SUMÁRIO:
1. A CESE tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um património autónomo para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético, o Fundo Ambiental, criado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2016.
2. Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de atos de autoliquidação da CESE referentes ao exercício de 2022.
3. Tendo a CESE natureza de contribuição financeira, não têm os Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD competência material para conhecer do mérito do pedido, por tal não estar previsto na portaria nº 112-A/2011, de 22 de março".
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Juiz José Poças Falcão, Maria Alexandra Mesquita e Sónia Fernandes Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1.A..., S.A., contribuinte fiscal n.0..., com domicilio fiscal no ..., ..., ..., ...-... ..., a ora Requerente, tendo apresentado reclamação graciosa contra a (auto) liquidação da "contribuição" sabre o setor energético ("CESE") -, vem, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.0 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 1º., n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na sua atual redação "RJAT" - Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria -, e 102.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo com vista a pronúncia de decisão arbitral de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e, em consequência, da autoliquidação da CESE no ano de 2022 € 242.811,70.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira AT
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo apresentado pela Requerente em 26 de março de 2025, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida, que foi do mesmo notificada em 26 de julho de 2025.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 16 de maio de 2025, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 3 de junho de 2025.
6. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 3 de junho de 2025, sendo que no dia imediatamente seguinte foi a Requerida AT notificada para apresentar a sua Resposta.
II DA REQUERENTE
No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese:
_ A Requerente, na sequência de notificação através de Ofício nº ...-DJT/2024, datado de 23/12/2024, da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação da CESE referente ao ano de 2022, recebida a 24.12.2024, pretende a pronúncia do presente Tribunal arbitral coletivo com vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e, em consequência requer:
(I) A anulação da liquidação da CESE n.º ... no valor de € 242.811,70;
(II) Ao reembolso da quantia indevidamente paga a título de CESE;
(III) Ao reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios calculados a taxa legal em vigor sobre a quantia indevidamente paga a título de CESE.
_ Que no Pedido de Pronúncia Arbitral, PPA, a Requerente defende-se, em síntese, fundamentando que a CESE é inconstitucional, na medida em que viola diversos princípios constitucionalmente consagrados, designadamente os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação do lucro real, da equivalência, da confiança e da proporcionalidade, atenta a sua qualidade de importador a partir do Terminal de Graneis líquidos sob a tutela da Alfândega de Aveiro, Requerida AT, como a seguir veremos:
_ Atenta a atividade operacional da Requerente, esta encontra-se obrigada a (auto) liquidar CESE, de acordo com o artigo 2.º e 7.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro e respetivas alterações.
_ Que não obstante considerar tal imposto inconstitucional, a 26 de outubro de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação deste imposto através da apresentação da Declaração Modelo 27, referente ao exercício de 2022, no montante de € 242.811,70.
_ Que no entanto, por entender que a autoliquidação da CESE padece de inconstitucionalidade suscetível de determinar a sua anulabilidade, a Requerente apresentou, no dia 25 de outubro de 2024, reclamação graciosa contra tal autoliquidação junto da Requerida AT.
_ Que a 3 de dezembro de 2024, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de a Autoridade Tributária, onde esta defende que os argumentos constitucionais invocados pela Requerente no que se referiu à CESE não estavam sob a sua alçada, pois não lhe foi reconhecido o direito de fiscalização prévia, cabendo-lhe antes e tão somente observar o princípio geral da legalidade.
_ Que em sede da sua audição prévia do contribuinte defendeu a ora Requerente que o projetado indeferimento deveria ser reavaliado à luz dos princípios da legalidade e da justiça tributária, sendo inaceitável que a Autoridade Tributária ignorasse a violação da Lei Fundamental associada à liquidação em questão, privilegiando uma interpretação excessivamente formalista do princípio da legalidade uma vez que tal princípio comporta a sua constitucionalidade. Tendo a AT feito tabua rasa de quanto se esgrimiu naquela audiência prévia, proferindo decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.
_ Que conforme já teve oportunidade de se pronunciar o Supremo Tribunal Administrativo, "há um reconhecimento no direito tributário do dever de revogar actos ilegais, que decorre os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade, princípios estes que impõem que seja oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.
_ Que relativamente à competência material do Tribunal Arbitral, refere que ao ato de primeiro grau (i.e. a autoliquidação da CESE que ora se contesta), também não restam dúvidas de que nos encontramos perante uma liquidação de um"(...) tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos", "o tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio" - cf. neste sentido Decisão Arbitral proferida no processo n.º 312/2015-T de 7 de janeiro de 2016 e Decisão Arbitral proferida no processo n.0 305/2020-T, de 15 de fevereiro de 2021.
_ Que nas palavras da Juíza Dulce Neto sobre a inconstitucionalidade da CESE refere:
"A Autoridade Tributária (AT) ainda demonstra "um notável grau de relutância em adotar" as 'Jurisprudências qualificadas" dos supremos tribunais, "fazendo escusadamente adiar o trânsito em julgado de muitas decisões com consequências devastadoras a nível de congestão e morosidade das decisões, o que tanto onera contribuintes e empresas'', mas também o "erário público".( ... ) Dulce Neto salientou que "a jurisprudência mais qualificada" deve ser seguida "por todos os que interpretam a lei, desde juízes, árbitros ou decisores administrativos". Para Dulce Neto, "é fundamental que Administração Tributária seja ágil e célere na adequação da sua atuação à jurisprudência pacífica e reiterada dos tribunais superiores e que faça um maior esforço no sentido de conciliar a sua liberdade na interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os cidadãos e empresas".
Citando o professor Alberto dos Reis, prossegue: "Que adianta a lei ser igual para todos se for aplicada de modo diferente a casos análogos? Antes a jurisprudência errada, mas uniforme, do que a jurisprudência incerta. Diante de jurisprudência uniforme cada um sabe com o que pode contar; perante jurisprudência incerta, ninguém está seguro do seu direito».
E cita os acórdãos do Tribunal Constitucional, designadamente, nos Acórdãos do proferidos nos processos n.ºs 11/2023, 196/2024, 338/2024, 443/2024 e 166/2023.
Que o texto constitucional prevê um poder administrativo de fiscalização da constitucionalidade das normas, e essa competência representa um requisito indispensável para o exerccio da atividade administrativa.
E adianta:
_ A partir de 2019, porém, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário. Isto é, do exercício de 2019 em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando-se a decidir no sentido da inconstitucionalidade da CESE (cfr. os acórdãos do TC n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024). Havendo, denote-se, uma reiteração desse juízo de inconstitucionalidade da CESE (...) tal como foi evidenciado pelos acórdãos: 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 445/2024, 517/2024, 553/2024 e o 930/2024. Esta nova linha jurisprudencial, tem na sua base o acórdão n.º 101/2023 do TC que, sem prejuízo de não ter sido acolhida pelo TC logo no contexto do exercício do ano 2018 (afastada pelos acórdãos n.0 338/2023 e 720/2023), passou, todavia, a dominar a partir do momento em que começam a estar em causa o exercício de 2019 ou seguintes. Linha essa que foi sintetizada, com mestria, pelo acórdão 197/2024, ao dizer: «a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.0101/2023 assenta na ideia de que"[ ...] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva». Tendo sido, portanto, sobretudo como decorrência desse posicionamento que no acórdão 10112023 do TC se decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.0 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual)»: - Posicionamento seguido e replicado nos vários arestas acima referidos, no contexto de vários exercícios subsequentes a 2018."
_ No entanto, com o passar do tempo e a evolução do regime demonstraram que a CESE é tudo menos um tributo temporário, apesar de ter emergido como um tributo extraordinário, fruto de um período também ele extraordinário de arrecadação da receita fiscal. E continua a Requerente,
_ Que se observa assim que, não só a vigência da CESE tem sido continuamente prorrogada, transformando-se num imposto anual, com o objetivo de reduzir os custos associados à dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) como, além disso, o seu campo de aplicação, tem vindo a ser ampliado.
_ Que em 2022, este tributo sui generis completou o seu nono ano de vigência desde a sua introdução no ordenamento jurídico português.
_ Que sendo tal inconstitucionalidade incontestável, a jurisprudência tem vindo a afirmar que, enquanto a AT se encontra vinculada ao princípio da legalidade estrita, os tribunais, incluindo os arbitrais, têm competência para sindicar a compatibilidade das normas internas com o Direito da União e a Constituição da República Portuguesa.
_ Que em abono da tese no PPA densificada: «o regime da CESE vem sofrendo sucessivas alterações, podendo destacar-se três configurações distintas desta contribuição:
A primeira correspondente à versão original do regime, nos termos da LOE para 2014 (cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2015, sofrendo ajustes pontuais às isenções, através da LOE/2015);
A segunda com as alterações efetuadas ao regime pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril e pela LOE/2017 (alargamento aos contratos de aprovisionamento de longo prazo de regime take-or-pay, no segmento do gás natural);
E ainda uma terceira, resultado das alterações introduzidas ao regime por intermédio da LOE para 2019, com a introdução de uma restrição à isenção até então aplicada ao setor das energias renováveis, passando a generalidade das entidades do setor a suportar o encargo do tributo em causa».
_ Que é evidente que o contexto histórico que deu origem à CESE difere substancialmente daquele que se vivia em 2022, uma vez que as circunstâncias que inicialmente justificaram a manutenção da CESE já foram amplamente superadas.
_ Que de um ponto de vista pragmático, a CESE torna-se uma verdadeira imposição para o espectro dos sujeitos passivos que caem no seu âmbito de incidência subjetiva, dada a proibição da sua repercussão (cf. artigo 5.º do regime jurídico da CESE).
_ Que a imposição dessa proibição resulta na impossibilidade de os contribuintes repercutirem o custo desse tributo para os consumidores finais, o que gera uma responsabilidade financeira direta para as empresas que estão sob a sua incidência.
_Que entre os responsáveis pelo pagamento da CESE encontram-se os operadores das atividades de transporte ou distribuição de eletricidade, os detentores dos centros de produção de eletricidade licenciados pelo Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, os quais tenham obtido a autorização para iniciar operações, assim como os operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento de derivados de petróleo, conforme disposto no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, entre outros.
_ Que quanto à avaliação desses ativos, há algumas particularidades que devem ser consideradas, as quais estão claramente estabelecidas no artigo 3.º do regime jurídico da CESE, que define como "valor dos elementos do ativo" os ativos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos, com referência ao dia 1 de janeiro, de acordo com o artigo 3.º, n.º 5. do regime da CESE.
_ Que a receita gerada pela CESE é destinada ao FSSE, conforme estipulado no artigo 11.º, n.º 1, do regime jurídico da CESE, com o objetivo declarado de criar mecanismos que assegurem a sustentabilidade do setor energético.
_ Que o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014 delineava claramente os objetivos do Fundo, com uma forte ênfase no financiamento de políticas de eficiência energética e na redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional.
_ Que a alteração no destino da receita da CESE, ocorrida em 2018, teve efeitos imediatos, como evidenciado pelo Tribunal de Contas, que destacou um aumento considerável de "(131 M€) nas transferências do FSSSE destinadas, na totalidade, à REN- Rede Elétrica Nacional, S.A., para redução da dívida tarifária do SEN, com a receita obtida da contribuição extraordinária sobre o setor energético."
_ Que em suma o percurso feito pelo legislador resultou num perpetuar de um tributo extraordinário, alargando a sua base de incidência de forma paulatina e modificando a distribuição da receita conforme as necessidades do Estado.
No que toca natureza jurídica da CESE a Requerente adianta, e transcrevemos:
_Que, com efeito, o pressuposto legal que dá origem à obrigação de imposto é constituído apenas por uma conduta do sujeito passivo - seja a perceção de determinados rendimentos, o consumo de determinados bens ou a titularidade e aquisição de património - não sendo necessária qualquer atividade por parte da administração para que a obrigação tributária nasça e se torne exigível.
Que neste sentido e referindo-se à questão que este tribunal tem em avaliação, continua:
_ Ensina FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES que, "de um ponto de vista conceptual, está em causa uma prestação pecuniária, tendencialmente coativa e de carácter unilateral, exigida com um propósito genérico e de angariação de receita".
A doutrina enaltece enquanto característica do imposto a existência de "uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coativa (...) exigida a (ou devida por) detentores (individuais ou coletivos) de capacidade contributiva a favor de entidades que exercem funções ou tarefas públicas.
_ Que de modo similar, diz-nos SÉRGIO VASQUES que, "o imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida por uma entidade pública com o propósito de angariação de receita".
_ Que a propósito da distinção entre imposto e taxa, o Tribunal Constitucional salienta que: "[...) o imposto consiste numa contribuição imposta pelo poder público a todos ou a uma certa categoria de pessoas, destinada a financiar o Estado e as funções públicas em geral. Trata-se de uma prestação pecuniária unilateral, uma vez que não tem como contrapartida uma qualquer contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado, mas apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais."
_ Que a doutrina jurisprudencial do Tribunal Constitucional assente na doutrina dos autores citados tem vindo a prevalecer a partir de 2019, data em que houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário.
- Que refere a Requerente a partir do exercício de 2019 em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando-se a decidir no sentido da inconstitucionalidade da CESE (cfr. os acórdãos do TC n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024). Havendo, denote-se, uma reiteração desse juízo de inconstitucionalidade da CESE (...) tal como foi evidenciado pelos acórdãos: 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 44512024, 51712024, 553/2024 e o 930/2024.
_ Esta nova linha jurisprudencial, tem na sua base o acórdão n.º 101/2023 do TC que, sem prejuízo de não ter sido acolhida pelo TC logo no contexto do exercício do ano 2018 (afastada pelos acórdãos n.º 338/2023 e 720/2023), passou, todavia, a dominar a partir do momento em que começam a estar em causa o exercício de 2019 ou seguintes.
Linha essa que foi sintetizada, pelo acórdão 197/2024, ao dizer: «a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.0101/2023 assenta na ideia de que"[ ...] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva».
- Que da clausula 97 à 308 deste PPA, a Requerente continua a refletir sobre um quadro jurídico extenso, citando variada jurisprudência do TC no sentido da inconstitucionalidade normativa do artigo 2.º do decreto-lei da CESE aqui em causa e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos e que desta Decisão fazem parte integrante.
7. Em 9 de julho de 2025, após notificação à Requerida para apresentação de Resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou, na mesma data, o respetivo Processo Administrativo, PA, invocando em síntese:
III. DA REQUERIDA AT
_ Que, em 25.10.2024, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o respetivo ato de autoliquidação, solicitando a sua anulação e o consequente reembolso dos montantes pagos ao Estado, os quais mereceram despacho de indeferimento (despacho de 23.12.2024, do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, o qual determinou o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, autuada com o n.º ...2024... .
_ Que atenta a atividade exercida, a mesma integra o sector energético nacional, pelo que é considerada sujeito passivo e não isento da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), nos termos do preceituado no art.º 2.º do Regime Jurídico da Contribuição Especial Sobre o Sector Energético (RJCESE)..
_ Em virtude do mencionado regime, a Requerente, autoliquidou, em 26.10.2020, a CESE relativa a esse mesmo ano, tendo apurado (e pago) um montante de € 242.811,70, para tanto, sustentam o seu petitório nos seguintes vetores:
_ Da competência material do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido de pronúncia arbitral referentes;
· a legalidade de ato de autoliquidação precedido de reclamação graciosa;
· a legalidade de ato de autoliquidação de CESE;
· a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa sub judice; e ainda, à
· Inconstitucionalidade do regime da CESE por violação dos princípios constitucionais (i) da igualdade tributária; (ii) da capacidade contributiva; (iii) do lucro real; (iv) da confiança (v) da proporcionalidade.
_ Que com efeito, num esforço jurídico-interpretativo, que salvo melhor opinião se mostra totalmente infrutífero para o recorte jurídico da CESE, a Requerente baseando-se na evolução normativa, isto é, nas alterações legislativas relacionadas com o sistema de financiamento da CESE, mormente a operada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, conclui pela existência de uma alteração da qualificação jurídica da CESE.
_ Pelo que, a final, em decorrência da argumentação por si desenvolvida, peticiona o tribunal arbitral a:
i) anular a (auto) liquidação contestada com base em todos os vícios acima elencados, com as devidas consequências legais, e;
ii) reconhecer à Requerente o direito a ·juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 100.º da LGT.
DA DEFESA POR EXCEÇÂO
I - Da Incompetência Material
II- Da Qualificação Jurídica Tributária da CESE.
I - Principia a Requerida AT pela desconsideração da CESE como imposto, referindo:
A (in)competência material deste Tribunal para conhecer do objeto dos presentes autos deve ser analisada numa dupla vertente:
(i) Da natureza jurídico-tributária da CESE e
(ii) Da definição legal e regulamentar da competência dos tribunais arbitrais do CAAD.
_ (i) Que a natureza jurídico-tributária da CESE é a pedra de toque para a análise das várias questões colocadas nestes autos, designadamente para aferir da competência deste tribunal arbitral
_ Que relativamente a este ponto, é de louvar a tentativa e esforço, diga–se vãos, da Requerente de catalogação da qualificação jurídica da CESE como imposto, para concluir pela competência material do presente tribunal.
_ Que, num esforço jurídico-interpretativo, que salvo melhor opinião se mostra totalmente infrutífero para o recorte jurídico da CESE, a Requerente baseando-se na evolução normativa, isto é, nas alterações legislativas relacionadas com o sistema de financiamento da CESE, mormente a operada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, conclui pela existência de uma alteração da qualificação jurídica da CESE.
_ Que argumentando (citando a requerente), se ab initio a CESE se podia pré-configurar como uma contribuição, a mesma, fruto da evolução legislativa verificada, à data da autoliquidação aqui em crise, configurava um verdadeiro imposto, seguindo, por isso, a doutrina constitucional dos impostos.
_ Que a CESE, foi (e continua a ser) uniformemente qualificada juridicamente como contribuição financeira, não tendo a evolução normativa verificada a virtualidade de alterar a sua qualificação jurídica, mesmo que a Requerente não concorde, ou não lhe seja conveniente concordar com uma qualificação jurídica já firmada no ordenamento jurídico-tributário.
_ E note-se que estamos a falar de decisões respeitantes à CESE de anos posteriores à alteração legislativa que a Requerente considera como determinante para a alteração da qualificação jurídica da CESE, ou seja, após a entrada em vigor da do Decreto-Lei n.º 109A/2018, de 7 de dezembro, isto é, a CESES a partir do ano de 2018, inclusive, e seguintes.
_ Que sem preocupações de exaustividade, até porque, é neste momento vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, enumeram-se os seguintes arestos que, tal como nós, consideram que a CESE assume a natureza de contribuição financeira: • Acórdão n.º 296/2023, de 25-05-2023, apreciou CESE de 2018 • Acórdão n.º 338/2023, de 06-06-2023, apreciou CESE de 2018 • Acórdão n.º 324/2024, de 17-04-2024, apreciou CESE de 2018 • Acórdão n.º 63/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2019 • Acórdão n.º 65/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2020 • Acórdão n.º 68/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2020 • Acórdão n.º 164/2025, de 20-02-2025, apreciou CESE de 2020 Acórdão 253/2025, de 20-03-2025, apreciou CESE de 2019 • Acórdão 333/2025, de 30-04-2025, apreciou CESE de 2020 • Acórdão 425/2025, de 15-05-2025, apreciou CESE de 2020 • Acórdão 464/2025, de 29-05-2025, apreciou CESE de 2019.
_ Que em todos aqueles arestos é analisada a evolução do quadro legal da CESE, inclusive das relacionadas com o seu financiamento, tendo os doutos Conselheiros para o que aqui importa tendo concluído que:
• A CESE mantém os critérios para ser considerada contribuição financeira (não imposto ou taxa);
• A afetação ao FSSSE e as modificações legislativas mantêm a relação de benefício difuso entre os sujeitos passivos e o Fundo. E a seguir,
_ (ii) Que a qualificação da CESE como contribuição financeira assenta, portanto, na relação funcional entre obrigados tributários (operadores do setor energético) e a finalidade a que a contribuição está adstrita, o financiamento de um Fundo, o FSSSE, dedicado à implementação de políticas do setor energético de cariz social e ambiental que promovam a sua eficiência e estabilidade (artigo 2.º, corpo do texto, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril).
_ Que, sobre a possibilidade de esta estrutura tributária ter ficado comprometida pelas alterações ao regime jurídico do FSSSE (Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, RJFSSSE) introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, será de recuperar as considerações tecidas pelo Acórdão do TC n.º 296/2023 (reiteradas nos Acórdãos n.ºs 372/2023, 324/2024 e 325/2024), de que se conclui que a modificação do quadro legislativo do RJFSSSE não impactou na CESE de modo a comprometer a doutrina do Acórdão do TC n.º 7 /2019 sobre a qualificação do tributo como contribuição financeira, também com relação ao leque de sujeitos abrangidos pela incidência e aqui se incluindo empresas do setor eletroprodutor. No aresto se fez ver que:
_ Que os limites a despesa estabelecidos pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, já na sua redação primitiva, não eram uma componente do regime jurídico da CESE que a caracterizasse do ponto de vista dogmático, mas uma norma de organização financeira do FSSSE, vinculando-o a um capeamento na realização de despesa com base em qualquer uma das suas receitas: alterações desta disciplina financeira, pois, não são aptas a impactar na qualificação da CESE como contribuição. E continua,
Sem preocupações de exaustividade, até porque, é neste momento vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, enumeram-se os seguintes arestos que, tal como nós, consideram que a CESE assume a natureza de contribuição financeira:
• Acórdão n.º 296/2023, de 25-05-2023, apreciou CESE de 2018
• Acórdão n.º 338/2023, de 06-06-2023, apreciou CESE de 2018
• Acórdão n.º 324/2024, de 17-04-2024, apreciou CESE de 2018
• Acórdão n.º 63/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2019
• Acórdão n.º 65/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2020
• Acórdão n.º 68/2025, de 23-01-2025, apreciou CESE de 2020
• Acórdão n.º 164/2025, de 20-02-2025, apreciou CESE de 2020
• Acórdão 253/2025, de 20-03-2025, apreciou CESE de 2019
• Acórdão 333/2025, de 30-04-2025, apreciou CESE de 2020
• Acórdão 425/2025, de 15-05-2025, apreciou CESE de 2020
• Acórdão 464/2025, de 29-05-2025, apreciou CESE de 2019
_ Que em todos aqueles arestos é analisada a evolução do quadro legal da CESE, inclusive das relacionadas com o seu financiamento, tendo os doutos Conselheiros para o que aqui importa tendo concluído que:
• A CESE mantém os critérios para ser considerada contribuição financeira (não imposto ou taxa);
• A afetação ao FSSSE e as modificações legislativas mantêm a relação de benefício difuso entre os sujeitos passivos e Fundo;
_ Que sobre esta matéria da exceção de Incompetência do Tribunal arbitral continuou a defender no seguintes articulados 29.º a 49.º, concluindo que, em face do exposto, temos, pois, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo de uma forma sistemática a qualificar a CESE como uma contribuição financeira e deve ser dessa forma que este tribunal arbitral deverá apreciar a mesma, quer em termos de competência material do tribunal arbitral (sendo certo que esta é uma questão que, por maioria de razão, precede todas as demais), quer, eventualmente, na apreciação do mérito da questão, se a ele houver lugar, o que não se concede.
_ Que chamado a plenário para dirimir a oposição material entre precedentes prudenciais (artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC), o Tribunal Constitucional adotou o segundo sentido decisório (Acórdãos do TC n.ºs 324/2024 e 325/2024), incorporando como fundamentos o exposto no Acórdão do TC n.º 296/2023 e rejeitando a censura constitucional aventada pelo Acórdão do TC n.º 101/2023.
_ Os arestos não explicam, porém, que especiais atributos seriam partilhados por estas duas categorias de agentes (gás natural e fontes renováveis) que os distanciassem do grupo homogéneo de agentes económicos subjacente à CESE postulado pelo Acórdão do TC n.º 7 /2019 e que nenhuma decisão jurisprudencial, até ao momento, desmentiu.
_ Que se levarmos em conta que o Acórdão do TC n.º 196/2024 igualmente estendeu a empresas do subsetor de produtos petrolíferos a doutrina do Acórdão do TC n.º 101/2023 por via remissiva, concluindo pelo mesmo juízo de inconstitucionalidade, temos que, pese embora permaneça desconhecida a ordem de fundamentos que subjaz à sucessiva distensão do entendimento, praticamente todo o setor energético estaria subtraído da incidência da CESE, levando a afirmar que o coletivo homogéneo de operadores caracterizado pelo Acórdão do TC n.º 7 /2019 como obrigado pela CESE pela fórmula característica das contribuições, afinal,
(ii) Da Definição Legal e Regulamentar do CAAD.
_ Que refere a Requerida AT que no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (art.º. 2.º e 4.º) e da Portaria de Vinculação (art.º 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT e, sendo a espécie tributária da CESE qualificada como contribuição financeira (e não um imposto), não se encontra verificada a afirmação vertida pela Requerente acerca da competência material deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio.
_ Que a este respeito Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade em artigo publicado nos Cadernos de Justiça Tributária (abril/junho 2013) – “O âmbito material da arbitragem tributária” – pág. 19, dizem-nos o seguinte – sobre «As limitações introduzidas pela Portaria de Vinculação” (…) Em face desta redação (…) podemos assacar:
_ Que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas a impostos, não sendo, portanto, susceptíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária as questões relativas a taxas e contribuições».
_ Pelo que: «A Administração Tributária vincula-se unicamente a litígios que se prendam com impostos deixando portanto de fora as questões relacionadas com taxas e com contribuições» (pp. 25 – op. cit.).
_ Que a posição igualmente partilhada por Conceição Gamito e Teresa Teixeira da Motta no artigo publicado na Revista Arbitragem Tributária n.º 2 (Janeiro 2015), sob o título “A Arbitrabilidade das taxas”( pp. 18 e ss), onde numa ampla análise ao regime da arbitragem tributária e à subsunção das taxas e contribuições à mesma são redundantes ao afirmar que «(…) não obstante a ampla designação como arbitragem tributária e a constante referência a tributos no que aos atos arbitráveis respeita, as taxas e contribuições encontrar-se-ão, prima facie, excluídas do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais»
_Que é pois, evidente o consenso doutrinal existente quanto à incompetência material do CAAD no que à apreciação de contribuições se refere.
_ Que o Processo nº 585/2020-T (CESE 2019), cujo sumário aqui se transcreve:
_ Que a Portaria de Vinculação, tendo por função permitir a exequibilidade do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que no seu artigo 4.º se declarou não auto-exequível, configura um regulamento de execução, não proibido pelo n.º 5 do artigo 112.º, da Constituição da República Portuguesa. Assim sendo, as pretensões tributárias sobre as quais os tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD se podem pronunciar têm de ser “relativas a impostos”, como estabelecido no seu artigo 2.º da citada Portaria.
_ Que a CESE, não obstante as diversas alterações legislativas sofridas pelo regime instituído pelo artigo 228.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, designadamente as resultantes da Lei n.º 71/2018, de 31)de dezembro (LEOE), continua a revestir caraterísticas de tributo bilateral, uma vez que as mesmas não são de molde a alterar a sua a qualificação como contribuição financeira.
_ Que em face da factualidade exarada, constata-se, de forma manifesta, a incompetência material da presente instância arbitral tribunal para conhecer dos presentes autos.
_ Que em face ao exposto, nos termos conjugados dos artigos 4.º n.º 1 do RJAT e o artigo 2.º da Portaria de Vinculação, o tribunal será materialmente incompetente para apreciar o mérito da presente causa, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância.
DA DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
(i) Da Vinculação da AT ao Princípio da Legalidade
_ Que antes de mais, dá-se por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, toda a argumentação patente na decisão sub judice ( reclamação graciosa) e nas informações a ela subjacentes, as quais se escusam aqui de reproduzir por mera economia processual ( Processo Administrativo).
_ Que nos presentes autos, importa realçar, como resulta do peticionado, que está em causa o propósito de desaplicação do regime da CESE pela sua alegada ilegalidade/inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos ou a sua não aplicação face da condição subjetiva da Impugnante.
_ Que, determina o n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, encontrando-se tal princípio concretizado no n.º 1 do art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que estabelece que: «[o]s órgãos da Administração pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».
_ Que conforme referem Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Maria da Glória Dias Garcia, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva: «O princípio da legalidade deixa assim de ter uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa (…)» - vide Código do Procedimento Administrativo Anotado, 5.ª edição, 2005, pág. 40.
_ Que a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos art.º 266º n.º 2 da CRP, 3º n.º 1 do CPA e 55º da Lei Geral Tributária (LGT).
_ Que daqui resulta que, não caberá à AT questionar a aplicação de uma norma dimanada de um órgão de soberania, sendo que, encontrando-se a(s) norma(s) legal(is) que instituem e regulamentam a CESE vigentes no ordenamento jurídico nacional (ao qual a AT se encontra vinculada), mais não restaria à AT senão aplicá-la, não podendo tal aplicação acarretar qualquer ilegalidade do ato de liquidação.
_ Que nesta medida, à Autoridade Tributária está vedada a desaplicação de uma norma por vício de inconstitucionalidade, porquanto, até à presente data, não lhe subjaz acórdão transitado em julgado do Tribunal Constitucional que assim o tenha decidido (declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral), nem jurisprudência firmada dos tribunais superiores que assim o determine.
_ Que, porque as razões invocadas pela Requerente para fundar a sua pretensão se apresentam incompatíveis com os poderes da AT.
_ Que em suma, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa não poderia resultar a anulação do ato de liquidação de CESE, no sentido proposto pela aqui Requerente, na medida em que o órgão decisor não tem poderes que lhe permitam considerar ilegal ou inconstitucionais as normas relativas à CESE previstas no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
_ Que importa salientar, complementarmente, que questão idêntica à suscitada pelas Requerentes foi apreciada pelo STA, impondo-se a transposição das conclusões então alcançadas para o caso vertente, por forma a assegurar a aplicação uniforme do direito e a observância do princípio da segurança jurídica, enquanto pilar estruturante de um Estado de Direito Democrático:
“Não existe erro imputável aos serviços quando a Administração Tributária não desaplica norma legal alegadamente inconstitucional, por o Acórdão proferido pelo STA em 15/01/2025, no âmbito do processo n.º 0980/12.3BEAVR mesma inconstitucionalidade não ter sido sancionada pelos tribunais (artigos 204.º e 281.º da CRP), nem estar estabilizada na ordem jurídica”.
(ii) Sobre a suscitada inconstitucionalidade da norma
Não obstante a Requerente sustentar todo o seu petitório numa putativa inconstitucionalidade das normas legais que instituíram a CESE, nomeadamente aquela pela qual se encontra abrangida na alínea k) do art.º 2.º do RJCESE, até ao momento, mais uma vez se reafirma, não foi tal norma declarada com força obrigatória geral.
_ Que em bom rigor, temos decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional que analisaram o regime jurídico da CESE, globalmente considerado, tendo decidido pela não inconstitucionalidade do mesmo, veja-se, a título de exemplo o Acórdão n.º 338/2023 que analisou a CESE de 2018 (ou seja, já após a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro) e decidiu:
_ Julgar improcedente o presente recurso de constitucionalidade e não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83C/2013, de 31 de dezembro, mantido em vigor pelo artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro.
_ Que temos decisões do Tribunal Constitucional que incidiram sobre disposições especificas do regime jurídico da CESE. E aqui sim, há efetivamente decisões que julgaram algumas alíneas do artigo 2.º do RJCESE, inconstitucionais, mas, repisa-se, sem ter sido declarada nenhuma das decisões com força obrigatória geral.
_ Que do elenco de Acórdãos convocados pela Requerente para sustentar a alegada inconstitucionalidade apenas o Acórdão n.º 196/2024 do TC (acrescentamos nós), emanou um juízo de inconstitucionalidade da norma prevista na alínea k) do art.º 2.º do regime jurídico da CESE, e apenas para o ano de 2019.
_ Que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o qual, reiteradamente, e depois de uma análise minuciosa do sector energético em Portugal e fundamentos e objetivos prosseguidos pela CESE, tem vindo a julgar não inconstitucional as normas ínsitas no mencionado artigo 2.º.
_ (….)
_ Que a propósito do argumento da Requerente de que, sendo a CESE considerada como contribuição financeira, seria um tributo materialmente inconstitucional por afrontar o princípio da proporcionalidade, cumpre aqui salientar o seguinte.
_ Que o referido princípio, a par de outros, como o da equivalência foi tratado no âmbito do Acórdão n.º 7/2019, do Tribunal Constitucional, já anteriormente mencionado e para o qual remetemos.
_ À luz do princípio da equivalência, as taxas e contribuições deverão adequar-se às prestações públicas que beneficiam, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos.
_ Que efetivamente, no âmbito da apreciação da CESE, o Tribunal Constitucional concluiu quanto a este tributo, que se trata de uma contribuição com carácter sinalagmático que evidencia a equivalência necessária entre o custo e o benefício para o sujeito passivo, não existindo qualquer desrespeito pelo princípio da equivalência, nem qualquer desigualdade injustificada, cfr. acórdão 7/2019 do TC.
_ No que tange ao princípio da proporcionalidade, a base de incidência objetiva e subjetiva da CESE está em consonância com o objetivo de conceder benefícios aos sujeitos passivos com as receitas obtidas com o pagamento do tributo, de um modo fundamentado e não arbitrário, porque a delimitação da base de incidência resulta da presumida contraprestação obtida pelo sujeito passivo.
_ Que por consequência, o Tribunal Constitucional concluiu que o critério escolhido pelo legislador na delimitação subjetiva e objetiva da CESE não é “desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar”, e que «o critério definidor do montante [da CESE] não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável», pelo que não afronta o princípio da proporcionalidade (Cfr. Acórdão n.º 7/2019).
_ Que nem o carácter “extraordinário” da CESE, na medida em que esta fora prevista para 2014 e prorrogada para os exercícios seguintes, pelo menos até 2024, atenta contra o princípio da confiança como invocado pela Requerente,nem o carácter conjuntural, não importando considerações de maior para efeitos de tutela de expectativas legítimas ou, por inerência, de constitucionalidade.
_ Que, já no que se refere à violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva há que referir que se trata de princípios que não se aplicam às contribuições, como dita a doutrina e jurisprudência já por demais conhecidas e também por nós mencionadas nesta Resposta.
_ Que esta jurisprudência afigura-se-nos reforçada no recente Acórdão n.º 65/2025, que no âmbito da apreciação do regime da CESE vigente em 2020, referiu o seguinte: «(…) merece aqui inteira aplicação: por um lado, não se vê de que forma poderia existir rotura com o princípio da confiança caso fosse conferida estabilidade à CESE enquanto estatuto contributivo vinculativo dos operadores do setor energético;
_ Que por outro, o problema da dívida tarifária, excecional e transitório e cuja resolução a CESE financia (entre todos os demais programas enquadrados na sua missão estatutária), ensombrou o setor da energia no exercício de 2020, reclamando por medidas especiais para a sua gestão também nesse período. Na verdade, no ano de 2020 o serviço e amortização da dívida tarifária significou um sobrecusto de M 1.174 € nas tarifas ao consumidor, denotando a intensificação do esforço público de redução da dívida tarifária que veio sendo desenvolvido a partir de 2015: neste período de cinco anos, a dívida foi reduzida em M 2.323 €, mas ainda assim fixava-se em 2.757 milhões de euros no exercício de 2020 (ERSE, Tarifas e Preços para a Energia Elétrica em 2020, pp. 8-9).
- E que este passivo, de valor extremamente significativo, teria de continuar a ser gerido pelo SEN até ao seu pagamento integral, sinalizando-se a presença e persistência do problema transitório e excecional no contexto do grande setor energético a cuja assistência o FSSSE está adstrito por via estatutária.»
_ Que, atento o supra exposto, o artigo 2.º alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), não é violadora do disposto no art.º 13.º da CRP, Princípio da Igualdade.
_ E que é insofismável à luz da evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional que a CESE configura uma verdadeira contribuição financeira, não violando quaisquer princípios constitucionais, o regime que sujeita a CESE aos operadores titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis que integram o Sistema Elétrico Nacional, onde a Requerente se insere.
Pelo que a decisão colocada em crise pela Requerente não merece qualquer censura, devendo, por isso, permanecer incólume na ordem jurídica.
_ Que, quanto aos juros indemnizatórios por via da condenação da AT, refere que de acordo com o n.º 1 do art.º 43º da LGT «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Que deste modo, para que a AT incorra no dever de pagamento dos juros indemnizatórios é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos:
a) Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) Que ele seja imputável aos serviços;
c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de Reclamação Graciosa ou de Impugnação Judicial;
d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
_ Que no caso sub judice estamos perante um ato de autoliquidação por parte da impugnante, no qual a AT não teve qualquer intervenção, no âmbito dos seus poderes/deveres, no apuramento do tributo a entregar pela impugnante.
_ Que conforme decorre do art.º 100.º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
_ Que se exige, portanto, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços.
8. A Requerente e a Requerida AT apresentaram as suas alegações, respetivamente em 25 de setembro de 2025 e em 30 de setembro de 2025 no âmbito do qual mantiveram as respetivas posições já expressas, respetivamente, no pedido de pronúncia arbitral (PPA) e na Resposta da AT.
9. O requerimento justificativo da resposta à matéria de exceção por parte da Requerente já se encontrava na plataforma do CAAD, desde 9 de setembro de 2024.
10. Em 7 de outubro de 2025 a Requerente procedeu à junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.
IV SANEAMENTO
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112 - A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação).
12 Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções suscitadas pela Requerida AT e que obteve resposta da Requerente em 9 de setembro de 2025 que sucintamente agora transcrevemos:
_ Que desde logo, pelos motivos expostos pela Requerente em sede de PPA não assiste qualquer razão à Fazenda Pública, devendo ser rejeitados todos os fundamentos por esta alegados, em matéria de exceção.
(i) Da qualificação jurídica da CESE
(ii) Da alegada incompetência material do Tribunal Arbitral
_
(i) Da Qualificação da CESE
Que o argumento central da Requerida é o de que a CESE não configura um imposto, mas sim uma verdadeira contribuição financeira, estando, por isso, fora do escopo da arbitragem tributária ao abrigo do RJAT.O que não colhe provimento.
_ Que se trata, no entanto, de um flagrante equívoco que representa, desde logo, um manifesto desrespeito pela jurisprudência Arbitral e Constitucional existente sobre o tema
_ Que a mudança jurisprudencial de paradigma deu-se graças às alterações promovidas na alocação de receita da CESE e respetiva discricionariedade, leia-se, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro.
_ O argumento fundou-se na exigência da CESE a um subsetor que não era responsável pelo financiamento do deficittarifário. Qualificando-se, assim, como um imposto.
_ Que logo de seguida, determinou o Acórdão n.º 196/2024 do Tribunal Constitucional que a natureza da CESE evoluiu para a de imposto a partir de 2018.
_ Demonstrativos da vastíssima adoção deste sentido decisório, vejam-se numa lufada mais recente os seguintes arestos, inter alia: Acórdão do STA, Processo n.º 0345/21.6BEVIS, de 12 de fevereiro de 2025, Acórdão do TCA Sul, Processo n.º 685/2022.7BEALM, de 6 de maio de 2025, Acórdão do TCA Sul, Processo n.º 1136/22.2BELRS, de 3 de abril de 2025 , Acórdão do STA, Processo n.º 0314/22.9BEMDL, de 9 de abril de 2025, Acórdão do STA, Processo n.º 0392/23.3BEVIS, de 9 de abril de 2025, Acórdão do TCA Sul, Processo n.º 483/21.5BEALM, de 22 de maio de 2025, Acórdão do STA, Processo n.º 0367/23.2BEAVR, de 12 de maio de 2025, Acórdão do STA, Processo n.º 01074/22.9BEPRT, de 12 de maio de 2025, e Acórdão do TCA Sul, Processo n.º 685/22.7BEALM, de 5 de junho de 2025
_ Que face ao demonstrado no pedido de reclamação graciosa e no pedido de pronúncia arbitral, não existem dúvidas de que a CESE, após 2018, não pode mais ser qualificada como uma contribuição financeira, mas sim, como um imposto. E a Fazenda Pública não, pode, contrariar o óbvio: a CESE para 2022 é, também ela, concebida como um imposto para sujeitos passivos como a Requerente.
(i) Da Incompetência Material do Tribunal Arbitral
_ Que em concreto, a Requerida alega que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT limita a competência dos tribunais arbitrais a atos de liquidação de impostos, o que exclui contribuições financeiras, salvo se estas estiverem expressamente autorizadas por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças (cf. artigo 4.º do RJAT) e que tal autorização não existe para a CESE, não tendo sido incluída em qualquer lista de tributos arbitráveis por via regulamentar, pelo que, mesmo admitindo a sua cobrança coerciva, a CESE não se insere no catálogo de tributos que podem ser sindicados em sede arbitral.
Que ainda que a CESE de 2022 seja qualificada como uma contribuição financeira, o CAAD tem competência para apreciar tal pedido.
Que, vejam-se, desde logo, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 248/2019-T, de 7 de fevereiro de 2020, 305/2020-T, de 15 de fevereiro de 2021, n.º 312/2015-T, de 7 de janeiro de 2016, n.º 826/2021-T, de 4 de novembro de 2022, n.º 723/2020-T, de 27 de junho de 2021, n.º 723/2020-T, de 27 de junho de 2021 e n.º 555/2020-T, de 28 de janeiro de 2022.
_ Que a Requerente sustenta que, em razão da evolução legislativa mais recente, a CESE se tornou um tributo essencialmente unilateral, como tal sujeito ao regime jurídico dos impostos; e que, enquanto imposto, algumas das suas normas ofendem vários princípios constitucionais. Sendo esta causa de pedir e o pedido o de anulação de uma liquidação relativa a um tributo havido pela Requerente, como sendo imposto, resulta da lei (arts. 2.º e 4.º do RJAT e artº 2 da Portaria de Vinculação) a competência material dos tribunais arbitrais (CAAD) para conhecer do presente litígio. A natureza jurídica da CESE (se deve continuar ou não a ser qualificada como contribuição financeira) é uma questão de direito com relevo para a apreciação do mérito da causa, implica uma conclusão fundamentadora da decisão arbitral, mas não pode ser assumida como um dado apriorístico que, por si só, obste à prolação de uma decisão de mérito.
_ “Como assinalado na declaração de voto no processo arbitral n.º 248/2019-T, de 7 de fevereiro de 2020, que neste ponto se sufraga, esta alteração “revela que, na própria perspetiva do Governo, a competência dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária se estende ao campo dos tributos. […] Se o Governo – sublinhe-se, no mesmo artigo – sentiu necessidade de excluir do âmbito das «pretensões relativas a impostos» certos tributos, forçoso é concluir que, doutra forma, tais tributos estariam abrangidos pela cláusula geral que admite a arbitragem tributária em matéria de «impostos».
_ Que esta perspetiva que é, de igual modo, perfilhada na decisão do processo arbitral n.º 305/2020-T, de 15 de fevereiro de 2021 que considera que “[a] subscrever-se (melhor, a continuar a subscrever-se) a tese da incompetência material dos tribunais arbitrais para apreciarem da legalidade de contribuições financeiras, seríamos conduzidos a um absurdo: os tribunais arbitrais seriam materialmente incompetentes, exceto quando tais liquidações resultassem da aplicação da norma anti abuso, tendo havido prévio recurso à via administrativa.
_ Que a nova norma deve, a nosso ver, ser entendida como constituindo expressão literal atualizada do âmbito de vinculação da AT aos tribunais arbitrais, isto é, que a mesma abrange quaisquer tributos de que tenha a administração.”
_ Que por outro lado, conforme se fundamenta na decisão do processo arbitral n.º 312/2015-T, de 7 de janeiro de 2016, os elementos teleológico e racional da interpretação apenas apontam para a “«limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos», sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.
_ Que facto é que o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, da dos “impostos” (a AT atua aí como se de impostos se tratasse), donde não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade. […] Mais, a doutrina em que a AT se louva não permite sustentar uma posição diversa, antes pelo contrário.
_ Que, por. exemplo, SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE em «O âmbito material da arbitragem tributária», Cadernos de Justiça Tributária n.º 00 (Abril/Junho 2013), pág. 24, deixam claro que «os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais» Nesta medida, considera-se que o âmbito da arbitrabilidade abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ̶ abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.
_ Que consequentemente, e uma vez que a CESE, tal como resulta do artigo 7.º do respetivo regime jurídico, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (na redação entretanto atualizada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 e Dezembro e pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril) é um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como contribuição ou como imposto.” À face do exposto, deve considerar-se este Tribunal Arbitral competente em razão da matéria para conhecer dos vícios imputados ao ato de (auto)liquidação da CESE do período de 2019 aqui impugnado, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 2.º da Portaria de Vinculação, e, no caso de a ação ser julgada procedente, anulá-lo em conformidade.
_ Que com a agravante de que, para os anos fiscais subsequentes a 2018, subsumindo-se a CESE (como qualificou o Tribunal Constitucional) como um imposto, a discussão estará ultrapassada no seio do CAAD.
_ Que, na mesma senda, no Processo 283/2020-T de 28 de janeiro determinou que: os tribunais arbitrais no CAAD são competentes em razão da matéria para apreciar da legalidade de contribuições financeiras administradas pela AT.” Em primeiro lugar, o teor literal e a articulação sistemática dos preceitos não permitem um esclarecimento direto e evidente do sentido das normas. E se algum sentido se pode atribuir de forma mais próxima e fiel à interpretação literal-sistemática dos preceitos, é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º dada Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de exceções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva clara que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as exceções.
_ Que em segundo lugar, a convocação dos elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam para a razoabilidade de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.
_ Que o facto é que o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, da dos “impostos” (a AT atua aí como se de impostos se tratasse), donde não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade.
_ Que o nomen júris é irrelevante, conta a materialidade e configuração do respetivo tributo.
_ Veja-se, num lugar paralelo mas aqui aplicável, a discussão que cirandou a Contribuição de Serviço Rodoviário, concluindo-se que o CAAD teria competência para apreciar estas matérias, cfr. Processo arbitral n.º 861/2023-T: “A Contribuição de Serviço Rodoviário consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
E mais adiante refere:
Que é esse critério (a titularidade da administração do tributo por parte da AT) que, à luz do artigo 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação, delimita o âmbito de arbitrabilidade. A distinção entre impostos e contribuições não tem consagração expressa na estrutura normativa da arbitragem tributária enquanto critério de (in)competência. A CESE, integra, por conseguinte, o universo de tributos abrangidos pela arbitrabilidade.
_ Que acresce que aceitar o raciocínio da AT conduziria a uma consequência logicamente insustentável: os tribunais arbitrais estariam materialmente impedidos de conhecer a legalidade de uma contribuição como a CESE, exceto quando estivesse em causa a aplicação da cláusula geral antiabuso (cf. artigo 2.º, alínea e), da Portaria de Vinculação).
_ Que se conclui pois, que a qualificação jurídica da CESE enquanto imposto ou contribuição é questão de mérito a ser apreciada pelo tribunal, e não pode ser erigida em critério de admissibilidade processual.
12. MATÉRIA DE FACTO
12.1 FACTOS PROVADOS
a) _ Os factos dados como provados resultaram do confronto da posição manifestada relativamente a cada facto pelas Partes e da apreciação da prova documental, o que foi feito com base nas regras da experiência, da normalidade e da racionalidade, em conformidade com o previsto no artigo 16.º, alínea e) do RJAT, bem como no artigo 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, das quais resulta que o julgador apreciará livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. A prova documental encontra-se identificada relativamente a cada facto.
b) Que a Requerente é uma sociedade comercial, com sede em território nacional, que tem como código de atividade empresarial o CAE 19201, que compreende a atividade de transformação do petróleo bruto em: combustíveis líquidos ou gasosos (gasolinas, fuel-oil, butano, propano, etc.); bases petroquímicas (ex: naftas); óleos e massas lubrificantes; produtos para revestimento de estradas (betumes de petróleo); coque de petróleo e outros produtos petrolíferos diversos (vaselina, white-spirit, parafina, etc.) e que inclui a mistura biocombustíveis com combustíveis derivados do petróleo.
c) Que a sua atividade se enquadra no Sector Energético português. .
d) _ Que no entanto, por entender que a autoliquidação da CESE padece de inconstitucionalidade suscetível de determinar a sua anulabilidade, a Requerente apresentou, no dia 25 de outubro de 2024, reclamação graciosa contra tal autoliquidação junto da Requerida AT.
e) Atenta a atividade operacional da Requerente, esta encontra-se obrigada a (auto) liquidar CESE, de acordo com o artigo 2.º e 7.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro e respetivas alterações.
f) _ Que não obstante considerar tal imposto inconstitucional, a 26 de outubro de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação deste imposto através da apresentação da Declaração Modelo 27, referente ao exercício de 2022, no montante de € 242.811,70.
g) _ Que a 3 de dezembro de 2024, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de a Autoridade Tributária, onde esta defende que os argumentos constitucionais invocados pela Requerente no que se referiu à CESE não estavam sob a sua alçada, pois não lhe foi reconhecido o direito de fiscalização prévia, cabendo-lhe antes e tão somente observar o princípio geral da legalidade.
h) A Requerente, na sequência de notificação através de Ofício n.0 ...-DJT/2024, datado de 23/12/2024, da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação da CESE referente ao ano de 2022, recebida a 24.12.2024, pretende a pronúncia do presente Tribunal arbitral coletivo com vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ora em causa.
i) O pedido de pronúncia arbitral foi obrigatoriamente precedido de reclamação graciosa pelos ora Requerentes, cf. portaria 287/2019 de 3 de setembro.
12.2. FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
12.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada.
A matéria de facto foi fixada e a convicção ficou formada pelo Tribunal Arbitral com base nas peças processuais apresentados pelas Partes e não contestados, bem como nos documentos juntos aos autos.
Ao abrigo da livre condução do processo, foram admitidos todos os documentos particulares ou oficiais pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo-se, assim, o pleno contraditório às partes. As informações do processo do procedimento administrativo foram consideradas nos termos do n.º 1 do artigo 76.º da Lei Geral Tributária, quando fundamentadas por critérios objetivos.
13. MATÉRIA DE DIREITO
13.1 OBJETO
Está em causa o despacho o despacho de 23.12.2024, do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, o qual determinou o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, autuada com o n.º ...2024..., relativa à autoliquidação da Contribuição Extraordinária para o Sector Energético (CESE), referente ao ano de 2022, no montante de € 242.811,70.
A Requerente solicitou, em conformidade, a restituição da CESE que considera ter indevidamente pago, mais os juros indemnizatórios que entende devidos.
O pressuposto processual da competência do Tribunal Arbitral depende da qualificação como imposto ou mera contribuição financeira a favor do Estado da CESE.
A Requerente sustenta que a CESE é um imposto, já que a sua regulamentação não respeitaria o princípio da equivalência, ao passo que a Requerida sustenta que a CESE, por não violar, em seu entender, o princípio da equivalência, é uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública.
Para a Requerente as alterações operadas pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 ao regime de afetação das verbas do atual Fundo Ambiental poriam em causa o princípio da equivalência, pressuposto da constitucionalidade da CESE.
A exigência da CESE constituiria uma oneração arbitrária e indevida do património da Requerente, não visando o financiamento de qualquer défice tarifário que, a existir, não teria sido causado pela Requerente, o que à partida excluiria a qualificação como contribuição financeira a favor do Estado.
Para a Requerente, tais alterações foram fundamentadas, não na necessidade de efetivar o princípio da equivalência, mas em hipotético juízo de que os critérios de alocação da receita da CESE, definidos no Decreto-Lei n.º 55/2014, com a experiência da sua aplicação, se teriam vindo a revelar demasiadamente rígidos, impedindo que, em cada ano, os valores alocados se pudessem ajustar aos objetivos do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) que se mostrassem mais prementes.
Deste modo, ficou o Governo habilitado a decidir, de acordo com critérios de liberdade ou oportunidade, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento, através do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, independentemente de qualquer vinculação ao princípio da equivalência.
Apenas o remanescente, ou seja, a parte da CESE não destinada, por despacho ministerial, ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, continuaria afeto à redução do défice tarifário.
A dívida tarifária do SEN não foi causada por todas as entidades do setor energético, mas apenas por algumas, e muito menos foi causada pelos produtores do sector energético, motivo pelo qual a obrigação do seu financiamento não pode deixar de ser considerada um imposto - e um imposto discriminatório - dada a ausência de justificação da solução encontrada.
Tal significa que a sujeição à CESE dos sujeitos passivos que detêm centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável, em idênticos termos aos restantes sujeitos passivos do setor energético, ainda que condicionada à aplicação de um regime de remuneração garantida, nos termos da Lei nº 71/2018, de 31 de março, configura uma violação ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Este entendimento foi, igualmente, veiculado pela mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o regime jurídico da CESE. Em conformidade com essa argumentação, pretende a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
Deste modo, ficou o Governo habilitado a decidir, de acordo com critérios de liberdade ou oportunidade incompatíveis com uma rígida vinculação ao princípio da equivalência, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento, através do FSSSE, das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0% a 33%.
Como se referiu, essa afetação anteriormente abrangia sempre dois terços dessa receita, até ao limite máximo de € 100.000.000,00, que agora deixou de ser definido estritamente em função de um montante pecuniário fixo.
O remanescente, ou seja, a parte da CESE não destinada por despacho ministerial ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, continuaria afeto à redução do défice tarifário
Acolhe-se a orientação firmada pelo Tribunal Constitucional no acórdão 253/2025 da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, cuja relatora foi a Conselheira Joana Fernandes Costa, com data de 20 de março de 2025, e sobre a matéria ora em apreço, não se vislumbrando razões para dele divergir e cuja posição se adota na presente decisão a proferir, mutati mutandis no presente processo 288/2025-T do CAAD, cujo fundamentação se ancora no sistema energético da CESE.
Sucintamente.
a) Tendo em conta a condensação do objeto do recurso que resultou da agregação numa única norma das questões de inconstitucionalidade referidas em (i), (ii) e (iv), importa começar por verificar se a norma contida no artigo 2.º, alínea b), do regime jurídico da CESE, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, de sujeitos titulares de centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração, viola, como alega a recorrente, os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição), da segurança jurídica, na sua vertente da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição) e ou da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade e proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Tendo em conta que a violação de todos estes princípios é afirmada pela recorrente «à luz do recente Acórdão n.º 101/23», é indispensável proceder, desde já, ao enquadramento da orientação firmada no referido aresto.
b) O Tribunal Constitucional pronunciou-se pela primeira vez sobre as normas de incidência objetiva e subjetiva da CESE no Acórdão n.º 7/2019, que as não julgou inconstitucionais. Estava em causa o RJCESE aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, relativo ao ano de 2014, não exercendo a então recorrente qualquer atividade no setor eletroprodutor ou em qualquer outro subsetor da eletricidade. Não obstante, o Tribunal Constitucional afastou os argumentos no sentido de qualificar o tributo como imposto, entendendo tratar-se de uma contribuição financeira. Esta qualificação assentou essencialmente no facto da CESE não ter apenas como objetivo a redução da dívida tarifária, mas também a «promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE», tendo-se criado para esse efeito o FSSSE. Apesar de se tratar de vantagens presumidas e de carácter difuso, entendeu-se que «tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária», por ser «possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá», como era o caso da ali recorrente, que se dedicava ao armazenamento subterrâneo de gás natural. De uma forma muito clara, sublinhou-se que «o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa», e que «permite excluir a sua caracterização como imposto» por «identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento», resulta da existência das «presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante». Tais benefícios consistem nas «ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural». O Acórdão n.º 7/2019 notou ainda que a qualificação do tributo como contribuição financeira importava o decaimento de todos os argumentos que procuravam demonstrar a respetiva desconformidade constitucional no pressuposto, que afastou, de que nos encontraríamos na presença de um imposto, como seja «a violação do princípio da capacidade contributiva na vertente da igualdade material, ou a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real».
c) Após concluir que a CESE constitui uma contribuição financeira e não um imposto, o Acórdão n.º 7/2019 procurou verificar se ocorreria, ainda assim, a violação dos «princípios da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade aplicável aos tributos comutativos, e da proporcionalidade».
d) Com relevo ainda para a apreciação do objeto do recurso, o mesmo Acórdão n.º 7/2019 considerou, agora no plano da incidência objetiva do tributo, que a «titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE» constitui uma base de incidência «adequada», já que a «titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE» é um «indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto».
e) A jurisprudência do Acórdão n.º 7/2019 foi seguida sem desvios no que se refere à CESE relativa aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, ainda que com pequenas nuances, complementos, clarificações ou acrescentos determinados pelo contexto de cada um dos casos objeto de apreciação, mas sempre no sentido da qualificação do tributo como contribuição financeira e do consequente afastamento da violação dos princípios da equivalência e ou da proibição do excesso. Apenas a título exemplificativo, v. os Acórdãos n.ºs 303/21, 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021, 532/2021, 735/2021, 736/2021, 756/2021, 777/2021, 135/2022, 204/2022, 215/2022, 271/2022, 580/2022, 581/2022, 658/2022 e 683/2022, assim como as Decisões Sumárias n.ºs 229/2020, 11/2021, 358/2021, 417/2021, 422/2021, 670/2021, 16/2022, 55/2022, 56/2022, 109/2022, 123/2022, 124/2022, 131/2022, 133/2022, 152/2022, 168/2022, 176/2022, 181/2022, 191/2022, 200/2022, 202/2022, 218/2022, 252/2022, 256/2022, 263/2022, 345/2022, 350/2022, 372/2022, 398/2022, 463/2022, 485/2022, 492/2022, 560/2022, 583/2022, 619/2022 e 620/2022.
f) Ainda a propósito da proporcionalidade do tributo, designadamente na dimensão integrada pelos subprincípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, foi abordada a questão do tempo de vigência da CESE. Logo no Acórdão n.º 513/2021 o Tribunal teve oportunidade de esclarecer que o Acórdão n.º 7/2019, não obstante ter efetivamente concluído que o carácter extraordinário da CESE permitia afastar qualquer juízo de desproporcionalidade apesar de um terço da receita obtida com a liquidação do tributo visar a redução da dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional («SEN»), não sediara exclusivamente nessa circunstância o fundamento para afastar a violação do princípio da proibição do excesso. Com efeito, nunca ali se afirmou que a justa medida a que o legislador se encontra, em geral, constitucionalmente obrigado dependeria de o tributo vigorar apenas no ano de 2014 ou não ser prorrogado na sua vigência. Pelo contrário, o que se afirmou foi que «a lei não define um limite temporal para o tributo, de modo que a sua natureza extraordinária não é determinada por um critério temporal», «mas conjuntural − a verificação periódica de um certo estado de coisas» (Acórdão n.º 513/2021). A mesma ideia foi desenvolvida ainda, entre outros, pelo Acórdão n.º 736/2021, onde se escreveu que, «independentemente do número de anos pelos quais se pretenda manter o tributo, o Tribunal Constitucional analisará se, relativamente ao(s) relevante(s) em cada processo, a justificação para a sua subsistência existe ou não».
g) Em diversos Acórdãos que analisaram a CESE relativa aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 o critério conjuntural foi associado à «pendência do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126.º do TFUE» que perdurou até 16 de junho de 2017 por força da decisão (UE) 2017/1225 (Acórdãos n.ºs 513/2021, 430/2016, 41/2017, 395/21, 513/2021, 543/2022). De todo modo, apesar de nessa associação se ter baseado um dos argumentos para considerar justificada - e, como tal, não desproporcional -, a prorrogação da vigência do tributo em todos aqueles anos, nunca se considerou que a CESE não poderia vigorar para além do fim daquele «procedimento por défice excessivo».
h) Nunca foi avançado um critério temporal fixo como requisito do respeito pela Constituição, nem alguma vez foi sugerido que a CESE apenas manteria a qualificação de contribuição financeira caso tivesse uma natureza excecional, transitória, extraordinária. Ou que tal natureza constituísse uma conditio sine qua non para colocar o tributo a salvo de um juízo de desproporcionalidade. O que o Tribunal Constitucional sistematicamente fez foi atualizar o seu juízo a cada prorrogação do período de vigência, seguindo um critério conjuntural, i.e., «a verificação periódica de um certo estado de coisas» (Acórdão n.º 513/2021). E, sem dúvida, em relação a esses anos, a pendência do procedimento por défice excessivo foi identificada como um fator conjuntural relevante que permitia conter dentro dos limites da proporcionalidade a exigência do pagamento da CESE.
i) Aliás, em muitos dos seus Acórdãos, o Tribunal Constitucional referiu expressamente que, ainda que o tributo tivesse um carácter permanente, tal «não implicaria, sem mais, a sua desconformidade constitucional» (Acórdão n.º 436/2021). Isto porque o elemento crucial para aferir se determinado tributo é - ou continua a ser - qualificável como contribuição financeira não reside no seu carácter transitório ou não transitório, mas sim na alocação legal das receitas obtidas através da respetiva cobrança. Concretamente no caso da CESE, depende de saber se no destino maioritário da receita fiscal gerada é possível identificar a resposta «à pressão que a atividade económica dos operadores sujeitos à CESE coloca no respetivo domínio setorial e que lhes aproveita», tendo em conta a necessidade estadual de «garantir equilíbrio ambiental e racionalização na exploração de recursos (artigo 66.º, n.º 2, alíneas d) e f) da Constituição da República Portuguesa)» (Acórdão n.º 305/2022). Esta orientação, que afasta o carácter transitório da CESE como critério essencial para um juízo negativo de inconstitucionalidade, foi seguida, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 437/2021, 438/2021, 756/2021, 231/2022, 232/2022, 305/2022, 411/2022, 597/2022 e 294/2024. Em todos esses julgamentos, a conformidade do RJCESE com os princípios constitucionais que regem as contribuições financeiras foi verificada tendo em conta as características evidenciadas pelo tributo na modelação resultante da lei aplicável ao ano a que o mesmo respeita.
j) Na linha dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, celebrado em maio de 2011, entre o Estado Português, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, foram, não obstante, encetadas conversações com a APREN - Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), que representa os interesses dos titulares de centros eletroprodutores a partir de fontes renováveis, com vista à densificação do enquadramento remuneratório aplicável às instalações eólicas existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos respetivos períodos de remuneração garantida, em termos passíveis de conjugar a resposta às referidas questões de segurança jurídica com o imperativo de promoção da sustentabilidade económica e social do SEN.
k) Na linha dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, celebrado em maio de 2011, entre o Estado Português, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, foram, não obstante, encetadas conversações com a APREN - Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), que representa os interesses dos titulares de centros eletroprodutores a partir de fontes renováveis, com vista à densificação do enquadramento remuneratório aplicável às instalações eólicas existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos respetivos períodos de remuneração garantida, em termos passíveis de conjugar a resposta às referidas questões de segurança jurídica com o imperativo de promoção da sustentabilidade económica e social do SEN.
l) […]
m) Concretamente, prevê-se a possibilidade de concessão de um período adicional de aplicação do regime de tarifa garantida aos referidos centros eletroprodutores, nas situações em que os respetivos titulares proponham uma redução da tarifa, que pode ser complementada ou substituída pelo pagamento de uma compensação, de forma a gerar, com o decurso do tempo e a evolução dos preços de mercado, benefícios para o SEN. Em alternativa à concessão desse período adicional, os centros eletroprodutores podem optar pela adesão a um dos regimes alternativos previstos para efeitos de remuneração das instalações eólicas existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos respetivos períodos de remuneração garantida» (itálico aditado).
n) Este diploma foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que prevê «a eliminação dos regimes de remuneração garantida por oposição ao regime de remuneração geral, optando por estabelecer um único regime remuneratório assente no preço livremente determinado em mercado», sendo que, «[s]em embargo dessa opção, consagra-se a possibilidade, ao abrigo do disposto nas diretivas da União Europeia, de atribuir regimes de apoio à produção a partir de fontes de energia renováveis que permitam a recuperação do custo de oportunidade do investimento, mas sempre condicionados à realização de procedimentos concorrenciais» (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2022).
o) No final do ano de 2013, foi aprovado o Orçamento de Estado para 2014, através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o RJCESE através do seu artigo 228.º, isentando do pagamento do tributo, entre outros, os centros eletroprodutores com recurso a fontes renováveis.
p) […]
q) Vale a pena recordar que as contribuições financeiras, ao contrário dos impostos, pertencem, tal como as taxas, à categoria dos tributos de carácter bilateral, o que significa que o critério de repartição pressuposto pela igualdade tributária é dado pelo princípio da equivalência e não pelo princípio da capacidade contributiva - o que exclui a invocabilidade do princípio da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição) como parâmetro autónomo de controlo da constitucionalidade.
r) Porém, relativamente às taxas, as contribuições financeiras apresentam a particularidade de se dirigirem não «à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica». Como se escreveu ainda no Acórdão n.º 539/2015, «[p]reenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).» Daqui se retira que as contribuições financeiras «devem ser estruturadas de tal forma que incidam sobre grupos bem delimitados de pessoas que partilhem a provocação presumível de um mesmo custo ou o aproveitamento presumível de um mesmo benefício» (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2018, p. 312).
s) Ora, é justamente o que ocorre na situação em causa nos presentes autos.
t) Alocada que está à redução da dívida tarifária do SEN, a prestação correspondente à liquidação da CESE referente ao ano de 2019 aproveita ao grupo homogéneo constituído pelos centros eletroprodutores com recurso a fontes renováveis na medida em que aquela redução, para além de visar a proteção do consumidor, evitando um aumento drástico de preços, contribui para a sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico, beneficiando deste modo, ainda que de forma presumida, cada uma das empresas que operam no mercado da produção de eletricidade. Por outro lado, o facto de a CESE de 2019 se destinar ao financiamento da redução do défice tarifário, que foi em parte gerado pela assimilação dos sobrecustos associados à produção de eletricidade com tarifa subsidiada, coloca os centros eletroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida entre os presumíveis causadores da prestação administrativa que o tributo visa compensar, permitindo, também desse ponto de vista, detetar na norma de incidência impugnada a presença da estrutura comutativa e da finalidade compensatória que caraterizam as contribuições financeiras.
u) Nesse sentido, pode dizer-se que, relativamente aos centros eletroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de especial, o fundamento da CESE de 2019 é discernível quer em atenção à vantagem económica propiciada pela sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico a que a redução do défice tarifário em última instância se dirige, quer em face do encargo público originado pela subsidiação do regime de produção com tarifa garantida facultado aos produtores de eletricidade com recurso a fontes de energia renováveis.
v) E assim sendo, decai o pressuposto em que poderia fundar-se a violação quer do princípio constitucional da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição), quer ainda dos princípios da segurança jurídica, na sua vertente da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição) e ou da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade e proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Assim é porque, sendo a CESE de 2019 que recai sobre os centros eletroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida uma efetiva contribuição financeira, tornam-se inteiramente aplicáveis à norma de incidência impugnada as considerações com base nas quais o Tribunal excluiu, por um lado, o carácter não transitório do tributo como condição da respetiva conformidade constitucional (v. supra, os n.ºs 18 e 19) e concluiu, por outro, que a titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas sujeitas à incidência da CESE constitui uma base de incidência adequada (v. supra, o n.º 15).
w) Resta apreciar a terceira questão de inconstitucionalidade colocada pela recorrente (v., supra, o n.º 6, (iii)). Mais rigorosamente, está em causa a norma resultante dos artigos 313.º, n.º 2, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e artigo 4.º, alínea a), do RJCESE, que eliminou a isenção que se encontrava prevista para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis abrangidos por regimes de remuneração garantida, que a recorrente considera violar o princípio da segurança jurídica, na sua vertente de proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).
x) Tal como a recorrente refere, no RJCESE de 2014 consagrou-se uma isenção para os centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis. Mercê das sucessivas prorrogações da vigência do RJCESE, tal isenção foi sendo anualmente mantida até à Lei n.º 71/2018, que a eliminou relativamente aos centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis abrangidos por regimes de remuneração garantida. Em virtude dessa eliminação, a recorrente passou a estar obrigada a pagar a CESE.
y) A eliminação da isenção aplicável aos produtores renováveis com feed in tariffs, resultante da modificação da alínea a) do artigo 4.º do RJCES pela Lei n.º 71/2018 foi assim enquadrada pela ERSE:
z) «Em termos concretos, esta proposta visa, por um lado, tornar o regime da CESE dependente da evolução da dívida tarifária e, por outro, aumentar a base de incidência daquela contribuição fazendo incidir a mesma sobre os centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis que se encontrem abrangidos por regimes de remuneração garantida. No entanto, no que diz respeito à base de incidência, importa esclarecer se a redação proposta pretende isentar da CESE os aproveitamentos hidroelétricos com capacidade instalada igual ou superior a 20 MW, conforme adiante mencionado nos comentários específicos. Em conformidade com estas alterações, a proposta de alteração do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, tem como objetivo dar prioridade à cobertura da dívida tarifária, em detrimento do financiamento das políticas do setor energético e atribuir o montante de CESE suportado pelos produtores que utilizem fontes de energia renováveis, preferencialmente, à dedução do sobrecusto da PRE» (Parecer da ERSE sobre a proposta de alteração do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético e do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, de outubro de 2028, p. 2, acessível em https://www.erse.pt/media/3jslfsxh/2018-10-12_proposta-de-alteração%C3%A7%C3%A3o-do-regime-da-cese-e-do-dec-lei-n%C2%BA55-2014.pdf).
aa) Ficando a dever-se, essencialmente, ao facto de a atividade dos centros eletroprodutores com recurso a fontes renováveis representar, em si mesma, uma atividade que contribui para a eficiência energética, a isenção que vigorou até 2019 consubstancia um benefício fiscal (cf. artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, «EBF»). Ora, este é um domínio em que a margem de determinação do legislador democrático surge dotada de especial amplitude (v. o Acórdão n.º 42/2014). Como observado no Acórdão n.º 139/2016, se se trata de um benefício fiscal, «que o Estado só concede porque o entende, com base numa determinada teleologia», é «muito maior» a margem de liberdade de que goza o legislador ordinário «para estabelecer as respetivas condições».
bb) Além disso, é dado assente que o princípio geral da segurança jurídica - que constitui, como este Tribunal vem desde há muito afirmando, uma refração do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição que tem na sua base «uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas» (Acórdão n.º 156/1995) -, não compromete a liberdade constitutiva que assiste ao legislador democrático, compreendendo esta a autorevisibilidade das leis, enquanto instrumento indispensável para assegurar a adequação das opções político-legislativas às necessidades de interesse público presentes em cada momento. Assim, as mutações da ordem jurídica suscetíveis de consubstanciarem uma lesão da confiança constitucionalmente censurável hão de evidenciar uma postergação «intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada” daqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático» (cf. Acórdão n.º 12/2012) sem que nessa mutação/postergação possa reconhecer-se, tudo visto e ponderado, um meio adequado, necessário e proporcionado de realização do interesse público que dessa forma se prossegue. A verificação de tais pressupostos, como a jurisprudência constitucional vem dando sobejamente conta, é realizada através do recurso aos quatro seguintes testes, em primeiro lugar, é necessário indagar se o Estado (mormente o legislador) encetou comportamentos capazes de gerar nesses cidadãos «expetativas» de continuidade; depois, importa perceber se essas expetativas são legítimas e fundadas em razões atendíveis à luz do ordenamento jurídico-constitucional; em terceiro lugar, há que verificar se esses cidadãos fizeram planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade daquele «comportamento» estadual; por último, é necessário comprovar que não ocorrem razões de interesse público suscetíveis de justificar, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (Acórdão n.º 128/2009).
cc) No caso vertente, estão em causa as expectativas em que a recorrente considera ter sido induzida pelo Estado-legislador quanto à possibilidade de beneficiar da isenção da CESE referente ao ano de 2019, visto que tal isenção vigorava há cinco anos para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis.
dd) Ora, tendo em conta que a CESE é um tributo anualmente lançado e anualmente conformado, de acordo com o modelo programático definido pelo legislador orçamental para cada ano económico, não é sequer possível acompanhar a recorrente quando afirma que o facto de a isenção fiscal ter persistido ao longo de cinco anos consecutivos gerou nos respetivos destinatários a fundada convicção de que tal benefício se manteria no(s) A ideia de que a pretérita atuação do legislador orçamental foi de modo a fundar uma efetiva expetativa de que a isenção fiscal de que vinham beneficiando os centros de produção de energia com recurso a fontes renováveis não viria a ser estreitada ou mesmo eliminada é ainda contrariada pelo alargamento realizado à incidência subjetiva, no ano de 2015, através da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, com a inclusão do setor do gás natural, sem esquecer que, não obstante o movimento de diminuição da dívida tarifária iniciado em 2016 e a redução do seu valor em 1.863 milhões de euros no período compreendido entre 2015 e 2019, se continuava a «justifica[r] a necessidade de reforçar o trajeto já iniciado para o equilíbrio do sistema, garantindo, assim, a sua sustentabilidade» (cf. ERSE, Tarifas e Preços para a Energia Elétrica em 2019, cit., p. 9).ano(s) subsequente(s) de vigência do tributo.
ee) A circunstância de a eliminação da isenção ter afetado os centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis abrangidos por regimes de remuneração garantida não altera esta conclusão.
ff) É verdade que, por força do Decreto-Lei n.º 35/2013, os centros eletroprodutores que optaram por um período adicional de aplicação do regime de tarifa garantida (para além dos 15 anos assegurados pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005), tiveram de proceder ao pagamento de uma compensação anual ao SEN durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020, calculada com base nos valores de referência fixados no n.º 1 do artigo 5.º do mencionado diploma (v., supra, o n.º 43). Simplesmente, o pagamento dessa compensação surge como contrapartida específica da opção pelo prolongamento do acesso ao regime de tarifa garantida, não esgotando a dedução do sobrecusto da produção em regime especial nem a sua projeção sobre o défice tarifário acumulado, o que o converte em base insuficiente para fundar qualquer expetativa atendível na manutenção da isenção da CESE referente ao ano de 2019. Por último, convém não esquecer que estamos perante um benefício precário, revisto anualmente, que reveste, por natureza e em regra, carácter excecional (artigo 2.º, n.º 1, do EBF), sendo, por princípio, livremente revogável.
gg) A esta conclusão chegou, de resto, o Acórdão n.º 68/2025 que, relativamente à CESE de 2020 incidente sobre os titulares dos centros electroprodutores com recurso a fonte renovável, concluiu o seguinte.
hh) «Na verdade, no ano de 2020 o serviço e amortização da dívida tarifária significou um sobrecusto de M 1.174 € nas tarifas ao consumidor, denotando a intensificação do esforço público de redução da dívida tarifária que veio sendo desenvolvido a partir de 2015: neste período de cinco anos, a dívida foi reduzida em M 2.323 €, mas ainda assim fixava-se em 2.757 milhões de euros no exercício de 2020 (ERSE, Tarifas e Preços para a Energia Elétrica em 2020, pp. 8-9).
ii) Este passivo, de valor extremamente significativo, teria de continuar a ser gerido pelo SEN até ao seu pagamento integral, sinalizando-se a presença e persistência do problema transitório e excecional no contexto do grande setor energético a cuja assistência o FSSSE está adstrito por via estatutária.
jj) Sobre a cessação da isenção conferida a electroprodutores do setor renovável pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e a imputada violação do princípio da confiança pela nova solução legislativa, voltemos a sublinhar que a alteração ao artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do RJCESE limitou-se a excluir de entre os sujeitos isentos os electroprodutores de fonte renovável que desenvolvam a sua atividade em regime de remuneração garantida (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do RJCESE, na redação conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro). Estes são, como vimos, os beneficiários do sistema de subsidiação que participa na geração dos sobrecustos tarifários a que a dívida respeita e não se vê qual o contexto circunstancial ou normativo que teria gerado uma expectativa fundada – e inderrogável por norma legal ulterior por comando constitucional – sobre a perpetuidade da sua dispensa na assistência financeira à atividade do FSSSE através da CESE, quer considerando a participação do Fundo na gestão da dívida tarifária, quer as demais políticas públicas referentes ao setor que desenvolva e de que, presumivelmente, este conjunto de empresas extrairá benefício.
kk) O estatuto de isenções previsto no artigo 4.º do RJCESE, exibe um conjunto de normas heterogéneo a que subjazem diferentes ordens de fundamentos, mas, no caso das isenções conferidas a produtores de fonte renovável e de cogeração (alíneas a), b), c), e) e h)), estamos perante medidas tributárias destinada a conferir um tratamento privilegiado a certas categorias de agentes económicos em função da sua estrutura operacional, coevo ao estímulo à produção de energia através de formas de menor impacto ambiental e convergente com o propósito de transição energética que vem enformando as políticas públicas do setor energético desde a viragem do século.
ll) A atribuição de benefícios tributários nestes termos é qualificável como medida de carácter extrafiscal, como é característico aos benefícios fiscais (CASALTA NABAIS, O Dever fundamental de pagar Impostos, Coimbra, 1998, pp. 363-364) e, como é efeito geralmente associável a esta figura jurídico-tributária, corporiza um prejuízo sensível na repartição justa dos encargos públicos financiados pela CESE (neste caso, entre empresas do setor beneficiário da atividade do FSSSE) e na coerência dogmática do tributo (A. P. DOURADO, Direito Fiscal, 7.ª Ed., 2023, Almedina, p. 175).
mm) Se se pode entender que, no quadro de orientação de política legislativa referente ao setor, a transição energética pode continuar a justificar a dispensa de participação desta categoria de operadores quando compitam no mercado livre, parece não menos razoável entender que as entidades beneficiárias de regimes de garantia de preço através de tarifas não beneficiem de idêntico privilégio. Na verdade, enquanto os primeiros concorrem em condições de igualdade com sistemas de produção mais maduros e de custos tendencialmente mais baixos (v. g., produtores que recorram a gás ou a produtos petrolíferos), os segundos estão abonados com um regime de subsidiação que elimina riscos de atividade e sujeição a perdas, ao mesmo tempo que sobrecarrega as bases de consumo, gerando, como acima vimos, riscos importantes de desorganização do mercado.
nn) Como também já assinalámos, a partir de 2006 a política energética foi orientada para a modernização da indústria electroprodutora, promovendo a substituição de unidades baseadas em combustíveis fósseis (termoelétrica) pela produção com recurso a fontes renováveis. A imaturidade dos processos produtivos nessa altura compeliu o Legislador a adotar um conjunto de medidas de incentivo à produção no lançamento do programa, impulsionando a indústria privada ‘verde’ a otimizar os seus processos e a diminuir os seus custos fixos de modo a poder substituir os métodos de produção com recurso a hidrocarbonetos e outros combustíveis fósseis em contexto de mercado livre e concorrencial.
oo) Nesse pressuposto, seria já nessa altura expectável que, na medida por que as produtoras de fonte renovável se implementassem no mercado, os apoios estaduais à produção recuassem, seja no que respeita a subsidiação (leia-se, regimes de remuneração garantida), que tenderá também a desaparecer progressivamente, seja outras formas de despesa pública de apoio à produção, como é o caso de benefícios fiscais às empresas electroprodutoras com recurso a fonte renovável.
pp) Depois de um período de seis anos (2013-2018) em que toda a produção de fonte renovável esteve aliviada de participar no financiamento do FSSSE através de norma de isenção, temos por evidente que a equiparação tributária aos demais operadores no mercado das empresas daquele conjunto que beneficie ainda de subsídios à produção em regime de preço garantido em 2020 não constitui lesão de qualquer expectativa legitimamente fundada. A solução legislativa de cessação do benefício fiscal quanto a esta categoria de operadores revela continuidade com o contexto alargado do setor nos últimos vinte anos e insere-se na margem de liberdade conferida ao Legislador fiscal.»
qq) Não há, pois, fundamento para considerar incompatível com o princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da Constituição a norma resultante dos artigos 313.º, n.º 2, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e artigo 4.º, alínea a), do RJCESE, que eliminou a isenção que se encontrava prevista para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis abrangidos por regimes de remuneração garantida.
rr) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, alínea k, referimos nós, do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, de sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração;
ss) b) Não julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 313.º, n.º 2, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e artigo 4.º, alínea a), do regime jurídico da CESE (na versão da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), que eliminou a isenção que se encontrava prevista para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis abrangidos por regimes de remuneração garantida, mutati mutandis,para o Sector Ambiental da Energia Elétrica.
tt) Daqui se retira que as contribuições financeiras «devem ser estruturadas de tal forma que incidam sobre grupos bem delimitados de pessoas que partilhem a provocação presumível de um mesmo custo ou o aproveitamento presumível de um mesmo benefício» (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2018, p. 312).
uu) Alocada que está à redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), a prestação correspondente à liquidação da CESE referente aos anos de 2019 a 2022 aproveita ao grupo homogéneo constituído pelos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis, na medida em que aquela redução, para além de visar a proteção do consumidor - evitando um aumento drástico de preços - , contribui para a sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico, beneficiando, deste modo, ainda que de forma presumida, cada uma das empresas que operam no mercado da produção de eletricidade.
vv) Por outro lado, o facto de a CESE de 2019, como a dos exercícios seguintes, se destinar ao financiamento da redução do défice tarifário - que foi, em parte, gerado pela assimilação dos sobrecustos associados à produção de eletricidade com tarifa subsidiada - coloca os centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime de remuneração garantida entre os presumíveis causadores da prestação administrativa que o tributo visa compensar, permitindo, também desse ponto de vista, detetar na norma de incidência impugnada a presença da estrutura comutativa e da finalidade compensatória que caracterizam as contribuições financeiras.
ww) Nesse sentido, pode dizer-se que, relativamente aos centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis em regime especial, o fundamento da CESE de 2019, como dos exercícios de 2020, 2021 e 2022, é discernível quer em atenção à vantagem económica propiciada pela sustentabilidade sistémica de todo o setor elétrico, a que a redução do défice tarifário, em última instância, se dirige, quer em face do encargo público originado pela subsidiação do regime de produção com tarifa garantida facultado aos produtores de eletricidade com recurso a fontes de energia renováveis.
xx) Assim a eliminação da isenção aplicável aos produtores renováveis não se operou de forma indiscriminada, mas apenas quando estes beneficiam de um regime de remuneração garantida, não violando, assim, o princípio da igualdade, pelo que a CESE não é um imposto.
Nessa medida, o Tribunal Arbitral, não estando em causa a apreciação da legalidade de qualquer pretensão relativa a impostos, como exige o n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011, de 22 de março, não é competente para a apreciação da legalidade da autoliquidação da CESE impugnada.
Pelo exposto, o presente Tribunal Arbitral decide pela procedência da exceção dilatória relativa à incompetência material deste Tribunal para apreciar o pedido formulado.
Consequentemente, determina-se a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea a), do CPTA, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
Atendendo ao sentido da presente decisão, fica prejudicada, por se revelar inútil, a análise das restantes questões suscitadas nos autos.
14. DECISÃO
1. Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de atos de autoliquidação da CESE referentes ao exercício de 2022.
2. Absolver a Autoridade Tributária da instância quanto ao pedido principal.
3. Absolver a Autoridade Tributária do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios.
4. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 242.811,70 € (duzentos e quarenta e dois mil, oitocentos e onze euros e setenta cêntimos) nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros) a cargo da Requerente, conforme com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se
Lisboa, 9 de dezembro de 2025
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão,
com a seguinte declaração de voto:
Concordando com a qualificação jurídica da CESE como contribuição financeira, decidiria liminar e prioritariamente pela incompetência material do Tribunal Arbitral pelas razões ou fundamentados apontados também no acórdão arbitral do CAAD de 21-11-2025, proferido pelo Tribunal Coletivo a que presidi, no âmbito do processo nº 328/2025-T (ainda não publicado nesta data), julgando prejudicada a apreciação das demais questões, designadamente de (in)constitucionalidade suscitadas.
Sumariou-se o sobredito acórdão arbitral da seguinte forma:
«A qualificação da CESE como contribuição financeira assenta […] na relação funcional entre obrigados tributários (operadores do setor energético) e a finalidade a que a contribuição está adstrita, o financiamento de um Fundo, oFSSSE, dedicado à implementação de políticas do setor energético de cariz social e ambiental que promovam a sua eficiência e estabilidade […]. Entreestas atribuições, conta[m]-se o serviço e a amortização da dívida tarifária doSistema Elétrico Nacional (SEN) […]. Sobre a possibilidade de esta estrutura tributária ter ficado comprometida pelas alterações ao regime jurídico do FSSSE […], introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, será de recuperar as considerações tecidas pelo Acórdão do TC n.º 296/2023. [A] modificação do quadro legislativo do RJFSSSE não impactou na CESE de modo a comprometer a doutrina do Acórdão do TC n.º 7/2019 sobre a qualificação do tributo como contribuição financeira, também com relação ao leque de sujeitos abrangidos pela incidência e aqui se incluindo empresas do setor electroprodutor» – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 63/2025 (2.ª Secção), de 23 de janeiro de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24. II. «[A]s empresas electroprodutoras com recurso a fonte renovável não apenas beneficiam da estabilidade (de preço e de volume de procura) conferida pela adequada gestão da dívida tarifária, são elas as principais beneficiárias do regime de de subsidiação pública responsável pela geração da quase-totalidadedo stock de dívida: a sua adequada gestão – cujo serviço e amortização a CESE financia, para além do mais – terá de entender-se, como está bom de ver, contraface natural do sistema de incentivos financeiros à produção de que gozam as empresas do subsetor electroprodutor com fonte renovável, reforçando a relação de benefício difuso entre tributo e sujeitos passivos, característica das contribuições financeiras, e suportando a incidência sobre esta classe de operadores» – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/2025 (Plenário), de 15 de julho de 2025, tirado em sede do processo n.º 36/24. III. Atendendo à natureza jurídica da CESE (contribuição financeira), a Entidade Requerida não se encontra vinculada à arbitragem em matéria tributária (cfr. Artigo 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março), pelo que o Tribunal Arbitral abster-se-á de apreciar o mérito da causa.
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente do Tribunal)
Maria Alexandra Mesquita (Relatora)
Sónia Fernandes Martins
(com declaração de voto de vencido infra)
Declaração de voto de vencido
(processo n.º 288/2025-T)
Voto vencido relativamente à solução jurídica perfilhada pelo Tribunal Arbitral quanto à sua incompetência, em razão da matéria[1], para apreciar o thema decidendum subjacente aos presentes autos [(i)legalidade da (auto)liquidação de contribuição extraordinária sobre o setor energético (“CESE”) do ano de 2022, por força da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE[2], aplicável a entidades como a Requerente (i.e., a entidades comercializadoras grossistas de petróleo bruto e de produtos petrolíferos)], nos termos que passo a expor:
1. Sem prejuízo da abundante jurisprudência sobre a matéria, em formação plenária, o Tribunal Constitucional ainda não emitiu pronúncia especificamente sobre a norma ínsita no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE.
2. Recentemente, porém, o Plenário do referido órgão jurisdicional pronunciou-se sobre a norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, aplicável a entidades concessionárias das atividades de transporte, distribuição e/ou armazenamento subterrâneo de gás natural.
3. E, bem assim, sobre a norma constante do artigo 2.º, alínea b), do regime jurídico da CESE, desta feita aplicável a entidades titulares de centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renováveis.
4. Fê-lo, respetivamente, por meio dos Acórdãos n.os 677/2025 (Processo n.º 22/2025) e 680/2025 (Processo n.º 36/2024), ambos de 15 de julho de 2025.
5. Em sede do primeiro dos aludidos arestos, o Plenário do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma prevista no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE:
«Em face do exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019) […]».
6. Nesse âmbito, adotou a posição que, em jeito de síntese, se transcreve:
«[…] [N]ão há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores − não se podendo admitir como contraprova a suposição de que um tal benefício advém, como que obliquamente, da circunstância de boa parte das empresas credoras da dívida tarifária serem grandes consumidoras de gás natural. Acresce que o regime não define critérios que imponham que uma parte relevante da receita da CESE se mantenha afeta ao financiamento de medidas tendentes a favorecer os interesses de todos os operadores económicos incluídos no seu âmbito de incidência subjetiva (e não isentos) […]. Por fim, ainda que um terço da receita da CESE tivesse sido consignado ao “financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética”, a circunstância de as tarefas que o tributo se destina a financiar não terem sido objeto de densificação mínima, não permite sequer apreender se e em que medida cada um dos subsetores em causa é visado pelas medidas a adotar pelo FSSSE […].
Para o regime jurídico da CESE em vigor em 2019 não sobram quaisquer questões concernentes à aplicabilidade da “alteração introduzida ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril (diploma que cria o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético) pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro” e, por isso, nada obsta a que nos presentes autos se reitere o juízo de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição, do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, formulado no Acórdão n.º 101/2023, tendo por base, mutatis mutandis, a fundamentação desenvolvida naquele aresto […].
[A] CESE passou a constituir um verdadeiro imposto, em virtude de tal alteração de regime operada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, haver descaracterizado o “nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência (cf. declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 338/2023, bem como os Acórdãos n.os 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 427/2024 e 443/2024)” (Acórdão n.º 475/2024)».
7. Em sede do segundo dos referidos arestos, de modo distinto, o Plenário do Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma ínsita no artigo 2.º, alínea b), do regime jurídico da CESE:
«Nestes termos e com estes fundamentos, decide-se:
a. Não julgar inconstitucional o artigo 2.º, alínea b), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, de sujeitos titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração;
b. Negar provimento, nesta parte, ao recurso e, no mais, não conhecer do demais objeto do recurso».
8. Nesse ensejo, perfilhou o seguinte entendimento:
«[…] [A]nalisando de perto o quadro legal e as condições de operação que deram causa à dívida tarifária, a sua gestão enquanto escopo compreendido nas atividades do Fundo não apenas representava o tipo de benefício difuso passível de justificar a sujeição das empresas do setor da energia renovável a um tributo com a natureza de ‘contribuição financeira’, como constituía resposta pública a um problema gerado por este mesmo subsetor […]. [A]s empresas electroprodutoras com recurso a fonte renovável não apenas beneficiam da estabilidade (de preço e de volume de procura) conferida pela adequada gestão da dívida tarifária, são elas as principais beneficiárias do regime de subsidiação pública responsável pela geração da quase-totalidade do stock de dívida: a sua adequada gestão – cujo serviço e amortização a CESE financia, para além do mais – terá de entender-se, como está bom de ver, contraface natural do sistema de incentivos financeiros à produção de que gozam as empresas do subsetor electroprodutor com fonte renovável, reforçando a relação de benefício difuso entre tributo e sujeitos passivos, característica das contribuições financeiras, e suportando a incidência sobre esta classe de operadores».
9. Por seu turno, em secção[3], especificamente quanto à norma prevista no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, o Tribunal Constitucional proferiu as seguintes decisões:
® Acórdão n.º 196/2024, de 12 de março de 2024 (Processo n.º 1114/2022):
«[…] [O]s fundamentos do Acórdão n.º 101/2023 merecem integral acolhimento. A conclusão ali alcançada – de que, para as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, dissolveram o nexo com as finalidades do tributo, transformando o tributo num imposto, no que a tais entidades respeita – vale, por identidade de razão, para os comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo. Efetivamente, quanto a estas, pode afirmar-se, de igual modo, que “(…) deixou de ser possível afirmar que (…) podem ser consideradas responsáveis pela (concretização dos objetivos da CESE, agora fortemente reduzidos), e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar”. A dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelo setor do petróleo, “(…) nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou direto […]” (declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 296/2023, supra citada, pelo que “(…) não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas [comercializadoras de petróleo bruto e de produtos de petróleo] encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores” (Acórdão n.º 101/2023, adaptado à atividade em causa nos presentes autos).
Vale a referida conclusão, também, para o os tributos liquidados por referência ao exercício económico de 2019, com idênticos fundamentos, porquanto o regime instituído por aquele decreto-lei se manteve inalterado durante tal período».
® Decisão Sumária n.º 147/2025, de 6 de março de 2025 (Processo n.º 186/2025):
«Em face do exposto, decide-se:
a. Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31.12, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15.02);
e, em consequência,
b. Negar provimento ao presente recurso».
® Decisão Sumária n.º 425/2025, de 30 de junho de 2025 (Processo n.º 237/2025):
«Em face do exposto, decide-se:
a. Julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2021 pelo artigo 415.º, n.º 1, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2021, sejam comer-cializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro);
b. Negar provimento ao recurso».
® Decisão Sumária n.º 426/2025, de 30 de junho de 2025 (Processo n.º 532/2025):
«Em face do exposto, decide-se:
a. Julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2021 pelo artigo 415.º, n.º 1, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2021, sejam comer-cializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro);
b. Negar provimento ao recurso».
® Acórdão n.º 860/2025, de 1 de outubro de 2025 (Processo n.º 532/2025):
«Pelo exposto, decide-se:
a. Indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar integralmente a decisão sumária reclamada, julgando incons-titucional a artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2021 pelo artigo 415.º, n.º 1, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2021, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro)».
10. Neste contexto, importa enfatizar ter a prolação do último dos arestos identificados ocorrido em momento posterior (em concreto, a 1 de outubro de 2025) à emissão dos dois acórdãos do Plenário acima identificados (em concreto, a 15 de julho de 2025), tendo aquele aresto mantido na ordem jurídica a Decisão Sumária n.º 426/2025 (Processo n.º 532/2025), de 30 de junho de 2025, cujo sentido decisório apresenta inequívoca convergência com a posição sufragada no âmbito do Acórdão n.º 677/2025 (Processo n.º 22/2025), pugnando pela inconstitucionalidade do artigo 2.º do regime da CESE.
11. Em face do exposto, é possível constatar que, no seio da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, a situação das entidades comercializadoras grossistas de petróleo bruto e de produtos petrolíferos (cfr. artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE) aproxima-se da das entidades concessionárias das atividades de transporte, distribuição e/ou armazenamento subterrâneo de gás natural (cfr. artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE), afastando-se da das entidades titulares de centros electroprodutores que utilizam fontes de energia renováveis (cfr. artigo 2.º, alínea b), do regime jurídico da CESE), tendo, por isso, sido julgada inconstitucional, com fundamento na preterição do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE.
12. Exposto o status quo decorrente da jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, impõe-se uma tomada de posição sobre a matéria.
13. Antes, porém, importa ter presente a existência de fortes indícios de, no ano de 2022, a receita proveniente da CESE ter sido integralmente afeta à redução do défice tarifário do Sistema Elétrico Nacional (“SEN”), não tendo sido canalizada para quaisquer das demais atribuições legalmente cometidas ao Fundo Ambiental[4].
14. Neste contexto, atente-se à Conta Geral do Estado de 2022 – designadamente, às suas páginas 70-71 e 365 (cfr. sua reprodução em anexo – I e II, parte integrante da presente declaração de voto de vencido) – e, bem assim, ao Relatório e Contas do Fundo Ambiental desse ano – em particular, às suas páginas 85 e 96 (cfr. sua reprodução em anexo – III e IV, parte integrante da presente declaração de voto de vencido).
15. Da análise conjugada destes documentos infere-se ter a receita (orçamentada) da CESE ascendido a 125.000.000 EUR, montante (igualmente no plano orçamental) consignado ao SEN através da respetiva contribuição para a redução do défice tarifário.
16. Dos elementos contabilísticos públicos disponíveis resulta então ter sido a receita da CESE de 2022 estimada em 125.000.000 EUR, tendo a mesma sido canalizada para o Fundo Ambiental na sequência da extinção do FSSSE.
17. Mais se extrai dos aludidos documentos que tal montante surge, no plano orçamental, como destinado a suportar encargos do SEN por meio da redução do défice tarifário, não se encontrando evidência, na informação pública de execução orçamental, de que a CESE tenha sido adstrita a quaisquer outras atribuições do Fundo Ambiental.
18. Deste modo, face à informação pública existente, é possível concluir que, no ano de 2022, a totalidade da receita orçamentada da CESE estava destinada ao financiamento do SEN (em concreto, à redução do défice tarifário), não havendo evidência documental de ter sido aplicada às demais finalidades legalmente cometidas ao Fundo Ambiental.
19. Não tendo a Requerente[5] contribuído para o défice tarifário do SEN[6] e não tendo a receita da CESE sido afeta a finalidade distinta da redução daquele défice (como se infere do exposto), a natureza jurídica deste tributo como contribuição financeira claudica quanto à Requerente (na qualidade de entidade comercializadora grossista de petróleo bruto e de produtos petrolíferos), inexistindo sinalagma (ainda que difuso) entre a prestação pública disponibilizada e a contraprestação suportada pela Requerente. O tributo reveste, assim, a natureza de imposto.
20. Deste modo, na minha perspetiva, a Entidade Requerida está vinculada à arbitragem em matéria tributária, sendo o Tribunal Arbitral competente (em razão da matéria) para apreciar o litígio sob contenda, relativo a um imposto [in casu, a CESE (auto)liquidada pela Requerente no ano de 2022] – cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março[7], e 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT[8].
21. Não se verifica, assim, a exceção dilatória aduzida pela Entidade Requerida em sede de resposta (cfr. artigos 10.º a 60.º), carecendo, por isso, de fundamento a absolvição da instância declarada pelo Tribunal Arbitral no âmbito da decisão arbitral.
22. Em qualquer caso, a meu ver, tal exceção – a ter lugar, no que não concedo – assumiria antes “o figurino” de exceção dilatória inominada. Defendo-o na esteira do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de janeiro de 2025, exarado em sede do processo n.º 136/19.4BCLSB:
«[…] [O] Tribunal Arbitral, ao declarar-se materialmente incompetente para conhecer do litígio, cujo objeto era a pretensão anulatória da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, que concluiu tratar-se de uma contribuição financeira administrada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, incorreu em pronúncia indevida. Salvo o devido respeito, tendo o pedido de pronúncia arbitral por objeto pretensão relativamente à qual a Administração Tributária e Aduaneira não está sujeita ao regime da arbitragem (por se tratar de tributo, mas não imposto por ela administrado), o caminho certo seria absolver a requerida da instância por não estar sujeita à jurisdição arbitral relativamente ao objeto do pedido, exceção dilatória inominada (artigos 24.º, n.º 3 e 29.º, alínea e) do RJAT e 576.º, n.os 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC)».
23. Por outro lado, em minha opinião, atento o acima exposto (em particular, o ponto 19. supra), andou bem a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional ao ter julgado inconstitucional a norma ínsita no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, com fundamento na preterição do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, sendo aplicável, ainda que mutatis mutandis, a jurisprudência do Plenário do Tribunal Constitucional refletida no Acórdão n.º 677/2025 (Processo n.º 22/2025).
24. Neste âmbito, subscrevo assim quer a posição refletida no Acórdão do Tribunal Constitucional (1.ª Secção) n.º 196/2024, de 12 de março de 2024 (Processo n.º 1114/2022), quer a posição preconizada no Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 677/2025 (Processo n.º 22/2025).
25. A posição que ora assumo não contraria aquela que sustentei na Decisão Arbitral n.º 328/2025-T, de 21 de novembro de 2025. É precisamente a inserção das Requerentes em subsetores distintos do setor energético (subsetor da produção de eletricidade com recurso a fontes de energia renováveis, no âmbito do Processo Arbitral n.º 328/2025-T vs. subsetor do comércio de petróleo e produtos petrolíferos, no âmbito do presente processo arbitral) que impõe – de forma clara e inafastável – a adoção de soluções jurídicas diferenciadas.
26. Em sentido consonante com o enunciado supra, atente-se igualmente à jurisprudência dos tribunais superiores:
«[…] [U]ma vez que o aludido Aresto [Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 196/2024, de 12 de março de 2024 (Processo n.º 1114/2022)] analisa com total propriedade a resenha jurisprudencial sobre a questão em contenda, aderimos na íntegra à jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional quanto à matéria em apreço, secundando-se, assim, o entendimento de que a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2020, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2020, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa» – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de setembro de 2025, exarado no âmbito do processo n.º 1883/21.6BELRS.
«Fazendo nossos os argumentos expendidos no Aresto transcrito [Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 196/2024, de 12 de março de 2024 (Processo n.º 1114/2022)] e, em face do juízo de inconstitucionalidade ali efetuado, o presente salvatério terá de ser julgado procedente. Em consequência, revoga-se a decisão recorrida e julga-se procedente a impugnação deduzida com a necessária anulação da liquidação impugnada […]. As normas que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, mais concretamente o seu artigo 2.º, alínea k), na versão vigente para o exercício de 2021, violam o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa» – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 3 de abril de 2025, exarado no âmbito do processo n.º 1136/22.2BELRS.
27. E, bem assim, à jurisprudência arbitral:
«As regras observadas pelo Tribunal Constitucional, em particular no Acórdão n.º 196/2024, com referência à autoliquidação da CESE relativa ao exercício de 2019, mantiveram-se em 2020. Como tal, não poderá deixar de se concluir que a autoliquidação da CESE para o ano de 2020 viola o princípio da igualdade, uma vez que a dívida tarifária não foi provocada pelo setor do petróleo. Tendo em conta a configuração da CESE para 2020 e a alocação da respetiva receita, impõe-se concluir pela ilegalidade da autoliquidação deste tributo naquele ano, implicando a sua correspondente anulação por vício de inconstitucionalidade material» – cfr. Decisão Arbitral de 17 de novembro de 2025, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 262/2025-T.
28. Aqui chegados e igualmente atentos os elementos probatórios carreados para os autos pelas partes, prefigurar-se-iam razões suficientemente atendíveis para fundar um juízo de ilegalidade sobre a (auto)liquidação de CESE do ano de 2022 e, bem assim, sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
29. Pelo que, na minha ótica, seriam anuláveis os atos tributário [(auto)liquidação de CESE, referente ao ano de 2022, no montante de 242.811,70 EUR] e em matéria tributária (decisão de indeferimento da reclamação graciosa) objeto dos presentes autos, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), o que inelutavelmente conduziria à procedente da ação arbitral.
30. Nesta sede não tomarei conhecimento sobre as demais questões aventadas pela Requerente no âmbito do pedido de pronúncia arbitral – referentes à preterição dos princípios da capacidade contributiva, do lucro real, da confiança e da proporcionalidade – por considerar ter o seu conhecimento ficado prejudicado pela solução jurídica que perfilhei no âmbito da presente declaração de voto de vencido – cfr. artigos 124.º do CPPT e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
31. Porém e por último, em face da patologia que assinalei como subjacente à prática do ato objeto (mediato) dos presentes autos – assente, reitere-se, na inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, por força da preterição do princípio da igualdade tributária –, concedo que não assistiria à Requerente o direito à perceção de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”), na medida em que o preenchimento do requisito atinente à comissão de «erro imputável aos serviços» seria discutível.
32. Neste contexto, parafraseando a jurisprudência dos tribunais superiores, importa ter presente o seguinte:
«[N]o Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso […]. [Pelo que,] a Administração Tributária não poderia ter decidido de modo diferente a reclamação graciosa […], quer porque não lhe assiste o direito a recusar a aplicação de norma que, no seu entender, poderia ser inconstitucional, quer porque não lhe é permitido formular um juízo sobre essa constitucionalidade. Assim, se o contribuinte no cumprimento duma norma legal procede a uma liquidação que a lei lhe impõe e essa norma vem posteriormente a ser declarada inconstitucional, todos os efeitos decorrentes de uma aplicação viciada, apesar de serem obrigatoriamente anulados, o certo é que tal anulação não decorre de qualquer conduta da Administração Tributária nem de erro por si praticado que se refletiria na esfera da Administração Tributária. E não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional, ser atribuída a ilegal conduta da Administração Tributária, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do art.º 43 [n.º 1] da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de março de 2017, exarado em sede do processo n.º 0471/14.
33. Não obstante, considero que a Requerente teria direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT («São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade […] da norma legislativa […] em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução»).
34. Com efeito, na esteira da recente jurisprudência dos tribunais superiores, importa realçar como se segue:
«[A]pós a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, a questão (controversa) de saber se a anulação da liquidação, baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele ato tributário, confere à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, ficou legislativamente resolvida. E sendo esse o circunstancialismo que no caso se verifica, já que subjacente ao julgamento de ilegalidade esteve o afastamento do regime julgado constitucionalmente desconforme pelo Tribunal a quo, carece de sentido invocar, no sentido de ser denegado o direito a juros indemnizatórios […], a inexistência de acórdão julgando as normas em apreço inconstitucionais com força obrigatória geral […]. É verdade que a interpretação ou densificação da expressão “decisões judiciais de inconstitucionalidade […] anteriores à sua entrada em vigor” não tem obtido resposta uniforme por parte dos nossos Tribunais Superiores, havendo arestos em que a mesma foi interpretada e aplicada como reportando-se exclusivamente ao juízo de inconstitucionalidade realizado pelo Tribunal Constitucional e outros que a interpretaram e aplicaram como abrangendo todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo é feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do artigo 204.º da CRP. Sendo, para nós, suficiente, para que haja reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios previsto na norma e diploma legais citados, que haja um julgamento de desaplicação da norma com fundamento na sua inconstitucionalidade proferido por um Tribunal Tributário no exercício da competência de fiscalização de constitucionalidade das normas, reconhecido no sistema constitucional português a todos os Tribunais (judiciais, administrativos e fiscais (artigos 204.º e 277.º da CRP) […]. Aliás, mesmo que entendêssemos que o reconhecimento a juros indemnizatórios com base no regime consagrado no artigo 43.º, n.º 3, al. d), da LGT pressupunha, no mínimo, uma pronúncia do Tribunal Constitucional, a sentença sempre seria mantida, nos seus exatos termos, na ordem jurídica, uma vez que, importa recordar, é jurisprudência firme desta Secção e Tribunal que aquele reconhecimento se basta com uma pronúncia de inconstitucionalidade das mesmas normas em casos semelhantes, isto é, que não é necessário, nem um julgamento do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral nem uma pronúncia no caso concreto (vide, neste sentido, designadamente, os acórdãos proferidos nos processos n.º 107/17.5BEFUN, de 21-2-2022; 845/17.2BELRS, de 10-4-2024 e 697/14.4BELRS, de 11-7-2024 […]» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de fevereiro de 2025, exarado no âmbito do processo n.º 01527/16.8BELRS.
35. Neste ensejo, e na medida em que o direito em apreço não depende de pedido expressamente deduzido pela Requerente em conformidade (in casu, de pedido de condenação da Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, na aceção do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT), incumbiria ao Tribunal Arbitral, na sequência da formulação de um juízo de inconstitucionalidade sobre normas (cfr. jurisprudência supra), aplicar ex officio o referido regime ressarcitório.
36. A este propósito, atente-se, uma vez mais, à jurisprudência dos tribunais superiores:
«[Os] juros indemnizatórios destinam-se a compensar os contribuintes pelo prejuízo provocado pela privação indevida de meios financeiros […], sendo que o direito aos mesmos nasce na esfera jurídica do contribuinte independentemente da formulação de qualquer pedido a exigi-los, bastando para a sua atribuição que estejam reunidos os respetivos pressupostos, conforme se extrai da leitura do aludido artigo 100.º da LGT (vide, neste sentido, acórdão do STA, de 03.05.2018, processo n.º 0250/17)» – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 6 de fevereiro de 2025, exarado no âmbito do processo n.º 572/19.6BELRS.
37. Por tudo quanto expus e ao arrepio do sentido decisório propalado pelo Tribunal Arbitral nos presentes autos, entendo que a ação arbitral deveria ter sido julgada procedente, com fundamento na inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (por preterição do princípio da igualdade tributária previsto no artigo 13.º da CRP)[9], e, por via disso:
® Anulados os atos (tributário e em matéria tributária) sob contenda, nos termos do artigo 163.º do CPA;
® Restituído à Requerente o montante de 242.811,70 EUR, nos termos do artigo 100.º da LGT e
® Condenada a Entidade Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios, computados sobre o referido montante, desde a data do pagamento indevido do tributo (31 de outubro de 2022) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.
Lisboa, 9 de dezembro de 2025
A Árbitra Adjunta,
Sónia Fernandes Martins
Cfr. anexos I, II, III e IV na versão PDF
[1] A incompetência, em razão da matéria, enquadra-se na incompetência absoluta do tribunal – cfr. artigo 16.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”). É uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e arguível pelas partes, conducente à absolvição da instância – cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea a), e 578.º do Código de Processo Civil (“CPC”), e 16.º, n.º 2, do CPPT, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
[2] O regime jurídico da CESE foi aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. A sua vigência foi prorrogada para o ano de 2022 pelo artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro.
[3] Em concreto, no âmbito da 1.ª Secção, desconhecendo-se a existência de jurisprudência das demais secções (2.ª e 3.ª Secções) do Tribunal Constitucional sobre a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE.
[4] Outrora (até 31 de dezembro de 2021), Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (“FSSSE”). Nos termos do Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15 de dezembro, procedeu-se à extinção do Fundo Florestal Permanente, do Fundo de Apoio à Inovação, do Fundo de Eficiência Energética e do FSSSE e, concomitantemente, à criação do Fundo Ambiental, o qual passou a aglutinar as atribuições e competências daqueles fundos.
[5] À semelhança das demais entidades previstas no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE.
[6] No plano nacional, no âmbito do setor da energia, a Requerente não pertence ao (sub)setor elétrico, uma vez que atua sob “as vestes” de entidade comercializadora grossista de petróleo bruto e de produtos petrolíferos.
[7] «Os serviços e organismos referidos no artigo anterior [Autoridade Tributária e Aduaneira] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
[8] «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta […]».
[9] Não tendo assim sucedido, e atendendo à profícua jurisprudência constitucional e dos tribunais superiores sobre a matéria – favorável a sujeitos passivos enquadráveis no artigo 2.º, alínea k), do regime da CESE –, não se afigura despicienda a possibilidade de aplicação do regime previsto no artigo 24.º, n.º 3, do RJAMT.