Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 475/2025-T
Data da decisão: 2025-11-06  IRC  
Valor do pedido: € 27.607,06
Tema: IRC de 2021 – Retenção na fonte – Organismo de Investimento Coletivo. Liberdade de circulação de capitais. Artigo 22º do EBF vs. artigo 63º TFUE
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SUMÁRIO

O n.º 1, parte final, e o n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretados conjugadamente no sentido de estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo (OICs) que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, violam o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 

 

 

DECISAO ARBITRAL

 

1.     Relatório e despacho saneador

 

A..., doravante designado por Requerente, com sede social em ..., ..., Paris, em França, representado pela sociedade gestora B..., com sede na mesma morada, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2º, 5º e 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), apresentando pedido de pronuncia arbitral (PPA) tendo  por objeto o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 23.12. 2024, contra os atos tributários de retenção na fonte de IRC, que lhe foram efetuados, a título definitivo, sobre dividendos de fonte portuguesa, auferidos em Abril, Maio e Setembro de 2021, no valor total de € 27.607,06.

 

O Requerente termina pedindo ao Tribunal Arbitral que:  

 

a)     Dê como provado o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anule a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, e, por conseguinte, anule os atos tributários de retenção na fonte indevidamente suportados, a título definitivo, sobre dividendos auferidos de fonte portuguesa em abril, maio e setembro de 2021, no valor de € 27.607,06;

b)    Ordene o reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira do referido montante de € 27.607,06;

c)     Ordene o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos dos artigos 43º da LGT, 61º do CPPT e 24.º, nº 5 do RJAT.

 

É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em 16/05/2025. 

 

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

 

Em 03/07/2025 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento. 

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22/07/2025. 

 

Por Despacho Arbitral de 22/07/2025, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, foi notificada a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando-se dever ser remetido ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo. 

 

A Requerida apresentou, em 23/09/2025 a sua Resposta e, na mesma data, remeteu cópia do Processo Administrativo que é composto apenas pelo pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente e documentos que o instruíram.

Por despacho do Tribunal de 23/09/2025 foi o Requerente convidado a pronunciar-se sobre as excepções invocadas pela AT, tendo respondido em 13/10/2025 pugnando pela sua improcedência.

 

Uma vez que no PPA foi arrolada uma testemunha, por despacho arbitral de 13/10/2025, foi convidado o Requerente a indicar os factos da petição a que deveria depor.

 

Por despacho de 23/10/2025 foi convidado o Requerente a pronunciar-se sobre a matéria dos artigos 76º e 102º da Resposta - eventual recuperação pelos investidores do imposto não recuperado pelo Fundo e se existiu ou não crédito de imposto por dupla tributação na esfera do Requerente ou dos investidores.

 

Por requerimento de 28/10/2025 veio o Requerente prescindir da inquirição da testemunha apresentada e juntar um documento para prova de que está sujeito à disciplina da Directiva 2009/65/CE.

 

Por despacho de 28/10/2025 foi a Requerida convidada a exercer o direito ao contraditório face ao Requerimento e documento juntos, atrás referidos. Foi ainda dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT e a apresentação de alegações.

 

Em 03/11/2025 o Requerente respondeu face ao despacho de 23/10/2025 que “da documentação junta aos autos e da documentação que está na posse da AT, resultam inequívocos os atos tributários de retenção na fonte indevidamente suportados, a título de IRC, que lhe foram efetuados, a título definitivo, sobre dividendos de fonte portuguesa auferidos em abril, maio e setembro de 2021, no valor total de € 27.607,06”.

 

Até à data desta decisão a AT não exerceu o direito de se pronunciar no prazo conferido, conforme convite feito pelo despacho de 28/10/2025.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo e foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT. 

 

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

O Tribunal é competente. 

 

O processo não enferma de nulidades. 

 

2 – Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                        Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)   O Requerente A..., NF português..., com sede social em ..., ..., Paris, em França, é representado pela sociedade gestora B..., com sede na mesma morada, e foi designado até 2023 por C..., sendo o beneficiário do rendimento aqui em causa com o nº 384 940 342 – conforme primeiro parágrafo do PPA, artigos 56º e 57º do PPA e Documentos nºs 2, 3 e 5 em anexo ao PPA;

B)   O Requerente é uma pessoa coletiva de direito francês, concretamente um OIC para efeitos da aplicação da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, constituído sob a forma contratual e não societária, e supervisionado pela Autorité de Marchés Financiers – conforme artigo 58º do PPA, Documento nº 4 em anexo ao PPA e Documento nº 1 em anexo ao Requerimento apresentado pelo Requerente em 28.10.2025;

C)   O Requerente é sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável e no exercício da sua atividade investiu no capital social de empresas com sede em Portugal, tendo em abril, maio e setembro de 2021, recebido dividendos no montante ilíquido de IRS de € 110.428,22, os quais foram objeto de retenção na fonte, a título definitivo, no âmbito do regime legal da substituição tributária, no montante de € 27.607,06, em virtude da aplicação da taxa de 25% prevista no nº 4 do artigo 87º do Código do IRC, conforme tabela seguinte (em euros):

 

 

2021

 

Identificação da entidade distribuidora de dividendos

Data do pagamento

Guia de retenção na fonte

Dividendos

Retenção da fonte

25%

D...

26-04-2021

...

26.434,32

6.608,58

E...

20-05-2021

...

43.509,90

10.877,48

E...

16-09-2021

...

40.484,00

10.121,00

Total

 

 

110.428,22

27.607,06

- conforme artigos 60º e 61º do PPA e Documento 5 em anexo ao PPA;

D)   As retenções na fonte em apreço foram efetuadas pelo G... enquanto entidade registadora dos títulos e a especificação do beneficiário dos rendimentos, da sua conta, do tipo de valor mobiliário e ISIN, quantidade, valor pago por acção, a moeda do pagamento, valor bruto e líquido dos dividendos pagos e bem assim o imposto retido à taxa de 25%, foi certificado pela H... na qualidade de depositário das acções – conforme artigo 62º do PPA e Documento nº 5 em anexo ao PPA.

E)    Em 23.12.2024 o Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa – ... um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de retenção ao na fonte atrás referidos, não tendo a Autoridade Tributária notificado qualquer decisão até 23 de abril de 2025, pelo que considerou que se formou uma presunção de indeferimento para efeitos de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral – conforme exórdio e artigo 37º, ambos do PPA, Documento nº 1 em anexo ao PPA e ponto 1 da Resposta da AT;

F)    Em 14/05/2025, o Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no SGP do CAAD. 

                                                                           

 

 

2.2. Factos não provados. Fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado. 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).   

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).  

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.  

 Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. 

É pacífico na doutrina e jurisprudência que: “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05/03/2020, processo n.º 19/17.2BCLSB).   

 

 

Sem prejuízo da posição assumida pela Requerida a propósito de alguns dos factos carreados para os autos pelo Requerente, considera este Tribunal Arbitral que a prova documental apresentada tem valor objetivo e a respetiva informação se tem por verdadeira. 

 

Em concreto, 

·       A propósito do Documento 4 junto com o PPA refere a Requerida no artigo 3º da Resposta que “contrariamente ao alegado pela requerente, não podemos concluir que a requerente seja um OIC que cumpra as condições das diretivas europeias em igualdade de circunstâncias com os OIC nacionais para efeitos de aplicação do art.º 22.º do EBF, por não apresentar documento emitido no país de origem pela autoridade de supervisão financeira ou regulador do setor de fundos de investimento atestando que além de ser um OIC este cumpra os termos da Diretiva 2011/61/eu ou da Diretiva 2009/65/CE”.

De acordo com o standard da prova aplicável, tratando-se de directiva europeia, não será plausível que a Autoridade dos Mercados Financeiros da França emitisse o atestado e o certificado que emitiu, caso o fundo aqui Requerente não cumprisse os ditames da directiva referida. Aliás, a questão configura-se poder ser vista por outro prisma. É que, como as directivas europeias, para valerem no direito interno dos Estados da União, devem em princípio ser transpostas para o direito interno, não é invocado que o Estado Francês o não levou à prática. Por outro lado, no Documento 1 junto com o Requerimento de 28.10.2025 é citada a expressão “OPCVM relevant de la Directive 2009/65/CE”.  Por isso, se desconsidera esta invocação.

·       Relativamente à apresentação das guias de pagamento com valores globais superiores aos valores reclamados pelo Requerente (tabela do artigo 61º do PPA) refere a AT nos pontos 6 e 7 da Resposta: “A retenção em causa foi, alegadamente, entregue através das guias de RF n.º ..., ,... e..., entregues por I... S.A, NIF português ... . Apresentando as guias supra identificadas valores muito superiores ao reclamado, torna-se impossível a confirmação do pedido”.

Como resulta da alínea D) dos factos assentes o Tribunal não teve dúvidas sobre a discriminação de todos os elementos essenciais sobre o tema, contida em documento emitido pela entidade depositária. A AT não contesta que a entidade emitente do Documento nº 5, seja a entidade depositária das acções com legitimidade para emitir os documentos apresentados, nem impugna especificadamente o conteúdo ou assinatura dos documentos (Documento nº 5 em anexo ao PPA) (artigos 365º e 376º do Código Civil), pelo que não é possível deixar de valorar, nos termos levados a efeito, esta prova documental.

 

3. Posição das Partes 

No essencial, o Requerente alega que a retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos por si obtidos no território nacional no ano de 2021 viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), isto porque, organismos de investimento colectivo (“OIC”) residentes fiscais em Portugal estão isentos de tributação sobre dividendos, nos termos do regime previsto no artigo 22.º do EBF. 

Por seu turno, a AT entende que OICs não residentes fiscais em Portugal, como sucede no caso do Requerente, não se encontram numa situação comparável à dos OICs constituídos / residentes fiscais em Portugal. Alega a AT que a legislação portuguesa, concede isenções a OICs constituídos / residentes fiscais em Portugal, mas sujeita esses mesmos OICs a outras formas de tributação, como o Imposto do Selo ou tributação autónoma. Ou seja, a diferença de tratamento entre OICs residentes e OICs não residentes em Portugal não configura uma discriminação proibida pelo artigo 63.º do TFUE, uma vez que ambos estão sujeitos a regimes fiscais diferentes. 

 

 

 

4. Matéria de direito 

4.1 – Questão prévia – excepção de legitimidade do Requerente

 

                        Se bem se compreende o referido nos artigos 10º a 19º doa Resposta ao PPA, a Requerida suscita, como realça no artigo 14º da Resposta, que “relativamente ao período de 2021, constata-se pela análise às declarações emitidas pelo substituto tributário G..., NIF ... juntas pela Requerente  e, pela consulta aos Modelos 30, igualmente entregues por este, que os dividendos pagos em 2021 sujeitos à retenção de € 27.607,06 sujeitos à retenção de IRC se refere a dividendos pagos a outra entidade -   G..., NIF..., pelo que se nos afigura que a requerente não tem legitimidadepara solicitar o reembolso em causa”.

                        Ou seja, entende que o fundo Requerente, representado pela sua sociedade gestora (substituído/contribuinte/beneficiário final dos rendimentos), não é parte legítima neste processo, pela razão de que foi a entidade registadora das acções que emitiu o Documento nº 5 em anexo ao PPA, e foi colocado no Modelo 30 do IR que recebeu esses rendimentos.

                        Em primeiro lugar, nota-se que a AT não juntou aos autos o teor do Modelo 30 do IR na parte relevante e documentável.

                        Por outro lado, foi considerado assente em D) da matéria de facto, que o G..., NIF ...é a entidade registadora das acções e na sua qualidade de substituto tributário perante a AT portuguesa, emitiu os documentos para o substituído tributário instruir este processo, como lhe competia. Por sua vez a entidade depositária das acções: a H..., veio clarificar quem era o substituído/contribuinte/beneficiário final dos rendimentos: A..., aqui Requerente.

                        A Requerida não contesta as aludidas qualidades das entidades depositária e registadora, nem alega que não agiram dentro das suas funções no circuito financeiro, no complexo universo dos mercados de capitais transnacionais.

                        Será de concluir que está demonstrada a legitimidade activa do fundo aqui requerente representado pela respectiva sociedade gestora (como beneficiário final do rendimento), como resulta do Documento nº 5 junto com o PPA, sobretudo das três laudas finais do mesmo.

                        Pelo descrito, não é possível, face à prova produzida, acolher a questão prévia suscitada de falta de legitimidade activa do Fundo Requerente.

 

4.2 –Inimpugnabilidade dos actos de retenção na fonte e incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral

 

Estas temáticas já foram dirimidas em vários processos que correram nos Tribunais constituídos no CAAD, em situações em tudo idênticas.

A Requerida refere que, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, então a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT).

 

Quanto à inimpugnabilidade dos actos de retenção na fonte

 

Adere este Tribunal ao que foi referido v.g. no processo CAAD P 445/2024-T, numa situação em tudo idêntica, onde se escreveu: “A argumentação acima louva-se numa jurisprudência antiga. A “equiparação”, para este efeito, de um pedido de revisão oficiosa à apresentação de um pedido de reclamação graciosa, propugnada pela doutrina e pela jurisprudência, é fácil de compreender se pensarmos na razão de ser das reclamações necessárias. 

Antes, recordaremos que a regra, hoje, é a da impugnabilidade imediata dos atos administrativos lesivos, ou seja, o caráter facultativo das reclamações e outras formas de recursos administrativos. 

A reclamação prevista no art. 132.º do CPPT obedece a uma razão lógica: seria totalmente incongruente a administração tributária surgir, sem mais, como requerida num processo, judicial ou arbitral, visando a anulação de um ato que não praticou (a autoria é do substituto total) mas a que a lei atribui os efeitos de um ato administrativo (apuramento do quantitativo de imposto exigível) tal qual tivesse sido por ela praticado. 

A necessidade da reclamação impõe-se como oportunidade de a administração, pela primeira vez se pronunciar. Dando razão ao particular, não haverá necessidade de o processo judicial ter lugar. Se a AT não der razão ao particular (o que deverá fundamentar) teremos então duas partes sufragando entendimentos diferentes, ou seja, um litígio que caberá ao tribunal dirimir. 

Ora é bom de ver que as razões que justificam a necessidade – repete-se excecional - de um recurso administrativo prévio à interposição do recurso judicial se encontram totalmente satisfeitas em caso de pedido de revisão oficiosa. Também aqui a administração, antes da intervenção do tribunal, é chamada a pronunciar-se sobre a legalidade de um ato que não praticou, mas cujos efeitos lhe são imputados. 

Daí a sua equiparação à reclamação necessária enquanto condição (pressuposto processual) do processo de impugnação”. 

Segundo o Supremo Tribunal Administrativo: «É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.» - Acórdão do STA, Proc. n.º 0407/15, de 04-05-2016, disponível em www.dgsi.pt.  

Ora, verifica-se que, tal como o refere o Requerente no artigo 42º da Resposta às excepções, estando em causa actos de retenção na fonte a título definitivo praticados pelo substituto tributário, em abril, maio e setembro de 2021, o prazo de três anos para a apresentação do respetivo pedido começa a correr a partir do último dia do ano em que ocorreram os atos tributários  –  i.e., 31 de dezembro de 2021, –, terminando, assim, a 31 de dezembro de 2024 , respetivamente, terceiro ano posterior àquele em que foram praticados os atos, pelo que o pressuposto legal da tempestividade do procedimento de revisão oficiosa se encontra devidamente preenchido.

O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23.12.2024, pelo que face ao elemento literal da norma do nº 4 do artigo 78º da LGT “... três anos posteriores ao do acto tributário ...” o pedido foi tempestivamente apresentado.

É de aplicar, pois, o que resulta do Acórdão do STA, Proc. 465/15, de 5 de abril de 2015, de harmonia com o que dispõem os n.ºs 3 e 4 do artigo 132.º do CPPT, pelo que o substituído que quiser impugnar a retenção de imposto na fonte a título definitivo dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa, raciocínio que deve ser aplicado aqui ao prazo da revisão oficiosa.

Improcede, pois, esta exceção.

 

Quanto à incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral

 

                        Sustenta a AT que: “... que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT. Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido artigo132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto. Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 de tal artigo”.

                        Também esta questão específica já foi dirimida em vários processos que correram nos Tribunais constituídos no CAAD. Aderimos ao que foi decidido v.g. no Processo CAAD 1343/2024-T: “(...) o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, entendimento reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas. 

É verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à “reclamação graciosa”, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. (...) 

Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência portuguesas veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária. 

Como referido por Carla Castelo Trindade, “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. 

Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP. E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.” 

Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais. 

Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se neste sentido às decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 245/2013T e 678/2021T. 

De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação (...)”.

                        Por outro lado, a competência dos Tribunais Arbitrais abrange todas as situações a indeferimento de revisões de autoliquidações à qual não foi apresentada reclamação graciosa, como ressalta v.g. da jurisprudência citada no artigo 49º da Resposta às excepções apresentada pelo Requerente, nomeadamente os acórdãos do TCAS  de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB), de 27.04.2017 (Processo: 08599/15) e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13).

                        Improcede, pois, a excepção invocada.

 

4.3 – Questão de fundo

 

O caso sub judice visa, essencialmente, apreciar a compatibilidade com o princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrado no artigo 63.º do TFUE, do regime especial de tributação aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, determinando a exclusão desse regime jurídico dos OICs que operem em Portugal e que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de Estado terceiro.  

No centro da questão a apreciar situa-se o artigo 22.º do EBF. O n.º 1 dessa norma dispõe que “são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, excluindo, portanto, do âmbito do regime aí previsto os OIC como o Requerente, que não foram constituídos de acordo com a legislação nacional.  

O art. 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável do que o regime geral de tributação em IRC, visto que, nos termos do seu n.º 3, não considera os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS (juros, dividendos, rendas, mais-valias) para efeitos do apuramento do lucro tributável – excepto quando esses rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças –, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do CIRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1, e a isenção de derramas, estadual e municipal. 

O n.° 10 do mesmo artigo dispensa as empresas que distribuem dividendos aos OIC da obrigação de reter e de entregar esse imposto à Fazenda Pública. 

Importa saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos, por sociedades residentes em Portugal, a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia (no caso, a França) – ao mesmo tempo que se isenta de tributação a distribuição de dividendos a OIC residentes em Portugal e se sujeita os mesmos a tributação trimestral em IS, pela verba 29 da TGIS, e à eventual aplicação da tributação autónoma, designadamente a prevista no artigo 88º, 11 do CIRC – é conforme, ou não, com o art. 63º do TFUE. 

Trata-se, em suma, de aferir da conformidade com este artigo, à data dos factos relevantes, das pertinentes normas do CIRC e do EBF respeitantes ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo Requerente.

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão 

AllianzGI-Fonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), datado de 17-032022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que:  

 

 

“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”. 

 

Diversos Tribunais Arbitrais constituídos no CAAD reiteraram a referida jurisprudência do TJUE. 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral no âmbito do proc. n.º 66/2024). 

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”

Assim, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime de isenção nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados. 

 

 

Voltando ao caso sub judice, a legislação portuguesa, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado e ao mesmo tempo permitir que os OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiem, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação do artigo   63.º do TFUE.

 

Decidindo um recurso por oposição entre acórdãos arbitrais, o STA, em Acórdão de 28 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB (publicado em 26 de Fevereiro de 2024), uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: 

Conclusões: 

1 — Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação; 

2 — O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção; 

3 — A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.” 

 

Acolhendo expressamente, pois, a orientação adoptada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação.

E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega. 

Conduzindo à conclusão de que os actos de retenção na fonte objecto dos presentes autos, bem como a decisão de indeferimento presumido da revisão oficiosa que se lhes reportou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no art. 163.º, 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do art. 2.º, c), da LGT e do art. 29º, 1, d) do RJAT.

Consequentemente, tem de se concluir que os actos de retenção na fonte, bem como o presumido indeferimento da revisão oficiosa que os manteve, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                       

4.3.2 – Quanto ao referido nos artigos 76º, 102º e no ponto 8 das conclusões da Resposta da AT. 

A questão da neutralização do tratamento discriminatório de dividendos no Estado da fonte (in casu, Portugal), através da atribuição de um crédito de imposto no Estado da residência do sujeito passivo que aufere os dividendos (in casu, França), levanta-se quando as partes discutem se as retenções na fonte relativas aos dividendos de fonte portuguesa percecionados pelo Requerente deu lugar a um crédito de imposto, parcial ou total, no Estado de respetiva residência (França).

Não é o caso.

Não se vislumbra que o Requerente tenha alegado como se refere no artigo 102º da Resposta ao PPA, essa temática.

Nestes termos, não se toma conhecimento da matéria por não estar comportada no objecto do litígio (nº 1 do artigo 3º do CPC).

                       4.3.3 – Injustiça grave ou notória

            No caso está invocada “injustiça grave ou notória” como fundamento da revisão oficiosa ao abrigo dos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT.

            No caso, não se vislumbra que possa ser imputado ao Requerente, enquanto substituído tributário, um comportamento negligente, pois que, o facto de não ter reagido, com reclamação graciosa ou impugnação judicial, atempadamente, à liquidação impugnada (retenção na fonte), não é suficiente para impedir a sua revisão, até porque o substituto tributário, conhecedor da lei em vigor, que não estabelece qualquer dispositivo legal que lhe permitisse deixar de efectuar as retenções na fonte, agiu em conformidade com a mesma e face ao entendimento sobre a matéria da AT.

            Por outro lado, face às múltiplas decisões adoptadas v.g. no CAAD sobre o tema de fundo, seria notória injustiça que o Requerente tivesse que suportar uma tributação em violação de regras de direito comunitário, com cabimento no artigo 8º da CRP, pois é patente que colocaria numa situação de ostensiva desigualdade os seus participantes, perante outros investimentos idênticos. Para além disso, estaríamos perante uma grave injustiça, violadora do princípio da igualdade material (face aos demais concorrentes de mercado nas mesmas circunstâncias, com repercussão nos participantes do Fundo Investimento), com lesão injustificável dos interesses patrimoniais dos participantes do OIC aqui em causa, que confiou no investimento feito em empresas com sede em Portugal, sem qualquer discriminação em função do Fundo (enquanto instrumento de investimento colectivo) ser ou não residente em território português.

 

            5. Restituição das importâncias indevidamente retidas e juros indemnizatórios 

 

O Requerente pede ainda o reembolso das importâncias indevidamente retidas e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios. 

Nos termos da al. b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Isto está, pois, em perfeita sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. 

 

 

 Ademais, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia tem como consequência não só direito ao reembolso do imposto pago, mas também o direito ao pagamento de juros (vide, o Acórdão Mariana Irimie, Proc. C-565/11):  

 

“21. Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65). 

 

22.              Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66). 

23.              A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida)”.  

 

 

 

É certo, porém, que, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos. No caso Português o direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:  

 

“Artigo 43.º 

 Pagamento indevido da prestação tributária 

1.              São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

2.              Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 

3.              São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: 

a)    Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;  

b)    Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; 

c)    Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. 

d)    Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 

4.              A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 

5.              No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”. 

 

É verdade que, in casu, estamos perante actos de retenção na fonte e, como tal, não praticados directamente pela AT. No entanto, tal facto, de modo algum, afasta a imputabilidade do erro à AT, isto porque, conforme entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão proferido no Proc. n.º 93/21.7BALSB de 29-06-2022): 

“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da LGT “. 

 

 

            O supra referido Acórdão do STA é bastante claro ao concluir que, para efeitos da fixação do termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios deve considerar-se a data em que a reclamação graciosa se considera tacitamente indeferida: 

 

“De acordo com o probatório da decisão arbitral recorrida, no que diz respeito aos actos tributários que foram objecto de reclamação graciosa (cfr. actos de liquidação de imposto de selo emitidos nos períodos de Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018 - al. J) da matéria de facto supra exarada), foi tal reclamação deduzida em 20 de Março de 2019, mais sendo objecto de indeferimento expresso em 6 de Setembro de 2019 (cfr.al. K) da matéria de facto supra exarada). 

Neste segmento da instância recursiva, deve chamar-se à colação a doutrina defendida pelo acórdão fundamento, oriundo do Tribunal Central Administrativo Sul, a qual já foi sufragada por diversos acórdãos deste Tribunal e Secção (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/01/2017, rec.890/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec. 360/11.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.3009/12.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.1098/16.5BELRS), e que nos diz: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T. 

Mais se deve recordar que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C. Civil (cfr. artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.).

Revertendo ao caso dos autos, tendo sido deduzida, a reclamação graciosa, em 20 de Março de 2019, operou o indeferimento tácito da mesma em 22 de Julho de 2019, uma segunda-feira (cfr. artº.279, als. b), c) e e), do C.Civil). 

 

 

Portanto, a mencionada data de 22 de Julho de 2019 deve ter-se como "dies a quo" do cômputo dos juros indemnizatórios no caso concreto, em consequência do que, também nesta parcela, deve ser revogada a decisão arbitral que fixou o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto”. 

 

          Tratando-se de jurisprudência uniformizada, a mesma deve, pois, ser acatada. 

            No caso em apreço, trata-se de uma revisão oficiosa que foi apresentada em 23/12/2024 (vide, al. E) da matéria de facto supra exarada), pelo que há que atender ao nº 3 alínea d) do artigo 43º da LGT que refere que são também devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

            Assim, face à jurisprudência uniformizada do STA que se invoca, é de concluir que o Requerente só teria direito a juros indemnizatórios a contar de 24.12.2025 (inclusive). 

 

6 - Decisão

 

Nos termos expostos, decide este Tribunal Arbitral em: 

a)     Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de IRC, através de actos de retenção na fonte, no valor total de € 27 607,06, bem como a decisão de indeferimento presumido da revisão oficiosa contra eles deduzida; 

b)    Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 27 607,06, e condenar a Administração Tributária a reembolsar este montante ao Requerente; 

c)     Declarar que apenas são devidos juros indemnizatórios ao Requerente, no caso, a contar de 24.12.2025. 

7. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 27 607,06, indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

 

  

8. Custas 

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 Notifique-se. 

 

Lisboa, 06/11/2025. 

 

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira