociedade, formando com o património destacado uma nova sociedade, que terá por objecto unicamente a gestão de participações sociais de outras sociedades”.

IV. A cisão, na modalidade de “cisão simples, mediante destaque de parte do seu património para construir outra sociedade gestora de participações sociais”, foi registada no registo comercial pela Ap. …/…, passando o capital social da Requerente a ser de €1.036.000 (cfr. certidão permanente a fls. 25 e seguintes do PA).

V. Com a cisão simples da cindida sociedade A… SA, procedeu-se ao destaque e transmissão para a I…, SA (a seguir I… SGPS) da participação social detida na sociedade G…, SA, que correspondia a 64,62% do respectivo capital social, operação que decorreu com simples transmissão das participações sociais detidas na G…, SA para a sociedade beneficiária (factualidade reconhecida nos arts. 35.º a 38.º, 47.º a 49.º e 165.º, 166.º e 168.º da PI e aceite pela Requerida no art. 4.º da resposta).

VI. Não foram transmitidos, com a cisão, outros meios materiais ou humanos para a sociedade resultante da cisão (factualidade reconhecida no art. 63.º, bem como no art. 186.º da PI, e aceite pela Requerida no art. 4.º da resposta).

VII. Para além do que se refere nos n.ºs II e III, o destaque da participação social resultante da cisão teve como motivação evitar que a G…, SA, dada a conjuntura económica difícil que atravessava, com quebra de vendas, afectasse a imagem e situação financeira da Requerente (depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente B… e C…).

 VIII. Nos triénios de 2006-2008 e 2009-2011, H…, J… e K… eram os membros do Conselho de Administração da Requerente (cfr. certidão permanente a fls. 25 e seguintes do PA) e eram, igualmente, no quadriénio de 2009-2012, administradores da I… SGPS (cfr. Relatório de Inspeção Tributária a fls. 4-5 do PA).

IX. A I… SGPS, na sua atividade, usou uma sala com secretária, o computador, arquivos e funcionários da Requerente para serviços de secretariado (depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente B…, C…, D… e E…).

X. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.° OI…, notificada à Requerente em 11.6.2013, foi realizada uma ação de inspeção tributária externa à Requerente (cfr. o Ofício que se encontra a fls., sem indicação de número de páginas, do PA).

XI. No âmbito da ação inspectiva, foi notificada a Requerente para apresentar e prestar os seguintes elementos e esclarecimentos (cfr. a notificação constante a fls. 30 do PA):

A cisão simples registada a 08/05/2009 na Conservatória do Registo Comercial de ..., não preenche o disposto na alínea a) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 73.° do CIRC, pois não se verifica a existência de uma unidade económica autónoma, com um conjunto de meios pessoais e materiais, em que os mesmos constituem uma organização empresarial necessária ao desenvolvimento da atividade, que se transfere e que se pretende continuar na beneficiária, com as consequentes implicações na não verificação dos requisitos para a existência de neutralidade fiscal nesta operação.

Consequentemente, in caso não se aplicando o regime fiscal aludido, no que respeita à transferência da participação social, da A…, SA para a I…SGPS, deverá ser submetida ao regime geral de tributação, com a aplicação, designadamente do disposto no n.º 3, da alínea d) do artigo 46.° do CIRC, apurando-se as mais e menos-valias correspondentes, na esfera da sociedade cindida ou transmitente, a A…, SA.

O artigo 46.°, n.º 3, alínea d) do CIRC refere que em caso de cisão considera-se valor de realização "o valor de mercado dos elementos do ativo imobilizado transmitidos em consequência daqueles atos", à data a que se referem aquelas operações.

Assim, solicita-se que indique, fundamentadamente, qual o valor de mercado da participação de 64,62% no capital da G…, SA, NIF …, reportado esse valor à data da operação de cisão”.

XII. A Requerente respondeu à notificação indicada no ponto anterior, pela comunicação que se encontra a fls. 31 a 34 do PA, que aqui se dá por reproduzida, de que se destacam os seguintes passos:

- “1-No ano de 2009 foi efetuada uma cisão, tendo-se constituído uma nova SGPS, mediante separação do seu património de participação de capital, de 64,62%, na sociedade G…, S.A.

2-Não vamos discutir nesta sede a questão da neutralidade fiscal desta operação. Note-se que o Estado considera negócio para efeitos de tributação a atividade da SGPS, mas para efeitos de cisão, não considera tal. Efetivamente a cisão efetuada assegurou na sociedade que resultou da cisão a mesma participação de capital que os acionistas detinham na sociedade cindida, entre as quais se destaca a existência de ações próprias de 10% do capital social. Assim sendo, pela cisão a A… SA, continuou acionista da nova sociedade em 10%. Então a participação "transmitida" a terceiros foi de 58,158%, não fazendo sentido apurar mais-valias com uma transmissão da A…, S.A. a ela própria”.

- “4-Em relação ao suposto valor de mercado da G…, SA será importante referir o seguinte:

4.1-Visando determinar qual o eventual valor de mercado na altura da Cisão, para efeitos de negociação foi efetuado estudo de avaliação pelo n/ Revisor Oficial de Contas (que se anexa), com referência à data de 31.12.2008, sendo apurado um valor para a empresa de cerca de 3.735.000 euros”.

- “5-Tendo em atenção as perspectivas das Administrações da A…, S.A. e da G…, S.A., que previam tempos menos bons para a G… a separação por cisão, da participação na G…, SA, visava retirar tal participação da esfera da A…, pois se a G… tivesse dificuldades económicas sérias, tal afetaria a vida da própria A…, SA., nomeadamente ao nível do seu financiamento.

Por isso, para a Administração da A…, SA, o valor que mais traduz o valor de mercado da G…, SA, à data de 31.12.2008, é um valor não superior ao seu valor contabilístico de 3.574.093 (sic)”.

XIII. A Requerente não exerceu o direito de audição em relação ao projeto de relatório de inspeção tributária que lhe foi enviado pelo Ofício n.º …. de 26.9.2013 (cfr. indicação do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 24 do PA e ofício a fls., não numeradas, do PA).

XIV. O procedimento inspectivo realizado culminou no Relatório de Inspeção Tributária constante a fls. 1 a 24 do PA, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e de que se transcreve o seguinte com interesse para a decisão:

- “Motivo do procedimento de inspeção: "A operação de cisão simples entre a A…, SA e a I…, SGPS, SA, não goza de neutralidade fiscal, por não cumprir o disposto no n.º 4 do artigo 73.º do CIRC. Como as sociedades intervenientes trataram esta operação como beneficiando do regime da neutralidade fiscal, previsto no artigo 73.º e seguintes do CIRC, houve necessidade de proceder às devidas correções na esfera da A…, SA” (ponto II.2.).

- “A operação de cisão simples levada a cabo destaca do património da A…, S.A., a participação social que esta detém na sociedade G…, S.A., NIF … e constitui uma nova sociedade de gestão de participações sociais, I… SGPS, SA, NIF ….

Na A… SA apenas permanecem os investimentos financeiros nas sociedades de garantia mútua, L…, SA, NIF … e M…, SA, NIF …,  no valor total de 5.600,00 € e na sociedade N…, SA, NIF …., no valor de 13.400,00 €.

A cisão não determina a dissolução da sociedade cindida, pelo que a A… SA, manterá a sua existência jurídica, passando o seu património a ser constituído pelo conjunto de bens que são objeto de destaque.

Com a cisão não são transmitidos quaisquer meios materiais e humanos, resumindo-se ao destaque da participação social que tinha na G…, S.A. e que representa 64,62% do seu capital social” (ponto III.1.1.1).

- “Ainda que na perspectiva contabilística e comercial, a operação em análise se conforme na figura da cisão simples, no âmbito do presente procedimento inspectivo, cabe verificar se do ponto de vista fiscal a referida operação se encontrava abrangida pelo regime especial previsto nos artigos 67.º e 68.º do Código do IRC, na versão que se encontrava em vigor em 2007 (a que correspondem atualmente, desde 2010-01-01, os artigos 73.º e 74.º do código republicado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho). Isto porque não basta que a operação seja qualificada como cisão simples, do ponto de vista contabilístico e da legislação comercial, para que lhe seja automaticamente atribuída a natureza especial que reconduz à não tributação em sede de IRC da operação por meio do qual operou a transmissão do património destacado, isto é, à neutralidade fiscal” (ponto III.1.1.2).

- “o conceito de cisão acolhido no Código de IRC é determinante para efeitos de aplicação do regime especial da neutralidade fiscal, ou seja, para beneficiar deste regime é essencial que, na operação em referência, se mostrem preenchidas as características estruturais que o legislador estabeleceu”;

Entendeu (...) o legislador substituir o critério do destaque de uma ou mais partes do património, pelo critério do destaque de ramos de atividade, mantendo pelo menos um dos seus ramos de atividade, para circunscrever o âmbito de aplicação do regime.

É pacífico o entendimento de que, com esta alteração legislativa [artigo 99.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12], o conceito fiscal fica mais restrito que o conceito comercial, e que para o primeiro se tornam apenas elegíveis as operações através dos quais, satisfeitos os demais requisitos ordenadores, sejam destacados ramos de atividade e não somente partes de património e se mantenha pelo menos um dos ramos de atividade na cindida”;

o legislador quis restringir o tratamento em termos de neutralidade fiscal da cisão parcial à função essencial de meio de reorganização empresarial de unidades funcionais, afastando as operações de simples transferência de participações. A cisão simples ou parcial relevante em termos de neutralidade fiscal passou a caracterizar-se pela necessidade de satisfazer um certo filtro que é justamente a ideia de ramo de atividade. Nestes termos, as partes de património transferidas em sede de cisão parcial têm que revestir uma configuração qualificada, já que não podem constituir um bem qualquer, mas têm que consubstanciar um ramo de atividade”.

- “importa agora verificar se os elementos transferidos da A…, SA para a I...., SGPS, SA configuram um ramo de atividade, ora:

1. (...) para configurar um ramo de atividade é necessário que na sociedade contribuidora exista uma específica e autónoma organização de meios materiais e humanos dedicado à gestão especializada de participações sociais, condição que não se verifica na A..., SA;

2. É preciso que os bens já estejam agrupados no património da sociedade cindida de modo a formarem uma unidade organizacional, não sendo suficiente que possam vir a ser agrupados na sociedade beneficiária de modo a formarem uma unidade económica”.

- “Na operação de cisão em estudo não são verificadas estas condições, pois na sociedade cindida não existe qualquer organização autónoma respeitante à gestão de partes de capital, que seja transferida para a I...., SGPS, SA em virtude da cisão”;

"(...) nesta operação foi assumido que um ativo corresponde a um ramo de atividade, no entanto, (...) para ser considerado ramo de atividade é necessário haver uma gestão especializada, efetuada por um departamento autónomo com meios materiais e humanos próprios. No caso em apreço não passa de uma mera transferência de um elemento patrimonial, parte do capital da sociedade G..., que não supõem uma exploração económica autónoma.

Importa referir que não foram transmitidos quaisquer meios materiais ou humanos afetos à gestão das participações sociais.

Sendo assim, não se pode aceitar que a cisão implique o destaque de um ramo de atividade, mantendo pelo menos um ramo de atividade, pois não se verifica a existência de uma exploração económica autónoma, com um conjunto de meios pessoais e materiais, em que os mesmos constituem uma organização empresarial necessária ao desenvolvimento da atividade, que se transfere e que se pretende continuar na beneficiária, pelo que não se preenche o disposto na al. a) do n.° 2 e n.° 4 do artigo 73.° do CIRC, com as consequentes implicações na não verificação dos requisitos para a existência de neutralidade fiscal nesta operação.

Consequentemente, in casu não se aplicando o regime fiscal aludido, no que respeita à transferência da participação social, da A..., SA para a I… SGPS, deverá ser submetida ao regime geral de tributação, com a aplicação, designadamente do disposto no n.° 3, da alínea d) do artigo 46.° do CIRC (anterior 43.° do CIRC), apurando-se as mais e menos-valias correspondentes na esfera da sociedade cindida ou transmitente a A..., SA” (ponto III.1.1.2).

XV. Em consequência, foram efetuadas correções à matéria coletável de 2009 da Requerente no montante de €2.129.551,73 “resultantes de mais valias tributadas, pela não aplicabilidade do regime especial de neutralidade fiscal nas operações que lhe deram origem” (cfr. o Relatório de Inspeção Tributária a fls. 2 do PA e documento de correção n.º … a fls., sem indicação de número de página, do PA).

XVI. A Requerente foi objecto da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009, no valor de €408.111,13, conforme docs. n.ºs 1 a 3 juntos à PI.

XVII. A Requerente procedeu em 18.12.2013 ao pagamento do imposto e dos juros compensatórios resultantes da liquidação identificada no ponto anterior, conforme doc. n.º 4 junto à PI.

 

 

b) Factos não provados

 

10. Com relevo para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos alegados na PI:

i) que “em 30 de Abril de 2009 a A…, S.A. atuava em diversos sectores de atividade” (art. 26.º), designadamente na “atividade de iluminação e fabrico de componentes para a luminária” (arts. 32.º e 162.º da PI);

ii) que a operação “decorreu sem qualquer alteração ao acto constitutivo da cindida sociedade A..., SA” (arts. 37.º e 167.º da PI).

 

c) Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

11. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos juntos aos autos pela Requerente, dos documentos constantes do PA, do reconhecimento de factos assumido nas peças processuais das partes, e, nos casos em que surge indicado, nos depoimentos das testemunhas, tudo conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

No que concerne ao facto constante do n.º VII do probatório, relativo a constituir igualmente motivação da cisão evitar que a situação da Requerente fosse afectada pela condição económica difícil, com quebra de vendas, que a G... atravessava, foi dado como provado com base nos depoimentos das testemunhas B…, Revisor Oficial de Contas da Requerente desde 2001-2002, e C…, Técnico Oficial de Contas e Diretor Financeiro da Requerente há vários anos, bem como Técnico Oficial de Contas da I… SGPS e da G..., que referiram, de modo seguro e convicto, que a G... teve uma “quebra abrupta de vendas” em 2008, que “a atividade da G... foi considerada como uma atividade de risco”, pelo que se pretendeu “blindar a A… de eventuais efeitos negativos da atividade da G...” (depoimento de B…) e que, em face da conjuntura económica adversa que a G... atravessava, a A..., SA decidiu destacar a participação naquela sociedade para evitar a afectação da sua imagem e situação financeira (depoimento de C…).

Quanto ao facto objecto do n.º IX do probatório, foi dado como provado em atenção aos depoimentos das testemunhas B…, …, D… e E…, nos seguintes termos:

- a testemunha B… declarou que “depois da cisão continuou tudo na mesma” e fez menção a “uma sala onde habitualmente se discutiam os assuntos da G...”; no mais mencionou apenas, em termos genéricos, sem indicação de circunstâncias concretas, que, depois da cisão, “os serviços administrativos continuam partilhados”, “a informática continua partilhada”, “continua tudo na mesma como continuava”;

- a testemunha C…, de modo mais preciso, fez referência a um espaço físico “autonomizado, “com secretária” “uma sala”, “com computador”, “com arquivos e dados”; “esse espaço continuou a ser usado após a cisão pela I… SGPS”, “eu próprio e outras pessoas que trabalham na I… já fazíamos algum serviço na A…SA tendente à administração da participação social na A… e continuámos após a cisão a fazer em nome na I…”, “serviços de secretariado, expediente preparação de dossiers, de elementos de análise financeira, de análise comercial que eram fornecidos à A… anteriormente e depois passaram a ser geridos pela I… SGPS”;

- as testemunhas D… e E…, funcionárias administrativas da Requerente há vários anos, a última desde 1974, declararam que, por vezes, fazem tarefas para a I… SGPS, tendo a primeira exemplificado com a elaboração “ocasionalmente” de correspondência para a SGPS (“uma vez por outra, fazer uma ou duas cartas para a SGPS”).

Explicite-se que a factualidade referida neste n.º IX constitui a única matéria que se reputa demonstrada, em atenção aos meios de prova produzidos (os indicados depoimentos testemunhais), no que concerne à alegação de que “os meios materiais utilizados na gestão da participação (meios humanos, informáticos, logísticos e administrativos) resultaram da participação entre a nova sociedade e a sociedade cindida (art. 65.º e 66.º da PI) e de que a “I… SGPS partilhou recursos humanos, logísticos, administrativos e informáticos com a sociedade cindida” (art. 182.º da PI).

 

12. Sobre a factualidade dada como não provada sub i), os depoimentos das testemunhas B… e C…, únicos meios de prova apresentados quanto a tal matéria, mostraram-se inconclusivos.

Assim, a testemunha B…, questionada sobre se a gestão dessa participação gerava uma atividade diferenciada da atividade industrial, fez referência apenas a que a participação na G... tinha como pessoa afecta a Drª. K… [administradora da Requerente, conforme facto provado no n.º VIII] que tinha “uma função questionadora, de levantar problemas, de proporcionar a definição de estratégias”, função questionadora que se traduzia “no acompanhamento das contas da G..., recebe balancetes, fala com o contabilística, pode ter reuniões comigo, como é que vão as coisas”, concluindo, no fim do seu depoimento, que essa função questionadora era efectuada “enquanto Administradora da sociedade que é sócia da G...”. Por seu lado, a testemunha C… referiu que a Dr.ª K… se passou a dedicar “especificamente com mais tempo à gestão da G... a partir do momento em que foi constituída a SGPS”, mas que antes, na A… “era mais genérica”, “não se dedicava tanto a isso”, “uma vez que a gestão era conjunta” “não tinha essa função tão dedicada”.

Estes depoimentos, em si mesmo contraditórios, são insuficientes para demonstrar a realização pela Requerente da “atividade de iluminação e fabrico de componentes para a luminária”, pelo que esta factualidade se julga não provada.

 

  13. Quanto ao facto não provado sub ii), respeitante a operação ter decorrido “sem qualquer alteração ao acto constitutivo da cindida sociedade A..., SA” (arts. 37.º e 167.º da PI), concluiu-se da certidão comercial junta a fls. 25 e seguintes do PA (bem como é indicado no projeto de cisão junto a fls., sem numeração, do PA) que o capital social da Requerente, em consequência da cisão, passou a ser de €1.036.000,00, verificando-se, pois, a sua redução em relação ao capital antecedente de €1.500.000,00. Encontra-se, por isso, provado no n.º IV do probatório a mencionada alteração do capital social.

 

14. Esclarece-se, ainda, que a decisão sobre a matéria de facto não pode assentar em alegações e formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mas prende-se com factos – como tal concretos e específicos – pertinentes à resolução das questões jurídicas decidendas. Em consequência, não podem ser objecto de um juízo probatório as alegações sobre “segmentação do ramo de actividade”, bem como sobre a consubstanciação da mera detenção de participações sociais como desenvolvimento pela sociedade titular da atividade da sociedade participada, porquanto constituem matéria conclusiva e/ou de integração jurídica.

 

 

 

 

IV. Do Direito

 

a) Do erro na qualificação da operação de cisão simples

 

15. Enunciada a matéria de facto dada como provada, proceda-se, então, à apreciação dos vícios apontados pela Requerente ao ato tributário impugnado (vd. supra n.º 7), começando pelo invocado “erro na qualificação da operação de cisão simples”.

As alegações da Requerente a respeito deste alegado erro nos pressupostos de facto e de direito na “qualificação da operação de cisão simples” (arts. 11.º e seguintes da PI) podem ser resumidas nos pontos seguintes:

i) “as participações sociais in questio entraram na esfera patrimonial da "I… SGPS" por via do ato constitutivo, em resultado de uma operação de cisão simples, originando (e continuando) um novo ramo de atividade” (art. 12.º);

ii) “tendo em conta a natureza do ramo de atividade transmitido, a especificidade da sua gestão e a partilha de recursos, ocorreu na operação em mérito um destaque do ramo de atividade que na esfera da I… SGPS tem condições para se definir como ramo autónomo de atividade e assim beneficiar do regime de neutralidade do art. 75° do CIRC [recte 73.º]” (art. 69.º);

iii) “a I… SGPS por destacamento das participações sociais detidas na G..., passou a constituir um novo ramo de atividade, continuando o ramo de atividade que era exercida na sociedade cindida” (art. 175.º);

iv) “considerando “(....) a (i) natureza do ativo transmitido para a SGPS, e (ii) o facto de os administradores serem comuns, podemos concluir que ocorreu o destaque de um ramo de atividade que na SGPS tem condições para subsistir como ramo autónomo de atividade, encontrando-se, consequentemente, reunidos todos os pressupostos legais para que beneficie do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 73. ° do CIRC” (art. 212.º).

 

16. Pelo seu lado, a Requerida, na sua resposta, sustenta, em súmula, o seguinte:

i) “para se configurar um ramo de atividade é necessário que na sociedade contribuidora exista uma específica e autónoma organização de meios materiais e humanos dedicado à gestão especializada de participações sociais, condição que não se verificava na A..., SA” (art. 92.º);

ii) “E é necessário que os bens já estejam agrupados no património da sociedade cindida de modo a formarem uma unidade organizacional, não sendo suficiente que possam vir a ser agrupados na sociedade beneficiária de modo a formarem uma unidade económica, já que a qualificação como ramo de atividade de uma certa conjugação de elementos afere-se sempre na perspectiva da sociedade contribuidora e nunca na perspectiva da sociedade beneficiária” (art. 93.º);

iii) “Na operação de cisão simples entre a A..., SA e a I...., SGPS, SA, não se encontram preenchidos os mencionados critérios, porquanto, na sociedade cindida não existe qualquer organização autónoma respeitante à gestão das partes de capital, que seja transferida para a I...., SGPS, SA, em virtude da cisão” (art. 94.º);

iv) “não só é (...) a própria Requerente que assume que formalmente não foram transmitidos quaisquer meios materiais e humanos afectos à gestão das participações sociais, como (...) resulta que, não fosse pela partilha de meios entre a sociedade beneficiária e a sociedade cindida, a sociedade beneficiária não teria quaisquer recursos para levar a cabo a sua atividade, não constituindo assim uma exploração económica autónoma” (art. 101.º).

 

17. Expostos os argumentos essenciais invocados pelas partes, cumpre, então, resolver a questão da aplicação à operação de cisão simples sub judice do regime da neutralidade fiscal então objecto dos artigos 67.º e seguintes do CIRC.

Comece-se por notar que a cisão simples é a operação pela qual uma sociedade destaca parte do seu património para com ela constituir outra sociedade (cfr. art. 118.º, n.º 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais – CSC).

Nos termos do n.º 1 do art. 124.º do mesmo CSC, “só podem ser destacados para a constituição da nova sociedade os elementos seguintes: a) Participações noutras sociedades, quer constituam a totalidade quer parte das possuídas pela sociedade a cindir, para a formação de nova sociedade cujo exclusivo objecto consista na gestão de participações sociais; b) Bens que no património da sociedade a cindir estejam agrupados, de modo a formarem uma unidade económica”. Decorre desta disposição imperativa uma limitação dos elementos patrimoniais objeto de destaque no âmbito da cisão simples, que têm, pois, que ser ou partes do património que formem uma unidade económica ou participações sociais funcionalizadas à formação de nova sociedade cujo exclusivo objecto consista na gestão de participações sociais.

É inquestionável, em face dos factos referidos sub n.ºs II a V do probatório, que a operação sub judice constitui uma cisão simples por destaque de participações sociais para constituição de sociedade gestora de participações sociais (SGPS), em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 118.º e na alínea a) do n.º 1 do art. 124.º, ambos do CSC.

A aplicação a uma operação de cisão simples do regime especial de neutralidade fiscal, então previsto nos arts. 67.º e seguintes do CIRC (atuais arts. 73.º e seguintes do CIRC), implica, porém, a satisfação dos requisitos específicos dispostos pelo legislador fiscal.

 

18. Pois bem, a subsunção de uma operação de cisão simples ao mencionado regime da neutralidade fiscal envolvia, à data dos factos (2009), a verificação dos pressupostos de qualificação estabelecidos no art. 67.º, n.º 2, al. a) e n.º 4 do CIRC, onde se previa, respectivamente, que:

- “Considera-se cisão a operação pela qual”: “Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua atividade, mantendo pelo menos um dos ramos de atividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes sejam atribuídas”;

- “Para efeitos (...) da alínea a) do n.º 2, considera-se ramo de atividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”.

Como claramente se depreende da comparação do disposto nestas disposições fiscais com a delimitação realizada pelo art. 124.º, n.º 1 do CSC dos elementos que podem ser objecto de destaque na cisão simples, o regime da neutralidade fiscal não compreende, no seu âmbito de aplicação, a cisão simples por simples transferência de participações sociais para a constituição de uma sociedade gestora de participações sociais, dirigindo-se apenas ao destaque de parcelas patrimoniais que constituam um “ramo de atividade”. A lei fiscal, nos termos previstos no art. 67.º do CIRC, restringe, assim, o regime de neutralidade fiscal aos casos em que o objecto da cisão simples seja um “ramo de atividade”, excluindo o simples destaque de participações sociais.

Esta conclusão é, ainda, imposta pelo elemento histórico da interpretação. Recorde-se que a alínea a) do n.º 2 do art. 67.º do CIRC, na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, caracterizava a cisão simples, para efeitos de definição do âmbito de aplicação do regime da neutralidade fiscal, sem qualquer recurso ao conceito de ramo de atividade, como “a operação pela qual: a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca uma ou mais partes do seu património para com elas constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) (...)”. É com o art. 99.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, que a operação de cisão simples, em sede de regime de neutralidade fiscal, passa a ser caracterizada, como se viu, como a operação pela qual a sociedade cindida destaca um ou mais ramos da sua atividade, mantendo pelo menos um dos ramos de atividade, para com eles constituir outras sociedades, e se estabelece que, nesta noção de cisão, se entende por ramo de atividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.

Note-se que o legislador nacional pretendeu, assim, seguir a noção adotada pela regulação europeia, dado que, na sequência da Diretiva 2005/19/CE do Conselho de 17 de fevereiro de 2005, que altera a Diretiva 90/434/CEE relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes, que introduziu a figura da cisão parcial, a denominada Diretiva Fusões (atualmente Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro) define a “Cisão parcial” como a “operação pela qual uma sociedade transfere, sem ser dissolvida, um ou mais ramos da sua atividade para uma ou mais sociedades já existentes ou novas, deixando no mínimo um dos ramos de atividade na sociedade contribuidora, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias dos elementos do ativo e do passivo e, eventualmente, de um pagamento em numerário não superior a 10 % do valor nominal ou, na ausência de um valor nominal, do valor contabilístico desses títulos” (alínea c) do art. 2.º) e caracteriza “ramo de atividade” como o “conjunto de elementos do ativo e do passivo de um departamento de uma sociedade, que constituem, do ponto de vista organizacional, uma exploração autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios”.

Nestes termos, atento o disposto na al. a) do n.º 2 e no n.º 4 do art. 67.º do CIRC, é indispensável, para a integração de uma operação de cisão simples no regime de neutralidade fiscal objecto dos arts. 68.º e seguintes do CIRC, que se verifique o destaque de um ramo de atividade, de um conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.

 

19. A exigência, para efeitos da aplicação das estatuições próprias do regime especial da neutralidade fiscal, de que a cisão simples implique o destaque de um ramo de atividade, com manutenção de outro ramo de atividade na sociedade cindida, pressupõe, desde logo, a preexistência na sociedade cindida de uma unidade económica autónoma, de um conjunto distinto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, que é, pois, o que vai constituir o objecto do destaque. Como observa RAÚL VENTURA[3]: “é indispensável que no património da sociedade cindida os bens já estejam agrupados de modo a formarem uma unidade económica, não bastando que, depois da cisão, possam vir a ser assim agrupados”.

Deste modo, não pode ser acolhida a ideia, que parece aflorar na argumentação da Requerente (vd. supra n.º 15)[4], de que é suficiente, para aplicar o regime da neutralidade fiscal a uma operação de cisão simples, que se verifiquem na esfera da I… SGPS, portanto, da sociedade beneficiária, as condições para se constituir um ramo autónomo de atividade.

Na verdade, em coerência com o princípio fundamentador do regime da neutralidade fiscal da conservação da empresa, é imprescindível que, previamente à concretização da cisão simples, exista uma “unidade económica autónoma”, que constitui o objecto do destaque (bem como, aliás, que permaneça na sociedade cindida, após a cisão simples, um ramo de atividade).

Por isto, bem nota RAÚL VENTURA[5] que a previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 124.º do CSC “parte da suposição de existência numa sociedade de diferentes unidades económicas” – e o mesmo vale inteiramente para o disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 67.º do CIRC.

Daí que não possa ser acolhido o argumento, apresentado pela Requerente (e, em certa medida, também invocado no Parecer Jurídico junto aos autos), de que o entendimento de que o ramo de atividade exige “por um lado uma separação organizacional de meios materiais e humanos entre a sociedade cindida e a sociedade beneficiária, e por outro, exige autonomia de meios patrimoniais” conduz a “uma discriminação negativa relativamente às pequenas empresas, em que muitas vezes a estrutura de capital humano assegura o exercício da atividade da sociedade contribuidora e da sociedade beneficiária” (arts. 123.º e 124.º da PI). A regulação fiscal em apreço não discrimina entre grandes empresas e pequenas empresas; diferencia sim entre empresas com pluralidade de ramos de atividade e empresas com um único ramo de atividade – justamente, só para as primeiras faz sentido aplicar o objetivo de separação e reestruturação de unidades empresariais, numa lógica de continuidade, que está subjacente e que teleologicamente constitui o regime especial de neutralidade fiscal.

 

20. Depois, a exigência de que, na cisão simples, para efeitos do regime da neutralidade fiscal, se verifique o destaque de um conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, implica que estão fora deste campo as operações que consistam unicamente no destaque de elementos isolados do património, de meros ativos singulares. É imprescindível que a parcela patrimonial a separar não se reconduza à transmissão de elementos patrimoniais individuais, mas constitua, à partida, uma unidade económica.

Por isso, diferentemente do que se escreve no Parecer Jurídico junto aos autos, o regime da neutralidade fiscal da cisão simples não atende à “mera continuação de anteriores investimentos”, mas cuida sim da continuação de entidades empresariais autónomas e funcionalmente operativas. Como tal, no destaque patrimonial objeto da cisão simples sujeita ao regime da neutralidade fiscal tem que se tratar de transferir elementos do património que constituem uma unidade económica autónoma, portanto, uma unidade empresarial.

Na verdade, em face das determinações legais, aplicáveis ratione temporis, constantes da alínea a) do n.º 2 e do n.º 4 do art. 67.º do CIRC, para integração no regime da neutralidade fiscal de um operação de cisão simples é necessário que as parcelas patrimoniais transferidas assumam uma configuração qualificada, não podendo resumir-se num bem, ativo ou elemento patrimonial particular, mas têm que consubstanciar um ramo de atividade.

Efetivamente, como um ramo de atividade, como diz a lei, envolve um “conjunto de elementos”, segue-se que um elemento patrimonial singular não assume tal natureza. Por outro lado, como o ramo de atividade, também nos termos da lei, não é apenas um “conjunto de elementos”, mas deve constituir “do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios”, segue-se também que não é suficiente deparar-se com uma pluralidade de bens, mas é necessário que essa pluralidade apresente uma certa estruturação, que assuma uma organização, que surja como um todo capaz de funcionar com autonomia, “pelos seus próprios meios”.

 

21. O destaque, no âmbito de uma operação de cisão simples, de uma participação social, mesmo que com vista à constituição de uma sociedade gestora de participações sociais (única possibilidade admitida pela al. a) do n.º 1 do art. 124.º do CSC), não envolve, só por si, um ramo de atividade, tratando-se, simplesmente, da transferência de um elemento patrimonial da titularidade da sociedade cindida.

Na verdade, as características acima expostas da figura jurídico-fiscal, legalmente consagrada, do “ramo de atividade”, como unidade económica organizada, inviabilizam reconhecer tal natureza a um mero conjunto de participações sociais.

Esta conclusão, diga-se, já foi mesmo objecto da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ainda que a propósito de outra regulamentação europeia que recorre analogamente ao conceito de “ramo de atividade”, a Diretiva Entrada de Capitais (hoje a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais), que previa um tratamento mais favorável em sede de tributação das entradas de capitais quando “uma ou mais sociedades de capitais entreguem a totalidade do respectivo património, ou de um ou vários ramos da sua atividade, a uma ou mais sociedades de capitais em vias de constituição ou já existentes”. Pelo seu acórdão de 13 de dezembro de 1991, Muwi Bouwgroep, C-164/90, o Tribunal de Justiça, depois de notar que a hipótese legal tida em vista na citada disposição “é a em que uma sociedade entrega a outra diversos elementos que, quer constituam a totalidade do património, quer apenas sejam uma parte, formam um conjunto capaz de funcionar de uma forma autónoma” (n.º 22), declarou que “a entrega de um lote de ações que uma sociedade possui de uma outra sociedade e que representa 100% desta sociedade não constitui a entrega de um ramo de atividade da primeira sociedade” na acepção da citada previsão.

Deste modo, estando em causa, única e simplesmente, numa operação de cisão simples, a transferência de participações sociais, falecem os pressupostos necessários à configuração de um ramo de atividade, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 e do n.º 4 do art. 67.º do CIRC.

Esclareça-se que esta conclusão, ao contrário do que se entende no Parecer Jurídico junto aos autos, não representa a utilização pela lei fiscal “de critérios para avaliar a existência de uma cisão que representem uma preterição das regras jus-societárias”. Sem ser necessário desenvolver aqui o facto, bem conhecido, de o sistema fiscal, em atenção aos seus princípios e valores próprios, recorrer, com frequência, a conceitos particulares e específicos (cfr. art. 11.º, n.º 2, in fine da Lei Geral Tributária), basta notar que o “conceito fiscal de cisão” acolhe perfeitamente as caracterizações jus-comercialistas quanto ao objeto do destaque na cisão simples, conforme surge estabelecido nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 124.º do CSC: o que sucede é que, como bem se nota neste Parecer Jurídico, como “existem, no nosso ordenamento jurídico, dois regimes fiscais aplicáveis às fusões, cisões e entradas de ativos em sede de IRC, a saber, o regime geral e o regime de neutralidade fiscal”, vale para o mero destaque de participações sociais objecto da alínea a) do n.º 1 do art. 124.º do CSC o regime geral enquanto para o caso da alínea b) do n.º 1 do art. 124.º pode o sujeito passivo, se o pretender, recorrer ao regime especial de neutralidade fiscal.

 

22. Dá conta, no entanto, a Requerida, na sua resposta (art. 83.º), que constitui entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme Despacho de 30.01.2008 do Subdirector-Geral relativo ao Processo n.º 330/2007, que: “O simples destaque de participações sociais não se reconduz a uma operação fiscalmente relevante de cisão simples para efeitos do regime da neutralidade fiscal, dado não consubstanciar, por si só, um ramo de atividade. Todavia, se conjuntamente com as participações se verifica a transmissão de outros elementos patrimoniais que configuram, no seu conjunto, uma infra-estrutura associada à gestão dessas participações, numa interação funcional com os títulos, estaremos perante um verdadeiro ramo de atividade, que pode constituir, pois, objecto de destaque enquanto tal no âmbito de cisão parcial fiscalmente relevante para efeitos do regime dos artigos 67 .º e seguintes do CIRC”.

Julga-se correto este entendimento em face do disposto na alínea a) do n.º 2 e do n.º 4 do art. 67.º do CIRC, porquanto não se pode excluir que, em determinadas circunstâncias, a gestão de participações sociais envolva a existência de um conjunto de elementos que constitua no ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma.

A questão que, então, cabe dilucidar prende-se com verificar, em face da situação objeto dos autos, se se verifica a transferência, no âmbito da cisão realizada, de um conjunto de elementos que constitua no ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, portanto se ocorreu o destaque de um ramo de atividade.  

 

23. Pois bem, a este propósito, resulta dos factos dados como provados que a cisão se limitou exclusivamente ao destaque, no património da Requerente, da participação social detida na sociedade G....

 

Senão, veja-se:

- nos termos do projeto de cisão (cfr. facto provado sub n. º II), a “cisão que se pretende consumar passa pelo destaque de parte do património da A..., SA, mais concretamente passa pela separação de partes de capital na sociedade participada G..., SA”; “Os bens que pretendem destacar do património da A..., SA para com eles constituir uma nova sociedade são 77.545 ações ao portador, representativas de capital da sociedade G..., SA”

- na deliberação social indicada no n.º III do probatório declarou-se que a sociedade “liberta-se dos elementos patrimoniais não afetos à sua atividade, com carácter de permanência, através de uma cisão simples de ativos compostos por participações sociais noutra sociedade, formando com o património destacado uma nova sociedade, que terá por objecto unicamente a gestão de participações sociais de outras sociedades”;   

- está provado sub n.º V que, com a cisão simples da cindida sociedade A..., SA, procedeu-se ao destaque e transmissão para a I…SGPS exclusivamente da participação social, correspondente a 64,62% do respetivo capital social, detida na sociedade G..., SA;

- está ainda provado sub n.º VI que não foram transmitidos, com a cisão, outros meios materiais ou humanos para a sociedade beneficiária.

O único bem objeto da separação patrimonial foi, pois, a participação social detida na sociedade G..., nada mais se detetando na situação fáctica em apreciação que permita considerar presente uma unidade económica autónoma.

A inexistência do destaque de uma unidade económica autónoma enquanto conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios conclui-se igualmente de se ter dado como provado que, após a cisão, a I… SGPS utilizou, na sua atividade própria, os meios da Requerente (cfr. o facto dado como provado sub n.º IX). Ora, e sem necessidade de discutir hic et nunc se o uso ocasional de meios da Requerente legitima a ideia de “partilha de recursos” e da  consistência da ideia de “mandatos partilhados” perante o facto de as mesmas pessoas serem simplesmente administradores comuns de ambas as sociedades cindida e beneficiária (cfr. o facto objecto do n.º VIII do probatório), cabe reconhecer que uma “partilha de recursos” entre a sociedade cindida e a sociedade beneficiária, recursos esses todos na titularidade da sociedade cindida, sem qualquer transmissão para sociedade beneficiária, é alheia à consubstanciação do destaque patrimonial de um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.

Assim, como na base da caracterização de ramo de atividade se encontra, não a motivação particular que preside à cisão (cfr. o facto dado como provado sub n.º VII), mas sim a consistência económica, patrimonial e material, do destaque patrimonial, impõe-se concluir que a operação de cisão simples em apreço se limita simplesmente a “separar juridicamente o património composto pela participação na sociedade G..., SA para com ele constituir uma nova sociedade gestora de participações sociais” (cfr. o facto dado como provado sub n.º II), não envolvendo, pois, um ramo de atividade.

Ora, como o regime da neutralidade fiscal aplicável à cisão simples não abrange a transferência isolada de ativos, mas exige que os ativos transferidos se configurem como um ramo de atividade, assiste razão e fundamento jurídicos à posição expressa no Relatório da Inspeção Tributária, que está na base do acto de liquidação impugnado, nos termos da qual a operação realizada não preenche os pressupostos exigidos para efeitos da aplicação do regime da neutralidade fiscal, por não se subsumir ao disposto no art. 67.º, n.º 2, al. a) e n.º 4 do CIRC, tendo em conta que a “cisão simples ou parcial relevante em termos de neutralidade fiscal passou a caracterizar-se pela necessidade de satisfazer um certo filtro que é justamente a ideia de ramo de atividade” e que o “caso em apreço não passa de uma mera transferência de um elemento patrimonial, parte do capital da sociedade G..., que não supõe uma exploração económica autónoma” (cfr. o facto dado como provado sub n.º XIV).

Consequentemente, tem que ser julgada improcedente a questão suscitada pela Requerente de erro nos pressupostos de facto e de direito na qualificação da operação de cisão simples realizada, pelo que não ocorre a violação de lei assim imputada à correção à matéria coletável do ano de 2009 da Requerente resultante das mais-valias apuradas com a transferência da participação social na G..., SA para a nova sociedade I…SGPS.

Na verdade, o único ativo transmitido pela operação de cisão simples em causa correspondeu à participação social detida na sociedade G..., SA, cujo ganho decorrente da sua transmissão expressamente qualifica como uma mais-valia, dada pela diferença (positiva) entre o valor de realização do elemento transmitido, correspondendo este ao seu valor de mercado, de acordo com o previsto no, então, art. 43.º, n.º 3, alínea d) do CIRC, e o seu valor de aquisição.

 

b) violação do princípio da verdade material

 

24. Importa, seguidamente, considerar o vício atinente à pretendida violação do princípio da verdade material.

Sustenta a Requerente, a este respeito, que a AT não deu cumprimento ao art. 58.º da Lei Geral Tributária (LGT), por não ter realizado todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material. Mais especificamente considera a Requerente (arts. 234.º e 235.º da PI) que a AT não desenvolveu diligências “no sentido de apurar: a) o tipo de tarefas desenvolvidas na sociedade beneficiária; b) a identificação das pessoas que exercem a atividade; c) os meios utilizados no exercício da atividade por parte da sociedade beneficiária; d) a (in)dispensabilidade de um quadro de recursos humanos fixo; e) a autonomia face à sociedade cindida; f) do modelo interpretativo seguido pelo TJCE e pelo STA no que tange ao conceito de ramo de atividade; g) do conceito de ramo de atividade acolhido na Diretiva das Fusões, Cisões e Aquisições; h) assim como não aplicou, como se lhe impõe, o princípio da neutralidade fiscal”, bem como “não solicitou os elementos susceptíveis de revelar as características referentes ao método de exercício de atividade societária na sociedade beneficiária”. Segundo a Requerente, “obtida esta informação”, a AT “teria chegado à conclusão que a transmissão das ações da G... para a I… SGPS configuraria, do ponto de vista económico, a transmissão de um ramo autónomo de atividade” (art. 247.º da PI).

 

25. Como decorre do que acima se expôs quanto aos requisitos exigidos para uma operação de cisão simples beneficiar do regime da neutralidade fiscal, não se mostra, atento o Relatório de Inspeção Tributária que se reporta no n.º XIV do probatório, que a AT não tenha realizado “todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material”.

É que as diligências procedimentais exigidas pelo princípio do inquisitório justificam-se e servem para averiguar os factos que são relevantes para a decisão administrativa em atenção às determinações legais que cumpre à administração tributária dar satisfação. Ora, esses factos são, no caso, aqueles que se prendem com a determinação, para além do destaque de participações sociais, de outros elementos patrimoniais capazes de consubstanciar um ramo de atividade nos termos citados do art. 67.º, n.º 2, al. a) e n.º 4 do CIRC, o que, como se observa do ponto n.º XIV do probatório, foi devidamente verificado pela AT, que concluiu pela respectiva inexistência.

Precisamente, não é possível considerar, em relação aos elementos acima citados (n.º 24) que são invocados pela Requerente, que exista omissão de diligências instrutórias porquanto: i) no que concerne aos vetores referidos nas alíneas f), g) e h) está em causa matéria estritamente jurídica ou conclusiva; ii) os elementos atinentes ao exercício da atividade da beneficiária (alíneas a), c) e d)), a admitir a sua consistência,  não servem para demonstrar a presença de um ramo de atividade como objeto do destaque na sociedade cindida, pelo que não afetam as conclusões do Relatório de Inspeção Tributária; iii) por fim, os elementos referidos nas alíneas b) e e) foram mesmo objeto de consideração no procedimento inspetivo, como se conclui da identificação dos membros da Administração e da referência a que “na sociedade cindida não existe qualquer organização autónoma respeitante à gestão de partes de capital” que se encontram no Relatório de Inspeção Tributária  dado como reproduzido no n.º XIV do probatório.

Acresce que não se pode esquecer que a LGT consagra igualmente, no n.º 1 do art. 59.º, o dever de colaboração que exige ao contribuinte que coopere ativamente com a administração tributária no sentido da descoberta da verdade – ora, como se observa dos factos dados como provados sub n.ºs XII e XIII a Requerente não suscitou no procedimento os elementos agora invocados, tendo até declarado não pretender “discutir nesta sede a questão da neutralidade fiscal desta operação”.

O princípio do inquisitório e da busca da verdade material exige que a AT realize, sem subordinação à iniciativa do sujeito passivo, todas as diligências relevantes para a averiguação da realidade factual pertinente para a respectiva decisão, mas não impõe à AT que proceda oficiosamente a diligências instrutórias não requeridas que não assumem, em termos conjeturáveis, relevância para a decisão procedimental.

Nestes termos, improcede o imputado vício de violação do princípio da verdade material objeto do art. 58.º da LGT.

 

c) violação do dever de fundamentação

 

26. Por último, alega a Requerente verificar-se vício de falta de fundamentação, com violação dos artigos 77.º da LGT, 268.º n.º 3 da CRP, 123.º, 124.º e 125.º do CPA.

Segundo se alcança das alegações da Requerente (arts. 290.º e 291.º da PI), o vício da fundamentação assentaria no facto de a AT ter consignado que, para o conceito de ramo de atividade, “seria necessário uma gestão especializada efectuada por um departamento autónomo com meios humanos e materiais próprios”, o que conduz a Requerente a questionar “Por que razão consigna a ATA esta afirmação se no caso em apreço a cisão apenas contemplou a atribuição a entidade beneficiária um lote de ações de apenas uma entidade?” e a concluir, não obstante reconhecer que a AT “faz uma abordagem teórica generosa sobre o tema de que nos ocupamos, relativo as condicionantes da aplicação do regime de neutralidade fiscal” (art. 299.º do PI), que a AT “não fundamenta em cumprimento do quadro legal a exigência técnica, no caso em apreço, da gestão profissionalizada das participações da G...” (art. 297.º da PI).

Como resulta dos trechos do Relatório de Inspeção Tributária reproduzidos no n.º XIV do probatório, a fundamentação atinente a este ponto afere-se pelas seguintes considerações: i) “importa agora verificar se os elementos transferidos da A..., SA para a I...., SGPS, SA configuram um ramo de atividade, ora: 1. (...) para configurar um ramo de atividade é necessário que na sociedade contribuidora exista uma específica e autónoma organização de meios materiais e humanos dedicado à gestão especializada de participações sociais, condição que não se verifica na  A..., SA; ii) “Na operação de cisão em estudo não são verificadas estas condições, pois na sociedade cindida não existe qualquer organização autónoma respeitante à gestão de partes de capital, que seja transferida para a I...., SGPS, SA em virtude da cisão”.

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, é manifesto que não se verifica o apontado vício de falta de fundamentação, constando do Relatório de Inspeção, em conformidade com o disposto no art. 77.º da LGT, as razões que permitem compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a decisão administrativa.

Verdadeiramente, o que está em causa nesta alegação da Requerente, como resulta do citado art. 247.º da PI, não é um problema de fundamentação do ato tributário, mas antes uma questão de discordância com o decidido pela Administração.

Nestes termos, improcede o imputado vício de violação do dever de fundamentação.

 

 

V. Juros indemnizatórios

 

 27. Dado que, nos termos acima expostos, o ato tributário impugnado não padece dos vícios que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, assim, o pedido de declaração da sua ilegalidade, necessariamente improcede o pedido de juros indemnizatórios, que é suscitado como consequência das ilegalidades invocadas.

 

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade objeto da pronúncia arbitral e, em consequência, manter o ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de juros compensatórios n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009, impugnado nos autos, absolvendo do pedido a Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, absolvendo do pedido a Autoridade Tributária e Aduaneira;

c) condenar a Requerente na totalidade das custas processuais, por força do disposto no n.º 3 do art. 12.º do RJAT.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária atribui-se ao processo o valor de € 408.111,13.

 

Lisboa, 5 de janeiro de 2014

 

Os Árbitros

(Jorge Lino Alves de Sousa)

(Jaime Carvalho Esteves)

(João Menezes Leitão)



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.

[2] Em consequência, utilizar-se-á no texto a numeração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) existente à data, tendo em conta que o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, que procedeu à renumeração do Código (art. 7.º, n.º 1), se aplica apenas aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010 (art. 9.º). Assinale-se, porém, que as partes recorrem amiúde à nova numeração, pelo que se deparará com a mesma nas citações efetuadas.

[3] RAÚL VENTURA, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Coimbra, 1990, p. 392.

[4] Não é inteiramente clara a posição da Requerente, porquanto tanto parece invocar que é suficiente para a aplicação do regime da neutralidade fiscal que se venha a constituir, com o destaque de participações sociais, um ramo de atividade autónomo na sociedade beneficiária (vd. arts. 85.º, 114.º, 115.º da PI) como se reporta à “continuação de um ramo de atividade autónomo”, “a sucessão do ramo de atividade que anteriormente era desenvolvido na sociedade cindida (gestão da participação social)” (arts. 153.º a 155.º, 175.º da PI).

[5] Ob. cit., p. 392.