Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 268/2025-T
Data da decisão: 2025-11-17  IRC  
Valor do pedido: € 1.103.754,94
Tema: IRC - Rendimentos Prediais - Benefício fiscal - não residente – OIC - Liberdade de circulação de capitais – Art.º 63ºTFUE
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Sumário: 

A interpretação conjugada do n.º 1, parte final, e do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais conduz a um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo constituídos e operados ao abrigo da lei portuguesa, em detrimento de organismos substancialmente equiparáveis estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia, configura uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais, em violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

Requerente: A... mbH (“Requerente”)

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”)

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), João Pedro Rodrigues e Luís Sequeira, (vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO:

 

     1 A... mbH, com sede em ..., ... Alemanha, contribuinte fiscal português ... (doravante "Requerente"), rna qualidade de entidade gestora e em representação de B... (“Fundo”), organismo de investimento colectivo ("OIC") constituído e a operar no Alemanha, titular dos números de identificação WKN e ISIN  ...  e DE ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciação da legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa por esta apresentada, e consequente anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa em referência e, bem assim, da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") do exercício de 2023,baseada na declaração Modelo 22” n.º..., requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos. 

 

a)    Posição do Requerente:

 

A B... é um OIC de tipo aberto e contratual, constituído em 1972, na República Federal da Alemanha, sob a forma de legal  de  Immobilien-Sondervermögen, que  se  dedica  à  realização  de  investimentos imobiliários, sendo regulamentado pela Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011 na República Federal da Alemanha, constituído e a operar ao abrigo da Gesetz. vom 28. Juni 2011 über bestimmte Organismen für gemeinsame Anlagen in Wertpapieren, que transpõe para a ordem jurídica liechtensteiniense a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC, tendo sido constituído e operando ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC, também em transposição da referida Directiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

 

O Requerente sustenta, antes de mais, que os rendimentos em causa – dividendos distribuídos por entidades residentes em território português – não deveriam ter sido sujeitos a qualquer tributação em Portugal. Alega ter suportado retenções na fonte à taxa de 25%, num montante global de € 1.157.883,36, tendo apenas recuperado € 54.128,42 através da declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2023, pelo que o imposto definitivamente suportado ascende a € 1.103.754,95. Entende que a sujeição destes rendimentos a tributação, mediante retenção liberatória, consubstancia um erro sobre os pressupostos de direito e resulta da aplicação indevida do regime fiscal aplicável aos organismos de investimento coletivo não residentes, motivo pelo qual cada uma das retenções na fonte efetuadas é ilegal e deve ser anulada.

Sustenta, em especial, que a tributação operada resulta de uma discriminação fiscal proibida pelo direito da União Europeia. Explica que atua enquanto sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário de direito alemão B... (“Fundo”), o qual constitui um organismo de investimento alternativo abrangido pela Diretiva 2011/61/UE. 

Caracteriza o Fundo como estrutural e funcionalmente equivalente aos organismos de investimento coletivo residentes em Portugal abrangidos pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, mas que, por se encontrar estabelecido na Alemanha, é excluído do âmbito subjetivo da isenção prevista no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Assim, enquanto os fundos residentes beneficiam de uma isenção integral de IRC relativamente a rendimentos da mesma natureza, o Fundo B... é tributado à taxa de 25% quando aufere rendimentos prediais com origem em Portugal. 

Tal diferenciação de tratamento constitui, segundo a Requerente, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, bem como uma violação do princípio da não discriminação consagrado no artigo 18.º do TFUE, afetando de forma menos favorável os fundos não residentes em relação aos fundos estabelecidos em Portugal. 

Considera que o regime nacional assenta numa distinção arbitrária baseada exclusivamente no critério da residência e que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é admissível uma diferenciação entre organismos de investimento residentes e não residentes quando estes se encontrem numa situação objetivamente comparável. 

Por essa razão, afirma que a tributação aplicada não é apenas desconforme com o direito interno, mas sobretudo contrária ao direito primário da União, impondo-se ao Tribunal a desaplicação do artigo 22.º do EBF na parte em que limita a isenção aos fundos residentes.

Em consequência do vício de violação de lei de que enfermam os atos tributários, defende a Requerente ter direito à restituição integral do imposto indevidamente suportado. Invoca o artigo 100.º da LGT, que impõe à Administração Tributária o dever de reconstituir a situação que existiria caso o ato ilegal não tivesse sido praticado, procedendo ao reembolso do montante indevido. 

Acrescenta ainda que, por força do erro imputável aos serviços, se encontra igualmente onerada com o correspondente direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, desde a data em que se verificou o indeferimento tácito da reclamação graciosa até integral emissão da competente nota de crédito. 

Entende, assim, que a manutenção dos atos inválidos e a não restituição das quantias indevidamente cobradas violariam os princípios da legalidade, da justiça e da tutela jurisdicional efetiva, devendo o Tribunal Arbitral declarar a ilegalidade das retenções na fonte e demais atos impugnados, ordenar o reembolso da quantia paga e reconhecer o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios devidos.    

 

b)    Posição da Requerida:

 

A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, começa por defender a integral legalidade da autoliquidação de IRC do exercício de 2023 e, bem assim, do indeferimento tácito da respetiva reclamação graciosa. 

Sustenta que o Requerente não logrou demonstrar os pressupostos factuais e jurídicos que invoca, designadamente no que respeita à qualificação do Fundo B... como organismo de investimento coletivo ou alternativo abrangido pelos regimes harmonizados europeus. Entende a AT que a documentação junta não confirma que o Fundo se encontre sujeito às regras prudenciais, organizacionais e de supervisão equivalentes às aplicáveis aos OIC residentes em Portugal ao abrigo do regime da Lei n.º 16/2015, não podendo, por isso, beneficiar de qualquer equiparação. 

Acrescenta que não está demonstrado que as entidades intervenientes na cadeia de intermediação e retenção — incluindo entidades depositárias ou correspondentes estrangeiras — atuam meramente como intermediários do Requerente, insistindo que subsiste uma dúvida séria quanto à titularidade efetiva dos rendimentos e, consequentemente, quanto à legitimidade da Requerente para se opor aos atos de retenção na fonte.

A Requerida argumenta também que o regime previsto no artigo 22.º do EBF constitui uma opção de política fiscal do legislador nacional, conforme à margem de conformação do Estado no domínio da tributação dos rendimentos de capitais e da fiscalidade dos organismos de investimento. 

Refere que este regime especial se destina a OIC’s residentes, sujeitos à supervisão da CMVM, à legislação nacional e às obrigações declarativas, contabilísticas e de reporte previstas na lei portuguesa. Entende, assim, que não existe qualquer obrigação de estender automaticamente esse regime privilegiado a fundos não residentes, que não se encontram sujeitos às mesmas condições regulamentares e fiscais. Por essa razão, considera que a situação dos fundos residentes e não residentes não é objetivamente comparável, o que afasta qualquer alegação de discriminação proibida pelo artigo 18.º do TFUE ou de restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do mesmo Tratado. 

Segundo a AT, mesmo que existisse uma diferença de tratamento, ela seria justificada por razões relacionadas com a coerência do sistema fiscal português, a prevenção de evasão ou elisão fiscal e a necessidade de assegurar mecanismos eficazes de controlo e supervisão — justificações que, na sua perspetiva, têm sido acolhidas pela jurisprudência europeia.

A Requerida acrescenta ainda que não foi demonstrado que o Fundo tenha suportado efetivamente o imposto que pretende ver devolvido, nem tão-pouco que tenha deixado de beneficiar de crédito por dupla tributação no seu Estado de residência. 

Sustenta que, à luz da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Alemanha, competiria à Requerente demonstrar a impossibilidade de obter crédito de imposto no Estado da residência, o que não logrou fazer. Argumenta, por isso, que o pedido de reembolso carece de fundamento, por inexistência de prejuízo fiscal efetivo imputado à Requerente.

 

Finalmente, a AT considera que não estão reunidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios, por inexistência de erro dos serviços e por não ter sido demonstrado qualquer pagamento indevido, sendo certo que foi a própria Requerente que procedeu à autoliquidação que agora impugna. 

Assim, conclui que o pedido arbitral carece de fundamento e deve ser integralmente julgado improcedente, mantendo-se a autoliquidação e o indeferimento tácito da reclamação graciosa, com as legais consequências.

 

c)     Da tramitação processual:

 

O pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) que está na origem dos presentes autos foi aceite em 24.03.2025.

Após designação do coletivo de árbitros, pelo Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), foram Requerente e Requerida notificados de tal nomeação em 14.05.2025, não tendo manifestado estas manifestado qualquer oposição no prazo consignado no n.º 7 do artigo 11º do RJAT.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 03 de junho de 2025 e instalado na sede do CAAD- Centro de Arbitragem Administrativa, sito na Av. Duque de Loulé. n.º 72-A, em Lisboa, sem prejuízo da prática de atos processuais a partir da sua delegação do Porto.

Notificada para, querendo apresentar Resposta, veio a Requerida a fazê-lo, em 03.07.2025 e bem assim a apresentar o Processo Administrativo instrutor.

Por despacho de 03.07.2025, atenta a circunstância de não ter sido requerida a produção de prova constituenda, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, notificando as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, sucessivas, no prazo de 15 dias, deixando consignado a data de 03 de dezembro de 2025, para efeitos de prolação de decisão.

Em 09.09.2025, veio o Requerente a formular alegações escritas, tendo nesse ensejo, procedido à junção de documentos.

Por despacho de 03.10.2025, veio a ser proferido despacho arbitral, na qual se instava a notificação da Requerida para, querendo, exercer o contraditório sobre a referida documentação junta.

         Notificada a Requerida, não veio esta a exercer o contraditório, tendo por despacho de 28.10.2025, o Tribunal Arbitral Coletivo decidido pela admissão da documentação junta pelo Requerente em sede de alegações.

 

II.      SANEAMENTO:

O tribunal arbitral coletivo encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, não enfermando o processo de nulidades.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.

Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO:

 

A)   Matéria de facto:

 

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como provados são os seguintes.

1)    O Requerente é A... MBH, sociedade residente fiscal na República Federal da Alemanha, NIF ..., não residente em Território Nacional e sem estabelecimento estável em Portugal, atuando como sociedade gestora do B... (fundo de investimento imobiliário de tipo aberto). Cfr. Doc. 5 do PPA;

2)    A B... é um Immobilien‑Sondervermögen (Organismo de Investimento Alternativo contratual, “open‑end retail fund” – Fundo de Investimento Imobiliário de tipo aberto), constituído e a operar sob a legislação alemã, sujeito à Diretiva Gestores de Fundos de Investimento Alternativos - AIFMD -2011/61/UE), regulado e supervisionado pela entidade reguladora financeira alemã – BaFin - com regime fiscal no C..., com sede em ..., Alemanaha,  residência fiscal e direção efetiva na Alemanha e sem qualquer estabelecimento estável fora daquela jurisdição – cfr. Doc. 1, 3 e 5 do o PPA e Doc. 1 junto com as alegações pelo Requerente;

3)    O Fundo, enquanto titular de bens imobiliários sitos em Portugal, auferiu no exercício de 2023, rendimentos prediais, os quais foram sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25%, conforme melhor se discrimina infra (valores expressos em Euros):

 

 

 

 

4)    Em 08‑07‑2024, o Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 n.º..., relativa ao período de 01‑01‑2023 a 31‑12‑2023, cfr. Doc. 1 do PPA; vide PA;

5)    No âmbito da Modelo 22 relativa a 2023,supra identificada, declarou como “Rendimentos prediais de entidades não residentes sem estabelecimento estável (art.º 87.º, n.º 4)” sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, uma matéria coletável de € 4.415.019,78 – vide Doc. 1 do PPA;

6)    No âmbito do cálculo do IRC do exercício em apreço, o Requerente apurou um valor de IRC a recuperar no montante de € 54.128,48, conforme quadro infra:

7)    Tal apuro em sede de IRC deu origem à liquidação relativa ao exercício de 2023, com o n.º 2024 ... – vide Doc. 2 do PPA;

8)    O imposto suportado pelo Fundo em Portugal, a que se refere o ponto anterior, não é neutralizado na Alemanha. (cfr. Doc. 5 do PPA);

9)    Em 15‑08‑2024, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa n.º ...2024... contra a autoliquidação de 2023, peticionando o reembolso de € 1.103.754,95, correspondente à diferença entre retenções na fonte (€ 1.157.883,36) e montante recuperado na Modelo 22  (€ 54.128,42) - vide. Recl. Graciosa junta com o PPA e PA;

10) A Reclamação Graciosa supra identificada não veio a ser decidida no prazo de 4 meses após a sua dedução;

11) O Requerente, inconformado com a não decisão de tal meio administrativo de defesa, veio a submeter, em 20.03.2025, PPA, o qual está na origem dos presentes autos.

12) A Requerente não beneficiou de qualquer crédito de imposto na Alemanha, Estado da residência, quanto ao imposto suportado em Portugal relativamente aos supra identificados rendimentos prediais – cfr. Doc. 3 do PPA.

 

B)   Factos não provados:

 

Não existem factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

C)   Motivação da matéria de facto:

 

Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.

 

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

 

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

D)   Matéria de direito:

 

i)               Da utilização de crédito de imposto por dupla tributação internacional:

 

            Antes de se entrar na dilucidação daquela que se entende ser a questão de fundo invocada pelo Requerente, atinente à ilegalidade da liquidação de IRC, por violação do disposto no artigo 63º do TFUE, importa, desde já, apreciar a questão erigida pela Requerida, no sentido de não ter aquele demonstrado que os rendimentos prediais de fonte portuguesa foram declarados e isentos  de tributação no estado de residência, de forma a não poder acionar o crédito de imposto que se encontra previsto na convenção para evitar dupla tributação  celebrada entre a República Portuguesa e o estado de residência da requerente.

            

            No que respeita à eventual possibilidade de neutralização do imposto pago em Portugal através da imputação desse mesmo crédito de imposto no Estado da residência, importa notar que, no caso concreto, tal mecanismo não se verifica, nem poderia verificar-se. 

 

Conforme resulta da prova documental junta aos autos — nomeadamente do prospeto do Fundo — os rendimentos prediais de fonte estrangeira - tal como se verifica ser o caso do imposto objeto dos presentes autos - não integram a base de tributação do Fundo na Alemanha, pelo que o Estado da residência não faz uso da faculdade prevista no artigo 6.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (“CDT”). 

 

Assim, inexistindo, na Alemanha, sujeição destes rendimentos a imposto, não se forma qualquer base tributável que permita o exercício do crédito por dupla tributação previsto no artigo 24.º da CDT, ficando afastada a possibilidade de imputação do imposto português no âmbito da tributação a que o Fundo estará sujeito na Alemanha e consequentemente afastada ficando a invocada possibilidade de o Requerente poder beneficiar de uma “duplicação do reembolso” relativamente ao imposto pago em Portugal.

 

 

ii)             Da violação do princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63º do TFUE:

 

Quanto à questão de fundo erigida, sustenta o Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º  do EBF, implica a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de Estado terceiro, o que, em seu entender, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

De outra banda, defende a Requerida que a retenção na fonte suportada pelo Fundo não resulta de qualquer erro ou aplicação incorreta da lei, mas sim da estrita aplicação do regime geral de tributação de não residentes, defendendo igualmente que o Requerente não demonstrou que o Fundo B... tenha a natureza de organismo de investimento coletivo para efeitos do ordenamento jurídico português. 

 

Alega que, embora a Requerente invoque que o Fundo é um “fundo de investimento imobiliário e alternativo”, não fez prova de que o mesmo tenha sido constituído e opere ao abrigo da legislação nacional que regula os OIC — designadamente, a Lei n.º 16/2015 — nem que esteja sujeito à supervisão da CMVM. Afirma, ainda, que o artigo 22.º do EBF (isenção e dispensa de retenção para OIC residentes) é uma norma de benefício fiscal, de interpretação estrita, aplicável apenas a organismos constituídos segundo a legislação portuguesa, e que nada no Direito da União Europeia obriga à sua extensão automática a fundos não residentes.

 

A AT argumenta também que a invocada discriminação carece de fundamento, porquanto os fundos residentes e não residentes não se encontram em situação objetivamente comparável.

 

Vistas as posições das partes relativamente ao dissídio, importa, antes de mais, efetuar o enquadramento jurídico da questão da inaplicabilidade do disposto no n.º 3 do artigo 22º do EBF.

 

Os rendimentos prediais obtidos em território português constituem proveitos sujeitos a IRC, nos termos dos artigos 4.º e 20.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, independentemente da residência da entidade beneficiária. A tributação de tais rendimentos efetua-se, para entidades residentes e não residentes, através de retenção na fonte com natureza de pagamento por conta, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 6, do CIRC, sendo essa retenção dedutível na liquidação do imposto do respetivo exercício e reembolsável quando exceda a coleta, conforme os artigos 90.º, n.º 2, alínea e), e 104.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC.

 

Quanto às taxas aplicáveis, as entidades não residentes sem estabelecimento estável em Portugal são, em regra, tributadas autonomamente à taxa de 25%, nos termos do artigo 87.º, n.º 4 do CIRC, enquanto as entidades residentes — embora sofram uma retenção não liberatória à mesma taxa, nos termos do artigo 94.º, n.º 4 do CIRC — ficam sujeitas, no apuramento final, à taxa geral de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do CIRC.

 

Numa apreciação preliminar, este quadro sugeriria uma carga fiscal tendencialmente equivalente entre entidades residentes e não residentes, incluindo ao nível dos organismos de investimento coletivo. 

 

Porém, tal tendencial equivalência afigura-se afastada pelo regime especial do artigo 22.º do EBF, o qual determina a desconsideração dos rendimentos prediais obtidos pelos OIC constituídos e a operar sob a legislação portuguesa para efeitos de determinação do lucro tributável, benefício fiscal este que não é aplicável aos OIC não constituídos e regulados pela lei nacional. Esta assimetria normativa torna a tributação destes últimos significativamente mais onerosa, como se demonstrará adiante.

 

Consagrou o legislador, através do n.º1 e 3 do artigo 22.º do EBF, o seguinte: 

“1- São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

(…)

3- Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.” 

 

Da leitura do preceito vindo de citar, resulta que que, não obstante os OIC’s estarem sujeitos a tributação em Portugal,  o legislador consagrou a desoneração destes relativamente a alguns dos rendimentos sujeitos a IRC, quando obtidos em território nacional, a saber:  rendimentos de capitais, em conformidade com o disposto no artigo 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), rendimentos prediais, tal como decorrem do preceituado no artigo 8.º do CIRS e rendimentos de mais-valias, tal como definidas nos termos do artigo 10.º do referido compêndio legal.

 

Nos termos do versado artigo 8.º, n.º 1, do CIRS: “Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria” e bem assim, entre outras, “as importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência.”

 

Volvendo ao disposto no artigo 22º do EBF, preceitua o n.º 10 deste, no seguinte sentido: ”Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1

 

Neste conspecto normativo, é possível concluir que, não se verificando o requisito de que um OIC tenha sido constituído e opere segundo a legislação nacional (nos termos do n.º 1), ainda que constituído e a operar noutro Estado-Membro de acordo com a Diretiva 2011/61/UE, ou seja, em condições equivalentes, mas sujeitos à legislação regulatória nacional, fica afastada a aplicação do regime estabelecido no artigo 22.º do EBF, nomeadamente a não tributação dos rendimentos elencados no respetivo n.º 3.

 

Importando ter presente que, para efeitos de IRC, quaisquer pessoas coletivas e outras entidades - o que incluirá, necessariamente, os OIC - se consideram residentes quando tenham em território nacional, sede ou direção efetiva em território português, nos termos do n.º 3 do art.º 2.º do Código do IRC.

 

Acrescendo que, nos termos do artigo 4º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre a República Federal da Alemanha e a República Portuguesa, também o Fundo se deve como fiscalmente não residente e sem estabelecimento estável, enquadramento este que, de resto, decorre do teor da declaração Modelo 22, cujo teor não foi sequer colocado em causa pela Requerida, inexistindo assim qualquer divergência quanto ao enquadramento do Fundo enquanto não residente em Portugal e sem estabelecimento estável em território nacional. 

 

Em consequência do acervo normativo vindo de aduzir, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e as mais-valias obtidas em território português por fundos ou sociedades de investimento que tenham sido constituídos e que desenvolvam a sua atividade ao abrigo da legislação portuguesa estão excluídos de sujeição a tributação em sede de IRC sobre tais tipologias de rendimentos de IRS, 

 

Já no caso dos OIC’s constituídos e a operar segundo uma legislação de um outro Estado-Membro da União Europeia (“EU”) que, por essa via sejam de considerar não residentes em Portugal, para efeitos fiscais, atento o disposto no n.º 3 do artigo 2º do CIRC  e aqui obtenham rendimentos prediais, de capitais ou de mais-valias de fonte nacional, verifica-se estarem tais OIC’s  impedidos de beneficiar da exclusão prevista no n.º 3 do artigo 22º do EBF.

 

Sucede, igualmente, que os rendimentos de fonte portuguesa de que sejam beneficiários OIC’s constituídos e a operar ao abrigo de similar legislação interna de um outro Estado-Membro ao abrigo da Directiva 2011/61/UE, estão sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25%, a título de pagamento por conta, retenção essa que não tem lugar em caso do OIC ter sido constituído e opere ao abrigo da legislação portuguesa.

 

Perante o enquadramento legal aplicável vindo de enunciar, importa aferir até que ponto o distinto regime tributário aplicável, em matéria de rendimentos prediais auferidos por OIC’s a constituídos e a operar ao abrigo de lei interna de um outro Estado-Membro da UE constitui uma restrição discriminatória, que se opõe à liberdade de circulação de capitais a que se refere o artigo 63.º do TFUE, 

 

A questão colocada à apreciação deste Tribunal – no tocante à apreciação do tratamento fiscal diferenciado - foi respondida num caso similar – porquanto igualmente a coberto da exclusão de tributação do artigo 22º do EBF - embora respeitante a rendimentos de capitais (dividendos), pelo Acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do Processo C-545/19, no âmbito do reenvio promovido pelo Tribunal Arbitral Tributário (CAAD), vindo o TJUE a declarar que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Também o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferiu Acórdão uniformizador no âmbito do processo n.º 93/19.7BALS, publicado na 1ª série do Diário da República, de 26 de fevereiro de 2024, uniformizando a jurisprudência nos seguintes termos:

1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos  de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos 

a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, 

do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros 

da União Europeia.»

    

Se é certo que os arestos, emanados, quer do TJUE, quer do STA, respeitam à tributação de dividendos distribuídos a OIC’s não residentes e no caso dos presentes autos a questão decidenda repouse na apreciação da tributação de rendimentos prediais de OIC’s não residentes (e sem estabelecimento estável) em território nacional, o tema legal que subjaz a ambos não pode, no entendimento deste Tribunal Arbitral Coletivo, deixar de se considerar similar.

 

Com efeito, a similitude da questão em apreciação reside em aferir da admissibilidade da diferenciação introduzida pelo legislador português no regime de tributação aplicável aos organismos de investimento coletivo, fundada não exatamente no critério da residência fiscal — como sucede no caso analisado pelo Tribunal de Justiça,  no âmbito do processo C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) — mas antes na lei sob cuja égide o OIC foi constituído e opera. 

 

Todavia, este duplo critério de “constituição e “operação” ao abrigo da legislação nacional, constante do artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, reconduz-se a que, tendencialmente e na prática, os OIC’s que cumpram tal critério sejam considerados residentes para efeitos fiscais, por força do critério resultante do n.º 3 do artigo 2º do Código do IRC, e por isso suscetível de produzir um efeito equivalente ao da distinção assente no critério da residência tributária desses organismos.

 

Por contraponto, os OIC’s constituídos e a operar sob a regulação de outro Estado-Membro, estarão, tendencialmente e por razões de ordem prático-logísticas, afastados de tal residência fiscal em território nacional, na medida em que a sujeição a legislação e supervisão por outro Estado-Membro implica, quase inevitavelmente, que a sede e a direção efetiva do organismo se localizem nesse outro Estado-Membro

 

Tal opção normativa constante do artigo 22º do EBF, embora redigida em termos de legislação aplicável na constituição e na operação, reduz-se, em termos substantivamente similares a uma diferenciação em razão da residência, o que a coloca no âmbito de proteção do artigo 63.º do TFUE e da jurisprudência firmada pelo TJUE no caso AllianzGI-Fonds AEVN.

 

Em síntese, o critério adotado no artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao subordinar o acesso ao benefício fiscal à constituição e operação segundo a lei portuguesa, tendencialmente implica, de forma indireta, que o OIC preencha o critério de residente fiscal em Portugal – por via da sede ou da direção efetiva - transformando-se num requisito apto a produzir os mesmos efeitos restritivos sobre a livre circulação de capitais que uma distinção expressa baseada na residência fiscal tout court.  

 

Por outro lado, e regressando à factualidade subjacente a estes autos, importa ter presente que a perceção de rendimentos prediais por uma entidade residente num Estado-Membro, provenientes de imóveis situados noutro Estado-Membro da União Europeia constitui uma operação de natureza intraeuropeia, abrangida pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tal como decorre das decisões do TJUE, em casos similares, tiradas nos processos C-170/05, C-374/04 e C-35/98[1].

 

Deste modo, o regime fiscal aplicável a uma tal situação, deve, por conseguinte, respeitar as disposições do TFUE e, em especial, as liberdades fundamentais, entre as quais se inclui a livre circulação de capitais, 

 

Nos termos do artigo 63.º do TFUE, esta liberdade abrange todas as transferências de capitais entre Estados-Membros, sejam ou não onerosas, incluindo as que se associam a investimentos imobiliários realizados em território nacional por não residentes, tal como vem entendendo o TJUE, entre outros, nos processos  C-319/02; ACT Group Litigation, C-374/04; e Denkavit II, C-170/05)[2].

 

Desta liberdade decorre a proibição de imposição de medidas fiscais suscetíveis de desencorajar investidores não residentes a aplicar capitais num outro Estado-Membro. 

 

É certo que o TFUE reconhecendo, em matéria fiscal, os critérios de conexão clássicos – residência e fonte – admite, em princípio, tratamentos distintos entre entidades nacionais e estrangeiras - tal como decorre das decisões do TJUE nos processos C-319/02; ACT Group Litigation, C-374/04; e Denkavit II, C-170/05[3]

 

Contudo, a jurisprudência do TJUE tem afirmado que tais diferenciações apenas são legítimas quando se verifique que as situações não são objetivamente comparáveis, ou que o tratamento desigual se justifica por razões imperiosas de interesse geral, tal como resulta da decisão tirada no processo C-39/13, de 1206.2014[4]: “ 28. Para que uma desigualdade de tratamento deste tipo seja compatível com as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, é necessário que a mesma se reporte a situações que não sejam objetivamente comparáveis — devendo a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna ser analisada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa —, ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, acórdão Felixstowe Dock and Railway Company e o., EU:C:2014:200, n.° 25 e jurisprudência aí referida).”

 

Nesta linha, o TJUE já se pronunciou, no âmbito do também já parcialmente citado processo C-549/19 – Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN - no sentido de que “Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontramse, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal.

Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis (…)”   

 

Regressando à situação em apreciação nos presentes autos, como e corretamente aponta o Requerente, ao Fundo não é possível, ante ao recorte da norma ínsita no artigo 22º do EBF,  pelo facto de se ter constituído e operar ao abrigo da lei de um outro Estado-Membro – no caso, Alemanha – beneficiar da exclusão de tributação, a qual se encontra consagrada apenas para os OIC’s que se tenham constituído e operem sob a égide da lei portuguesa.  

 

É de entender assim que, atentas as regras e princípios de funcionamento do TFUE, os quais gozam de primado face à legislação interna, uma vez percecionando os OIC’s constituídos e a operar sob a legislação de um outro Estado-Membro, rendimentos prediais com origem no território nacional, não podem estes deixar de se considerar em condições de comparabilidade à de outros OIC’s, desta feita regulados pela lei nacional e nesta exata medida de comparabilidade, inelutável se tornando que quanto àqueles sejam aplicáveis as regras de tributação internamente conferidas a estes últimos, o que in casu, significa reconhecer o direito à exclusão de retenção na fonte e de tributação sobre os rendimentos prediais (de capitais e de mais-valias) a que se referem os n.ºs 1, 3 e 10 do artigo 22º do EBF.

 

Que o mesmo equivale por afirmar pela existência de evidente discriminação conferida ao nível da tributação entre OIC’s, em função do Estado-Membro a que estes, em termos regulatórios se encontrem legalmente vinculados, quer quanto à constituição, quer quanto à sua operação, o que constitui a uma inadmissível restrição à liberdade de circulação de capitais, porquanto não se vislumbra qualquer justificação para tal diferenciação.

 

Na verdade, importa salientar que uma restrição a tal liberdade sempre poderia existir, uma vez a mesma assentasse na denominada “rule of reason”, o que acarretaria que e sempre em obediência aos limites da proporcionalidade, sobreviessem razões atinentes à coerência do regime fiscal ou diminuição de receitas fiscais.

 

A propósito da existência ou não de razões imperiosas de interesse público que permitissem justificar tal restrição à liberdade de circulação de capitais estabelecida no artigo 63º do TFUE, se pronunciou igualmente o acórdão C545/19 a que nos supra referimos, o qual entendemos se integrar igualmente ao caso dos autos, no sentido de que: “A isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.o 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.o 93). Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.º 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo. 

A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal. 

(…)

No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C 575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C 484/19, EU:C:2021

No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos

 

 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados Membros também não pode ser acolhida. “

 

Tendo presente o teor do citado trecho do aresto supra e voltando a descer ao caso que ora nos atém, importa notar que, nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), apenas se encontram abrangidos pelo regime de exclusão de tributação dos rendimentos previstos no n.º 3 desse preceito os organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, por força do disposto no seu n.º 1.

 

Este critério legal — a exigência de constituição e operação sob o direito nacional — produz efeitos substancialmente idênticos aos de uma diferenciação baseada na residência, pois excluirá, na prática, todos os OIC constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da União Europeia. 

 

Assim, um fundo alternativo constituído, por exemplo, na Alemanha, sob supervisão da BaFin e nos termos da Diretiva 2011/61/UE (AIFMD), como o caso do Fundo, fica impedido de beneficiar da mesma exclusão de tributação de que goza um outro fundo em tudo similar, mas constituído e a operar ao abrigo da legislação nacional, sendo certo que, ambos os fundos  se têm por constituídos e a operar segundo as mesmas regras europeias transpostas para as respetivas ordens jurídicas dos Estados-Membros. 

 

Deste modo, a distinção estabelecida pelo artigo 22.º, n.º 1, do EBF traduz-se numa restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, porquanto desincentiva os OIC constituídos e a operar sob a legislação de outros Estados-Membros a investir em ativos situados em Portugal, tornando menos atrativa a aplicação de capitais estrangeiros no mercado nacional e igualmente é suscetível de desincentivar a constituição e operação de OIC’s ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro em função dessa mesma diferenciação quanto ao nível de tributação a que estarão sujeitos em território nacional. 

 

Com efeito, a norma nacional em apreço impõe, como condição de acesso ao benefício fiscal, que os OIC se constituam e operem ao abrigo da lei portuguesa, o que, em termos económicos e jurídicos, “obriga” à localização do veículo de investimento e da estrutura jurídica dos OIC’s para o território português, configurando tal norma um entrave injustificado à livre circulação de capitais entre Estados-Membros.

 

Esta diferenciação não pode sequer encontrar amparo no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, o qual permite aos Estados-Membros aplicar disposições fiscais que distingam entre contribuintes em função da residência ou do local de investimento do capital, desde que as situações não sejam objetivamente comparáveis ou que a diferenciação se encontre justificada por razões imperiosas de interesse geral. 

 

Ora, como resulta do enquadramento jurídico europeu dos OIC, todos os organismos de investimento coletivo alternativos que operam na União Europeia estão sujeitos, ao mesmo acervo normativo estrutural, quanto à autorização, constituição e supervisão, o qual decorre da Diretiva 2011/61/UE (AIFMD), e, no caso dos fundos mobiliários, da Diretiva 2009/65/CE (UCITS IV), transpostas para as legislações nacionais dos respetivos Estados-Membros.

 

Do exposto, resulta que um OIC constituído e a operar sob as leis portuguesas e um OIC constituído e a operar em outro Estado-Membro, se encontram, também no plano regulatório, em situações objetivamente comparáveis, sendo ambos sujeitos à mesma moldura europeia de regras de conduta, transparência e reporte, nos termos das supra mencionadas diretivas.

 

Por conseguinte, o distinto tratamento fiscal introduzido pelo artigo 22.º do EBF não encontra justificação material em qualquer diferença de enquadramento jurídico ou de risco fiscal, configurando uma discriminação em função da origem do investimento.

 

Como salientado pelo TJUE, no acórdão de 7 de abril de 2022, processo C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), o tratamento fiscal diferenciado conferido a OIC’a consoante o Estado de residência do fundo constitui uma restrição à livre circulação de capitais, incompatível com o artigo 63.º do TFUE, quando o Estado-Membro da fonte não demonstra que as situações em causa não são comparáveis ou que a restrição é necessária e proporcionada à prossecução de um objetivo legítimo de interesse geral. 

 

Ainda que, no caso dos autos, o critério legal português não se refira expressamente à residência, mas à constituição e operação sob a lei nacional, o efeito económico e jurídico dessa condição é idêntico: excluir os OIC constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros de um regime fiscal mais favorável, sem que exista diferença material que justifique tal exclusão.

 

A norma em causa excede assim, claramente, o que é admissível à luz do artigo 65.º do TFUE, na medida em que institui uma disparidade de tratamento fiscal entre organismos de investimento coletivo que se encontram sujeitos ao mesmo quadro regulatório europeu. 

 

Com efeito, enquanto um OIC constituído e operado ao abrigo da legislação portuguesa beneficia da exclusão de tributação (e de retenção na fonte) relativamente a rendimentos prediais de fonte portuguesa, outro OIC operando noutro Estado-Membro segundo regras harmonizadas e substancialmente idênticas e titular de idênticos rendimentos prediais de fonte portuguesa, vê esse mesmo rendimento ser sujeito a tributação de 25%, também com recurso a retenção na fonte.

 

Ao conferir tal diferente tratamento fiscal, a norma ínsita no artigo 22º do EBF estabelece assim uma barreira injustificada à liberdade de circulação de capitais, ao distorcer e indelevelmente coartar, por via da imposição de opostas regras de tributação em função da legislação do Estado-Membro ao abrigo do qual os OIC’s se encontram constituídos e operam, a  escolha livre pelo operador económico, por exemplo quanto à localização, dentro do espaço territorial da UE, dos investimentos a levar a efeito.

 

De resto, o duplo critério erigido pelo n.º 1 do artigo 22.º do EBF, ao exigir, cumulativamente, que os OIC’s se constituam e operem de acordo com a legislação portuguesa para que da exclusão tributária em apreço possam beneficiar, poderia ser suscetível de afetar, não apenas a liberdade de circulação de capitais – como aqui se deixou por expressa e verificada tal violação - mas também e potencialmente, o princípio da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE, porquanto ao fazer condicionar ab initio a sujeição ou não tributação dos rendimentos de fonte portuguesa previstos no n.º 3 do artigo 22º do EBF, à escolha da lei do Estado-Membro ao abrigo do qual o OIC venha a ser constituído é suscetível  de constituir, m tese,  uma injustificada condicionante quanto a tal liberdade de estabelecimento. 

 

Contudo, uma vez que tal violação quanto à liberdade de estabelecimento não foi suscitada pelo Requerente, está, naturalmente, afastada a apreciação dessa questão no presente processo.

 

Em conclusão, o duplo critério da constituição e operação sob a legislação portuguesa, constante do artigo 22.º, n.º 1, 3 e 10 do EBF, para efeitos de aferição de exclusão de tributação de rendimentos prediais de fonte portuguesa por parte de um OIC, constitui uma restrição injustificada à livre circulação de capitais, proibida pelos artigos 63.º e 65.º do TFUE, à luz da jurisprudência consolidada do TJUE e igualmente violado o n.º 4 do artigo 8º da CRP,  pelo que, não pode deixar de se fazer recair um labelo de ilegalidade sobre o ato tributário de liquidação, objeto mediato destes autos.  

 

iii)           Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede ainda a restituição do valor de imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. 

 

O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, pelo que não pode tal reconstituição deixar de ser efetuada, o que implica o direito ao reembolso do Requerente do valor de imposto indevidamente pago.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso de atos de autoliquidação, como é o caso sub judice, o erro imputável ao sujeito passivo passa a ser imputável à AT a partir do momento em que esta, tendo conhecimento da ilegalidade constante do ato de autoliquidação, deveria ter proferido decisão que anulasse a inconformidade legal que o ato sofria, e, contudo, mantém a situação de erro e pagamento indevido do imposto ao indeferir, expressamente a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente.

 

Veja-se, neste mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 01098/16.5BELRS de 09-12-2021:

Ainda que a liquidação tenha sido efetuada corretamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efetiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].

 

Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços na justa medida em que com a reclamação graciosa a AT teve a oportunidade de corrigir a autoliquidação por forma debelar a ilegalidade que a inquinava.  

 

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão do Requerente a ser ressarcido pela Requerida através não só da restituição do valor indevidamente pago, como igualmente pelo pagamento por esta de juros indemnizatórios contados desde a data em que se deve ter por, nos termos do n.º 3 do artigo 64º do CPPT, tacitamente indeferida a reclamação graciosa, até integral e efetivo reembolso do imposto liquidado em excesso, nos termos do artigo 43 nº1 LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

IV – Decisão:

Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral Coletivo em julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:

a) Anular o ato tributário de IRC de 2023 arbitralmente impugnado; 

b) Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos supra expostos na al. iii) do capítulo III);

c) Condenar a Requerida nas custas de processo.

 

 

V- Valor da causa:

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.103.754,94 (um milhão, cento e três mil, setecentos e cinquenta quatro euros e noventa quatro cêntimos) nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC

e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

 

 

 

 

VI- Custas:

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 15.300,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique. 

 

Lisboa,17 de novembro de 2025

   

 

A Árbitra Presidente

 

 

Fernanda Maçãs

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

João Pedro Rodrigues

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

Luís Sequeira

 

 



[1] Consultáveis em www.curia.europa.eu

[2] Idem;

[3] Idem; 

[4] Idem;