SUMÁRIO:
Não sendo a Requerente titular do Direito que invoca, não tem legitimidade substantiva na Relação jurídica, o que consubstancia uma exceção perentória conducente à absolvição do pedido, cf. artigos 576.º, nºs. 1 e 3 e, e 579.º, ambos do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., S.A., sociedade anónima, com o número de identificação fiscal ..., sede na ..., ... B, ...-... Lisboa, pertencente à área do Serviço de Finanças de Lisboa ..., vem, nos termos e para os efeitos previstos no disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e no artigo 5.º, n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), bem como no artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, e consequentemente a anulação dos atos de retenção na fonte, associados às guias de pagamento n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., emitidas pela AT, no valor global de € 46 852,95, por entender que os mesmos sofrem de vícios que conduzem à sua ilegalidade e, por isso anuláveis, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 99.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, com os fundamentos constantes da referida petição que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite e notificado à AT em 29/05/2025, não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17/07/2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 05/08/2025, que na mesma data proferiu o seguinte Despacho: “Notifique-se o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária, nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional, caso queira, devendo ser remetido ao Tribunal Arbitral, nos termos do nº 2 do citado artigo 17º do RJAT, cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Veio a Requerida AT, na sua resposta de 28/10/2025, apresentar a sua defesa, suportando-a, em primeira linha, na ilegitimidade substantiva da Requerente, que a verificar-se, consubstancia uma exceção perentória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição do pedido, de acordo com os artigos 576.º, nºs. 1 e 3 e, e 579.º, ambos do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
Suscitou de seguida a inimpugnabilidade do ato com os fundamentos constantes da respetiva Resposta, o que consubstanciaria uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento dos autos e conduziria à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 278.º/1-e) do CPC, ex vi artigo 29.º/1-e) do RJAT.
Aduziu ainda a incompetência parcial do Tribunal Arbitral Singular para condenar a Requerida ao pagamento de juros de mora computados a partir do termo do prazo de execução espontânea de decisão arbitral transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito respetiva, pretensão esta que não está contemplada no nº. 1do artigo 2º do RJAT.
Por impugnação a Requerida conclui que a Requerente faz errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso e não cumpriu o ónus probatório que sobre si impende, impugnando também os factos por ela alegados bem como os respetivos documentos, que estejam em oposição com a defesa apresentada, considerada no seu conjunto, nos termos do artigo 574.º/2 do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
II- SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro).
O presente pedido de pronúncia foi apresentado em 29 de maio de 2025 e aceite na mesma data, vindo o Tribunal a ser constituído em 05 de agosto de 2025 que na mesma data proferiu Despacho de notificação da Requerida nos termos e efeitos do artigo 17º do RJAT.
Apresentada a Resposta o Tribunal proferiu Despacho a dispensar a Reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a junção de tradução dos documentos em língua estrangeira e a produção de alegações.
Concedeu o prazo de 20 dias à Requerente para responder às exceções aduzidas pela Requerida e pagar a taxa de justiça subsequente. Por último fixou o prazo para a prolação da decisão.
A Requerida discorda da dispensa da junção da tradução dos documentos em língua estrangeira, mantendo o Tribunal a sua dispensabilidade.
A Requerente respondeu às exceções conforme consta da respetiva peça processual que aqui se dá por reproduzida.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não padece de nulidades.
Cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1.As questões a dirimir são as seguintes:
a) Saber se os atos de retenção na fonte de IRC sobre os juros pagos pela Requerente ao B... identificados nos autos, efetuados ao abrigo do disposto no artigo 94.º, n.º 1 c) e n.º 3, alínea b) do CIRC, devem ser anulados, por vício de violação de lei, concretamente violação do direito da União Europeia, relativamente à circulação de capitais; e
b) Se as entidades não residentes e sem estabelecimento estável no território português podem ser tributadas pelos rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos dos artigos 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º do Código do IRC, à data vigentes, sem a possibilidade de deduzirem os encargos diretamente relacionadas com tal atividade.
2 - Matéria de Facto
2.1 – Factos provados
a) A Requerente é uma sociedade comercial por ações e que tem por objeto social a detenção e administração da sua única propriedade localizada na Rua ..., nº ..., em Lisboa, bem como a detenção e administração de bens móveis de forma a cumprir as suas obrigações como Senhoria.
b) O B... (“B...”) é uma instituição financeira alemã, com sede em ..., ... Frankfurt am Main, e sem estabelecimento estável em território português, estando legalmente autorizada a desenvolver aqui a sua atividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira.
c) A Requerente e a B... integram o Grupo C..., grupo alemão que lidera a nível mundial o investimento, desenvolvimento e gestão de ativos imobiliários, tendo com este celebrado em 23/11/2020 um contrato de mútuo, com vencimento de juros por ela pagos ao B... .
d) A Requerente efetuou retenção na fonte de IRC, na qualidade de substituto tributário, sobre os juros pagos ao B..., com sede na ..., ... Frankfurt am Main.
e) Tais juros, no exercício de 2022, foram sujeitos a tributação, em sede de IRC, a título definitivo, nos termos dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º,n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, à taxa liberatória de 15%, por força da aplicação do artigo 11.º, n.º 2, alínea b) da convenção destinada a eliminar a dupla tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e a Alemanha.
f) O montante de IRC retido na fonte foi de € 46 852,95, conforme guias de pagamento n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pagas nos exercícios de 2020 (1 de dezembro), 2021 (16 de março,01 de junho, 02 de setembro e 01 de dezembro) e 2022 (01 de março e 01 de junho).
g) Contra tais atos de liquidação a Requerente apresentou, em 18 de dezembro de 2024, pedido de revisão oficiosa, conforme Processo Administrativo junto, que mereceu indeferimento tácito.
h) A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dirigida contra os atos de retenção na fonte de IRC já referidos.
i) A Requerente não apresentou qualquer documento comprovativo ou justificativo de despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão.
2.2 - Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que poderão interessar à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr.artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável, conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.
2.3- Factos não provados
Não se considera a existência de outros factos não provados com relevância para a decisão.
3 – Matéria de Direito
Questões Prévias a Apreciar
Como já se referiu a Requerida na sua Resposta suscitou as seguintes exceções:
a) A ilegitimidade substantiva da Requerente;
b) A inimpugnabilidade do ato; e
c) A incompetência parcial do Tribunal Arbitral Singular.
Assim, antes de entrarmos na apreciação substantiva do pedido, o Tribunal tem que fazer a apreciação das exceções suscitadas, na medida em que, a verificar-se a procedência de alguma delas, obstará ao conhecimento do mérito do pedido pelo que a sua apreciação é prioritária.
a) Da ilegitimidade substantiva da Requerente
A Requerida entende que a Requerente não se encontra habilitada a discutir a legalidade das referidas retenções tendo por base uma causa de pedir que assenta numa suposta desconformidade da legislação fiscal portuguesa com o Direito Comunitário Europeu, na medida em que lhe falta legitimidade substantiva o que consubstancia uma exceção perentória, conducente à absolvição do pedido, o que obstará ao prosseguimento do processo, de acordo com os artigos 576.º, n. os 1 e 3 e, e no 579.º, ambos do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
Sustenta o seu ponto de vista no facto da Requerente não passar de um mero substituto tributário, que se limitou a pagar o imposto, facto que não a torna sujeito passivo, assumindo apenas um papel instrumental na relação jurídica tributária. Ao pretender discutir a legalidade da retenção da fonte de IRC em causa, está a intrometer-se na relação material que existe entre a Requerida e a substituída B..., o que em seu entender, vai muito além, do seu papel instrumental na relação jurídico-tributária que existe apenas e só entre a Requerida e a substituída B... . Cita varia jurisprudência que vai no sentido por si propugnado.
Respondeu a Requerente dizendo que é o sujeito passivo da relação tributária e, por outro lado, tem interesse direto em demandar na medida em que é o substituto tributário subjacente aos atos de retenção na fonte em crise, sendo forçoso concluir que a Requerente tem legitimidade procedimental, processual e substantiva para reclamar e para impugnar judicialmente os atos em crise. Para apoiar o seu ponto de vista cita o Acórdão do STA 839/11 de 06/02/2013 e nas decisões arbitrais recentes (Pºs 537/2025-T e 538/2025-T) que juntou. No Acórdão do STA e nos Pºs do CAAD foram analisadas situações semelhantes à dos autos, salientando, que no Pº 537/2025-T, com os mesmos fundamentos e o mesmo substituído tributário, pelo que deverá ser dado tratamento análogo aos atos de retenção na fonte em crise, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 3,do Código Civil.
O Tribunal considera que o Acórdão do STA, invocado pela Requerente, se reconduz ao processo onde foi proferido e reporta-se á legitimidade processual e proccedimental que se reconhece ter, atendendo ao seu interesse direto em contradizer, o qual decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da ação, conforme artigo 30.º, n.º 2 do CPC. No caso dos presentes autos é a legitimidade material, substantiva para o ato, na relação controvertida em análise. Na verdade, a prestação de serviços foi praticada pelo B... que tem a capacidade contributiva nesta relação jurídica que conduziu ao nascimento da obrigação legal de pagar de IRC em Portugal, surgindo a Requerente, por disposição legal, na figura de substituto tributário com a obrigação de o pagar mas não foi a Requerente que prestou o serviço de financiamento que originou tal pagamento em Portugal, servindo como mero instrumento da relação jurídica em causa. Também não está a impugnar a retenção do mesmo, ao abrigo do artigo 132.º/1 do CPPT, o que está a pretender discutir é saber se a liquidação do IRC em questão está conforme o direito europeu, designadamente, se há ou não discriminação entre os prestadores residentes em Portugal e os não residentes, situação que tem de ser apreciada no âmbito do prestador de serviços que não é parte nos presentes. Estando a Requerente na situação de mero substituto tributário carece de legitimidade substantiva na relação em causa.
Relativamente às decisões proferidas nos processos do CAAD juntos pela Requerente e já referidos, o Tribunal entende que as decisões aí tomadas se reconduzem aos mesmos e que, apesar da semelhança, questões houve que neles não foram suscitadas e neste foram, como é o caso da ilegitimidade substantiva da Requerente.
Situação semelhante à dos presentes autos foi apreciada e decidida no Pº 513/2021-T cujo sumário aqui se transcreve:” – I -A legitimidade processual constitui um pressuposto adjectivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer.
II - A legitimidade substantiva é um requisito de procedência do pedido, relacionado com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa.
III - Apesar da Requerente ter legitimidade processual, dado o seu interesse directo em contradizer, o qual decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da acção (artigo 30.º, n.º 2 do CPC), não tem legitimidade material, substantiva ou ad actum, na relação controvertida em análise, dado ser-lhe inaplicável a invocada possibilidade de proceder à dedução de despesas profissionais, atendendo à efectiva relação material controvertida.
Resulta do que vem sendo exposto que apesar da legitimidade processual da Requerente, dado o seu interesse direto em contradizer, que decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da ação (artigo 30.º, n.º 2 do CPC), falta-lhe a legitimidade material por não ser a titular do direito que invoca que pertence ao substituído que não intervém nesta ação.
Ora não sendo o substituto tributário o titular do direito que invoca, o Tribunal considera verificada exceção perentória inominada, de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material da Requerente (artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicável ex vi artigo artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, improcedendo, por isso, o pedido arbitral.
IV- DECISÃO
Em face do exposto o Tribunal decide:
a) Declarar procedente a exceção perentória inominada de conhecimento oficioso de ilegitimidade material da Requerente; e em consequência declarar absolvição da Requerida do pedido, com todas as consequências legais daí advindas;
b) Fixar o valor do Processo em € 46 852,95 ao abrigo das disposições contidas no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem;
c) Fixar as custas do Processo em € 2 142,00 de acordo com disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, ficando a Requerente responsável pelo seu total pagamento.
Notifique.
Lisboa, 03 de dezembro de 2025
O Árbitro,
Arlindo Francisco