SUMÁRIO:
Atento os princípios da diligência, da celeridade, da cooperação e da boa-fé processual, a não revogação dos atos impugnados no prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT não preclude o direito da AT de proceder à sua revogação, ainda que parcial, em momento posterior, desde que tal revogação tenha a aceitação dos Requerentes, e seja feita a comunicação da referida revogação ao Tribunal Arbitral em momento prévio à prolação da decisão arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1 Enquadramento
1. A contribuinte A..., com o número de identificação fiscal ..., e o contribuinte B..., com o número de identificação fiscal..., residentes em ..., ...-... ..., Faro, (doravante designados por Requerentes), apresentaram junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 15.04.2025, os Requerentes peticionam que seja declarado ilegal e anulado o ato de liquidação adicional n.º 2025..., no valor de € 4.547,00, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2021, porquanto consideram que o valor de € 9.500,00 não cai no âmbito da norma de incidência do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS.
3. Em 17.04.2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 24.10.2023 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
4. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 26.06.2025, verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.
5. Em 26.06.2025 foi proferido despacho arbitral para a Exm.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
6. Em 15.09.2025, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. A resposta foi suportada pela informação n.º 296/2025 da DSIRS, com base na qual foi efetuada a revogação parcial do ato tributário impugnado.
7. Em resultado da revogação parcial e uma vez que os Requerentes foram aos autos administrativos aduzir que não se opunham à operacionalização da revogação parcial do ato tributário impugnado, a Requerida alega que a revogação parcial já se encontra concretizada e, consequentemente, o presente pedido de pronúncia arbitral perdeu o seu objeto e deve ser ordenada a extinção da instância, com fundamento na inutilidade da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC ex vi o RJAT.
8. Em 08.08.2025, os Requerentes vieram aos autos de Arbitragem Tributária informar que nada têm a opor à revogação parcial da liquidação de IRS n.º 2025... nos termos propostos pela Requerida e, consequentemente, solicitam que se proceda à anulação da referida liquidação devendo a mesma ser reposta pela liquidação 2024... (liquidação emitida inicialmente).
9. Em consequência da revogação parcial do ato tributário de liquidação de IRS impugnado, relativo ao período de tributação do ano de 2021, e da aceitação desta revogação pelos Requerentes, não foram praticadas mais diligências ou atos processuais no presente processo de arbitragem tributária.
I.2 Da posição dos Requerentes
10. Os Requerentes consideram ilegal o ato tributário de liquidação de IRS, n.º 2025..., no valor de € 4.547,00, referente ao período de tributação do ano de 2021, porquanto consideram que o valor de € 9.500,00 não constituía rendimento sujeito a tributação nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS.
11. Os Requerentes entenderam que os valores resgatados não excederam os valores investidos, razão pela qual não existia facto tributário, dado que, por força da norma do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS só estão sujeitos a tributação a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou
vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas.
12. Os Requerentes alegam que os valores resgatados não ultrapassaram os valores investidos, não podendo esses valores ser considerados rendimentos, mas tão somente valor de capital.
13. Isto é, os Requerentes consideram que não houve qualquer acréscimo patrimonial para que se possa considerar o valor dos resgastes como sendo rendimentos de capitais e, portanto, tributáveis no âmbito da norma do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS.
14. Em abono do seu entendimento, os Requerentes invocam a jurisprudência arbitral ínsita nos processos de Arbitragem Tributária n.ºs 173/2022-T, 174/2022-T, 199/2023-T e 421/2024-T.
15. Os Requerentes alegam que os seguros unit linked caracterizam-se por serem contratos de seguro de vida em que o valor investido acompanha a flutuação de ativos subjacentes (ações, obrigações ou outros). E, assim, o tomador suporta o risco de mercado e apenas haverá lucro tributável se, no momento de resgaste, o valor resgatado exceder o montante do capital investido. Caso contrário, qualquer resgaste tratar-se-á apenas de mero retorno de capital próprio.
16. Em face das razões aduzidas e de todos os elementos probatórios apresentados, os Requerentes consideram que o ato tributário de liquidação adicional de IRS n.º 2025 ..., no valor de € 4.547,00, é ilegal, e deve ser anulado.
I.3 Da posição da Requerida
17. Na sua Resposta, a Requerida veio dizer que a Subdiretora-Geral para a área de Gestão Tributaria - IR, com os fundamentos da informação n.º 296/2025, da Direção
de Serviços do IRS (DSIRS), que se dão aqui por reproduzidos, procedeu à revogação parcial da liquidação impugnada, determinando a respetiva correção.
18. E que, na sequência da remessa do aludido despacho revogatório aos autos, os ora Requerentes vieram aduzir que não se opõem à revogação operacionalizada, aceitando os precisos termos em que a mesma se concretizou, pelo que, em face de tal aceitação, o presente pedido de pronúncia arbitral perdeu o seu objeto.
19. Na sua resposta a Requerida reproduz, uma parte substancial da informação n.º 296/2025, da Direção de Serviços do IRS (DSIRS), a qual aqui se dá também por reproduzia, mas, ainda assim, destacam-se alguns segmentos da referida informação;



II. SANEAMENTO
20. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
21. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
22. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
23. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão da causa.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
24. Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:
24.1 Os Requerentes são residentes em..., ...-... ..., Faro, e são, consequentemente, sujeitos passivos de IRS, pelo que estão sujeitos a tributação a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português.
24.2 Em 24.06.2022, os contribuintes, ora Requerentes, apresentaram a Declaração de Rendimentos modelo 3-IRS, do ano de 2021, à qual foi atribuído o código de identificação..., e o código de validação ... – cfr. Doc. 3 junto ao ppa.
24.3 Com base na Declaração de Rendimentos modelo 3-IRS apresentada pelos Requerentes, os serviços da AT realizaram a liquidação de IRS n.º 2022....- cfr. Doc. 4 junto ao ppa.
24.4 Em 25.03.2024, os contribuintes apresentaram uma declaração de substituição de IRS, à qual foi atribuído o código de identificação..., e o código de validação ... – cfr. Doc. 6 junto ao ppa.
24.5 Os Requerentes apresentaram na AT um documento adicional emitido pelo C..., SA., a comprovar que o valor de € 9.500,00 retirado à apólice do seguro não correspondia a rendimento, mas tão só o valor de € 999,17 - cfr. Doc. 11 junto ao ppa.
24.6 Os serviços da AT, por despacho de 06.02.2025, notificado aos contribuintes, através do ofício n.º ..., de 07.02.2025 do Serviço de Finanças de Lagoa, na sequência do direito de audição exercido pelos sujeitos passivos, desconsideram as razões apresentadas e decidiram que o valor de € 9.500,00 tinha de ser tributado na totalidade – cfr. Doc. 12 junto ao ppa.
24.7 Em 10 de março de 2025, os contribuintes foram notificados da liquidação adicional de IRS do ano de 2021, n.º 2025..., de 28.02.2025, no valor de 4.547,00, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 22.04.2025 – cfr. Docs. 1 e 2.
24.8 Por despacho de 28.07.2025, do Subdiretor-Geral da AT da área do Imposto sobre o Rendimento, exarado na Informação n.º 296/2025, processo ...2025..., da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento, o ato tributário de liquidação de IRS impugnado foi alvo de revogação parcial – cfr. processo administrativo apresentado pela Requerida.
24.9 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 15.04.2025
III.1.2. Factos não provados
25. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
26. A matéria controvertida no presente pedido de pronúncia arbitral é a questão da tributação ou não, ao abrigo da norma do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS, do valor dos resgates efetuados pelos tomadores dos seguros unit linked.
27. Este normativo estabelece que “[c]onsideram-se ainda rendimentos de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, (…)”.
28. Os Requerentes impugnaram o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2025..., no valor de € 4.547,00, referente ao período de tributação do ano de 2021, pedindo a sua anulação com fundamento na sua ilegalidade.
29. O ato de liquidação de IRS impugnado foi parcialmente revogado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que, em face dos elementos probatórios apresentados pelos Requerentes reconheceu que o ato de liquidação, em parte, enfermava de ilegalidade.
30. Os Requerentes, em requerimento em apresentado em 06.08.2025 no presente processo de Arbitragem Tributária, aceitaram os termos da revogação parcial efetuada pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.
31. Inicialmente, o interesse processual dos Requerentes era obter a anulação do ato tributário de liquidação de IRS adicional do ano de 2021.
32. A Requerida procedeu à revogação parcial do ato tributário de liquidação de IRS impugnado, tendo os Requerentes concordado e aceite os termos da referida revogação parcial, verificando-se, assim, a inutilidade superveniente da lide, uma vez que está satisfeita a pretensão dos Requerentes, razão pela qual é inútil o Tribunal pronunciar-se sobre o mérito da causa.
33. Com efeito, o interesse em agir constitui um pressuposto processual[1] ou condição da ação[2] e "consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação"[3].
34. A desnecessidade no prosseguimento da ação reconduz-se à falta de um pressuposto processual ou condição da ação que constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso [artigos 277.º, alínea e), 576.º, 577.º e 578.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
35. Esta exceção dilatória que é causa de extinção da instância com fundamento na sua inutilidade superveniente, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
36. Importa considerar que, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, “[n]os pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de
Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.
37. Por sua vez, a norma do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT estabelece que “[f]indo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.
38.In casu, a revogação parcial do ato tributário de liquidação de IRS impugnado não ocorreu no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT. Não obstante o normativo do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT, atentos os princípios da diligência, da celeridade, da cooperação e da boa-fé processual, o Tribunal considera que não fica precludido o direito dos serviços da Requerida procederem à revogação do ato impugnado, ainda que apenas em parte, desde que tal revogação tenha a aceitação dos Requerentes, e a comunicação da referida revogação seja feita ao Tribunal Arbitral em momento prévio à prolação da decisão arbitral.
39. Contudo, o momento da revogação é relevante para efeito a imputação dos encargos do processo, dado que de harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “[d]a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral (…)”.
40. A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
41. No caso em apreço, quando a revogação parcial do ato tributário de liquidação de IRS ocorreu já se encontrava constituído o Tribunal Arbitral, e embora pelo que se referiu tenha ocorrido uma causa de extinção da instância, esta é imputável à
Autoridade Tributária e Aduaneira, pois apenas revogou, em parte, o ato de liquidação de IRS após a constituição do Tribunal Arbitral.
42. Deste modo, sendo a causa de extinção da instância imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, é-lhe, consequentemente, imputável a responsabilidade pelas custas do presente processo arbitral.
IV. DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar extinta a instância com fundamento na sua inutilidade superveniente;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo arbitral.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC), fixa-se o valor do processo em € 4.547,00 (quatro mil quinhentos e quarente e sete euros), valor que corresponde ao ato tributário de liquidação de IRS impugnado.
VI. CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 05 de dezembro de 2025
O Árbitro
Jesuíno Alcântara Martins
[1] Neste sentido, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, volume II, páginas 253-254.
[2] Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 82-83.
[3] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.