SUMÁRIO:
I. Só beneficiam da taxa reduzida de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, alínea a), e na verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA, as empreitadas qualificadas como sendo de “reabilitação urbana”;
II. Conforme Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), datado de 26-03-2025, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, no processo n.º 12/24.9BALSB, a qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.
DECISÃO ARBITRAL[1]
Os Árbitros, Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade (Presidente), Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e Dra. Sílvia Oliveira (Relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 17-06-2025, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., LDA., sociedade comercial inscrita na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva ..., com sede na ..., ... e ..., ..., (“Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo no dia 02-04-2025, ao abrigo da alínea a) n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).
1.2. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) contra os atos de liquidação adicional de IVA relativos aos períodos de tributação de 2022, 2023 e 2024 (primeiro e segundo trimestre), e respetivos juros compensatórios, que totalizam um valor a pagar de € 2.386.968,73 (…), decorrentes de correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) nos Relatórios de Inspeção Tributária (RITs), a coberto das ordens de serviço identificadas com o n.ºs OI2024..., OI2024... e OI2024... (…)”, com fundamento na sua ilegalidade, requerendo que o PPA seja “(…) julgado procedente, por provado e fundado, e se[ja] declarada a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, demonstração de acerto de contas e correções ao valor de reembolso (…)”, referentes aos referidos períodos, bem como “(…) a sua integral anulação, (…) nos termos e com os fundamentos invocados, com as devidas consequências legais” (com negritos no próprio texto).
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 04-04-2025 e notificado, na mesma data, à Requerida.
1.4. Em 27-05-2025, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Em 17-06-2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, a notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.8. A Requerida, em 05-09-2025, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, concluindo “(…) pela improcedência total da argumentação expendida pela Requerente (…)”, reiterando “(…) que os atos impugnados são legais, não padecendo de qualquer vício, pelo que devem manter-se na ordem jurídica. Nestes termos, (…), deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências” (com negrito no próprio texto).
1.9. Na mesma data, a Requerida anexou o processo administrativo.
1.10. Em 18-09-2025, a Requerente apresentou requerimento pronunciando-se sobre matéria contida na Resposta, alegando fazê-lo ao abrigo do princípio do contraditório e “sem prejuízo da realização da Reunião Arbitral e da apresentação de alegações escritas se este Tribunal assim o entender (…)”, concluindo que “(…) é oportuno aproveitar a Reunião Arbitral a ter lugar no dia 3 de outubro, se este Tribunal assim o entender, para, mediante prova testemunhal, evidenciar que as operações urbanísticas em apreço nos autos compreendem, de facto, a materialização e execução da estratégia de reabilitação (ERU) definida para o Município de Vila Nova de Gaia. A prova testemunhal complementar, para esta realidade (que não a da Verba 2.27), será útil para permitir o confronto dos projetos em causa nos autos (Anexo A) por especialistas da área e a sua conformação com a execução da estratégia de reabilitação dos municípios em causa” (com sublinhado e negrito no próprio texto), solicitando a alteração do role de testemunhas apresentadas no PPA.
1.11. A Requerida apresentou requerimento, em 23-09-2025, no sentido de alegar que “(…) tendo sido notificada, em 2025-09-22, de exposição e requerimento apresentado pela Requerente, e não prescindindo do exercício do direito ao contraditório, vem requerer a concessão de prazo, não inferior a 10 dias, para sobre o mesmo se pronunciar”.
1.12. Por despacho arbitral de 24-09-2025, foram as Partes notificadas de que “ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da cooperação e boa-fé processual, bem como da descoberta da verdade material, admite-se o requerimento apresentado pela Requerente em 18 de Setembro de 2025, bem como a junção aos autos do documento apresentado em tal requerimento. Concede-se à Requerida um prazo de 10 (…) dias, a contar da data da notificação do presente despacho para, querendo, exercer o contraditório sobre o teor dos mesmos”.
1.13. Por despacho arbitral de 06-10-2025, foram ambas as Partes notificadas de que foi designado o dia 17-10-2025, pelas 14 horas e 30 minutos, para efeitos da realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT sendo que, “no prazo de 5 (…) dias deverão a Requerente e a Requerida indicar, de forma individualizada quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que serão objecto daquele tipo de prova” e “também no prazo de 5 (…) dias, deverão as partes informar o CAAD sobre a sua vontade, bem como das testemunhas arroladas, de comparecer na reunião arbitral nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto” porquanto, “na ausência de informação tempestiva em sentido contrário, presume-se que as partes e as testemunhas se irão apresentar presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa”.
1.14. Tendo em consideração o requerimento apresentado pela Requerida, em 08-10-2025, relativo à absoluta indisponibilidade de agenda de ambos os juristas designados no processo para comparecer na data e hora agendadas para efeitos da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por despacho arbitral de 14-10-2025, foram ambas as Partes notificadas da remarcação da reunião (anteriormente agendada e entretanto cancelada pelo despacho arbitral de 10-10-2025) para o dia 10-11-2025, pelas 14 horas e 30 minutos, renovando-se “o conteúdo do despacho arbitral anterior quanto à indicação dos factos do pedido arbitral e da resposta que serão objecto de prova testemunhal, bem como quanto à vontade da Requerente, Requerida e testemunhas arroladas, de comparecerem na reunião arbitral nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto”.
1.15. A Requerente apresentou requerimento (email), em 03-11-2025, no sentido prescindir da produção de prova testemunhal no processo.
1.16. Por despacho arbitral, de 06-11-2025, foram ambas as Partes notificadas de que “tendo em consideração que foi a Requerente que peticionou a produção de prova testemunhal, da qual vem agora prescindir, dá-se sem efeito a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, que se encontrava agendada para o dia 10.11.2025, por se revelar a mesma nesta fase desprovida de utilidade”, facultando-se “(…) às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, facultativas, por prazo simultâneo de 15 (…) dias contados da data da notificação do presente despacho. Em idêntico prazo de 15 (…) dias deverá a Requerente proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respectivo comprovativo. A decisão final será proferida até ao dia 17 de Dezembro de 2025”.
1.17. Em 19-11-2025, a Requerente apresentou as suas alegações, concluindo que o PPA deve ser julgado procedente, tal como aí requerido, invocando para o efeito:
17.1. A nulidade do acto impugnado por ostensiva ausência de atribuições da Requerida, nos termos e para os efeitos da alínea b), do nº 2 do artigo 162º do CPA;
17.2. O enquadramento jus-urbanístico e da não aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência;
17.3. A inconstitucionalidade da verba 2.23. da Lista I anexa ao Código do IVA e do artigo 7º do RJRU por violação do Princípio da Legalidade, da Tipicidade e da Proporcionalidade;
17.4. A inconstitucionalidade por violação do Princípio da Confiança – das legítimas expectativas criadas na Requerente;
17.5 A violação do Princípio da Igualdade e da Proporcionalidade no tratamento diferenciado entre sujeitos passivos em situações iguais.
1.18. A Requerida, em 25-11-2025, apresentou alegações escritas no sentido de referir que “não tendo havido produção de prova adicional e ocorrendo a apresentação de alegações em simultâneo, sob pena de se incorrer em repetição inútil, tão-somente se remete e se dá por integralmente reproduzido todo o aduzido e peticionado em sede de Resposta, bem assim como no Requerimento apresentado aos autos em 2025-10-07, e que se mantém válido in totum”. Contudo, dado que a Requerida constatou “(…) que nas alegações apresentadas, notificadas (…) em 2025-11-24, veio a Requerente suscitar questões novas, (…) atento o princípio do contraditório […], deve a AT ser notificada para sobre os mesmos se pronunciar, sob pena de violação de tal princípio”.
1.19. No dia 04-12-2025, a Requerida apresentou requerimento “ao abrigo do princípio do contraditório (…) pronunciar-se sobre” as questões novas suscitadas pela Requerente nas alegações, reiterando, a final, o seu entendimento acerca da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
1.20. Neste âmbito, refira-se desde logo que, como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 01197/04.6BEPRT, de 19-10-2006, “I. (…) impende sobre o autor o ónus de alegar na petição inicial toda a matéria relativa à ação, expondo articuladamente “os factos e as razões de direito que fundamentam a ação” que constituem a sua causa ou causas de pedir e, bem assim, formular em função da(s) mesma(s) pretensão/pedido sob pena de ininteligibilidade. II. O autor deve arguir logo no articulado inicial todas as ilegalidades de que padeça em seu entendimento o ato produzido ou a omissão ocorrida, articulando, em conformidade, toda a factualidade que corporiza tal arguição, sendo que tal invocação deve dizer respeito não apenas às ilegalidades sancionadas com o desvalor da anulabilidade mas também às geradoras de inexistência jurídica ou nulidade. III. (…) o autor, em sede das alegações de direito, pode apresentar novos fundamentos do pedido, novas causas de pedir, mas exige-se, todavia, como condição legal e legítima de tal invocação, que o conhecimento daqueles novos fundamentos seja superveniente.(...). V. O referido preceito diz respeito ao exercício dum poder-dever do tribunal, o qual não confere faculdade/direito às partes de suscitar novas ilegalidades para além das peças/articulados e dos momentos processuais definidos (...). VII. O tribunal não está onerado com dever de pronúncia (…) quanto a ilegalidades que o autor venha a suscitar fora dos locais e momentos próprios já que tal constituiria um atropelo, um entorse ao poder-dever oficioso do juiz em termos dele, de “motu proprio” e no uso dos seus deveres legais, identificar a existência de causas de invalidade diversas daquelas que haviam sido alegadas” (sublinhado nosso).
1.21. Nestes termos, face ao exposto no ponto anterior, dado que a fundamentação apresentada, pela Requerente, em sede de alegações (ponto 1.1.7., supra), não diz respeito a fundamentos que não pudessem ser invocados no seu pedido de pronúncia arbitral, não irá este Tribunal Arbitral considerar os mesmos em sede de apreciação daquele pedido, pelo que não apreciará, igualmente, o requerimento ad hoc apresentado pela Requerida em 04-12-2025 para se pronunciar em torno de tal fundamentação.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente começa por referir que “o presente pedido de pronúncia arbitral visa reagir das liquidações adicionais de IVA de 2022 a 2024 (primeiro trimestre, i.e., 032024) e da redução de reembolso refletida na correção do excesso a reportar na declaração do segundo trimestre de 2024 (ie., 062024)”, actos de liquidação adicionais de IVA relativos aos períodos de tributação que identifica e quantifica, incluindo juros compensatórios, “(…) no valor global a pagar de € 2.386.968,73 (incluindo o valor de € 113.654,49 referente a corte no montante do reembolso pedido) (…)”, como a seguir se apresenta:

2.2. Segundo refere a Requerente, “estes atos foram emitidos na sequência do procedimento de inspeção credenciado pelas ordens de serviço identificadas com o n.os OI2024..., OI2024... OI2024..., motivado por um pedido de reembolso de IVA, e nos quais os SIT promoveram correções no valor de € 2.240.312,40 ao nível deste imposto, com as quais a Requerente não concorda e não se conforma”.
2.3. Neste âmbito, alega a Requerente que “a fundamentação dos atos assenta na alegada inaplicabilidade da taxa reduzida prevista na verba 2.231 da Lista I, anexa ao CIVA, na redação em vigor à data dos factos para a empreitada ora em causa, tal como defendida pelos SIT nas ações inspetivas (…)” porquanto refere que, “segundo a AT, a Requerente autoliquidou indevidamente IVA - à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da Lista I a uma empreitada de reabilitação urbana executada em imóveis sitos em área de reabilitação urbana (ARU) no concelho de Vila Nova de Gaia, na ausência da correspondente operação de reabilitação urbana (ORU)”.
2.4. Segundo entende a Requerente, “(…) o conceito adotado pelos SIT para efeitos de enquadramento da empreitada nesta verba exige a verificação de duplo requisito: a localização do imóvel a reabilitar numa ARU e, bem assim, (sem qualquer suporte na lei que o ampare) a sua inserção no quadro de uma ORU previamente aprovada” e, “tratando-se de uma verba do CIVA cuja aplicabilidade decorre, inevitavelmente, do carrear de conceitos próprios de outras áreas do Direito, em especial do Direito do Urbanismo (neste caso), o nosso ponto de partida que é comum à correção é o contido no n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) a respeito da integração de lacunas em Direito Fiscal, normativo que a AT parece ter sido descurado nestes procedimentos inspetivos” (com sublinhado nosso).
2.5. Esclarece a Requerente que “(…) não exerceu o seu direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo tendo remetido as devidas explicações relativamente às liquidações adicionais conexas com este normativo legal para um momento de reação formal porquanto é conhecedora do posicionamento (ilegal, diga-se) da AT nesta matéria, sendo, como tal, inútil e desprovido de qualquer alcance útil o exercício do direito de audição” acrescentando que, “apesar das sucessivas decisões arbitrais e das decisões da jurisprudência superior que têm vindo a negar provimento ao posicionamento da AT, esta não se coibiu de emitir os competentes atos de liquidação adicional, forçando a Requerente a deles reagir por meio do presente pedido de pronúncia arbitral”.
2.6. No que ao caso interessa, refere a Requerente que “(…) participou (e participa) em inúmeros projetos relevantes de mediação e promoção imobiliária sendo relevante o seu trabalho no âmbito da reabilitação e empreitadas de construção de prédios de que é proprietária e cujas obras subcontrata a outras sociedades do seu grupo societário (…)” sendo que, “a atividade da Requerente nos exercícios aqui em causa reconduzia-se, essencialmente, à sua qualidade de dona de obra do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal descrito na conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união das freguesias de ... e ..., composto pelas (…)” fracções que identifica, bem como os respectivos locatários e valores mensais das rendas.
2.7. Alega a Requerente que “em 14/05/2024 (…) manifestou a intenção, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do IVA prevista na alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito nas mencionadas disposições do artigo 12.º do CIVA e no Regime da renúncia à isenção do IVA, nas operações relativas aos referidos bens imóveis, o que não é contestado pela AT sendo inclusivamente mencionado nos RITs”.
2.8. Acrescenta a Requerente que “nos períodos tributários em análise (2022 a 2024) a entidade contratou serviços de construção civil, para construção do referido hotel e das frações destinadas a escritórios/serviços a uma sociedade pertencente ao seu grupo societário, a B..., S.A., titular NIF ... sediada (…) em ..., Braga (…)” sendo que “[o] valor total atribuído à empreitada em causa foi de € 12.505.617,01, sujeito a IVA “à taxa legal em vigor” (…)”.
2.9. Refere a Requerente que “[e]m cumprimento do regime de renúncia à isenção que havia efetuado, procedeu, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, à autoliquidação do IVA sobre as aquisições de serviços de construção através do mecanismo de inversão do sujeito passivo (reverse charge) em sede de IVA (…)”.
2.10. Esclarece a Requerente que “[q]uer a Unidade Hoteleira, quer as frações destinadas a instalar escritórios inseriam-se, à data dos factos, na delimitação geográfica compreendida na ARU da Cidade de Vila Nova Gaia, aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, de 6 de maio” sendo que “esta ARU, cuja última delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, situa-se essencialmente no centro da cidade de Vila Nova de Gaia e visava “refundar o centro da cidade consolidada” e “qualificar a perceção dos limites da cidade no espaço público e na paisagem””.
2.11. Prossegue a Requerente referindo que “os objetivos da constituição e delimitação desta ARU foram, segundo a Gaiurb, Empresa Municipal responsável pelo Urbanismo, Habitação Social e Reabilitação Urbana do Município de Vila Nova de Gaia (…)” os de “Refundar o centro da cidade consolidada; Potenciar o valor identitário dos lugares de referência; Potenciar o turismo em complemento da cultura e das infraestruturas existentes; Mitigar o impacto dos eixos viários de alta capacidade no espaço urbano; Qualificar a perceção dos limites da cidade no espaço público e na paisagem; promover a criação de um sistema de verde urbano; Compactar e consolidar a cidade de Gaia, promovendo a intensificação dos usos urbanos e a requalificação do tecido urbano existente; Promover a competitividade da cidade existente”.
2.12. Esclarece que “[a] empreitada de reabilitação contratada pela Requerente foi devidamente autorizada pela entidade administrativa competente através dos respetivos Alvarás de licenciamento” sendo que, “[a]té ao ano de 2022, a Requerente considerou que a estas operações se aplicava a taxa normal, tendo sobre as mesmas liquidado, à cautela, IVA à taxa normal de 23%, sem qualquer especificidade relativamente aos serviços em causa” mas, “[t]omando conhecimento da viabilidade de aplicação da taxa reduzida, a Requerente diligenciou junto do Município de Vila Nova de Gaia a obtenção de um reconhecimento próprio para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA à empreitada em causa, tendo, para tal, requerido a passagem das competentes certidões às Câmaras para certificação da localização destas operações nas respetivas ARU” pelo que “[e]m 21/01/2022, a Requerente obteve da Direção Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia a Declaração de localização em ARU, tendo a partir de então procedido à autoliquidação do IVA à taxa reduzida de 6%, já que que as operações de construção do imóvel se enquadravam na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA”.
2.13. Refere ainda a Requerente que “a respetiva certidão camarária apenas atestava a localização da referida empreitada em ARU e, em consequência, reconhecia o direito à aplicação da taxa reduzida de IVA à mesma (…)” sendo que, “[e]sta certidão, emitida para efeitos de aplicação do IVA à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA confirma que “o edifício onde se pretendem executar as obras de reabilitação (…) se encontra localizado em área de reabilitação urbana-ARU”, atestando, (…), a aplicação da referida taxa” (com sublinhado nosso).
2.14. E, refere a Requerente, “[c]om o conforto da certidão emitida pela Câmara Municipal competente, entidade responsável em matéria de urbanismo, a Requerente passou a aplicar, assim, a taxa reduzida aos serviços prestados no âmbito da empreitada em causa, por entender que a empreitada em análise tem cabimento na verba 2.23 da Lista I” e, “além de ter passado a autoliquidar o IVA à taxa reduzida a esta empreitada, a partir da obtenção das certidões camarárias, a Requerente procedeu, no primeiro trimestre do ano 2022, a uma regularização a favor da empresa, do IVA considerado como liquidado em excesso referente ao ano de 2021” tendo, “[e]m junho de 2024, (…) [efectuado] um pedido de reembolso de IVA, solicitando a restituição do montante de IVA a crédito por referência às ditas declarações periódicas”.
2.15. “Em consequência foram instaurados os procedimentos inspetivos n.os OI2024..., OI2024... e OI2024..., em que os SIT concluíram pela insuficiência destas certidões camarárias, entendendo que as Câmaras Municipais não tinham competência para atestar qual a taxa de IVA aplicável”, tendo “[e]stes procedimentos inspetivos [culminado] na emissão das liquidações adicionais de IVA (…) que tinham como termo do prazo para pagamento voluntário 06/02/2025”.
2.16. Esclarece ainda a Requerente que “[n]ão tendo efetuado o pagamento de uma fatia relevante das liquidações adicionais notificadas dentro do prazo estipulado, (…) foi, no passado dia 22/02/2025, notificada da instauração dos Processos de Execução Fiscal correspondentes às liquidações em causa (…), tendo procedido, no passado dia 20/03/2025, à prestação de garantia bancária identificada com o n.º GAR/... concedida pelo Banco C..., S.A. (…)”.
2.17. No que diz respeito à fundamentação da sua posição, alega a Requerente que “[a] nova redação [da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA, introduzida pela Lei nº 56/2023, de 06-10] passou a dispor que seria de se aplicar a taxa reduzida de 6% às “empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional””, sendo que, segundo defende, “(…) a reestruturação normativa em apreço não parecia contender em nada com a matéria em causa nos presentes autos, porquanto naquilo que concerne com a configuração das empreitadas de reabilitação urbana que possam beneficiar da taxa reduzida a única alteração de relevo prendia-se com o estabelecimento de que estas [tinham] de ser de “reabilitação de edifícios”.
2.18. E, segundo alega a Requerente, “(…) a Autoridade Tributária, (…), proferiu, na sequência da publicação desta lei, o Ofício Circulado n.º 25003 que pretende estabelecer, neste campo, que “[a] redação atual diverge da anterior na medida em que as operações agora abrangidas deixam de estar sujeitas à existência de uma “operação de reabilitação urbana” aprovada nos termos do Decreto-Lei n.º 307/99, de 23 de outubro (…)” mas, acrescenta, “(…)os SIT da DF Porto [entenderam] que esta alteração normativa (…) não seria relevante para o concreto caso, porquanto estava em causa uma empreitada enquadrável num dos seguintes casos: “[p]edidos de licenciamento, de comunicação prévia ou pedido de informação prévia respeitantes a operações urbanísticas submetidos junto da câmara municipal territorialmente competente antes da data da entrada em vigor da presente lei””.[2]
2.19. Nesta matéria, face ao exposto, entende a Requerente que “(…) não pode deixar de ser ignorada a nova opção administrativa de, a partir de outubro de 2023, considerar que não será de se exigir a aprovação de uma ORU para aplicação da taxa reduzida”.
2.20. Assim, segundo alega a Requerente, “[e]ntre as situações previstas nas diversas verbas da Lista I, contam-se diversos casos de empreitadas, designadamente empreitadas de reabilitação urbana, e, dentro destas últimas, em especial a que vem prevista na verba 2.23, na redação em vigor à data (…) Ou seja, a norma contempla duas hipóteses no quadro das empreitadas de reabilitação urbana: (i) as que sejam efetuadas em ARU e outras que sejam (ii) realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional” pelo que, “[s]ituando-nos na hipótese (i), atendendo ao elemento literal da norma é possível extrair, desde logo, que cada operação em causa deva qualificar como uma empreitada, que seja qualificada como sendo de reabilitação urbana e que seja efetuada numa ARU (factualidade essa que, aliás, não é contestada pelos SIT)”.
2.21. Por outro lado, e no que diz respeito ao regime e conceito de reabilitação urbana, alega a Requerente que “[d]ita o n.º 2 do artigo 11.º da LGT que “[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer diretamente da lei” concluindo que, face ao disposto nos diplomas aplicáveis, “[n]ão é controvertido que a empreitada em causa é de reabilitação urbana”, pelo que “[o] ponto é que se trate, em concreto, de operações de reabilitação urbana que se integrem em áreas delimitadas de reabilitação urbana, o que dependerá de proposta da própria Câmara Municipal, no caso, de Vila Nova de Gaia, nos termos das disposições relevantes do RJRU (…)” que apresenta.
2.22. Nestes termos, para a Requerente, “(…) o que a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA impunha, à data dos factos, era que a aplicação da taxa reduzida de IVA se encontrasse, dependente da verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: - Estar em causa um contrato de empreitada nos termos do artigo 1207.º do CC; - A empreitada a realizar ser considerada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico” (RJRU); - A empreitada de reabilitação urbana ser realizada sobre um imóvel localizado em ARU, delimitada pelo respetivo Município, nos termos do mesmo diploma”, concluindo que os mesmos se encontravam verificados porquanto “[o]s SIT não questionaram a [sua] verificação (…)”.
2.23. Assim, segundo entende a Requerente, “[e]stando em causa contratos de empreitada celebrados entre as partes envolvidas (não controvertido) de reabilitação urbana (não controvertido) com objeto em imóveis localizados em ARU tal como delimitada pelo Município competente (não controvertido), estão asseguradas as condições para a aplicação da taxa reduzida de IVA às empreitadas em causa” mas, “(…) os SIT questionaram a verificação de um pretenso requisito adicional para a aplicabilidade da taxa reduzida: tratar-se ainda de ORU concretamente aprovada e documentada para a empreitada, “correspondente à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva ARU”, tendo os SIT concluído, após realizar diversas diligências no âmbito das inspecções, pela inexistência de ORU para esta empreitada, condição para a qual a Requerente entende que não assiste razão à Requerida.
2.24. Para suporte da sua posição, cita a Requerente diversas decisões arbitrais, nos termos das quais se defende, em síntese, que “Considerando o elemento literal e a razão de ser do conceito de reabilitação urbana, constante da alínea j) do artigo 2.º do RJRU, em termos conjugados com a remissão da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, basta que tenha sido devidamente delimitada uma ARU, sem necessidade de aprovação da respetiva ORU, para que uma empreitada ali inserida possa beneficiar da taxa reduzida de IVA, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”, concluindo a Requerente que “(…) os ensinamentos da jurisprudência arbitral citada nesta matéria, que acolhem plenamente a pretensão do presente pedido de pronúncia arbitral, determinam que a aprovação da existência da ORU não consubstancia um requisito para a aplicabilidade da taxa reduzida à empreitada em causa, dado que não encontra respaldo na legislação aplicável”.[3]
2.25. E, citando doutrina e jurisprudência, procura a Requerente reforçar a sua posição apresentando ainda o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte veiculado no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 00176/22.6BEMDL de 14/11/2024, em que se definiu que “a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação anterior à Lei n.º 56/2023, de 06.10.2023, tem aplicação quando se verifiquem as seguintes condições: (a) estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme legalmente definida e (b) a empreitada de reabilitação urbana realizar-se em imóvel ou espaços públicos localizados em Área de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitada”.
2.26. Em consequência, para a Requerente, “(…) afigura-se claro o facto de que a AT, ao exigir um pretenso requisito adicional legalmente não previsto, afronta o princípio da legalidade tributária com respaldo constitucional no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e infraconstitucional no artigo 8.º da LGT, em especial na sua vertente da tipicidade dos elementos que desencadeiam a aplicação dos tributos”, “e é esse o único sentido oferecido pelas normas que regem a hermenêutica jurídica, especialmente o n.º 3 do artigo 9.º do CC, que dita que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, concluindo a Requerente que a referida “(…) alteração (…) em rigorosamente nada contende com o pretenso requisito adicional da necessidade de aprovação prévia de uma ORU para aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA”, “[a]ntes sim, referindo-se à questão de identificar que realidades devem ser inseridas no conceito de reabilitação, o que não está em causa no presente pedido de pronúncia arbitral”, razão pela qual entende a Requerente que “(…) não deve ser atendida a argumentação esgrimida nos RIT relativamente à inaplicabilidade da taxa reduzida às empreitadas em causa”.
2.27. Refere ainda a Requerente, a propósito do pedido de pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia bancária indevida que “(…) as liquidações ora em contenda encontram-se, neste momento, pagas e/ou garantidas de três formas diferentes” que identifica nestes termos:
2.27.1. “As liquidações de juros de valor inferior a € 10.000 (referentes aos períodos 092023, 122023 e 032024), foram liquidadas até ao termo do prazo de pagamento voluntário”,
2.27.2. “por outra parte, os PEFs instaurados por força das liquidações adicionais de IVA que aqui se discutem (…) foram garantidos por via de garantia bancária prestada no valor de € 2.880.392,44 (…)” e,
2.27.3. “por fim, podem-se ainda considerar cumpridas parcialmente as obrigações pecuniárias da Requerente por via do corte ao valor do reembolso de IVA a que teria direito caso estas correções não tivessem sido efetuadas (no caso, referente ao segundo trimestre de 2024)”.
2.28. Nestes termos, “à luz desta realidade, a Requerente vem pelo presente peticionar a indemnização por prestação de garantia indevida nos termos do n.º 1 do artigo 53.º da LGT, solicitando a restituição dos montantes conexos com essa prestação que, a final e com a prolação da decisão final de ilegalidade sobre as liquidações em causa, será capaz de indicar com total correção” entendendo ser “(…) ainda devidos juros indemnizatórios, (…), nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, a serem calculados sobre os montantes pagos e bem assim sobre o valor retido referente ao reembolso materializado na declaração referente ao segundo trimestre de 2024 (€ 113.564,49)”.
2.29. Termina a Requerente o PPA concluindo que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado e fundado, e ser declarada a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, demonstração de acerto de contas e correções ao valor de reembolso, referentes aos períodos de 2022, 2023 e 2024 (032024 e 062024), e sua integral anulação, em face das supracitadas normas legais e nos termos e com os fundamentos invocados, com as devidas consequências legais”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. Começa a Requerida por referir que “[o] pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a legalidade dos atos de liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivas liquidações de juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação de 2022/03T a 2024/06T, no valor total de € 2.386.968,73 e do indeferimento da dedução de reembolso efetuada na declaração periódica (DP) de IVA do segundo trimestre de 2024 (2024/06T)” e que “[t]ais liquidações foram efetuadas pela AT na sequência dos procedimentos inspetivos, de natureza externa, de âmbito parcial, em sede de IVA, referentes aos exercícios de 2022 a 2024 (1.º e 2.º trimestres), credenciados pelas ordens de serviço n.º OI2024..., OI2024 ...e OI2024..., realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto”.
3.2. Refere a Requerida que “[n]a sequência da análise a um pedido de reembolso de IVA solicitado pela Requerente, referente ao período de 2024-06T, apurou-se (…): • Nos períodos em análise a Requerente subcontratou serviços de construção civil, para construção de hotel e de frações destinadas a escritórios/serviços, identificados no «Capitulo IV, ponto 2» dos RIT; • Em cumprimento do estatuído na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA), a Requerente procedeu à autoliquidação do IVA sobre as referidas aquisições de serviços de construção; • Até ao ano de 2022, a Requerente considerou que a estas operações se aplicava a taxa normal, tendo sobre as mesmas liquidado IVA à taxa de 23%; • Contudo, em 21-01-2022, obteve da Direção Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia uma certidão de localização do imóvel em ARU, tendo a partir de então começado a autoliquidar o IVA à taxa reduzida de 6%, por entender que as operações de construção do imóvel se enquadravam na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA; • A Requerente passou a autoliquidar o IVA à taxa reduzida, no primeiro trimestre do ano de 2022, e seguintes, nomeadamente até 2024-03T e 2024-06T”.
3.3. Alega a Requerida que “(…) a localização de um imóvel numa ARU não constitui, por si só, a condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana, constante do respetivo regime jurídico, e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto” sendo que “[é] igualmente necessária a aprovação da correspondente Operação de Reabilitação Urbana (ORU) (…) O que não se verificou nas operações realizadas pela Requerente discriminadas nos RIT (…), que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais”, concluindo a Requerida, “(…) em síntese, que, não se encontrando aprovada e em vigor uma ORU, as operações praticadas pela Requerente não podem ser qualificadas como “empreitadas de reabilitação urbana” para efeitos da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA, mostrando-se indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto” (com sublinhado no próprio texto).
3.4. Esclarece a Requerida que “notificada dos projetos de RIT, a Requerente não exerceu o correspondente direito de audição” pelo que “[n]a sequência, procederam os SIT à elaboração dos RIT - para os quais se remete, dando-se por reproduzida a respetiva fundamentação – onde se conclui pela promoção das correções aí descritas”, que transcreve nos seguintes moldes:
“«Por consulta ao Portal do Munícipe de Vila Nova Gaia, em 2024-11-04, verificou-se que nos termos do Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de outubro, alterado pela Lei nº32/2012, de 14 de agosto, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), inclui os critérios subjacentes à delimitação da área de reabilitação, os seus objetivos estratégicos, a planta de delimitação e o quadro de benefícios fiscais, aprovando o ARU do Centro de Gaia. Tal como decorre do RJRU, a ARU vigora pelo período de 3 anos.
Não tendo a aprovação da delimitação das ARU dessas áreas tido lugar em simultâneo com a aprovação das ORU a desenvolver nessas áreas, nem tendo sido igualmente aprovadas as operações de reabilitação no prazo de três anos, aquela delimitação entrou em caducidade, nos termos do artigo 15.º do RJRU.
Da leitura das propostas apresentadas, entendeu-se manter os objetivos e os critérios de delimitação estabelecidos em 2012, remetendo-se para uma fase seguinte a aprovação da respetiva ORU. Ou seja, de acordo com a informação disponibilizada neste Portal eletrónico, a ORU Cidade de Gaia ainda não se encontrava aprovada nem publicada, pelo que se mostra indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto nas operações ativas praticadas pelo sujeito passivo»” (com sublinhado no próprio texto).
3.5. Nestes termos, reitera a Requerida que (…) a Requerente não tem razão” porquanto se verifica a “(…) inaplicabilidade da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA”, porquanto “(…) atendendo ao enquadramento jurídico descrito e vertendo ao caso dos autos (…) [é] cristalino que não tem razão a Requerente quando afirma que não resulta do elemento literal das normas aplicáveis (verba 2.23 e RJRU) qualquer referência à necessidade de existência de ORU aprovada, como condição de aplicação da taxa reduzida de IVA” e, “[s]endo certo que a Requerente assume tal posição com base numa interpretação ampla do conceito de reabilitação urbana e com referência, aliás, às disposições gerais do RJRU, de onde constam aliás os conceitos genéricos; (…) [m]as desatendendo a normas especificas do regime da reabilitação urbana previstas no RJRU, designadamente, a constante do transcrito artigo 7.º”.
3.6. Segundo alega a Requerida, “[a] aprovação de ORU trata-se, pois, de uma imposição legislativa, resultando da conjugação da mencionada verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA com o disposto no artigo 7.º do RJRU, para o qual a própria verba remete” pelo que “[v]erifica-se, assim, atento o elemento literal daquela norma, que, o legislador fez constar da mesma que: i. A reabilitação urbana em ARU é promovida pelos municípios onde os imóveis objeto de reabilitação se inserem; e ii. Tal promoção resulta da aprovação da delimitação de ARU, e (repare-se que o legislador recorreu à conjunção “e” e não à conjunção disjuntiva “ou”) da aprovação da ORU a desenvolver na ARU; sendo que iii. A aprovação da delimitação de ARU pode ter lugar em simultâneo com a aprovação da ORU; mas iv. A aprovação da delimitação de ARU pode preceder a aprovação da ORU; e v. A cada ARU corresponde uma ORU”.
3.7. “Ou seja, é, pois, manifesto que o legislador estipulou, ipsis verbis, que a reabilitação urbana em ARU é promovida pelos municípios; e que a reabilitação urbana é resultado da aprovação da delimitação de ARU “e” da ORU a desenvolver na ARU (…) o que encontra perfeita justificação no facto de a ORU constituir o instrumento de pormenor de onde o município faz constar, em concreto, as intervenções a efetuar na ARU, bem como as restrições ao que nesta se pode realizar” (com sublinhado no próprio texto).
3.8. Alega a Requerida que “[n]em todas as operações realizadas em ARU correspondem a reabilitação urbana, mas tão somente as que se coadunem com a ORU aprovada”, sendo que “[e]ste elemento material é de extrema relevância, uma vez que a aprovação da ORU não constitui um mero exercício de natureza burocrática”.
3.9. Segundo alega a Requerida, “[s]em a existência de ORU, isto é, sem a definição do detalhe das intervenções a realizar e das respetivas restrições - das intervenções a evitar ou mesmo proibidas – poderia, eventualmente, ser atribuído um benefício fiscal a uma intervenção urbanística que não contribuísse, ou que colocasse efetivamente em causa os objetivos estratégicos da reabilitação urbana”, concluindo que “(…) não está em causa uma mera interpretação por parte da AT”.
3.10. Entende a Requerida que “(…), na verdade, a teleologia da norma: a ORU é um elemento essencial à prossecução das finalidades da reabilitação urbana”, pelo que “[a] reabilitação urbana é, assim, uma consequência, um resultado daquelas, pelo que não existe reabilitação urbana sem ARU e ORU”, “[n]a medida em que cada ARU corresponde uma ORU” (com sublinhado no próprio texto).
3.11. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) a AT se limitou a interpretar e a aplicar a legislação em vigor tendo em conta os princípios de hermenêutica aplicáveis”.
3.12. Com efeito, reitera a Requerida que “(…) tendo por base o elemento literal da norma, só se estará perante uma empreitada de reabilitação urbana quando se verificar a aprovação daqueles dois instrumentos: a ARU e a ORU”, pelo que “no caso em apreço, verificando-se a inexistência de ORU aprovada, não se verificam as condições para a aplicação da taxa reduzida de IVA às obras realizadas”, constatação que “(…) tem sido postulada em várias informações vinculativas da AT, tais como, por exemplo, a Informação Vinculativa n.º 22521, de 2021-01-11 (aplicável a factos tributários anteriores a 2023), da Direção de Serviços do IVA (…)”, bem como, segundo alega, tem sido “(…) corroborada por jurisprudência do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo (…)” (com sublinhado no próprio texto).
3.13. Alega a Requerida que “(…) a existência de empreitada de reabilitação urbana depende da delimitação da ARU e da aprovação de ORU”, registando-se que “(…) tal constatação tem por base a letra da Lei e o elemento sistemático, (…) [p]elo que não é concebível a defesa de uma interpretação – como invocado pela Requerente - que alegue uma ausência de referência literal à necessidade de existência de ORU aprovada, quando da Lei resulta, precisamente o contrário (…) [o]u seja, a exigência de ORU está expressamente inscrita na lei, pelo que é exigível, por ser imposta pelo legislador”.
3.14. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) só assim se garante que a definição legal do conceito de empreitada de reabilitação urbana é interpretada de forma harmonizada e sistémica, isto é, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e não de forma isolada face ao próprio diploma onde se encontra inserida”, “[p]elo que se impugna expressamente o alegado pela Requerente nos artigos 5.º e 56.º do ppa”.
3.15. Em consequência, para a Requerida, “[d]úvidas não restam, pois, que os SIT aplicaram a legislação em vigor, dando cumprimento ao princípio da legalidade, uma vez que não criaram condições para além das legalmente previstas” e que “[a] AT agiu de forma vinculada, no cumprimento do exigido nos artigos 7.º e 15.º do RJRU, por remissão da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA, prevista com o art.º 18.º do mesmo Código”.
3.16. Nesta matéria, segundo entende a Requerida, (…) inexistindo ORU aprovada pela respetiva assembleia municipal, com o respetivo ato de aprovação publicado (…) e divulgado na página eletrónica dos municípios (artigo 17.º do RJRU), as operações realizadas pela Requerente encontram-se excluídas da aplicação da taxa reduzida de imposto, nos termos conjugados do artigo 18.º, al. a) e da verba 2.23 da Lista I em anexo ao Código do IVA”.
3.17. “Nesse sentido (…) cumpre igualmente desconsiderar o alegado pela Requerente quanto à certidão emitida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, porquanto é manifesto que a mesma não é suscetível de produzir os efeitos que a Requerente lhes pretende atribuir”.
3.18. “Por outro lado (…) [a]firma a Requerente que «(…) os ensinamentos da jurisprudência arbitral citada nesta matéria, que acolhem plenamente a pretensão do presente pedido de pronúncia arbitral nesta parte, determinam que a aprovação da ORU não consubstancia um requisito adicional para a aplicabilidade da taxa reduzida às empreitadas em causa, dado que não encontra qualquer respaldo na legislação aplicável»”, alegando a Requerida que “[m]ais uma vez, claudica a linha argumentativa da Requerente, porquanto são incontornáveis as decisões judiciais arbitrais que sustentam a posição da AT”, citando e transcrevendo para o efeito, a título de exemplo, a decisão arbitral do Processo n.º 404/2022-T, de 2023-01-30, na qual “(…) a decisão deu razão ali Requerente, mas, precisamente, porque se demonstrou que existia ORU aprovada”, considerando a Requerida que a citada decisão arbitral “(...) corresponde a um exemplo elucidativo da coerência da posição defendida pela AT (...)”.
3.19. Segundo alega a Requerida, “[t]erá, assim, de prevalecer a posição defendida pela AT, no sentido de que a aprovação de ORU constitui condição necessária para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA, por enquadramento da empreitada na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA” porquanto “(…), têm entendido os Tribunais Arbitrais que, atendendo ao disposto na legislação aplicável, que as ORU correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na ARU, devendo, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no contexto de uma ORU já aprovada”.[4] [5] [6]
3.20. Deste modo, segundo entende a Requerida, “(…) deve manter-se o entendimento da AT que é corroborado pelas conclusões das decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 404/2022-T, de 2023-01-30, n.º 3/2023-T, de 2023-07-31, n.º 295/2022-T, de 2023-03-01, n.º 93/2023-T de 2023-08-14, e n.º 517/2023-T”.
3.21. Adicionalmente, entende a Requerida que “[c]om particular relevo para os presentes autos, constata-se que a validade da posição propugnada pela AT foi sancionada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 12/24.9BALSB, que, uniformizando jurisprudência, concluiu: I - Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as “empreitadas de reabilitação urbana”. II - A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana”.
3.22. Assim, para a Requerida “(…) forçoso se torna concluir que, para que se verifique uma empreitada de reabilitação urbana, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA, não é suficiente que a empreitada se localize em ARU, sendo necessário que a empreitada seja realizada no quadro de uma ORU já aprovada. Como bem se concluiu nos RIT”.
3.23. Neste âmbito, refere ainda a Requerida que se de atentar “(…) ainda à recente decisão do Processo n.º: 1057/2024-T, de 2025-05-22, proferida já após a prolação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 12/24.9BALSB, onde se sumariza [que]: 1. A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Tabela I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana exige a localização do prédio em área de reabilitação urbana previamente delimitada pelo município e uma operação de reabilitação urbana aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizem. 2. Não é suficiente, no entanto, para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em operação de reabilitação urbana aprovada”.
3.24. E, “[p]or fim, considere-se também a ainda mais recente decisão arbitral proferida no Processo n.º 16/2025-T, onde se conclui [que]: (…) VI - A aplicação da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, exige a verificação de dois requisitos: (i) estarmos perante empreitada de reabilitação urbana e (ii) o imóvel estar localizado em ARU delimitada nos termos legais e estar aprovada e em vigor uma ORU. A exigência da aprovação de ORU assenta na lógica do RJRU, que prevê que apenas com tal aprovação existe um verdadeiro quadro normativo de reabilitação urbana. A ARU delimita o espaço; a ORU estrutura a ação pública e legitima o benefício fiscal; VII - Nesse sentido, invoca-se jurisprudência do CAAD e do STA, como a que se pode intuir da leitura do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido no Processo n.º 12/24.9BALSB e das seguintes decisões arbitrais que já reconheciam a exigência de ORU para efeitos de se mostrar legitimada a aplicabilidade da Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA e que são elas as que foram prolatadas, v.g., nos Processos números 295/2022-T e 93/2023-T; VIII - Não estando provada nos autos a existência de ORU aprovada e em vigor para a área da empreitada em causa, considera-se que não estão preenchidos os requisitos legais de aplicabilidade da Verba 2.23, pelo que se conclui pela legalidade da liquidação adicional de IVA à taxa normal (23%), na parte não revogada”.
3.25. Assim, entende a Requerida que “[n]ão se demonstrando que o imóvel objeto das operações de construção em causa está localizado em ARU delimitada nos termos legais, para a qual estivesse previamente aprovada ORU, as operações realizadas não se podem qualificar como «empreitada de reabilitação urbana», encontrando-se excluídas da aplicação da taxa reduzida de imposto, nos termos conjugado do artigo 18.º, al. a) e da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA” e, “[n]ão padecendo os atos impugnados de qualquer vício, porquanto foram praticados em conformidade com o enquadramento legal aplicável, em respeito pelo princípio da legalidade”.
3.26. Quanto à prova testemunhal apresentada pela Requerente, alega a Requerida que “(…) atenta a questão a dirimir nos presentes autos, não se antevê em que medida a testemunha arrolada (…) pode ser útil à descoberta da verdade material, atenta a matéria em questão (IVA), pois estão em causa factos que têm necessariamente de ser provados documentalmente” pelo que, “[n]esse seguimento, o requerimento de inquirição de testemunha deverá ser indeferido (…)”.
3.27. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) por tudo o exposto, resta concluir pela improcedência total da argumentação expendida pela Requerente, concluindo-se que os atos impugnados são legais, não padecendo de qualquer vício, pelo que devem manter-se na ordem jurídica” e, “nestes termos, (…), deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.
4. SANEAMENTO
4.1. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[7]
4.4. Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.
4.5. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT).
5.2. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral Colectivo fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.3. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Dos factos provados
5.4. A Requerente é uma sociedade constituída em 2018, tendo como objecto social a promoção imobiliária (compra e venda de bens imobiliários), desde 11-04-2018 (actividade principal - CAE 41100) e o arrendamento de bens imobiliários, desde 25-10-2021 (actividade secundária - Código 68200), em conformidade com cópia da certidão permanente (doc. n.º 5 anexado com o PPA).
5.5. A Requerente é, para efeitos de IRC, um sujeito passivo residente que exerce a título principal actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e, para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral desde 07-02-2019, em conformidade com cópias do RIT (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA).
5.6. No âmbito da sua actividade, a Requerente participou (e participa) em inúmeros projectos relevantes de mediação e promoção imobiliária, nomeadamente no âmbito da reabilitação e empreitadas de construção de prédios de que é proprietária e cujas obras subcontrata a outras sociedades do seu grupo societário, em conformidade com o alegado e não contestado.
5.7. A actividade da Requerente nos exercícios em causa (2022 a 2024) reconduzia-se, essencialmente, à sua qualidade de dona de obra do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal descrito na conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união das freguesias de ... e ..., composto pelas seguintes fracções (em conformidade com o alegado e não contestado):
5.7.1. Fracção designada pela letra “A” correspondente a um Hotel, que tem como locatário “D... S A”, NIF..., com uma renda no valor mensal de EUR 82.944,75;
A Unidade Hoteleira em causa, com a classificação de três estrelas, conta com 210 quartos, área de recepção e instalações de backup, tendo uma área bruta privativa de 7.038,55m2 e uma área bruta dependente de 940,17m2 e entradas pela..., com os nºs ... e ..., ... com o n.º ... e ... com o n.º ...;
5.7.2. Fracções autónomas designadas pelas letras “B” a “P” destinadas a escritórios/actividades de prestação de serviços, que têm como locatário “E... LDA.”, NIF..., com uma renda no valor mensal de EUR 2.306,08 cada (valor de EUR 27.672,94 correspondente ao total das 15 fracções). Estas quinze fracções autónomas (designadas pelas letras “B” a “P”) têm afectação de lugares de estacionamento, agregando uma área conjunta de 2.467m2 e acessos através da ..., n.º ... .
5.8. A Requerente, a título de dono de obra, celebrou, em 05-05-2021, com a B..., S.A., titular do NIPC..., com sede em ..., Braga, um contrato de empreitada para construção de unidade hoteleira denominada F..., localizada na ..., nº ..., na união de freguesias de ... e ..., no concelho de Vila Nova de Gaia, em conformidade com o teor do contrato de empreitada anexo aos autos (doc. nº 6 anexado com o PPA).
5.9. Para efeitos de prazo do contrato identificado no ponto anterior, todos os trabalhos que constituíam o objecto da respectiva empreitada (trabalhos preparatórios, escavação e contenção periférica, estrutura, arquitectura, hidráulicas, gás, instalações eléctricas, de segurança e telecomunicações, instalações electromecânicas, ventilação e climatização) deveriam estar concluídos no prazo de 18 meses contados da data da consignação, em conformidade com o teor do contrato de empreitada anexo aos autos (doc. nº 6 anexado com o PPA).
5.10. O valor total atribuído à empreitada identificada nos pontos anteriores foi de
EUR 12.505.617,01, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, em conformidade com o teor do contrato de empreitada anexo aos autos (doc. nº 6 anexado com o PPA).
5.11. A empreitada de reabilitação contratada pela Requerente foi devidamente autorizada pela entidade administrativa competente através dos respectivos alvarás de licenciamento, em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA).
5.12. Quer a unidade hoteleira, quer as fracções destinadas a instalar escritórios inseriam-se, à data dos factos, na delimitação geográfica compreendida na Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) de Vila Nova Gaia, aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, de 6 de Maio, em conformidade com cópia de certidão emitida, em 21-01-2022, pela Directora do Departamento de Urbanismo e Planeamento da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (doc. nº 7 anexado aos autos), com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.13. A referida ARU, cuja última delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, de 6 de Maio (ao qual se seguiu o Aviso nº 7412/2023, de 23 de Março), situa-se essencialmente no centro da cidade de Vila Nova de Gaia, em conformidade com cópia de certidão emitida, em 21-01-2022, pela Directora do Departamento de Urbanismo e Planeamento da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (doc. nº 7 anexado aos autos), com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA), processo administrativo anexado pela Requerida e informação que consta do portal da GAIURB (Empresa Municipal responsável pelo Urbanismo, Habitação Social e Reabilitação Urbana do Município de Vila Nova de Gaia).
5.14. Os objectivos da constituição e delimitação desta ARU foram, segundo a GAIURB, os de “refundar o centro da cidade consolidada; potenciar o valor identitário dos lugares de referência; potenciar o turismo em complemento da cultura e das infraestruturas existentes; mitigar o impacto dos eixos viários de alta capacidade no espaço urbano; qualificar a perceção dos limites da cidade no espaço público e na paisagem; promover a criação de um sistema de verde urbano; compactar e consolidar a cidade de Gaia, promovendo a intensificação dos usos urbanos e a requalificação do tecido urbano existente; promover a competitividade da cidade existente”, em conformidade com cópia de certidão emitida, em 21-01-2022, pela Directora do Departamento de Urbanismo e Planeamento da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (doc. nº 7 anexado aos autos que a seguir se apresenta), com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA), processo administrativo anexado pela Requerida e informação que consta do portal da GAIURB:
.
5.15. A Requerente, até ao final do ano de 2021, considerou que aos serviços de empreitada se aplicava a taxa normal de imposto, tendo sobre as mesmas liquidado IVA à taxa de 23%, sem qualquer especificidade relativamente aos serviços em causa, em conformidade com cópias do RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.16. Por entender ter viabilidade a aplicação da taxa reduzida aos serviços decorrente do contrato de empreitada acima identificado (cfr. ponto 5.8., supra), a Requerente passou a proceder à autoliquidação do IVA à taxa reduzida de 6%, a partir do ano de 2022 (e seguintes), sobre as aquisições de serviços de construção [através do mecanismo de inversão do sujeito passivo (reverse charge)], por entender que as operações de construção do imóvel se enquadravam na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.17. A Requerente procedeu também, no primeiro trimestre do ano 2022, a uma regularização de IVA no campo 40 da declaração periódica (Regularizações a favor do sujeito passivo), no valor de EUR 88.242,90, relativa ao imposto que a Requerente considerou ter sido liquidado em excesso referente ao quarto trimestre do ano de 2021, em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.18. A Requerente, em 14-05-2024, manifestou a intenção de renunciar à isenção do IVA prevista na alínea 29) do artigo 9º do Código do IVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito, nas operações relativas aos bens imóveis respeitantes às fracções acima descritas nos pontos 5.7.1. e 5.7.2., em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.19. A Requerente, no período de 202406T, efectuou um pedido de reembolso de IVA, no montante de EUR 807.024,59, em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.20. A Requerente foi objecto de vários procedimentos de inspecção credenciados pelas ordens de serviço que, a seguir, se identificam, motivados pelo pedido de reembolso de IVA identificado no ponto anterior, e que tiveram a incidência temporal que a seguir se indica, em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida:
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IDENTIFICAÇÃO DA OI
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DATA
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INCIDÊNCIA TEMPORAL
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OI2024...
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25-10-2024
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Ano 2022
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OI2024...
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17-05-2024
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Ano 2023
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OI2024...
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12-08-2024
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Período 202406T
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5.21. No âmbito de todos os três procedimentos inspectivos, realizados sob a égide das OI identificadas no ponto anterior, foi verificado pelos SIT que a Requerente, até à data da realização daqueles procedimentos, tinha cumprido com as suas obrigações declarativas, nomeadamente, em sede de IRC e IVA, tendo procedido, respectivamente, à entrega das declarações de rendimentos e declarações periódicas, em conformidade com cópias dos RIT anexados aos autos (doc. n.º 2, 3 e 4, anexados com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.22. No que diz respeito à OI2024... (de 25-10-2024), o procedimento teve início em 31-10-2024 (data da assinatura da OI por um gerente da Requerente) e foi concluída em 10-12-2024, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 2 anexado com o PPA).
5.23. No âmbito do procedimento inspectivo identificado no ponto anterior, os SIT entenderam no RIT que “a Requerente autoliquidou indevidamente IVA - à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da Lista I a uma empreitada de reabilitação urbana executada em imóveis sitos em área de reabilitação urbana (ARU) no concelho de Vila Nova de Gaia, na ausência da correspondente operação de reabilitação urbana (ORU)”, o que determinou as correcções propostas ao IVA liquidado no ano de 2022, no montante de EUR 1.124.680,14, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 2 anexado com o PPA).
5.24. A Requerente foi notificada, através do envio de notificação electrónica, pela via CTT, no dia 18-11-2024 para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao projecto de relatório de inspecção, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 2 anexado com o PPA).
5.25. Não tendo a Requerente exercido o direito de audição, os SIT convolaram em definitivas as correcções identificadas no projecto de RIT, tendo assim concluído que “(…) o contribuinte incorreu nas seguintes infrações fiscais, previstas e puníveis pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), nos seguintes termos: Omissões e inexatidões praticadas na declaração periódica de IVA dos períodos de imposto 2022-03T, 2022-06T, 2022-09T e 2022-12T, de que resulta o apuramento de um valor de crédito de imposto superior ao devido, situação prevista e punível pelo artigo 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)”, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 2 anexado com o PPA).
5.26. Em consequência, o total das correcções em sede de IVA, relativas ao ano de 2022, ascenderam EUR 1.124.680,14.
5.27. No que diz respeito à OI2024... (de 17-05-2024), o procedimento inspectivo teve início em 11-10-2024 (data da assinatura da OI por dois gerentes da Requerente) e foi concluída em 10-12-2024, em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 3 anexado com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.28. No âmbito do procedimento inspectivo identificado no ponto anterior, os SIT entenderam no RIT o seguinte relativamente á empreitada identificada no ponto 5.8., supra:

(…)

5.29. Assim, concluíram os SIT que “(…) de acordo com a informação disponibilizada neste Portal eletrónico, a ORU Cidade de Gaia ainda não se encontrava aprovada nem publicada, pelo que se mostra indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto nas operações ativas praticadas pelo sujeito passivo”.
5.30. A Requerente foi notificada, através do envio de notificação electrónica, pela via CTT, no dia 18-11-2024, do projecto de relatório que fundamenta as correcções propostas ao IVA liquidado no ano de 2023, no montante de EUR 971.763,99, com os fundamentos apresentados no ponto anterior, e para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao projecto de relatório de inspecção, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 3 anexado com o PPA) e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.31. A Requerente não exerceu o seu direito de audição pelo que os SIT convolaram em definitivas as correcções identificadas no projecto de RIT, tendo assim concluído que “(…) o contribuinte incorreu nas seguintes infrações fiscais, previstas e puníveis pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), nos seguintes termos: Omissões e inexatidões praticadas na declaração periódica de IVA dos períodos de imposto 2023-03T, 2023-06T, 2023-09T e 2023-12T, de que resulta o apuramento de um valor de crédito de imposto superior ao devido, situação prevista e punível pelo artigo 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)”.
5.32. Em consequência, o total do IVA que resultou das correcções efectuadas no ano de 2023 ascendeu a EUR 971.763,99.
5.33. No que diz respeito à OI2024... (de 12-08-2024), o procedimento teve início em 11-10-2024 (data a assinatura da OI por dois gerentes da Requerente), tendo sido efectuada, na mesma data, uma alteração da extensão temporal do procedimento inicial (202406T), com a inclusão do período 202403T, tendo a OI com as alterações sido assinada em 31-10-2024, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA).[8]
5.34. No projecto de RIT identificado no ponto anterior, os SIT referiram o seguinte, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA):









(…)

5.35. Ainda no mesmo RIT, e no que diz respeito à análise do cumprimento dos requisitos para a renúncia à isenção em sede de IVA (apresentada pela Requerente em 14-05-2024), concluíram os SIT que a Requerente cumpre com as condições objectivas e subjectivas necessárias para o exercício da renúncia à isenção pelo que se encontravam, à data, reunidas todas as condições para a certificação da renúncia, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA).
5.36. Nestes termos, analisaram e concluíram os SIT, no projecto de RIT, o seguinte, em conformidade com processo administrativo anexados aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA):





(…)

5.37. A Requerente foi notificada, através do envio de notificação electrónica, pela via CTT, no dia 18-11-2024, do projecto de relatório que fundamenta as correcções propostas ao IVA liquidado no ano de 2024 (períodos 202403T202406T), no montante de EUR 143.868,27 (o que determinou um corte no pedido de reembolso no montante de EUR 113.564,49), com os fundamentos apresentados nos pontos anteriores, bem como para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente ao projecto de relatório de inspecção, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA).
5.38. A Requerente não exerceu o seu direito de audição, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA).
5.39. Os SIT convolaram em definitivas as correcções identificadas no projecto de RIT, tendo assim concluído que “(…) o contribuinte incorreu nas seguintes infrações fiscais, previstas e puníveis pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), nos seguintes termos: Omissões e inexatidões praticadas na declaração periódica de IVA dos períodos de imposto 2024-03T e 2024-06T, de que resulta o apuramento de um valor de crédito de imposto superior ao devido, situação prevista e punível pelo artigo 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)”, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA).
5.40. Em consequência, o total do IVA que resultou das correcções efectuadas no ano de 2024 (períodos 202403T e 202406T) ascendeu a EUR 143.868,27, resultando num deferimento parcial do pedido de reembolso efectuado pela Requerente na declaração periódica de IVA respeitante ao segundo trimestre de 2024, em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia do RIT anexado aos autos (doc. n.º 4 anexado com o PPA).
5.41. Em resultado das correcções descritas nos pontos anteriores, os SIT efectuaram liquidações adicionais de IVA, no valor total de EUR 2.240.312,40, (incluindo o valor de EUR 113.654,49 referente a corte no montante do reembolso respeitante ao período 202406T), em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópias das respectivas liquidações adicionais anexadas aos autos (doc. n.º 1 anexado com o PPA), como a seguir se evidencia:

5.42. Consequentemente, foram ainda liquidados juros no montante total de EUR 146.656,33, respeitante às liquidações de juros relativas aos montantes de IVA agora corrigidos relativos ao ano de 2022, de 2023 e de 2024 (período de 202403T e 202406T), em conformidade com processo administrativo anexado aos autos pela Requerida e em conformidade com cópia das respectivas liquidações de juros anexadas aos autos (doc. n.º 1 anexado com o PPA), como a seguir se evidencia:

5.43. A Requerente pagou, dento do prazo para pagamento voluntário (06-02-2025), as liquidações de juros de valor inferior a EUR 10.000, mas não pagou as restantes liquidações adicionais de IVA e juros, no montante de EUR 2.268.278,78, em conformidade com doc. nº 8 anexado pela Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida.
5.44. No que diz respeito às liquidações de IVA e juros que não foram pagas pela Requerente, foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal, notificados à Requerente em 22-02-2025, em conformidade com doc. nº 8anexado pela Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida:
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PROCESSO EXECUÇÃO
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DATA
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IMPOSTO
|
PERÍODO
|
QUANTIA EXEQUENDA
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CUSTAS
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3360202501039962
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22-02-2025
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IVA
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2022
|
170.763,56
|
645,70
|
|
3360202501034820
|
17.403,84
|
130,27
|
|
3360202501034871
|
220.284,71
|
811,97
|
|
3360202501039938
|
19.940,29
|
143,57
|
|
3360202501039946
|
320.645,57
|
1.144,50
|
|
3360202501034863
|
26.213,87
|
170,18
|
|
3360202501039997
|
412.986,29
|
1.443,78
|
|
3360202501034839
|
29.508,71
|
176,83
|
|
3360202501034847
|
2023
|
503.835,28
|
1.759,69
|
|
3360202501034901
|
31.196,37
|
183,48
|
|
3360202501039610
|
356.490,36
|
1.260,89
|
|
3360202501034898
|
17.267,80
|
130,27
|
|
3360202501039849
|
95.669,22
|
396,30
|
|
3360202501034855
|
15.769,13
|
123,62
|
|
3360202501034804
|
2024
|
30.303,78
|
183,48
|
|
TOTAL
|
2.268.278,78
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7.260,75
|
5.45. Os montantes totais referidos no ponto anterior foram garantidos por via de garantia bancária (n.º GAR/..., datada de 19-03-2025), prestada no valor total máximo de EUR 2.880.392,44 e concedida pelo Banco C..., S.A., em conformidade com doc. nº 9 anexado pela Requerente e processo administrativo.
5.46. Com a emissão da garantia bancária identificada no ponto anterior, o Banco C... debitou à Requerente, em 19-03-2025, despesas no montante de EUR 22.306,50, em conformidade com doc. nº 9 anexado pela Requerente, nele se referindo que a próxima data para débito de comissões relativas à garantia bancária prestada seria o dia 19-06-2025.
5.47. A Requerente, não concordando e não se conformando com as referidas liquidações adicionais, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 02-04-2025.
Dos factos não provados
5.48. A Requerente não fez prova de que, relativamente ao imóvel abrangido pelo contrato de empreitada identificado no ponto 5.8. supra, para além de este estar localizado numa ARU (da qual faz prova), tinha sido previamente aprovada uma ORU.
5.49. A Requerente não fez prova do pagamento, em 19-06-2025, de despesas (débito de comissões pelo Banco C...) relacionadas com a prestação da Garantia Bancária identificada no ponto 5.45., supra.
5.50. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. No âmbito deste processo, e para efeitos de aferir da aplicabilidade ao caso em análise da taxa de IVA reduzida de 6%, prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, importa analisar se todas as condições previstas para a sua aplicabilidade estão verificadas e, em consequência, decidir:
6.1.1. Se os actos de liquidação adicional de IVA, relativos aos períodos de tributação de 2022, 2023 e 2024 (primeiro e segundo trimestre) e respectivos juros compensatórios, no montante total de EUR 2.386.968,73, decorrentes de correcções promovidas pelos SIT nos RITs, a coberto das ordens de serviço nos OI2024..., OI2024... e OI2024..., devem ou não ser declarados ilegais e, em consequência, se deve determinar a devolução daquele montante, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios nos termos legais, com fundamento em ilegalidade, caso se entenda que as referidas condições estão todas verificadas todas as condições para a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA (posição da Requerente), ou
6.1.2. Se pelo contrário, os referidos actos de liquidação adicional de IVA devem permanecer na ordem jurídica por não sofrerem de qualquer ilegalidade, caso se venha a entender que não estão verificadas todas as condições para a aplicação da referida taxa reduzida de IVA (posição da Requerida).
6.2. Em síntese, a Requerente refere que a Requerida, nas acções inspectivas que realizou, entendeu que se verifica a inaplicabilidade da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I, anexa ao Código do IVA (na redacção em vigor à data dos factos para a empreitada ora em causa) porquanto, “[s]egundo a AT, a Requerente autoliquidou indevidamente IVA - à taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da Lista I a uma empreitada de reabilitação urbana executada em imóveis sitos em área de reabilitação urbana (ARU) no concelho de Vila Nova de Gaia, na ausência da correspondente operação de reabilitação urbana (ORU)” mas, segundo entende a Requerente, “(…) o conceito adotado pelos SIT para efeitos de enquadramento da empreitada nesta verba exige a verificação de duplo requisito: a localização do imóvel a reabilitar numa ARU e, bem assim, (sem qualquer suporte na lei que o ampare) a sua inserção no quadro de uma ORU previamente aprovada” (sublinhado nosso).
6.3. Segundo entende a Requerente, “[t]ratando-se de uma verba do CIVA cuja aplicabilidade decorre, inevitavelmente, do carrear de conceitos próprios de outras áreas do Direito, em especial do Direito do Urbanismo (neste caso), o nosso ponto de partida que é comum à correção é o contido no n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) a respeito da integração de lacunas em Direito Fiscal (…)”.
6.4. Em sua defesa, alega a Requerente que “[n]os períodos tributários em análise (2022 a 2024) (…) contratou serviços de construção civil, para construção do (…) hotel e das frações destinadas a escritórios/serviços a uma sociedade pertencente ao seu grupo societário (…)” e que, “[e]m cumprimento do regime de renúncia à isenção que havia efetuado, procedeu, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, à autoliquidação do IVA sobre as aquisições de serviços de construção através do mecanismo de inversão do sujeito passivo (reverse charge) em sede de IVA (…)” porquanto “[q]uer a Unidade Hoteleira, quer as frações destinadas a instalar escritórios inseriam-se, à data dos factos, na delimitação geográfica compreendida na ARU da Cidade de Vila Nova Gaia, aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, de 6 de maio” sendo que “[e]sta ARU, cuja última delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, situa-se essencialmente no centro da cidade de Vila Nova de Gaia (…)”, tendo “[a] empreitada de reabilitação contratada pela Requerente [sido] devidamente autorizada pela entidade administrativa competente através dos respetivos Alvarás de licenciamento”.
6.5. Acrescenta a Requerente que tendo tomado “(…) conhecimento da viabilidade de aplicação da taxa reduzida, (…) diligenciou junto do Município de Vila Nova de Gaia a obtenção de um reconhecimento próprio para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA à empreitada em causa, tendo, para tal, requerido a passagem das competentes certidões às Câmaras para certificação da localização destas operações nas respetivas ARU” pelo que, “[e]m 21/01/2022, a Requerente obteve da Direção Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia a Declaração de localização em ARU, tendo a partir de então procedido à autoliquidação do IVA à taxa reduzida de 6%, já que que as operações de construção do imóvel se enquadravam na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA”.
6.6. Refere a Requerente que, “[c]om o conforto da certidão emitida pela Câmara Municipal competente, entidade responsável em matéria de urbanismo, (…) passou a aplicar, assim, a taxa reduzida aos serviços prestados no âmbito da empreitada em causa, por entender que a empreitada em análise tem cabimento na verba 2.23 da Lista I” e, “além de ter passado a autoliquidar o IVA à taxa reduzida a esta empreitada, a partir da obtenção das certidões camarárias, a Requerente procedeu, no primeiro trimestre do ano 2022, a uma regularização a favor da empresa, do IVA considerado como liquidado em excesso referente ao ano de 2021” tendo, “[e]m junho de 2024, (…) [efectuado] um pedido de reembolso de IVA, solicitando a restituição do montante de IVA a crédito por referência às ditas declarações periódicas”.
6.7. Por outro lado, entendeu a Requerida, no âmbito dos procedimentos inspectivos, materializados nos RIT (e reiterado no âmbito da Resposta) que “(…) a intervenção integrada sobre o tecido urbano existente é materializada apenas com a aprovação da operação de reabilitação urbana, sendo esta operação definida, no artigo 2.º alínea h) do citado diploma legal, como o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área. Acresce que, o próprio Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, no já citado n.º 1 do artigo 7.º, determina que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta não só da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana, mas também da operação de reabilitação urbana a desenvolver nestas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. E o n.º 4 da mesma norma estabelece que “a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana”. Deste modo, não está em conformidade com o espírito do regime a qualificação de uma empreitada como "empreitada de reabilitação urbana, tal como definida no diploma específico" se a operação de reabilitação urbana não estiver aprovada, porque é, conforme já mencionado, com a aprovação desta operação que se concretiza a intervenção integrada sobre o tecido urbano. Antes deste momento (aprovação da operação de reabilitação urbana), as empreitadas realizadas na área delimitada de reabilitação urbana não são ainda qualificadas de empreitadas de reabilitação urbana nos termos do Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, e assim também não o podem ser para efeitos do exigido na letra da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. O próprio Decreto-lei em referência esclarece que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificarem os dois requisitos: i) Aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana, e ii) Aprovação da operação de reabilitação urbana. Do exposto resulta que a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto” (com sublinhados no próprio texto).
6.8. Acrescentam os SIT nos RIT que “[p]or consulta ao Portal do Munícipe de Vila Nova Gaia, em 2024-11-04, verificou-se que nos termos do Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de outubro, alterado pela Lei nº32/2012, de 14 de agosto, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), inclui os critérios subjacentes à delimitação da área de reabilitação, os seus objetivos estratégicos, a planta de delimitação e o quadro de benefícios fiscais, aprovando o ARU do Centro de Gaia. Tal como decorre do RJRU, a ARU vigora pelo período de 3 anos”, mas, “[n]ão tendo a aprovação da delimitação das ARU dessas áreas tido lugar em simultâneo com a aprovação das ORU a desenvolver nessas áreas, nem tendo sido igualmente aprovadas as operações de reabilitação no prazo de três anos, aquela delimitação entrou em caducidade, nos termos do artigo 15.º do RJRU. Da leitura das propostas apresentadas, entendeu-se manter os objetivos e os critérios de delimitação estabelecidos em 2012, remetendo-se para uma fase seguinte a aprovação da respetiva ORU. Ou seja, de acordo com a informação disponibilizada neste Portal eletrónico, a ORU Cidade de Gaia ainda não se encontrava aprovada nem publicada, pelo que se mostra indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto nas operações ativas praticadas pelo sujeito passivo” (com sublinhado no próprio texto).
6.9. Assim, a questão a decidir prende-se, essencialmente, em saber se os serviços de construção civil que integraram o contrato de empreitada identificado no ponto 5.8., supra, realizados no prédio do qual a Requerente era proprietária, reuniam ou não condições legais para que o IVA fosse liquidado à taxa reduzida de 6%, de harmonia com o disposto na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, nomeadamente, decidir quais os requisitos aí subjacentes para a aplicação do referido regime.
Enquadramento legal
6.10. De acordo com o disposto no artigo 18º, nº 1, alínea a) do Código do IVA, “[p]ara as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa [aplicável é] de 6%”, sendo que, a verba 2.23 a Lista I anexa ao Código previa (na redacção em vigor à data dos factos) que são sujeitas à taxa reduzida do imposto "empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional” (com sublinhado nosso).
6.11. E, face ao acima transcrito, teria de ser analisado e decidido se os serviços de construção civil incluídos num dado contrato de empreitada qualificavam ou não como empreitada de reabilitação urbana e, em caso afirmativo, verificar se o imóvel resultado da referida empreitada estava ou não localizado em ARU, delimitada nos termos legais.
6.12. Neste âmbito, refira-se que o Decreto-Lei nº 307/2009, de 23 de Outubro (o qual aprovou o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana ou “RJRU”), estabelecia, nos termos do seu artigo 1.º, o regime jurídico da reabilitação urbana, definindo, no seu artigo 2.º, entre outras, "área de reabilitação urbana", "operação de reabilitação urbana" e "reabilitação urbana".[9]
6.13. E, nos termos do artigo 2.º, alíneas b), h), e j), respectivamente, do diploma referido no ponto anterior, entendia-se por:
"Área de reabilitação urbana”, “a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana";
"Operação de reabilitação urbana”, “o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área";
"Reabilitação urbana”, “a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através de realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios" (sublinhado nosso).[10]
6.14. Segundo o n.º 1 do artigo 7.º do mesmo diploma, "a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação: a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana".[11]
6.15. Começando por analisar o conceito de empreitada (que o legislador fiscal não estabeleceu, e que cuja definição só vamos encontrar no artigo 1207.º do Código Civil, aplicável ex vi nº 2 do artigo 11º da LGT), nos termos do qual se refere que empreitada é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
6.16. E, nesta linha de raciocínio, estabelece-se no ponto 9 da ficha doutrinária proferida no âmbito do processo n.º 13835 (por despacho de 26-07-2018, da Directora de Serviços do IVA, por subdelegação) que “para que haja um contrato de empreitada é essencial, portanto, que o mesmo tenha por objeto a realização de uma obra, feita segundo determinadas condições, por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não consoante o trabalho diário”.
6.17. Ainda neste âmbito, refira-se que o conceito de reabilitação urbana utilizado no RJRU é um conceito amplo, que vai desde a modernização ou beneficiação de infra-estruturas, dos equipamentos dos espaços urbanos até à construção, reconstrução, ampliação, conservação e demolição de edifícios.
6.18. Este conceito abrangente torna-o diferente do conceito de reabilitação de edifícios, previsto na alínea i) do artigo 2º do RJRU, no qual é estabelecida a sua correspondência a uma “forma de intervenção destinada a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou a vários edifícios, às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às fracções eventualmente integradas nesse edifício, ou a conceder-lhes novas aptidões funcionais, determinadas em função das opções de reabilitação urbana prosseguidas, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, podendo compreender uma ou mais operações urbanísticas”.
6.19. Com efeito, se tivermos em conta a definição acima citada de “operação de reabilitação urbana” constante da alínea h) do já referido artigo 2.º, reparamos que neste conceito o legislador pretendeu abarcar as intervenções numa determinada área e não edifício a edifício.
6.20. Com estas diferentes especificidades do RJRU afigurava-se que o legislador fiscal pretendeu, deliberadamente, contemplar na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, as obras de reabilitação urbana desde que ocorram em áreas delimitadas de reabilitação urbana (ou seja, em ARU), abrangendo as realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana, quer se tratem de obras de construção, reconstrução, de demolição e construção de um novo prédio, e que assim é também o que revela a alteração legislativa à verba 2.23 da Lista 1 anexa ao Código do IVA, efectuada pela Lei n.º 56/2023 de 6 de Outubro, que aprovou medidas no âmbito da habitação, nos termos da qual a referida verba passou a ter a seguinte redacção:
“As empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.
6.21. Com efeito, a nova redacção da citada verba substituiu a expressão “empreitadas de reabilitação urbana” da lei anterior [aplicável até à data de entrada em vigor da nova redacção (07/10/2023), aplicável aos factos em análise tendo em consideração o regime transitório previsto], por outra que é mais restritiva, nos termos seguintes: “as empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública”, mantendo-se o requisito da localização em áreas de reabilitação urbana.[12] [13]
6.22. E foi à luz deste dispositivo legal que a jurisprudência (nomeadamente do CAAD) vinha desenvolvendo posições, parte das quais no sentido de serem duas as condições que eram impostas para que se pudesse aplicar a taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.
6.23. A primeira condição é que podiam beneficiar da taxa reduzida de IVA, as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis ou espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional e, a segunda condição imposta referia-se ao facto de as obras serem efectuadas na modalidade de empreitada.
6.24. Contudo, em face das diferentes interpretações que vinham sendo produzidas nesta matéria, por força do previsto no nº 2 do artigo 25.º do RJAT e do regime legal aplicável ao recurso de uniformização de jurisprudência previsto no artigo 152º, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, houve lugar ao competente recurso para o STA, dando origem a Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, datado de 26.03.2025, proferido no processo nº 12/24.9BALSB (no qual foi relatora a Senhora Conselheira Anabela Ferreira Alves e Russo), nos termos do qual se firmou entendimento no sentido de que “o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana” (com sublinhado nosso).
6.25. Para a construção desta posição uniformizadora de jurisprudência é referido no dito Acórdão que “3.2.4.7. Tendo presente o quadro legal supra transcrito e cientes de que as normas fiscais se devem interpretar segundo os cânones que regem a interpretação de quaisquer outras, por assim resultar expressamente do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, antecipamos que é afirmativa a nossa resposta à questão de saber se a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA depende da existência de uma Operação de Reabilitação Urbana aprovada para o local inserido em Área de Reabilitação Urbana onde é realizada a Operação Urbanística (empreitada). Ou seja, entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. 3.2.4.8. Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação da norma consagrada na Verba 2.23., a que melhor compatibiliza os critérios previstos no artigo 9.º, nºs 1 e 2 do Código Civil - isto é, a que, partindo do texto da lei e tendo nele suficiente suporte, melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil). 3.2.4.9. Começando pelo elemento literal, dúvidas não subsistem que só as empreitadas de reabilitação urbana podem beneficiar do benefício consagrado no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por este normativo, onde se encontram definidas as taxas de imposto, estabelecer que estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma e a Verba 2.23 da referida lista I e nesta constar que só beneficiam dessa taxa reduzida as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico (…). 3.2.4.10. É possível, assim, concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que por contrato sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 127.º do Código Civil) mas, tão só, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana. 3.2.4.11. Não definindo o legislador fiscal nem o legislador urbanístico o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito e, por si, a verificação deste requisito de reconhecimento do direito ao benefício, tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (…), para o qual a verba 2.23 nos remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar. 3.2.4.12. Dispõe a esse propósito o artigo 2.º, alínea j) do RJUR, que “ Reabilitação urbana” é «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios». 3.2.4.13. Começa, pois, a ganhar consistência o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6%, tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana. 3.2.4.14. É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da Verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que: - a reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos, delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º]; - no que respeita à Operação de Reabilitação Urbana, que os Municípios podem optar pela realização de uma Operação “ Simples” que consistirá em uma «intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução» [artigo 8.º, n.º 1 al. a) e n.º 2] ou “Sistemática” que consiste «numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público» [artigo 8.º n.º 1 al. b) e n.º 3]; - a cada Área de Reabilitação Urbana corresponde uma Operação de Reabilitação Urbana (artigo 7.º, n.º 4); - ambas as Operações de Reabilitação Urbana, “Simples” ou “Sistemáticas”, tem de estar enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana [artigo 16.º, als. a) e b), do RJRU]. 3.2.4.15. Como se diz no acórdão recorrido, invocando o julgamento proferido no processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Primeira, «só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto» (…). Segunda, «o que ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16 da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).». 3.2.4.16. Em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana. 3.2.4.17. Interpretação que sai reforçada pelos elementos teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização. 3.2.4.18. Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção política, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje «uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objectivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna». (§ 1 do referido preâmbulo). 3.2.4.19. Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para «cinco grandes desafios», destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infra-estruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana». 3.2.4.20. Elegeu-se como objectivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução. Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. (…) 3.2.4.21. Ficou ainda exarado no mesmo preâmbulo, que «O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva área de reabilitação urbana.». 3.2.4.22. Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, «regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.». 3.2.4.23. Passa a permitir-se «que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respectiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objectivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora. 3.2.4.24. “Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana. No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objectivo a reabilitação urbana de uma área. No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, com os objectivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano.». 3.2.4.25. «Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele acto a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O acto de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.». 3.2.4.26. Em suma, resulta, a nosso ver de forma expressiva, do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objectivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade (ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual (que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objectivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de Reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objectivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar. 3.2.4.27. Só tendo presente esta intencionalidade e objectivos faz sentido a norma excepcional do artigo 18. Al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na ausência desta contextualização a atribuição daquele benefício e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria, em nosso entender, de duvidoso conforto constitucional. 3.2.4.28. Refutamos, (…), ainda (…), dois argumentos jurídicos em que a Recorrente deposita grandemente a sua tese de que o conceito de empreitada de reabilitação urbana e, por via deste, a Verba 2.23 não comporta a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. Argumentos de que supostamente resulta infirmada a interpretação por que optamos: a disciplina contida nos artigos 14.º («Efeitos da delimitação”) e 15.º («Âmbito temporal), ambos do RJRA. 3.2.4.29. Quanto aos efeitos ( seguros de que só podem estar em questão os efeitos fiscais previstos no n.º 2 do artigo 14.º do RJRU, por o IVA não constituir um imposto associado aos impostos municipais sobre o património), cumpre apenas dizer que os direitos que aí estão reconhecidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações compreendidos na Área de Reabilitação Urbana de aceder aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, se encontram condicionados ao que na legislação aplicável se encontrar estabelecido. 3.2.4.30. Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na Verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições constitui, tão só, o cumprimento da lei. Tal como o seu reconhecimento, verificados os pressupostos que vimos mencionando, constituem o cumprimento da mesma. 3.2.4.31. Relativamente à questão do âmbito temporal importa realçar dois aspectos. O primeiro é o de que não pode confundir-se a possibilidade legalmente reconhecida aos Municípios de não aprovarem simultaneamente os dois instrumentos que, cumpridos, aprovados, permitem qualificar uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana (delimitação da área e operação de reabilitação urbana) com as condições de reconhecimento do benefício fiscal ao sujeito passivo. Do exercício da faculdade concedida aos primeiros (aprovação não simultânea dos dois instrumentos) pode resultar, ou não, a caducidade da delimitação da Área de Reabilitação Urbana, nos termos do n.º do artigo 15.º. Tal como a realização da empreitada em Área de Reabilitação Urbana pode conduzir, ou não, ao reconhecimento ao sujeito passivo do benefício consagrado na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, dependendo de estar associada ou não a essa Área uma Operação de Reabilitação Urbana. Condição que cumpre ao sujeito passivo assegurar que está verificada, antes de realização da empreitada, pretendendo beneficiar da taxa de IVA reduzida. Ou seja, não está vedado ao sujeito passivo, a partir do momento em que o legislador passou a admitir que é possível não haver coincidência temporal entre a delimitação da Área de Reabilitação Urbana e a aprovação da Operação de Reabilitação Urbana, realizar empreitadas em Área de Reabilitação Urbana. O que lhe está legalmente vedado é beneficiar da tributação reduzida prevista na Verba n.º 2.23 se a empreitada se concretiza, mesmo que em Área de Reabilitação Urbana, antes da aprovação da Obra de Reabilitação Urbana. (…)” (com negritos e sublinhados nossos).
6.26. Assim, e em síntese, considera aquele Tribunal Superior, no Acórdão acima citado, que “os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana. (...) Interpretação que sai reforçada pelos elementos teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização”, concluindo no sentido de que: “– Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.o, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana; – A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana”.
6.27. Em consequência do acima transcrito, conclui-se no acima citado Acórdão Uniformizador que “(…) neste contexto interpretativo, carecem de fundamento legal as alegações da Recorrente de que a interpretação que perfilhamos viola o princípio da legalidade fiscal nas vertentes da tipicidade e da reserva de Lei por se estarem a “adicionar administrativamente” (presume-se que se esteja a referir aos Ofícios Circulados e Informações invocados pela recorrida nas decisões das Reclamações Graciosas e nas respostas no processo arbitral) à Verba n.º 2.23. da Lista I anexa ao CIVA requisitos que o legislador não contemplou. Ao exigir-se que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos definidos, está-se apenas a exigir que se preencham as condições impostas pelo legislador fiscal no artigo 18.º al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a esse Código anexa, que inclui, como vimos, a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. (…)”.
6.28. Tendo em consideração que “1. Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1a instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, no 2, al. c), do CPC” e que “2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada”, este Tribunal Arbitral Colectivo terá de aderir, na sua integralidade, aos argumentos professados na acima referido Acórdão Uniformizador, aqui reiterando a remissão integral, quanto aos fundamentos da presente decisão, para o teor do mesmo.[14] [15]
6.29. Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerações, aderindo o presente Tribunal Arbitral às conclusões da mencionada jurisprudência que assim foi firmada, no Acórdão uniformizador de jurisprudência do STA, proferido no processo nº 12/24.9BALSB, datado de 26-03-2025, sob evocação do desiderato uniformizador decorrente do artigo 8º, nº 3, do Código Civil, julga-se improcedente o vício de “erro sobre os pressupostos de facto e de direito” invocado pela Requerente, declarando-se legais os actos de liquidação oficiosa de IVA referentes aos períodos de 2022, 2023 e 2024 (032024 e 062024) e juros compensatórios aqui impugnados pela Requerente.[16] [17]
6.30. Em consequência do decidido, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações em crise, nomeadamente aos apresentados em sede de alegações (vide ponto 1.17., supra) os quais não serão aqui considerados pelos motivos expostos no ponto 1.19. desta Decisão.
6.31. Adicionalmente, e também em consequência do acima decidido, fica prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso das quantias suportadas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios, bem como o conhecimento do pedido de indemnização por prestação de garantia.
6.32. Nestes termos, declaram-se improcedentes todos os pedidos formulados pela Requerente.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.33. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:
6.33.1. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;
6.33.2. Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.34. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decide este Tribunal Arbitral Colectivo:
7.1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, e,
7.2. Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 2.386.968,73, por ser esse o valor indicado e o que resulta das liquidações adicionais.
Custas: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 30.906,00, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2025
O Tribunal Arbitral Colectivo
Carla Castelo Trindade
(Árbitro Presidente)
Luís Menezes Leitão
(Árbitro Vogal)
Sílvia Oliveira
(Árbitro Vogal e Relatora)
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.
[2] Nesta matéria, refere na Requerente que “[e]m linha com a posição assumida pelos SIT nas inspeções, nestas orientações genéricas a AT reitera o entendimento de que, até então, apenas as empreitadas que, para além dos outros requisitos, contassem com uma ORU previamente aprovada podiam beneficiar desta taxa reduzida, o que deixa de ser transponível para a nova redação da verba 2.23: esta prescinde da aprovação da ORU. (…) No entanto, (…), nenhuma alteração legal foi efetivamente promovida quanto a este tema, isto é, não existe qualquer modificação na redação da norma que permita extrair dela a desnecessidade de aprovação de uma ORU de ora em diante precisamente porquanto a verba nos exatos termos em que se encontrava vigente à data dos factos, também não previa esta pretensa exigência”.
[3] Neste sentido, vide Decisão Arbitral proferida no processo nº 803/2023-T, de 28-05-2024 e, no mesmo sentido, Decisão Arbitral proferida no processo nº 354/2023-T, de 10-11-2023, Decisão Arbitral proferido no processo nº 947/2023-T, de 27-06-2024 e Decisão Arbitral proferida no processo n.º 660/2023-T, de 09-08-2024.
[4] Neste âmbito, entende a Requerida, “[e]sta solução foi perfilhada noutras decisões arbitrais, tal como a decisão arbitral do Processo n.º 3/2023-T, de 2023-07-31, da qual resulta que só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU, quando, a par da delimitação da ARU, o Município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona através da aprovação da ORU”.
[5] Para o efeito, cita e transcreve a Requerida a decisão arbitral do Processo n.º 295/2022-T, de 2023-03-01, nos termos da qual “i. A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana, exige a localização do prédio em ARU previamente delimitada pelo município e uma ORU aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizam; ii. Não é suficiente para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em ORU aprovada; e iii. Essa prova deve ser efetuada através de declaração da entidade incumbida da coordenação e gestão da ORU aprovada” e, no mesmo sentido, a decisão arbitral do Processo n.º 93/2023-T de 2023-08-14, nos termos da qual se refere que “[n]ão se encontrando aprovada, para uma determinada “Área de Reabilitação Urbana”, uma “Operação de Reabilitação Urbana,” nos termos do nº 1 do art.º 7.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (DL n.º 307/2009, de 23 de Outubro), uma empreitada de obra sobre prédio localizado dentro dessa área não pode ser qualificada como “empreitada de reabilitação urbana”, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA, pois não existe uma situação legal de “reabilitação urbana””.
[6] Para o mesmo efeito, cita a Requerida a decisão proferida no processo CAAD n.º 517/2023-T, na qual se concluiu que “[d]eve, (…) entender-se, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana se as mesmas forem realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada” transcrevendo partes da decisão.
[7] Nesta matéria, refira-se que a Requerente por não concordar com as correcções em matéria de IVA nem com as liquidações adicionais de imposto e juros (datadas de 19-12-2024) efectuadas em consequência daquelas correcções, apresentou este pedido de pronúncia arbitral em 02-04-2025, ou seja, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário do IVA (e juros) liquidado adicionalmente (que terminou em
06-02-2025), pelo que o pedido é tempestivo.
[8] Note-se que, por lapso, os SIT identificaram o RIT relativo à OI2024... com a indicação/identificação da OI2024... .
[9] Vide ficha doutrinária proferida no âmbito do processo n.º 13835 da Direcção dos Serviços do IVA.
[10] Vide ficha doutrinária referida na nota de rodapé ao ponto 6.12.
[11] Vide ficha doutrinária referida na nota de rodapé ao ponto 6.12.
[12] Vide artigo 50º (Norma transitória em matéria fiscal), nº 9, da Lei n.º 56/2023 de 6 de Outubro, no que aqui interessa – “(…). 9. A verba 2.23 da lista i anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na redação introduzida pela presente lei, não é aplicável aos seguintes casos: a) Pedidos de licenciamento, de comunicação prévia ou pedido de informação prévia respeitantes a operações urbanísticas submetidos junto da câmara municipal territorialmente competente antes da data da entrada em vigor da presente lei; b) Pedidos de licenciamento ou de comunicação prévia submetidas junto da câmara municipal territorialmente competente após a entrada em vigor da presente lei, desde que submetidas ao abrigo de uma informação prévia favorável em vigor”.
[13] Note-se que esta nova redacção não tem natureza interpretativa, pelo que não pode deixar de concluir-se que o legislador também entendeu que na redacção anterior (que é aquela que rege os factos em análise nesta acção), a reabilitação não se restringia a edifícios.
[14] Neste sentido, vide Acórdão do STA de 12-05-2016, proferido no processo nº 982/10.4TBPTL, que se pronunciou acerca da relevância dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência.
[15] Isto sem prejuízo, como se referiu na Decisão Arbitral prolatada no âmbito do Processo nº 1311/2024, de 19-08-2025, “(…) de, em face (i) do entendimento que foi sendo professado, durante um largo período de tempo pelos sujeitos passivos de IVA, demais agentes económicos e estaduais e por alguma doutrina, (ii) da falta de unanimidade existente na jurisprudência conhecida em torno desta matéria e (iii) da inação ou atrasos consideráveis na aprovação de ORUs ser imputável aos municípios competentes (...) se compreender que a expectativa da Requerente (…) na aplicação da taxa reduzida de IVA, prevista na verba 2.23, da Lista I anexa ao CIVA, a empreitadas de reabilitação urbana, realizadas num imóvel localizado em ARU (mas sem ORU aprovada) pudesse ser legitima” porquanto haveria de se equacionar se a referida expectativa “(…) é ou não merecedora de proteção ao abrigo do princípio da segurança jurídica”, princípio constitucional “(…) expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, [que] deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático e como postulados deste princípio vemos surgir as noções de fiabilidade, de clareza, de racionalidade e de transparência face a todos os actos de poder, legislativo, executivo ou judicial, sendo que, em relação a eles o cidadão/ente colectivo deve ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e dos efeitos jurídicos dos seus próprios actos” (neste sentido, vide Acórdão do STA, de 18.05.2022, proferido no processo nº 01670/15.0BELRS).
“Em particular, e porque está em causa um benefício ou vantagem fiscal conferida pelo legislador (sob a forma de uma taxa de tributação reduzida) aos sujeitos passivos, recorda-se também o pugnado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.o 309/2018, datado de 07.06.2018, segundo o qual “[a] atividade prévia desempenhada pelo contribuinte para o gozo do benefício fiscal assume, assim, particular relevância na proteção da confiança. Para aproveitar o benefício “oferecido” pelo Estado, o contribuinte realiza antecipadamente investimentos que implicam custos financeiros, e dos quais espera ter retorno. Naturalmente que os contribuintes visam a racionalidade da gestão da sua atividade económica através da minimização dos custos comerciais, industriais, financeiros e fiscais. A sua escolha dependerá dos cálculos do capital a investir e da rentabilidade esperada dos investimentos projetados. Ora, a motivação dessa escolha não pode deixar de levar em consideração o contexto normativo tributário em que os investimentos vão ser realizados”.
“Nesse sentido, em face das conclusões que têm sido alcançadas pelo Tribunal Constitucional em torno do princípio da segurança jurídica e da salvaguarda de direitos adquiridos e/ou legítimas expectativas dos sujeitos passivos, admite-se que o entendimento professado pelo STA no Acórdão uniformizador de jurisprudência identificado – e que seguimos – possa suscitar discussões adicionais num plano constitucional porquanto poderão implicar que se apure em que medida é que o princípio da segurança jurídica que se encontra subjacente à uniformização de jurisprudência ora imposta pelo STA é suscetível de, proporcional e adequadamente, se compatibilizar com a salvaguarda de direitos adquiridos e/ou legítimas expectativas dos sujeitos passivos. Noutra dimensão, tais discussões poderão, eventualmente (e.g. havendo matéria de facto alegada que o justifique), estender-se à apreciação daquele acórdão uniformizador à luz de outros princípios fundacionais e com relevância no Direito Fiscal, designadamente, o princípio da justiça material, previsto no artigo 5º, nº 2, da LGT (…) ou as exigências de tipicidade das normas de incidência tributária, ínsitas no princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º, nº 2, da CRP, e igualmente refletido no artigo da LGT atrás mencionado”.
[17] Note-se que a aqui Relatora o faz, em revisão de posição diversa, anteriormente assumida em outros processos da idêntica natureza, tendo em consideração o acima referido no ponto 6.28.