SUMÁRIO
A dedução à coleta de despesas de investigação e desenvolvimento elegíveis no âmbito do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas singulares) de sociedades de profissionais, sujeitas ao regime da transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 39.º do CFI, não sendo aplicável, assim, o limite quantitativo do artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:
I. Relatório
A..., contribuinte fiscal n.º..., com morada na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante “Requerente”, no seguimento da liquidação de IRS n.º 2024..., emitida em
04-07-2024, respeitante ao ano de tributação de 2023, no valor total de 120.302,95 € (cento e vinte mil trezentos e dois euros e noventa e cinco cêntimos), veio, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e deduzir o respetivo pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o ato impugnado, peticionando a anulação do ato tributário e o reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”.
O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi submetido pela Requerente em 02-12-2024, aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 04-12-2024 e notificado à AT.
A Requerente optou expressamente por não designar árbitro.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi designada a árbitra do presente Tribunal Arbitral singular, que comunicou ao Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto.
Ambas as Partes foram notificadas da nomeação da árbitra, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar.
Em 11-02-2025, o presente Tribunal Arbitral foi constituído, conforme comunicação do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Notificada do despacho do Tribunal Arbitral de 18-02-2025, a AT apresentou a sua resposta em 26-03-2025.
Em 03-04-2025, o Tribunal Arbitral emitiu despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações, nos termos legais.
Em 09-04-2025, a Requerente requereu a junção aos autos de documentos que protestara juntar no respetivo PPA. A AT foi notificada e não se pronunciou.
Em 07-08-2025, o Tribunal Arbitral emitiu despacho a prorrogar o prazo para emissão e notificação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
Em 07-10-2025, o Tribunal Arbitral emitiu novo despacho a prorrogar o prazo para emissão e notificação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
II. Posições das Partes
A. Requerente
O PPA apresentado é tempestivo e visa a anulação do ato tributário consubstanciado na liquidação de IRS n.º 2024 ..., de 04-07-2024, na parte em que não considera a totalidade do benefício fiscal relativo ao SIFIDE.
A Requerente é sócia da sociedade de advogados “B...- Sociedade de Advogados, S.P., R.L.”, que, no ano de 2023, se encontrava sujeita ao regime de transparência fiscal, sendo os rendimentos da mesma imputados aos seus sócios.
No ano de 2023, a sociedade de advogados subscreveu 100 (cem) unidades de participação do fundo C..., pelo valor de 100.000,00 € (cem mil euros).
O referido C... é um fundo de investimento de capital de risco que investe, através de instrumentos de capital próprio e quase-capital, em pequenas e médias empresas portuguesas que desenvolvam projetos de I&D.
É um fundo certificado pela Agência Nacional de Inovação (“ANI”), o que significa que o Regulamento de Gestão do Fundo em causa está de acordo com a legislação do SIFIDE.
Em 24-05-2024, a sociedade de advogados submeteu junto da ANI a respetiva candidatura para efeitos de SIFIDE, na qual indicou, entre outros elementos, no campo relativo a “Participação no capital de entidades e contributos para fundos destinados a financiar a I&D”, a subscrição acima referida, com o objetivo de investimento em empresas de I&D.
Resultando da candidatura o benefício fiscal dedutível à coleta, no valor de 82.500,00 € (oitenta e dois mil e quinhentos euros), correspondente a 82,5 % de 100.000,00 € (cem mil euros), tendo a ANI deferido o pedido efetuado.
Em 29-06-2024, a Requerente submeteu a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2023, inscrevendo no campo 902 do quadro 9 do anexo D (“Transparência fiscal – Imputação de rendimentos”) o valor de 41.250,00 € (quarenta e um mil e duzentos e cinquenta euros), correspondente a 50% do valor do benefício fiscal calculado no âmbito do SIFIDE.
Contudo, a Requerente foi notificada da liquidação de IRS ora impugnada, tendo sido, aparentemente, desconsiderada a dedução à coleta correspondente ao benefício fiscal do SIFIDE pelo valor declarado, sem qualquer fundamentação para o efeito e sem lhe ter sido possibilitada qualquer pronúncia prévia.
Apesar da total ausência de fundamentação, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., requerimento para retificação da liquidação, com carácter de urgência, atento o prazo de pagamento da liquidação, alertando que o benefício fiscal em causa não tinha sido cancelado.
Tal requerimento nunca mereceu qualquer resposta por parte da AT, nem foi remetida qualquer fundamentação para a desconsideração do benefício fiscal declarado.
Em 11-10-2024, a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS, com a qual não se conforma.
Apesar de a Requerente desconhecer por que motivo a liquidação sindicada desconsiderou o montante declarado de dedução à coleta correspondente ao benefício fiscal do SIFIDE, entende que estão verificados todos os requisitos para que possa beneficiar da referida dedução na íntegra.
O SIFIDE é um mecanismo de apoio fiscal que visa aumentar a competitividade das empresas, apoiando o seu esforço em investigação e desenvolvimento (I&D) através da dedução à coleta do IRC das respetivas despesas.
Em particular, o SIFIDE II, que vigora nos períodos de tributação de 2014 a 2025, encontra-se regulado nos artigos 35.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento (“CFI”).
O benefício fiscal do SIFIDE traduz-se numa dedução à coleta de IRC e que corresponde a 82,5% das despesas realizadas nesse âmbito.
Cabe à ANI o reconhecimento da entidade em matéria de investigação e desenvolvimento, sendo que o fundo C... consta da lista de fundos certificados pela ANI.
Todos os demais pressupostos e requisitos aplicáveis em sede do benefício fiscal do SIFIDE foram observados pela ora Requerente e respetiva sociedade de advogados.
É indubitável que a sociedade, da qual a Requerente é sócia, está sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no Código do IRC (“CIRC”).
Ora, nos termos do artigo 90.º, n.º 5 do CIRC, as deduções à coleta (nas quais se incluem os benefícios fiscais) respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal são imputadas aos respetivos sócios ou membros e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação.
Pelo que não subsistem quaisquer dúvidas de que os sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal podem deduzir à sua coleta de IRS os benefícios fiscais respeitantes à sociedade transparente.
Nos termos do artigo 38.º, n.º 3 do CFI, a dedução à coleta do benefício fiscal do SIFIDE é efetuada nos termos do artigo 90.º do CIRC, na liquidação respeitante ao período de tributação no qual foram realizadas as despesas de investigação e desenvolvimento.
Isto significa que, tanto a matéria coletável e a coleta, como as deduções à coleta, incluindo o benefício fiscal do SIFIDE, são determinadas de acordo com as regras previstas no CFI e no CIRC, nos termos e limites aí definidos, sendo, posteriormente, imputados aos sócios.
Estando verificados os requisitos de que depende, no caso concreto, a dedução à coleta da contribuição efetuada pela Requerente para o fundo de investimento C..., certificado pela ANI, e sendo inequívoco que aos sócios das sociedades fiscalmente transparentes é legalmente permitido deduzir à coleta os referidos montantes, em sede de IRS, a Requerente não consegue compreender por que motivo a dedução à coleta relativa ao benefício fiscal do SIFIDE não foi considerada integralmente (na percentagem de 82,5% de 100.000,00 €, i.e. € 41.250,00 cada sócio).
Na ausência de fundamentação da AT, e não estando em causa a elegibilidade como benefício fiscal das contribuições feitas para o Fundo C..., só se concebe como possível que esteja em causa o limite previsto no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS (“CIRS”), uma vez que fora, ainda assim, considerado o valor de 1.935,00 € (mil novecentos e trinta e cinco euros) de dedução à coleta em ambos os casos.
Se assim for, a liquidação de IRS ora sindicada é manifestamente ilegal. Embora as sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal não sejam tributadas, em sede de IRC, sendo a tributação feita na esfera dos seus sócios, em sede de IRS, aquilo que é imputado aos sócios é exatamente aquilo que foi apurado na esfera empresarial.
Isto significa também que o único limite das deduções à coleta é a coleta da sociedade (transparente) apurada de acordo com as regras do CIRC, não sendo aplicáveis os limites previstos no âmbito do CIRS.
Decorre do artigo 90.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CIRC que os benefícios fiscais são deduzidos à matéria coletável de IRC apurada nos termos daquele Código, sem quaisquer limites.
Por sua vez, o artigo 90.º, n.º 5 do CIRC, que assegura que aos sócios das sociedades fiscalmente transparentes sejam também imputadas as deduções à coleta, não estabelece qualquer distinção ou limite para as mesmas, fazendo-se a sua imputação aos sócios na totalidade, depois do apuramento em sede de IRC, tal como acontece com a própria coleta.
E o artigo 38.º, n.º 3 do CFI estabelece que a dedução à coleta do SIFIDE é feita nos termos do artigo 90.º do CIRC.
Tratando-se de um benefício fiscal, regulado por lei especial, é esta que define os respetivos pressupostos de aplicação e as respetivas limitações, sendo que nada consta do CFI que impeça que o benefício fiscal possa ser usufruído em toda a sua plenitude.
Se assim não fosse, as sociedades transparentes e os seus sócios seriam duplamente tributados pelo mesmo rendimento (por não haver dedução nem na esfera da sociedade, nem na esfera dos sócios) e as sociedades transparentes seriam negativamente discriminadas face às suas concorrentes sujeitas ao regime geral de IRC, o que violaria os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Outra discriminação ocorreria também, entre os próprios sócios, nas situações em que a sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal tenha como sócios, simultaneamente, pessoas singulares e pessoas coletivas, uma vez que, a estes últimos, relativamente a um mesmo benefício e ano fiscal, não é aplicável a limitação do artigo 78.º, n.º 7 do CIRS.
De notar que o benefício fiscal do SIFIDE tem em vista incentivar o investimento em projetos de investigação e desenvolvimento empresarial, suportando o Estado essa despesa fiscal, em razão de um interesse público superior. Ora, o Estado deve assumir essa despesa fiscal em igual medida para igual investimento, independentemente do regime fiscal da sociedade que arca com o encargo desse investimento incentivado.
Por outro lado, o SIFIDE não é um benefício fiscal em sede de IRS, sendo determinado no âmbito do IRC, pelo que não estabelecendo o CIRC quaisquer limites à dedução à coleta, não fará sentido aplicar-se-lhe os limites das deduções à coleta previstos no CIRS, que são deduções de âmbito pessoal.
Com efeito, os limites estabelecidos no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS estão previstos apenas para benefícios concebidos dentro da órbita e do funcionamento do IRS.
O facto de o benefício fiscal referente ao SIFIDE se materializar numa dedução à coleta do IRS, não tem por virtualidade trasvestir a dedução à coleta num benefício fiscal em sede de IRS, antes decorrendo da mecânica de apuramento do imposto das sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, cuja matéria coletável é imputada aos seus sócios.
Se o legislador não previu qualquer limite no CFI ou no CIRC, nem ressalvou no Código do IRS um tratamento diferenciado expresso para estas situações, não pode, onde o legislador não distinguiu, o intérprete fazê-lo, atendendo à interpretação literal, teleológica e sistemática, conforme artigo 9.º do Código Civil, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, subjacentes ao Estado de Direito democrático, nos termos do artigo 2.º da CRP.
Com efeito, a liquidação de IRS ora sindicada deve ser parcialmente anulada e substituída por outra em que sejam totalmente dedutíveis à coleta as despesas efetuadas pela sociedade de advogados no âmbito do SIFIDE, no valor proporcional de 41.250,00 € (quarenta e um mil duzentos e cinquenta euros), conforme declarado pela Requerente.
Caso assim não se entenda, haverá que concluir pela anulação do ato tributário, por vício de falta de fundamentação, por preterição do exercício do direito de audição prévia e por violação do princípio da participação, nos termos legais.
Sendo anulado o ato tributário impugnado, assiste à Requerente o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
B. Requerida
O regime de transparência fiscal visa, essencialmente, a concretização de três objetivos, a saber, a neutralidade, o combate à evasão fiscal e a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.
Por um lado, o objetivo da neutralidade fiscal implica que na tributação não seja tida em conta a forma jurídica adotada pelos sujeitos passivos, sendo tributados os respetivos sócios ou membros como se exercessem diretamente a atividade prosseguida pela sociedade. Procura-se, assim, atender à capacidade contributiva daqueles sócios ou membros, manifestada indiretamente através dos rendimentos obtidos pela sociedade ou entidade transparente.
Por outro lado, o objetivo do combate à evasão fiscal está igualmente presente no regime de transparência fiscal, na medida em que se procura obviar a que sejam constituídas sociedades apenas com a finalidade de evitar os impostos.
Por fim, o objetivo da eliminação da dupla tributação dos lucros distribuídos aos sócios é o único que, quiçá, é plenamente atingindo pelo regime de transparência fiscal. Com efeito, na medida em que se afastam as sociedades e outras entidades abrangidas por esse regime da tributação em sede de IRC, obsta-se a que o resultado por elas apurado seja duplamente tributado na esfera da própria sociedade ou entidade transparente e na esfera dos respetivos sócios ou membros.
No âmbito do CFI, aprovado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, prevê-se um benefício fiscal designado de “Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial”, i.e. SIFIDE II, a vigorar nos períodos de 2014 a 2025.
A dedução em causa é feita, nos termos do artigo 90.º do CIRC, na liquidação respeitante ao período de tributação em que foram realizadas as despesas.
Significa, assim, que a dedução do benefício fiscal em causa (SIFIDE II), bem como as deduções relativas à dupla tributação jurídica internacional, à dupla tributação económica internacional, benefícios fiscais previstos no artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, bem como as deduções imputadas aos sócios geradas na esfera da sociedade transparente, nos termos do artigo 90.º, n.º 5 do CIRC, operam na fase de dedução à coleta e não da matéria coletável.
Conforme determina o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.º do CIRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa, sendo que as respetivas importâncias se integram como rendimento líquido de categoria B, a englobar com os restantes rendimentos do agregado familiar para determinação da taxa geral de IRS a aplicar, integrando-se no procedimento de liquidação do IRS que se desenrola, enquanto imposto de natureza pessoal.
Quanto às deduções à coleta, incluindo, concretamente, as deduções imputadas aos sócios geradas na esfera da sociedade transparente, nos termos do artigo 90.º, n.º 5 do CIRC, as mesmas são dedutíveis nos termos da alínea k) do n.º 1 (benefícios fiscais) e do n.º 2 (retenções na fonte) do artigo 78.º do CIRS.
No entanto, no que respeita aos benefícios fiscais, essa dedução está limitada pelo disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo citado, uma vez que a Requerente tem um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, pelo que a soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1, não podem exceder os 1.000,00 € (mil euros), sendo este limite majorado em 5% por cada dependente ou afilhado civil nos agregados com 6 ou mais dependentes.
Sendo o SIFIDE II um benefício fiscal, o mesmo é deduzido à coleta por forçada alínea k) do n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, mas fica sujeito à limitação referida.
Resulta da interpretação legal do disposto na alínea k) do n.º 1 e n.º 7 do artigo 78.º do CIRS que são admissíveis como deduções à coleta as “despesas de investigação e desenvolvimento” ao abrigo do SIFIDE II, mas ficam sujeitas à limitação referida.
Acresce que, tendo o regime de transparência fiscal sido implementado como um objetivo de neutralidade fiscal, o que implica que na tributação não seja tida em conta a forma jurídica adotada pelos sujeitos passivos, sendo tributados os respetivos sócios ou membros como se exercessem diretamente a atividade prosseguida pela sociedade, atendendo-se, assim, à capacidade contributiva daqueles sócios ou membros, não se poderá admitir que o rendimento liquido destes profissionais com o exercício de atividade através de uma sociedade possa ser anulado, via aplicação de capitais em fundos de investimentos, enquanto os profissionais em prática individual veriam vedado este benefício.
Relativamente ao argumentário de total ausência de fundamentação do ato tributário, porquanto a liquidação de IRS ora sindicada não teria sido acompanhada de qualquer justificação para a desconsideração da dedução à coleta correspondente ao benefício fiscal do SIFIDE, também não assiste razão à Requerente, dado que a liquidação em causa teve por referência os montantes inscritos na declaração de rendimentos Mod. 3 submetida pela Requerente, contendo as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, estando, por isso, em consonância com o dever de fundamentação expresso no artigo 77.º, n.º 2 da LGT.
Quanto ao ato estar alegadamente viciado por preterição de outra formalidade legal, designadamente a falta de audição prévia do interessado, também não assiste razão à Requerente, na medida em que, embora o artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT preveja a participação dos contribuintes na formação das decisões, antes da liquidação, essa audição é dispensada quando a liquidação seja efetuada com base em declaração do contribuinte, nos termos do artigo 60.º, n.º 1 da LGT, o que sucedeu.
A AT interpretou e aplicou as normas jurídicas corretamente, sendo as alegações da Requerente manifestamente insuficientes para colocar em causa a liquidação ora contestada.
Nos termos expostos, o PPA deverá ser indeferido, com todas as consequências legais, mantendo-se o ato tributário de liquidação do IRS n.º 2024... emitido pela AT.
III. Saneamento
O presente Tribunal Arbitral é competente, foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo, tendo sido paga a taxa de arbitragem, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.ºs 1 e 2, 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a), 11.º e 12.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Ambas as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 10.º, n.º 2 e 29.º do RJAT.
Não foi alegada qualquer matéria de exceção e o processo não enferma de nulidades.
Sem prejuízo, cumpre analisar o requerimento apresentado pela Requerente em 09-04-2025, quanto à junção de prova documental que protestara juntar aquando da submissão do PPA.
A AT foi notificada do requerimento da Requerente e não se pronunciou nos autos.
Ora, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alíneas c) e d) do RJAT, os documentos devem ser juntos com os respetivos articulados que contenham a exposição das questões de direito e dos factos objeto de prova, podendo indicar outros meios de prova a produzir.
Não obstante, de acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT, é subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, as normas processuais tributárias e comuns, sendo que, como decorre do n.º 2 do referido preceito legal, tal aplicação deve ser realizada em termos devidamente adaptados ao processo arbitral tributário, definindo-se a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado.
Conforme disposto no artigo 108.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido devem ser alegados no respetivo articulado, cabendo oferecer a correspondente prova, incluindo os documentos de que dispuser.
Também nos termos do artigo 423.º, n.º 1 do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos alegados devem ser apresentados com os respetivos articulados em que se aleguem os factos correspondentes. Todavia, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 da referida disposição, é admissível a junção posterior de documentos, nos termos legais expressamente previstos.
Em sede de processo arbitral, esta limitação no momento da apresentação da prova documental tem de ser interpretada sob os princípios e normas que regulam a arbitragem tributária, nomeadamente os princípios da “autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar”, da “livre determinação das diligências de produção de prova necessárias” e da “cooperação e boa fé processual”, nos termos do artigo 16.º, alíneas c), e) e f) do RJAT, bem como os “princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais”, que resultam do artigo 29.º, n.º 2 do RJAT.
Sendo assim, numa ponderação conjugada dos princípios, normas legais e interesses em causa, na medida em que os documentos cuja junção foi requerida pela Requerente respeitam a factos relacionados com a matéria alegada no respetivo PPA, admite-se a junção dos documentos pela Requerente, nos termos legais.
Acresce que os documentos em causa serão apenas relevantes para prova de matéria que nem se afigura controvertida, atendendo ao tipo de fundamentos invocados pela Requerida, pelo que não se vislumbra qualquer prejuízo para as Partes e/ou os presentes autos.
Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
IV. Matéria de facto
A. Factos provados
(i) A Requerente, residente em Portugal, é sócia da sociedade de advogados “B...– Sociedade de Advogados, S.P., R.L.”.
(ii) No ano de 2023, a sociedade “B...– Sociedade de Advogados, S.P., R.L.” obteve rendimentos, através do exercício da atividade, estando sujeita ao regime da transparência fiscal, imputando-se os rendimentos aos seus sócios.
(iii) No ano de 2023, a sociedade “B...– Sociedade de Advogados, S.P., R.L.” subscreveu 100 (cem) unidades de participação do fundo de capital de risco “C...”, no valor de 100.000,00 € (cem mil euros).
(iv) O fundo “C...” é gerido pela respetiva sociedade gestora “D..., SCR, S.A.”.
(v) O fundo “C...” é um fundo de investimento de capital de risco, que investe, através de instrumentos de capital próprio e quase-capital, em pequenas e médias empresas portuguesas que desenvolvam projetos de I&D.
(vi) O fundo “C...”, com o NIF..., consta na lista de fundos certificados pela Agência Nacional de Inovação.
(vii) Em 14-05-2024, a sociedade “B...– Sociedade de Advogados, S.P., R.L.” submeteu, junto da Agência Nacional de Inovação, a respetiva candidatura, para efeitos de SIFIDE II, na qual indicou a “participação no capital de entidades e contributos para fundos destinados a financiar a I&D”.
(viii) A Agência Nacional de Inovação deferiu a candidatura, na medida em que “as despesas apresentadas respeitam a atividades de I&D, pelo que configuram aplicações relevantes para efeitos do artigo 37.º do CFI”, resultando, para o ano de 2023, o valor calculado do benefício fiscal (“crédito fiscal”) por dedução à coleta no valor de 82.500,00 € (oitenta e dois mil e quinhentos euros), correspondente a 82,5% de 100.000,00 € (cem mil euros).
(ix) Em 29-06-2024, a Requerente submeteu a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2023, inscrevendo, no campo 902 do quadro 9 do anexo D (“Transparência fiscal – Imputação de rendimentos”), o valor de 41.250,00 € (quarenta e um mil duzentos e cinquenta euros), correspondente a 50% do valor calculado do benefício fiscal.
(x) Por ofício de 09-07-2024, a Requerente foi notificada pela AT do “Cancelamento de Benefícios Fiscais (Artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais)”, designadamente “Benefícios fiscais associados a entidades abrangidas pela transparência fiscal”, por alegada dívida de Imposto Municipal sobre Imóveis, a qual devia ser paga dentro do prazo para exercer o direito de audição, sob pena de a liquidação de IRS ser efetuada sem a consideração dos benefícios fiscais, cujos efeitos cessariam.
(xi) Nessa sequência, a Requerente exerceu o direito de audição prévia, juntando comprovativo de pagamento do valor da alegada dívida de IMI, no montante de 38,41 € (trinta e oito euros e quarenta e um cêntimos).
(xii) Posteriormente, a Requerente foi notificada de novo ofício da AT de 22-08-2024, com “Decisão pelo não cancelamento dos benefícios fiscais”.
(xiii) A Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2024..., de 04-07-2024, “relativa ao ano a que respeitam os rendimentos”, com o valor a pagar de 120.302,95 € (cento e vinte mil trezentos e dois euros e noventa e cinco cêntimos).
(xiv) Discordando da liquidação emitida pela AT, a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., requerimento para retificação da liquidação, com carácter de urgência, atento o prazo de pagamento da liquidação.
(xv) Tal requerimento da Requerente não foi objeto de resposta pelos serviços da AT.
(xvi) Em 11-10-2024, a Requerente procedeu ao pagamento da dívida fiscal resultantes da liquidação de IRS n.º 2024 ... .
B. Factos não provados
Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
C. Motivação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada, em função da prova produzida nos autos e da sua relevância jurídica, nos termos do artigo 123.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT.
Constitui um princípio do processo arbitral a “livre apreciação dos factos”, de acordo com “as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”, manifestando o princípio da “livre apreciação da prova”, conforme disposto nos artigos 16.º, alínea e) e 19.º, n.º 1 do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua convicção, em relação aos factos alegados, nos meios de prova constantes no processo, atendendo à sua experiência e conhecimento, ao abrigo do artigo 607.º, n.º 5 do CPC e regras gerais do CC.
Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra determinada na legislação é que a livre apreciação não domina na motivação subjacente à matéria de facto.
Em concreto, tendo em consideração os respetivos ónus de alegação e de prova, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na prova produzida nos autos, incluindo os documentos juntos, bem como o acordo manifestado, explícita ou implicitamente, quanto a alguns factos alegados nos articulados, nos termos legais.
V. Matéria de direito
A. Objeto
Considerando as posições das Partes e vertidas nos respetivos articulados, cabe ao Tribunal Arbitral, atendendo à matéria de facto provada e ao direito aplicável, apreciar e decidir sobre a legalidade do ato tributário impugnado nos presentes autos, designadamente no que respeita à aplicação ou não do limite previsto no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS no âmbito do benefício fiscal do SIFIDE II por dedução à coleta na esfera de sócia de sociedade transparente.
B. Apreciação
Atendendo ao objeto dos presentes autos, cumpre proceder a um breve enquadramento do regime jurídico aplicável à tributação no âmbito da transparência fiscal e do SIFIDE II.
Nos termos do artigo 5.º, n.º 2 da LGT, a tributação deve respeitar os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material, cujos princípios tributários encontram assento constitucional, nomeadamente, nos artigos 103.º e 104.º da CRP.
Como concretização dos princípios constitucionais, os impostos devem refletir, essencialmente, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, a qual é revelada pelos rendimentos, pelo consumo e/ou respetivo património, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 da LGT.
Ao abrigo do artigo 1.º do CIRC, o IRC incide especificamente sobre os rendimentos de pessoas coletivas, obtidos no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, os quais são definidos no artigo 2.º do mesmo Código.
Em concreto, são sujeitos passivos de IRC, designadamente, as sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português, conforme artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRC.
Conforme previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, relativamente às pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em Portugal, a matéria coletável obtém-se pela dedução ao lucro tributável dos montantes correspondentes a prejuízos fiscais e benefícios fiscais.
O respetivo lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do CIRC.
Ao montante apurado nos termos da competente liquidação, são ainda efetuadas as deduções correspondentes à dupla tributação jurídica internacional, à dupla tributação económica internacional, aos benefícios fiscais e às retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso, conforme disposto no artigo 90.º, n.º 2 do CIRC.
Contudo, por força do artigo 6.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, a matéria coletável, determinada nos termos do CIRC, das sociedades de profissionais, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, é imputada aos respetivos sócios, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS.
Para efeitos do regime da “transparência fiscal” constante no artigo 6.º do CIRC, considera-se como “sociedade de profissionais” a “sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade”, como seja uma sociedade de advogados.
Nos termos da tabela anexa à Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, os advogados, com o código 6010, são uma das atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS.
No âmbito das sociedades transparentes, a imputação é feita aos sócios ou membros das sociedades transparentes nos termos que resultarem do respetivo ato constitutivo ou, na falta de elementos, em partes iguais, conforme artigo 6.º, n.º 3 do CIRC.
Com efeito, as sociedades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto a tributações autónomas, nos termos do artigo 12.º do CIRC.
Não obstante, as deduções à coleta previstas no artigo 90.º, n.º 2 do CIRC acima mencionado e respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º do CIRC são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
Em sede de IRS, o artigo 20.º, n.º 1 do CIRS prevê que constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.º do CIRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.
Sendo que as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B, nos termos do artigo 20.º, n.º 2 do CIRS.
Ora, enquanto benefício fiscal, o artigo 35.º do CFI institui o “sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial”, denominado “SIFIDE II”, a vigorar nos períodos de tributação de 2014 a 2025.
Para efeitos do disposto no SIFIDE II, consideram-se como “despesas de investigação” as realizadas pelo sujeito passivo de IRC com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos, bem como “despesas de desenvolvimento”, as realizadas pelo sujeito passivo de IRC através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico, conforme artigo 36.º do CFI.
Em concreto, no âmbito do SIFIDE II, consideram-se dedutíveis diversas categorias de despesas, desde que se refiram a atividades de investigação e desenvolvimento, incluindo a “participação no capital de instituições de investigação e desenvolvimento e contribuições para fundos de investimento, públicos ou privados, que realizem investimentos de capital próprio e de quase-capital, tal como definidos na Comunicação da Comissão 2014/C19/04, de 22 de janeiro de 2014, em empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento, incluindo o financiamento da valorização dos seus resultados, cuja idoneidade em matéria de investigação e desenvolvimento seja reconhecida pela Agência Nacional de Inovação, S. A., nos termos do n.º 1 do artigo 37.º-A”.
Consequentemente, os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território, podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de 1.500.000,00 €.
Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15% à taxa base fixada na alínea a) do número anterior, ao abrigo do artigo 38.º, n.º 2 do CIF.
A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do CIRC, na liquidação respeitante ao período de tributação correspondente, conforme artigo 38.º, n.º 3 do CIF.
Sendo que, por força do artigo 39.º do CIF, apenas podem beneficiar da dedução os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) Lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.
Embora o tratamento do SIFIDE II seja efetuado ao nível do IRC, estando em causa uma sociedade transparente, a tributação ocorre na esfera dos respetivos sócios, conforme explanado.
Para o efeito, cabe aos sócios, que sejam pessoas singulares, apresentarem as correspondentes declarações periódicas de rendimentos, nos termos dos artigos 57.º, 60.º e 65.º do CIRS.
Por sua vez, o apuramento do rendimento coletável e a respetiva liquidação do IRS compete à AT, com base na declaração do contribuinte, nos termos dos artigos 75.º, 76.º e 77.º do CIRS.
Nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legalmente previstos, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal presumem-se verdadeiras e de boa-fé.
Sem prejuízo, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração fiscal ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Face ao exposto, considerando o enquadramento jurídico e fiscal acima delineado, bem como a factualidade dada como provada, importa apreciar a legalidade da liquidação de IRS impugnada nos presentes autos.
Sinteticamente, a Requerente alega que a liquidação controvertida é ilegal por:
(i) Falta de notificação para exercício do direito de audição da Requerente previamente à emissão da liquidação de IRS, em violação do princípio da participação;
(ii) Falta ou insuficiência da fundamentação da liquidação, em violação dos princípios fundamentais e dos direitos e garantias da Requerente;
(iii) Vício de ilegalidade por desconsideração da dedução à coleta na esfera da Requerente decorrente do benefício fiscal do SIFIDE II no âmbito da sociedade transparente.
Vejamos. Em termos genéricos, sob a égide dos princípios do procedimento tributário, é inegável que a Autoridade Tributária deve exercer as suas atribuições e competências na prossecução do interesse público, mas, também, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes, conforme previsto no artigo 55.º da LGT.
De facto, ao princípio da legalidade estão sujeitos, para além da incidência e da taxa, as regras de procedimento e processo tributário, bem como as garantias dos contribuintes, incluindo no âmbito da liquidação e cobrança de tributos, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, onde se enquadra, por exemplo, o princípio da participação, na vertente do direito de audição.
Ao abrigo do princípio da participação previsto nos artigos 266.º e 267.º, n.º 5 da CRP, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, através do direito de audição, antes da liquidação, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT.
Contudo, o disposto no artigo 60.º, n.º 2, alínea b) da LGT permite que a audição seja “dispensada” no caso de “a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte”.
Ora, conforme factualidade dada como provada nos presentes autos, a liquidação de IRS emitida pela AT decorre da declaração periódica de rendimentos submetida pela Requerente.
Não se afigura existir, assim, qualquer violação de direitos da Requerente, como seja o direito de audição prévia, na medida em que o seu exercício é dispensado quando a liquidação se funde em declaração do contribuinte.
Efetivamente, compete à AT proceder ao apuramento do rendimento coletável de IRS, em harmonia com as regras estabelecidas na legislação tributária e as regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito,com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a AT disponha, liquidando o imposto devido, atendendo aos factos declarados e à qualificação dos mesmos.
Tendo a Requerente apresentado a declaração de rendimentos exigida legalmente, a audição da Requerente podia ser dispensada, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, alínea b) da LGT, como legal e legitimidade sucedeu.
Quanto à alegada falta ou insuficiência de fundamentação, cumpre referir que os atos emitidos pela Administração, incluindo os atos tributários emitidos pela AT, carecem de “fundamentação expressa e acessível” quando afetem direitos ou interesses alegadamente protegidos dos administrados, nos termos dos artigos 266.º e 268.º, n.º 3 da CRP.
Conforme previsto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT, as decisões emitidas em procedimentos tributários devem ser sempre fundamentadas por meio de “sucinta exposição das razões de facto e de direito” que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Especificamente, a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada “de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, conforme disposto no artigo 77.º, n.º 2 da LGT.
Conforme consta no artigo 77.º, n.º 2 e 3 do CIRS, a fundamentação da liquidação é efetuada nos termos do 77.º, n.º 2 da LGT. Sem prejuízo, a AT deve disponibilizar ainda, sem qualquer encargo para os sujeitos passivos, a informação relevante da liquidação, a qual pode ser obtida no Portal das Finanças ou nos Serviços de Finanças.
Ora, atendendo à conforme factualidade dada como provada nos presentes autos, contrariamente ao alegado pela Requerente, na própria liquidação emitida e notificada ao sujeito passivo consta o enquadramento e a base legal que a suporta, bem como a matéria coletável e o imposto liquidado, nos termos do artigo 77.º da LGT.
A liquidação controvertida refere que a “liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos” foi efetuada “conforme nota demonstrativa junta”, especificando o “rendimento global” e o “rendimento coletável”, bem como a “taxa”, as “deduções à coleta” e a “coleta líquida”, mencionando o “imposto apurado” e o “valor a pagar”, nos termos legais.
A liquidação refere ainda que poderá ser consultada “informação detalhada da liquidação no Portal das Finanças ou nos Serviços de Finanças”.
O facto de a liquidação não especificar a composição das deduções à coleta consideradas não significa qualquer falta ou insuficiência de fundamentação. A matéria coletável e o imposto foram apurados pela AT, com base na declaração submetida pelo contribuinte e de acordo com a interpretação e aplicação (correta ou incorreta) pela AT do bloco normativo subjacente.
Embora a fundamentação do ato tributária seja sucinta, como a legislação permite, a origem e o conteúdo do mesmo é manifestamente apreensível pela Requerente, que o podia impugnar, nos termos legais.
Sendo assim, afigura-se que o dever de fundamentação foi cumprido pela AT.
Relativamente à desconsideração da dedução à coleta na esfera da Requerente decorrente do benefício fiscal do SIFIDE II no âmbito da sociedade transparente. Vejamos.
O benefício fiscal do SIFIDE II está eminentemente estruturado como um incentivo tratado em sede de IRC, pelo que se suscitam dúvidas quanto à aplicação do mesmo em sede de IRS quando a tributação das sociedades transparentes é imputada aos respetivos sócios.
E surgem essas dúvidas, nomeadamente, por força dos limites quantitativos que constam no regime do CIRS no âmbito das deduções à coleta.
Ora, conforme acima exposto, ao abrigo do artigo 38.º, n.º 3 do CIF, a dedução à coleta decorrente do SIFIDE II é efetuada nos termos do artigo 90.º do CIRC, na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizaram as despesas elegíveis.
Nos termos do artigo 90.º, n.º 5 do CIRC, para o qual remete o artigo 38.º, n.º 3 do CIF, as deduções, incluindo as relativas a benefícios fiscais, respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º do CIRC são imputadas aos respetivos sócios, proporcionalmente ou em partes iguais, conforme aplicável, e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
Acresce que, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do CIRS, constitui rendimento dos sócios das entidades referidas no artigo 6.º do CIRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições constantes naquele Código ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.
Considerando este bloco normativo, bem como a especificidade da transparência fiscal, que força a convivência entre o regime de tributação em IRC e em IRS, tem sido debatida, na doutrina e jurisprudência, a questão de saber se os limites quantitativos previstos no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS são aplicáveis às deduções decorrentes do benefício fiscal do SIFIDE II, limitando, por exemplo, a soma das deduções à coleta ao montante de 1.000,00 € (mil euros).
Basicamente, existem duas correntes interpretativas, uma no sentido de que o tratamento da dedução do SIFIDE II obedece apenas ao regime previsto no CIRC, dado que a base é a tributação dos rendimentos obtidos pela sociedade em causa, embora na esfera dos respetivos sócios, e outra no sentido de que o tratamento da dedução deve obedecer, também, ao regime previsto no CIRS, incluindo os respetivos limites quantitativos, dado que a tributação incide sobre as pessoas singulares em causa.
Ora, conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-06-2023, no processo n.º 01301/21.0BEBRG, acessível em www.dgsi.pt, “enfrentemos agora a questão em equação: os limites de dedução à coleta dos benefícios fiscais previstos no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS serão, ou não, de aplicar aos benefícios fiscais concedidos às sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal nas situações em que é imputada aos sócios, em sede de IRS, a matéria coletável apurada à sociedade?
Adianta-se já que se entende que, da conjugação dos regimes consagrados no Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), no Código Fiscal de Investimento (CFI), no Código de Imposto sobre o Rendimento da Pessoas Singulares (CIRS) e no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), interpretados segundo os critérios consagrados nos artigos 9.º do Código Civil (CC) e 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e os princípios constitucionais da igualdade e da boa-fé, se impõe concluir que os limites à dedução de benefícios fiscais consagrados no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS não são de aplicar aos benefícios concedidos ao abrigo do CFI.
Expliquemos, começando por fazer um breve enquadramento jurídico do regime de transparência fiscal, uma vez que a questão colocada só se revela complexa por estar em causa a dedução, na esfera pessoal de um sócio, pessoa singular, de um benefício fiscal concedido a uma sociedade sujeita àquele regime de transparência fiscal. Se estivesse em causa um benefício fiscal diretamente concedido a uma pessoa singular seria claro que os limites legais em apreço se aplicariam. E se estivéssemos perante a dedução à coleta de um benefício fiscal na esfera de sujeito passivo pessoa coletiva, mesmo que sujeito ao regime de transparência fiscal, também não haveria dúvida que tais limites consagrados no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS não se aplicariam. (…)
Da conjugação dos preceitos referidos antes decorre que as sociedades ditas “transparentes” (identificadas no artigo 6.º), apesar de excluídas de incidência tributária por os rendimentos dela provenientes não serem tributados na própria pessoa coletiva, mas na pessoa dos sócios, desempenham enquanto sociedade «um papel determinante na fixação da matéria coletável», já que esta quantificada nos termos do IRC como se a sociedade o próprio sujeito passivo do IRC. Isto é, a imputação aos sócios imposta pelo artigo 6.º do CIRC é precedida da determinação da matéria coletável segundo o regime próprio das pessoas coletivas. (…)
Ou seja, resulta deste preceito, para o que aqui interessa, que o legislador não impôs qualquer limitação à dedução à coleta no caso dos benefícios fiscais em sede de IRC, exceto, para além da coleta virtual, que, das deduções operadas, não resulte valor negativo, o que está fora de questão na situação sub judice, sendo a imputação das deduções, por força do n.º 5, realizada nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC. (…)
Tendo presente o que ficou dito, é de concluir que a questão a resolver está em saber se, impondo a lei que é a matéria coletável da sociedade transparente determinada nos termos do CIRC que é imputada na esfera jurídica do sócio a título individual, em sede de IRS, e operando as deduções à coleta em momento posterior a essa definição da matéria coletável, a dedução relativa ao benefício fiscal em apreço deverá seguir o regime estabelecido no artigo 78.º do CIRS, incluindo a sua sujeição aos limites consagrados no n.º 7 do referido preceito (…) ou se, pelo contrário, existirão razões que justifiquem que, nestes casos, essas limitações devam ser afastadas.
A resposta, como deixámos já adiantado, para nós, só pode ser no sentido do afastamento ou inaplicabilidade das limitações consagradas no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS. (…)
Encontrando-se a sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal e, por isso, sendo a matéria coletável imputada aos sócios, temos que o benefício fiscal em causa (…) deve ser incluído no campo 902 do anexo D da declaração modelo 3, por cada um dos sócios e na proporção que lhe seja afeta (artigo 6.º, n.º 3 e 90.º, n.ºs 2 e 5 do CIRC). (…)
Cremos que esta interpretação não só não ofende o preceituado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIRC, como respeita o regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CIF e os fins que determinaram a consagração do benefício fiscal, ou seja, que garantem o prosseguimento do interesse público superior ao da própria tributação que lhe é inerente. E, bem assim, afigura-se-nos mesmo ser a interpretação que se revela mais conforme ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
Com efeito, entende-se que não ofende o preceituado no artigo 6.º, n.º 1 do CIRC, porque o que neste normativo se impõe é que a matéria coletável seja imputada aos sócios no seu rendimento tributável em sede de IRS, exigência que a nossa interpretação não afronta. Na verdade, não está em questão que a matéria coletável apurada nos termos definidos no artigo 90.º do CIRC tenha de ser imputada aos sócios individualmente, tal como impõe o n.º 1 do primeiro normativo citado, nem que o regime a aplicar à dedução à coleta em que este benefício fiscal se traduz contende com essa imputação, por lhe ser subsequente.
Também se entende que é compatível com o artigo 6.º, n.º 3 do CIRC, porque nos termos deste normativo e da sua conjugação com o preceituado no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC decorre que, no caso das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, as deduções à coleta (artigo 90.º, n.º 2) são efetuadas nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades transparentes ou, na falta de elementos, em partes iguais. (…)
E entende-se que respeita ainda o regime especial que disciplina os benefícios em investigação e desenvolvimento, por desse regime resultar que a dedução é realizada nos termos do artigo 90.º do CIRC (artigo 38.º, n.º 3 do CFI).
Donde, salvo o devido respeito por toda a argumentação aduzida pela Recorrente, a tese que defende não tem suporte na letra da lei, conduz a uma distorção e obstrução dos objetivos prosseguidos pelo legislador nacional e europeu com a consagração do regime de transparência fiscal, determina que o investimento e o sacrifício financeiro inerente a esse regime não se traduzam efetivamente num benefício fiscal e, por último, conduz a situações de desigualdade injustificáveis.
Com efeito, a tese da Recorrente não tem suporte na letra da lei porque o que o legislador diz, tendo em vista os objetivos que identificámos, é que o regime de transparência fiscal impõe que a matéria coletável da sociedade apurada segundo o regime do CIRC é imputada na esfera pessoal dos sócios, e não que, posteriormente, após a integração ou englobamento dessa matéria coletável com outros rendimentos dos sócios, só se possam realizar as deduções à coleta previstas em sede de IRS e com os limites aí estabelecidos. E tratando-se de um benefício fiscal concedido a uma sociedade, que opera por dedução à coleta, apenas pelo regime aplicável a essa sociedade se pode realizar a dedução na esfera pessoal dos sócios. Aliás, o legislador terá mesmo pretendido salvaguardar esta especificidade ao determinar que a integração no rendimento do sócio se faz “nos termos da legislação que for aplicável”, que só pode ser a disciplina consagrada de forma especial nos artigos 90.º e 92.º do CIRC e 35.º a 42.º do CIF. Isto, sem prejuízo da tributação incidir, sendo caso disso, conjuntamente com os rendimentos de outros membros do agregado familiar, sendo-lhe, subsequentemente, aplicada a taxa correspondente.
A tese da Recorrente também conduz a uma distorção ou obstrução dos objetivos que o regime de transparência visa alcançar, porquanto os objetivos que o legislador quis alcançar com a consagração deste regime ficam substancialmente comprometidos, particularmente o objetivo de neutralidade fiscal, para muitos o seu objetivo estrutural e “edifício teleológico”.
E a essa tese implica até que, nestas situações, o investimento em investigação e desenvolvimento não se traduza num benefício fiscal para a sociedade, mas num custo para os sócios pessoas singulares, já que ao sacrifício relativo ao investimento e à “promessa legal” de amplíssima dedução das respetivas despesas, nos termos especialmente previstos nos artigos 35.º a 38.º do CFI, corresponderia, afinal, uma dedução à coleta residual (…).
Por fim, a mesma tese conduz a situações de discriminação carentes de justificação legal. (…) conduz, de forma inaceitável, a que as sociedades sujeitas ao regime de transparência sejam discriminadas relativamente a todos os outros sujeitos passivos de IRC (…). E acrescentamos agora nós, conduz até a uma insustentável discriminação em matéria de tributação entre os próprios sócios nas situações em que a sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal tenha como sócios simultaneamente pessoas singulares e pessoas coletivas, uma vez que, a estes últimos, relativamente a um mesmo benefício e ano fiscal, nunca é aplicável a limitação consagrada no citado artigo 78.º, n.º 7 do CIRS.
É que, o respeito pelo princípio da igualdade (…) não pode ser aferido por referência ao confronto entre um sujeito passivo cuja tributação de rendimento se encontra integralmente submetida ao regime consagrado no CIRS e um sujeito passivo, sócio de uma sociedade em regime de transparência fiscal, cuja matéria tributável que lhe é imputável, provém do exercício da pessoa coletiva, é determinada nos termos do CIRC e à qual é reconhecido um benefício fiscal de dedução de despesas (elegíveis) reguladas por um regime especial (CIF), que determina que essa dedução seja realizada nos termos do CIRC. (…)
Em suma, se bem vemos, da conjugação dos vários normativos citados, e tendo presente os critérios interpretativos consagrados nos artigos 9.º do CC e 11.º da LGT, há que concluir que, nas situações em que o benefício em I&D é concedido a sociedades imperativamente sujeitas ao regime de transparência fiscal, a sua dedução ocorre na matéria coletável do sócio, em sede de IRS, mas sem a limitação consagrada no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, uma vez que a tal obstam o preceituado nos artigos 90.º e 92.º do CIRC, o disposto no CFI, em especial no seu artigo 38.º n.º 3 e, bem assim, os princípio da igualdade e boa-fé, constitucionalmente consagrados.”
Também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-06-2025, no processo n.º 01300/21.1BEBRG, acessível em www.dgsi.pt, defende que “à dedução à coleta das despesas elegíveis no âmbito do SIFIDE II dos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal não se aplicam os limites da dedução à coleta do artigo 78.º do CIRS.”
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16-01-2025, no processo n.º 02222/21.1BEBRG, acessível em www.dgsi.pt, “a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do Código Fiscal do Investimento, não lhes sendo aplicável, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS.”
Na jurisprudência arbitral tributária, acompanha-se a decisão arbitral de 07-12-2023, no processo n.º 251/2023-T, acessível em www.caad.pt, referindo que “há jurisprudência recentemente firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) quanto às matérias de direito em discussão (…). Não se encontra sujeita ao limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS, a dedução à coleta referente ao SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal.”
Também a decisão arbitral de 28-11-2024, no processo n.º 884/2024-T, acessível em www.caad.pt, expõe que “a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS”.
No mesmo sentido, cumpre ainda referir, exemplificativamente, as decisões arbitrais emitidas no âmbito dos processos n.º 93/2022-T, 807/2022-T, 260/2023-T, 453/2023-T, 208/2024-T, 221/2024-T, 1263/2024-T, 1285/2024-T, 1366/2024-T, 118/2025-T e 254/2025-T.
Acolhendo a jurisprudência dos tribunais superiores, bem como a jurisprudência arbitral acima elencada, a cujo sentido assente da mesma se adere plenamente, discordando dos argumentos aduzidos pela Requerida, é forçoso ao presente Tribunal Arbitral concluir pela ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS em crise nos autos, por vício de violação de lei decorrente da desconsideração da dedução à coleta na esfera da Requerente por via do benefício fiscal do SIFIDE II aplicado no âmbito da sociedade transparente.
Em face do exposto, considerando a prova produzida nos autos, afigura-se que o ato tributário impugnado deve ser anulado, nos termos legais.
Consequentemente, sendo julgado procedente o PPA, nos termos e com os fundamentos acima explanados, assiste à Requerente o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos legais.
Acresce que, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve “erro imputável aos serviços” de onde tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Afigura-se que a liquidação de IRS controvertida foi motivada pela interpretação da AT de que era aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS. Não consta dos autos, nem tal foi alegado pela Requerida, que a liquidação de IRS em causa, no que respeita à dedução resultante do SIFIDE II, tenha decorrido de qualquer outro motivo diferente.
Com efeito, face à ilegalidade da liquidação impugnada, cuja competência é da AT, entende-se que há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados, por referência à quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa legal, conforme disposto no artigo 43.º, n.º 4 da LGT.
VI. Decisão
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em conformidade, declarar a ilegalidade e anular a liquidação impugnada;
b) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente suportado e pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, nos termos legais.
VII. Valor
Fixa-se o valor do processo em 41.250,00 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de dezembro de 2025
A Árbitra
Adelaide Moura