SUMÁRIO
Perante diversos atos de liquidação oficiosa de IRS que ocorreram entre 2006 e 2017, verifica-se a exceção perentória de intempestividade da ação arbitral, com a consequente absolvição do pedido, porque não se preenchem os dois pressupostos cumulativos do art. 78.º, nº 1, da LGT, seja porque parte das dívidas ao Fisco foram pagas, tendo-se, neste caso, esgotado o prazo, seja porque em nenhum caso – incluindo as não pagas – se deteta erro imputável aos serviços, tendo ao invés as liquidações oficiosas sido determinadas pelo facto de o contribuinte ter incumprido os seus deveres declarativos em sede de IRS.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo (presidente), Jorge Bacelar Gouveia (vogal relator) e Jorge Carita (vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 11 de fevereiro de 2025, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., jurista reformado, titular do cartão do cidadão nº ..., contribuinte fiscal nº ... e residente na ..., nº ..., ..., ...-... Lisboa, doravante “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral para se proceder à revisão de ato tributário de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa nº ...2024... e consequentes Atos de liquidação do IRS relativos aos anos de 2006 a 2017 e respetivos juros compensatórios.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD, em 4 de dezembro de 2024, e em conformidade com o preceituado no art. 11.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66º-B/2012, de 31 de dezembro, foi notificada, nessa data, a Autoridade Tributária (AT), ora Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto do art. 6.º, n.º 1, e do art. 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT, o Conselho Deontológico, em 23 de janeiro de 2025, designou os árbitros signatários, que comunicaram, no prazo legalmente estipulado, a aceitação dos respetivos encargos.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do art. 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT e arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Deste jeito, o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 11 de fevereiro de 2025, com base no disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta.
6. Em 13 de março de 2025, a Requerida apresentou a resposta, assim como juntou o processo administrativo, tendo invocado exceções de ineptidão da petição inicial, intempestividade do pedido e incompetência do tribunal, bem como impugnado o mérito da causa.
7. Havendo a formulação de exceções processuais por parte da Requerida, foi o Requerente convidado a responder, o que fez.
II. SANEAMENTO
8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 11 de fevereiro de 2025, em conformidade com o preceituado na al. c) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
9. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
10. O processo não padece de vícios que o invalidem.
11. Há a invocação de exceções que serão analisadas após a fixação da matéria de facto.
12. Cumpre, então, apreciar e decidir.
III. DOS FACTOS
13. A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e dos elementos remetidos aos autos, fixa-se como segue:
A) Factos Provados
14. O Requerente é A..., jurista reformado, titular do cartão do cidadão nº..., contribuinte fiscal n.º ... e residente na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa.
15. Relativamente ao IRS dos anos 2006 a 2010, 2012, 2013, 2016 e 2017, o Requerente não procedeu à entrega da declaração de rendimentos segundo o modelo n.º 3 a que estava obrigado, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 57.º do CIRS.
16. A AT, então, procedeu à recolha de declarações oficiosas compostas pelo anexo A – rendimentos de trabalho dependente, no que é concernente aos seguintes períodos de tributação:
Ano - Ent. Pagadora - Rendimento - Retenções - Contribuições
2006 - ... - € 46.000,00 - € 8.663,00 - € 0,00
2007 - ... - € 70.650,00 - € 12.129,00 - € 0,00
2008 - ... - € 44.500,00 - € 7.935,00 - € 3.250,00
- ... - € 33.941,00 - € 5.659,00 - € 3.732,10
2009 - ... - € 42.000,00 - € 7.140,00 - € 3.000,00
- ... - € 34.127,78 - € 5.117,00 - € 3.851,58
2010 - ... - € 3.500,00 - € 595,00 - € 250,00
- ... - € 9.749,16 - € 1.460,00 - € 1.121,16
- ... - € 24.372,90 - € 3.868,00 - € 2.729,78
2012 - ... - € 27.567,85 - € 3.853,00 - € 3.446,04
2013 - ... - € 32.162,44 - € 5.778,00 - € 4.130,95
2016 - ... - € 24.444,30 - € 4.374,00 - € 3.452,57
- ... - € 7.073,60 - € 1.232,00 - € 247,56
- ... - € 1.768,40 - € 237,00 - € 61,89
2017 - ... - € 22.853,24 - € 3.980,00 - € 799,82
17. As entidades contribuintes são as seguintes:
- ...: B.... SA;
- ...: C...;
- ...: D...;
- ...: E..., I.P.;
18. Quanto às declarações modelo n.º 3 relativas aos anos de 2011, 2014 e 2015 submetidas pelo Requerente, este declarou os seguintes rendimentos em conformidade com a declaração modelo n.º 10:
- Ano - Ent. Pagadora - Rendimento - Retenções - Contribuições S/Taxa
- 2011 - ... - € 32.162,48 - € 4.818,00 - € 4.020,38 - € 590,28
- 2014 - ... - € 31.770,37 - € 5.784,00 - € 4.492,73 - € 508,00
- 2015 - ...- € 32.554,39 - € 5.939,00 - € 4.720,40 - € 516,00
19. Em relação a estas declarações, a Requerida notificou o Requerente nos seguintes termos:
- Ano - Liquidação – Data da Liquidação
- 2006 - 2009 ... - 2009-02-09
- 2007 - 2009 ... - 2009-02-09
- 2008 - 2010 ...- 2010-09-06
- 2009 – 2011 ...- 2011-01-26
- 2010 - 2012 ... - 2012-02-23
- 2011 – 2012 ...- 2012-05-18
- 2012 – 2014 ...- 2014-01-23
- 2013 – 2014 ...- 2014-12-22
- 2014 - 2015 ... - 2015-07-14
- 2015 - 2016 ... - 2016-07-20
- 2016 - 2018 ... - 2018-12-17
- 2017 - 2018 ... - 2018-12-20
20. Tendo sido liquidadas estas dívidas em favor da AT, alcançou-se o seguinte resultado no tocante à sua regularização, com a instauração dos correspondentes processos de execução fiscal (PEF):
- Ano - PEF - Pagamento - Dívida Exe.
- 2006 – ...2009... - regularizado
- 2007 – ...2009...- regularizado
- 2008 - ...2010... - regularizado parcialmente
- 2009 - ...2011... - regularizado
- 2010 – ...2012... - não regularizado
- 2011 - ...2011... - não regularizado
- 2012 - ...2014...- não regularizado
- 2013 –...2015... - não regularizado
- 2014 - ...2015... - não regularizado
- 2015 – ...2016... - não regularizado
- 2016 - ...2019...- não regularizado
- 2017 –...2019... - não regularizado
21. Na sequência de tudo isto, o Requerente apresentou o Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2024... e dos consequentes Atos de liquidação do IRS relativos aos anos de 2006 a 2017 e respetivos juros compensatórios em 15 de janeiro de 2024.
22. Esse pedido foi indeferido pela Requerida, tendo a respetiva notificação sido feita, nos termos do artigo 78.º da LGT, por ofício de 29-08-2024.
B) Factos não provados
23. Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C) Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
24. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
25. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. o art. 596.º, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT].
26. Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos.
IV. DO DIREITO
A) A competência material do CAAD
27. A intervenção do CAAD, desde que foi criado, tem tido um importante papel na aceleração da aplicação da justiça tributária, embora nem todo o contencioso tributário seja da sua competência, havendo diversos pressupostos processuais a cumprir.
28. É a este propósito muito relevante, para efeitos de se perceber o alcance da sua intervenção, transcrever o art. 2.º, n.º 1, do RJAT, que define a sua competência, dizendo-se o seguinte:
- “a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
- “b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.”
29. Mas a este pressuposto da competência material do CAAD juntam-se outros pressupostos processuais, alguns deles também presentes no RJAT, e outros previstos estabelecidos noutros diplomas, quer como direito subsidiário primário, o CPPT, quer como direito subsidiário secundário, o CPC.
30. Com interesse para a causa, está outro preceito do RJAT que se refere ao pressuposto processual da tempestividade da ação arbitral, estipulando-se o seguinte no seu art. 10.º, n.º 1: “1 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico; b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) do art.º 2.º, nos restantes casos”.
31. Só que este preceito tem de ser combinado com o que dispõe o CPPT como direito subsidiário primário, dele se evidenciando o art. 102.º, n.º 1, no qual se diz o seguinte: “a impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação; c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal; d) Formação da presunção de indeferimento tácito; e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código; f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores”.
32. Entende o Tribunal Arbitral que, para qualquer dos atos tributários em apreço neste processo arbitral, se verifica a sua intempestividade processual, pelo que se decide que a Requerida fica absolvida do pedido, ficando prejudicado o conhecimento das outas exceções processuais, bem como o conhecimento do mérito da causa, por manifesta inutilidade de tal esforço.
B) O art. 78.º, n.º 1, da LGT como fundamento legal do pedido de revisão tributária
33. Mesmo com a restrição da decisão arbitral ao tema da intempestividade, importa explicitar em que termos essa exceção ocorre, em razão do instrumento de impugnação que o Requerente tem ao seu dispor no CPPT.
É determinante o que se lê no art. 78.º, 1 da LGT: “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”
34. Em relação à possibilidade de os atos serem impugnados, há que distinguir:
- até 4 anos após a liquidação, em caso de ter havido erro imputável aos serviços tributários que funde a impugnação, se o tributo já tiver sido pago;
- a todo o tempo, igualmente por ter havido erro imputável aos serviços tributários que funde a impugnação, em casos em que o tributo em questão ainda não tenha sido pago.
35. Das duas, subsistiria, quando muito, a hipótese de impugnação dos atos tributários a todo o tempo, por verificação cumulativa de erro imputável aos serviços e da circunstância de o tributo não ter sido ainda pago – isto porque, no que respeita ao prazo de impugnação de 4 anos, ele já se esgotou há muito, visto que o último ato tributário impugnável se reporta a 2017, não permitindo ter qualquer dúvida acerca da sua intempestividade.
C) Intempestividade do pedido arbitral: ausência de “erro imputável aos serviços” tributários
36. No que tange ao erro imputável aos serviços, compulsando o processo administrativo que foi junto aos autos, não se comprova a existência dessa falta como inerente à atividade dos serviços tributários.
Pelo contrário: verifica-se que foi o Requerente quem não agiu com a diligência devida, sendo, pois, ao Requerente que se poderá assacar a responsabilidade pelo não cumprimento dos deveres declarativos que sobre ele impendiam.
37. Assim sendo, na ausência de erro imputável aos serviços, o segmento da norma que se aplica é o da 1.ª metade do n.º 1 do art. 78.º da LGT, que impõe ao pedido de revisão o prazo da reclamação administrativa – o qual, quanto às declarações ora impugnadas, há muito se esgotou.
D) Intempestividade do pedido arbitral: o não pagamento dos tributos em causa
38. A outra condição para se cumprir o pressuposto processual diz respeito ao facto de saber se os tributos não foram pagos, situação em que a revisão poderá ser solicitada a todo o tempo – desde que verificada a condição de tal revisão ter fundamento em erro imputável aos serviços, como resulta clara e expressamente da 2.ª metade do n.º 1 do art. 78.º da LGT.
39. Ora, como não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, não releva sequer proceder a uma destrinça entre atos tributários em função de datas ou da circunstância de terem sido, ou não, pagos (ou de ter ocorrido, quanto a eles, qualquer execução fiscal).
40. Especificamente, podem não ter sido pagos os tributos respeitantes aos rendimentos pagos, ou não-pagos, pela sociedade B ... aos seus administradores, como o Requerente, em 2008 e em 2010.
Mas, não tendo havido erro imputável aos serviços, já tinham decorrido mais de quatro anos sobre a liquidação também destes atos tributários nos quais subsistem rendimentos declarados pela B..., e nos quais não ocorrera ainda o pagamento do tributo - quando, em 15 de janeiro de 2024, foi apresentado pedido de revisão contra eles.
Sendo de notar, quanto ao requerimento apresentado pelo ora Requerente em 19 de março de 2010, que ele não identificava qualquer ato tributário, nem impugnava qualquer ato tributário específico, referindo-se apenas a penhoras e efeitos correlativos, pelo que não preenchia os requisitos de que dependeria uma interrupção do prazo de revisão oficiosa, nos termos do n.º 7 do art. 78.º da LGT.
E) Intempestividade do pedido arbitral: as declarações de substituição
41. Na pluralidade de atos tributários, importa ainda atentar no que sucede já na pendência do presente processo arbitral.
Estão em causa as declarações de substituição entregues já depois de iniciado o presente processo arbitral, o que ocorreu em 3 de Junho de 2025: mas elas são manifestamente extemporâneas, não podendo o Tribunal, por isso, considerá-las.
O presente Tribunal está cingido a aferir a legalidade ou ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão, tal como esse ato foi proferido.
42. Quanto à fundamentação sucessiva, dita “a posteriori”, ou seja, a fundamentação não-contemporânea dos atos impugnados e aditada supervenientemente, é amplamente dominante, na jurisprudência, o entendimento de que ela não é admissível – nem sequer quanto a fundamentos que, existindo objetivamente no momento da prática dos atos impugnados, não constem da motivação expressa desses atos –; isto com o argumento básico de que, numa impugnação judicial ou arbitral em contencioso de mera legalidade (como aquele que está previsto nos arts. 99.º e seguintes do CPPT), o tribunal está cingido à formulação de um juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constem dessa fundamentação, quer estas sejam por ele escolhidas, quer sejam superveniente invocadas por qualquer das partes no litígio (Acórdãos do STA de 26/3/2014, Proc. n.º 01674/13, de 23/4/2014, Proc. n.º 01690/13, de 22/3/2018, Proc. n.º 0208/17, de 11/12/2019, Proc. n.º 0859/04.2 BEPRT, ou de 28/10/2020, Proc. n.º 02887/13.8BEPRT).
Trata-se de um afloramento de uma exigência mais geral, de “lealdade” nos procedimentos e processos judiciais, de “due process of law”, a requerer que haja uma fundamentação completa, independente do mérito substantivo dos atos impugnados – mérito que não pode presumir-se que seja “evidente” ou “claro” a ponto de prescindir dessa fundamentação completa –, e que deverá preceder, como etapa instrutória, o próprio ato fundamentado.
E é pela mesma razão, a aditar ao princípio da separação de poderes, que não cabe a um tribunal decidir com base em fundamentação diferente daquela que tenha sustentado os atos a impugnar: o que, pela adição de novos fundamentos, materialmente equivaleria a uma invasão do núcleo essencial da função administrativa-tributária (Acórdãos do STA de 1/6/2011, Proc. n.º 058/11, e de 31/1/2018, Proc. n.º 1157/17). Ressalvadas, evidentemente, as consequências do conhecimento e da atuação oficiosos que legalmente estejam cometidos ao Tribunal.
43. Por um outro prisma, o contencioso de mera legalidade deve apreciar o ato impugnado tal como ele ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, nas circunstâncias em que foi proferido, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros atos, ainda quando eles pudessem ter conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o do ato praticado – porque só assim se preservam e respeitam os direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efetiva (arts. 20.º, 1 e 268.º, 4 da CRP), pois, se tivessem sido invocados outros fundamentos nos atos e decisões impugnados, a fundamentação do próprio pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente (ou, antes dele, poderiam ser outros os meios de defesa administrativos e contenciosos), tal como poderiam ser outras as provas trazidas ao processo.
44. Pelo que se impõe concluir que nenhuma declaração de substituição resolveria retroativamente o problema da intempestividade resultante da não-verificação dos pressupostos de aplicação do art. 78.º, n.º 1, da LGT, no momento de apresentação do pedido de revisão oficiosa.
Essa extemporaneidade do pedido de revisão torna, por sua vez, extemporânea a reação contenciosa ao seu indeferimento, o presente processo, constituindo exceção perentória (arts. 576.º, 3 e 579.º do CPC), que importa a absolvição do pedido.
45. Fica assim prejudicado, como já referido, o conhecimento das demais questões suscitadas no pedido de pronúncia – conhecimento que só seria possível em caso de improcedência da referida exceção.
V. DECISÃO
46. Termos em que o Tribunal Arbitral decide:
a) Considerar procedente a exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
b) Absolver totalmente a Requerida do pedido, mantendo-se válidos, na ordem jurídica, os diversos atos tributários impugnados;
c) Condenar o Requerente no pagamento das custas.
VI. VALOR DO PROCESSO
47. De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e art. 3.º, n.º 2, do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de € 60.071,70 (sessenta mil e setenta e um euros e setenta cêntimos), correspondente ao valor de imposto que o Requerente computa como tendo sido indevidamente pago, que é o valor do pedido de pronúncia arbitral, o qual não foi objeto de contestação.
VII. CUSTAS
48. Custas a cargo do Requerente, de acordo com o art. 12.º, n.º 2, do RJAT, do art. 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), em virtude de a sua pretensão não ter logrado obter vencimento na decisão arbitral.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de dezembro de 2025.
O Árbitro Presidente
Fernando Araújo
O Árbitro Vogal
Jorge Carita
O Árbitro relator
Jorge Bacelar Gouveia
A redação da presente decisão rege-se pelo Acordo Ortográfico de 1990 em vigor.