Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 364/2025-T
Data da decisão: 2025-11-27  IVA  
Valor do pedido: € 125.534,01
Tema: IVA - Sujeito Passivo misto - Pedido de Revisão Oficiosa – Competência do Tribunal Arbitral – Pedido de Regularização de IVA – Ónus da Prova
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SUMÁRIO:

I.           A competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais, em matéria de arbitragem tributária, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

II.         O erro na forma de processo deve ser aferido pelo pedido concretamente formulado, só devendo julgar-se verificado se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo.

III.       A Impugnação Judicial é o meio processual adequado á apreciação da legalidade da liquidação, ainda que esta seja interposta na sequência de despacho de indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito em que tal despacho se louvou, desde que, na Impugnação Judicial, seja simultaneamente pedida a apreciação da legalidade do referido despacho e da liquidação.

IV.      A alteração do método de dedução, ou do quantum da dedução sem alteração de método, nos casos dos denominados “sujeitos passivos de IVA mistos” pode sempre ser efectuada ao abrigo do disposto no artigo 98º, nº 2, do Código do IVA e, consequentemente, no prazo de 4 anos.

V.        O ónus da prova do direito à dedução do IVA por “auto-liquidação” é do sujeito passivo, nos termos do artigo 74º da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., S.A.,

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Sílvia Oliveira (Relatora) e Magda Feliciano (Árbitra Adjunta), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 25-06-2025, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

1.          RELATÓRIO

 

1.1.      A..., S.A., com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º..., no Porto, (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral (PPA) e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo no dia 09-04-2025, ao abrigo do disposto no Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.      O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral no sentido de requerer “(…) pronúncia arbitral sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa (...) apresentado (…) com vista à contestação dos atos tributários de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), referentes ao ano 2020, materializados na declaração periódica de imposto com referência ao mês de dezembro de 2020, no montante global de € 125.534,01, e a consequente declaração de (i)legalidade daquele ato de (auto)liquidação de IVA (…), nos termos e com os fundamentos (…) expostos”, peticionando “(…) a este Tribunal a procedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, e em consequência (…)” a anulação parcial dos referidos actos tributários de autoliquidação de IVA, bem como a restituição do “(…) valor do IVA pago em excesso, no montante global de € 125.534,01, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor” e “(…) todas as demais consequências legais, incluindo a condenação da AT no pagamento das custas do processo arbitral”.

 

1.3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 11-04-2025 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.      Em 03-06-2025, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.      Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.      Em 25-06-2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.      Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.      A Requerida, em 12-09-2025, apresentou a sua Resposta (notificada a 15-09-2025), tendo-se defendido por impugnação e excepção e concluído no sentido de que “a) Deverá ser julgada procedente a exceção de nulidade de todo o processo consubstanciada no erro da forma do processo e, em consequência, absolver a AT da instância, nos termos do disposto nos artigos 193.º, 278.º, n.º 1, alínea b) e 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), todos do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. b) Deverá a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral ser julgada procedente, nos termos do disposto nos artigos 96.º, alínea a), 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b) todos do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. c) Deverá ser julgada procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato e, em consequência, absolver a AT da instância, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. Se assim não se entender, d) Deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.9.      Na mesma data, a Requerida anexou o processo administrativo.

 

1.10.   Por despacho arbitral de 16-09-2025 (notificado a 17-09-2025), foi o Requerente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, querendo, exercer o direito ao contraditório relativamente à matéria das excepções invocadas pela Requerida na Resposta.

 

1.11.   O Requerente apresentou, em 30-09-2025, defesa à matéria de excepção suscitada pela Requerida, tendo concluído pela sua improcedência e reiterado que “(…) a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa em apreço deverá ser anulada para todos os efeitos legais e, igualmente, deverão os atos de (auto)liquidação de IVA subjacentes ao Pedido de Revisão Oficiosa em crise ser considerados ilegais, devendo os mesmos serem anulados e o imposto pago pelo Requerente ser-lhe integralmente reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

1.12.   Por despacho arbitral de 01-10-2025 (notificado às Partes a 02-10-2025), foi decidido dispensar da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT bem como determinar que o processo prosseguisse com alegações finais escritas, de facto e de direito, com conclusões obrigatórias, a apresentar no prazo simultâneo de 15 dias, a contar nos termos legais e determinar o dia 18-12-2025 como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final, conhecendo e decidindo o Tribunal nessa altura a matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta.

 

1.13.   Por último, o Tribunal Arbitral notificou ainda o Requerente para, no prazo das alegações, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (o que veio a comunicar ao CAAD em 24-10-2025).

 

1.14.   Em 21-10-2025, o Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações escritas (notificadas a 22-10-2025) concluindo, respectivamente, como no PPA e como na Resposta.

 

2.          CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   O Requerente começa por referir que “não se conformando (…) com os (…) referidos atos tributários de (auto)liquidação de IVA, em virtude de os mesmos se encontrarem viciados de ilegalidade, por erro relativamente aos pressupostos de facto e de direito que regem a situação tributária do Requerente, nem com a decisão de indeferimento dada a conhecer pela AT no que respeita ao Pedido de Revisão Oficiosa apresentado, vem (…) suscitar a apreciação da legalidade, junto deste Tribunal, dos atos tributários de (auto)liquidação de IVA relativos ao ano 2020, materializados na declaração periódica de imposto com referência ao mês de dezembro de 2020”.

 

2.2.   Considera o Requerente que “(…) constitui objeto mediato da presente petição, os atos tributários de (auto)liquidação de IVA, materializados no mês de dezembro de 2020, nos termos do qual, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos pelo Requerente, este procedeu à entrega, em excesso, do montante de imposto de € 125.534,01, e objeto imediato o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa entregue por referência a este mesmo ato”, alegando que “(…) é atualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina, que os atos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – i.e., atos de segundo grau - poderão ser arbitráveis junto do CAAD, na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um ato de liquidação de imposto – i.e., de um ato de primeiro grau”.

 

2.3.   Assim, entende o Requerente que se verifica a “competência do CAAD para a arbitrabilidade de pretensões relativas à legalidade de atos de autoliquidação de tributos, precedidos da apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa”.

 

2.4.   Esclarece o Requerente que “(…) na situação objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, entendeu a AT ser de indeferir o Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo Requerente com referência aos atos tributários de (auto)liquidação de IVA, materializado no mês de dezembro de 2020, uma vez que, de acordo com o seu entendimento, o prazo para apresentação do Pedido de Revisão Oficiosa subjudice já se encontrava ultrapassado” porquanto, “(…) no âmbito da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa em apreço, com referência à tempestividade, e mais concretamente, quanto à (in)existência de “erro imputável aos serviços”, entende a AT que a pronúncia no âmbito de uma reclamação graciosa não se pode traduzir num “erro imputável aos serviços” previsto naquele preceito legal, nem legitimar a apresentação de pedido de revisão oficiosa de um autoliquidação pelo contribuinte, no prazo de quatro anos”, posição que o Requerente não aceita, alegando que “(…) a jurisprudência do STA tem de forma uniforme entendido o referido conceito de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à AT”.

 

2.5.     Alega o Requerente que “neste contexto, conclui o STA que sendo o pedido de contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vício que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão” pelo que “(…) considerando que a ora Requerente peticiona a declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IVA de dezembro de 2020, mostra-se indiferente o teor (formal ou material) da decisão que haja recaído sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado”, resultando para o Requerente evidente que “(…) a AT, na apreciação do Pedido de Revisão Oficiosa submetido (…) se debruçou sobre a legalidade da pretensão de correção da (auto)liquidação de imposto referente ao ano de 2020 e analisou os argumentos técnicos aí usados pelo Requerente”, concluindo o Requerente que “(…) este Tribunal é competente para a apreciação da pretensão do ora Requerente, em virtude de esta respeitar, a título imediato, à apreciação da (i)legalidade da decisão de indeferimento que versou sobre o Pedido de Revisão Oficiosa anteriormente apresentado pelo Requerente e, a título mediato, à apreciação da (i)legalidade dos atos tributários de (auto)liquidação de IVA, materializados no mês de dezembro de 2020, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade daquele ato de autoliquidação de imposto”.

 

2.6.     Por outro lado, e no que diz respeito à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, refere o Requerente que, pelas razões que apresenta, o presente pedido tempestivo.

 

2.7.     No que diz respeito à causa de pedir, esclarece o Requerente que vem “(…) suscitar a pronúncia sobre a legalidade da (auto)liquidação de IVA relativa ao ano 2020, materializada na declaração do período de imposto referente ao mês de dezembro daquele ano, nos termos da qual o Requerente deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos de utilização mista de acordo com o coeficiente de imputação específico imposto pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009”, peticionando agora “(…) a correção da dedução de IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista afetos à atividade de custódia de títulos por si desenvolvida, porquanto este verificou que tal dedução se encontra viciada por erro relativamente ao regime jurídico aplicável à dedução do imposto incorrido na aquisição de tais recursos”.

 

2.8.     Em concreto, esclarece o Requerente que “(…) a dedução do imposto por si incorrido de acordo com o coeficiente de imputação específico imposto pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 não se afigura consentânea com o princípio da neutralidade que rege o sistema comum do IVA, porquanto não permite determinar, com precisão, o grau de recursos de utilização mista empreendidos” pelo que tendo verificado “(…) o Requerente que, em virtude do link direto existente entre um conjunto de recursos por si adquiridos e a área da custódia de títulos por si desenvolvida, este deveria ter deduzido o respetivo IVA de acordo com o método da afetação real, preceituado na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 23.º do Código do IVA”.

 

2.9.     Nestes termos, “(…) a dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista se traduz numa dedução adicional de imposto no montante de € 125.534,01, peticiona-se, nesta sede, a revisão da dedução de imposto materializada definitivamente na entrega da declaração periódica de IVA de dezembro de 2020e a consequente validação da dedução adicional de imposto naquele montante, devendo a AT restituir o montante de € 125.534,01 ao Requerente, acrescido de juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica relativa ao mês de dezembro de 2020 até ao respetivo pagamento ao Requerente, porquanto (…) respeita a prestação tributária entregue em excesso”.

 

3.          RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida, na sua Resposta apresentou defesa por excepção (que será apresentada preliminarmente no capítulo 6 desta decisão, aquando da apreciação e decisão da mesma) e por impugnação, começando por referir que “em 27-12-2024, a ora Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA do período de dezembro de 2020, (…), alegando para o efeito que, constatou que relativamente aos recursos por si adquiridos relacionados com a área de custodia de títulos, e que foram utilizados indistintamente em diversas operações por si desenvolvidas (com e sem direito a dedução), deduziu IVA recorrendo a aplicação do método da percentagem de dedução (pro rata), o que segundo o seu entendimento não se mostra o método mais adequado para determinar o IVA dedutível, defendendo a aplicação do método da afetação real, através da determinação de um critério que segundo refere traduz a efetiva utilização dos mencionados recursos” e, “neste conspecto, solicita que o ato tributário de autoliquidação referente ao ultimo período do exercício de 2020 seja, anulado na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação dos referidos métodos de apuramento do IVA dedutível quanto aos bens e serviços com utilização mista, e em consequência lhe seja reconhecido o direito a dedução adicional de IVA no montante de EUR 125.534,01”, “pugnando, assim, pela restituição de tal quantia, e, bem assim, pelo pagamento de juros indemnizatórios”.

 

3.2.   Refere a Requerida que, “por Despacho de 31-12-2024, o Chefe de divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes sancionou a decisão de rejeição liminar do pedido formulado”, motivada pelo facto de “(…)a AT ter considerado que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo na medida em que a Requerente não comprovou a ocorrência de “erro imputável aos serviços” para que pudesse beneficiar do prazo mais alargado de 4 anos para deduzir o pedido, não tendo a Requerente desencadeado o procedimento de revisão oficiosa no prazo para o efeito (…), o pedido foi considerado extemporâneo”.

 

3.3.   Segundo alega a Requerida, o Requerente “(…) sustenta o petitório com os fundamentos vertidos no douto ppa, insurgindo-se, em parte, contra a argumentação e fundamentos vertidos na decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa por si apresentado que aqui se dá para todos os efeitos legais por integralmente reproduzidos e para onde desde já se remete” pelo que aqui “(…) mantém, integralmente – e para o efeito deve aqui ser considerado totalmente reproduzido –, o teor da decisão de indeferimento do susodito pedido de revisão oficiosa com o n.º ...2024...”.

 

3.4.     Em matéria de impugnação, refere a Requerida que “deverão considerar-se impugnados os factos alegados pelo Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto (…)” e, quanto ao thema decidendum, alega a Requerida que “vem o Requerente colocar em causa a legalidade do ato de (auto)liquidação de IVA do período de 2020/12, na medida em que considera que a mesma padece de erro assente na ilegalidade do critério utilizado no apuramento da percentagem de dedução do imposto referente a recursos de utilização mista afetos à atividade de custódia de títulos por si desenvolvida, porquanto verificou que tal dedução se encontra viciada por erro relativamente ao regime jurídico aplicável à dedução do imposto incorrido na aquisição de tais recursos”.

 

3.5.     Mas, segundo a Requerida, “(…) ao contrário do que pretende fazer valer o Requerente, importa referir que não existe qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do pro rata de dedução” porquanto “(…) o apuramento da percentagem de dedução efetuado pela Requerente está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno”.

 

3.6.     Assim, alega a Requerida que “(…) ainda que fosse de emitir uma pronúncia sobre o mérito (o que somente se concebe por dever de patrocínio) adiantamos, desde já, que nenhuma razão assiste à Requerente (…)” como pretende demonstrar, citando desde logo o Ofício-Circulado n.º 30108/2009, que transcreve.

 

3.7.     Segundo alega a Requerida, do exposto no referido Ofício-Circulado, resulta que “(…) a metodologia de afetação real (…) não se confunde com o método de imputação direta, que vem ínsito no artigo 20.º, n.º 1 do CIVA”, “ou seja, a afetação real destina-se a bens e serviços de utilização mista, a que se refere o artigo 23.º do mesmo Código, em que não é possível imputar diretamente os inputs a cada uma das atividades desenvolvidas”, “outrossim, o mencionado coeficiente de imputação específico é indicado a título supletivo, isto é, “sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns”.

 

3.8.     Nestes termos, alega a Requerida que se limita a fixar “(…), ao abrigo do artigo 23.º do Código do IVA, a metodologia de afetação real, por ter detetado a existência de “distorções significativas na tributação”, competindo aos sujeitos passivos a formulação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, sem prejuízo de, querendo, poderem adotar o sugerido coeficiente de imputação específico”.

 

3.9.     Entende a Requerida que “no caso vertente, não resulta demonstrado que o coeficiente de imputação que a Requerente agora pretende adotar seja mais preciso do que o anteriormente utilizado, motivo pelo qual não resulta comprovada a existência de qualquer erro” e, “(…) ainda que assim não fosse, sempre se diria que o alegado erro não é imputável aos serviços, para efeitos do disposto n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT)” porquanto “(…) resulta do Ofício-Circulado n.º 30108/2009, apenas quando “não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico”.

 

3.10.  “Ou seja, se era possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, como parece agora defender a Requerente, e, ainda assim, a Requerente decidiu, por sua iniciativa, utilizar um coeficiente de imputação específico previsto no ponto 9 do citado Ofício-Circulado, tal decisão é da sua responsabilidade e somente a si pode ser imputada”.

 

3.11.  Alega ainda a Requerida, caso assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, que “(…) sempre se dirá que o pedido que vem formulado de dedução adicional de IVA, no valor de EUR 125.534,01, carece também de fundamento legal” porquanto “a possibilidade de regularização do IVA tem por base o artigo 184.º e seguintes da Diretiva IVA, prescrevendo que “[a] dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito” alegando que “a regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços”.

 

3.12.  Para o efeito, cita a Requerida jurisprudência diversa, referindo que “atualmente, o entendimento da Direção de Serviços do IVA mostra-se coerente com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, cfr. consta na Informação n.º 2024001651, de 08-03-2024, da Direção de Serviços do IVA: “[…] (ii) Erros de direito 26. Tratam-se de erros no enquadramento jurídico-normativo, em sede de IVA, de uma operação. 27. Note-se que, nesta sede, não está em causa uma inexatidão no cumprimento dos requisitos formais das faturas, nos termos referidos do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, nem erros materiais ou de cálculo de acordo com o n.º 6 do mesmo preceito, mas sim um erro sobre o regime jurídico aplicável. (…). 29. Segundo jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o erro de direito não é enquadrável nos tipificados erros materiais ou de cálculo, ou inexatidões previstas naquele normativo, pelo que o regime deste não lhe pode ser aplicado, mas sim o resultante do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA. (…). 31. Assim, afigura-se que havendo erro de direito, do qual resultou imposto pago em excesso, o prazo aplicável para o respetivo reembolso é o previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, ou seja, quatro anos, conforme jurisprudência assente do STA”.

 

3.13.  “Todavia, no caso que nos ocupa [entende a Requerida que] não está em causa qualquer erro de enquadramento das operações tributáveis, para que se possa invocar “erro de direito” e, bem assim, o disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA”, pelo que conclui que “(…) o Requerente não alega, nem demonstra, haver erro no enquadramento das operações tributáveis que realizou, estando somente em causa a substituição do método de dedução/critério de imputação por outro que lhe permitiria uma dedução adicional de IVA, no valor de EUR 125.534,01”.

 

3.14.  Reitera a Requerida que “nos presentes autos, perante a inexistência de prova inequívoca, não se mostra possível a verificação da metodologia de apuramento dos valores de dedução adicional, percentagem de dedução e do montante de imposto que a Requerente pretende deduzir, o que sempre careceria de devida averiguação pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) competentes” pelo que “(…) impugnam-se todos os artigos do ppa que estejam em oposição com a presente defesa, porquanto (…), conforme jurisprudência firmada pelo STA, [esta] é a verdadeira questão que tem obrigatoriamente que tem de ser discutida e provada pela Requerente”.

 

3.15.  Segundo alega a Requerida, “(…) nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” e, “(…) por força do n.º 1 do artigo 75.º do mesmo diploma legal, apenas se presumem (…) verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”, “sendo certo que, a presunção referida (…) não se verifica quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” – cfr. n.º 2, alínea a) do artigo 75.º da LGT”, “por conseguinte, sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do IVA e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração (…)”.

 

3.16.  Assim, entende a Requerida que o Requerente não fez prova dos factos que são constitutivos do direito que invoca e, nesse sentido, entende a Requerida que “(…) os atos tributários que vêm contestados não padecem de qualquer ilegalidade, devendo permanecer intactos na ordem jurídica” e, em consequência, “(…) tudo visto e ponderado, os atos tributários ora contestados deverão ser mantidos incólumes na ordem jurídica, com as devidas e legais consequências, visto que a AT atuou estritamente no cumprimento da lei”.

 

3.17.  No que diz respeito ao pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerida que também “(…) este pedido tem de improceder (…)” porquanto alega que “(…) não assiste razão à Requerente”, “inexistindo, portanto, erro imputável aos serviços da AT”.

 

3.18.  Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) a) Deverá ser julgada procedente a exceção de nulidade de todo o processo consubstanciada no erro da forma do processo e, em consequência, absolver a AT da instância, (…); b) Deverá a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral ser julgada procedente, (…); c) Deverá ser julgada procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato e, em consequência, absolver a AT da instância, (…)” mas “se assim não se entender, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, [ser] absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.”.

 

4.          SANEADOR

 

4.1.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.[2]

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[3]

 

4.4.     A Requerida veio ainda suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da impropriedade do meio/erro na forma do processo, de incompetência material do CAAD e da inimpugnabilidade do pedido, as quais serão também consideradas, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

4.5.     Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.   Não se verificam nulidades.

 

5.          MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

 

 

Dos factos provados

 

5.3.   O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) e do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 186/2002, de 21 de Agosto (facto alegado e não contestado).

 

5.4.     No âmbito da sua actividade, o Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto (sendo este o caso das operações de financiamento/concessão de crédito e das operações relativas a pagamentos) e realiza operações que conferem o direito à dedução deste imposto (cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA (em concreto, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos) (facto alegado e não contestado).

 

5.5.     A actividade de custódia de títulos consiste num processo de abertura e manutenção de contas para guarda de activos, tendo em vista permitir que esses activos (títulos) sejam transaccionados por investidores, sendo devidamente guardados e registados pelo Requerente, enquanto entidade custodiante, utilizando para o efeito um terminal de operações especialmente desenhado para este tipo de actividade, o qual pertence à C..., recebendo deste a informação necessária para proceder ao registo dos títulos que custodia e das respectivas operações mobiliárias (facto alegado e não contestado).

 

5.6.     Para além do referido terminal, a actividade de custódia de títulos implica a contratação de serviços a operadores específicos (não só a C..., mas também a B...), serviços esses que estão directamente relacionados com a guarda e transacção de títulos mobiliários (facto alegado e não contestado).

 

5.7.     No âmbito desta sua actividade, o Requerente suporta (i) gastos que são exclusivamente afectos a operações sujeitas a IVA e deste não isentas (conferindo, por conseguinte, o direito à dedução do IVA incorrido), (ii) suporta gastos que são exclusivamente afectos a operações isentas (que não conferem o direito à dedução) e (iii) suporta ainda gastos que são afectos, simultaneamente, a ambas as tipologias de operações (recursos de utilização mista) (facto alegado e não contestado).

 

5.8.     Relativamente às situações em que o Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta para a dedução do imposto incorrido, sendo este o caso que sucede no âmbito da aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira (aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira), relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas (realizadas, a jusante, pelo Requerente), que conferem o direito à dedução (facto alegado e não contestado).

 

5.9.     Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o Requerente não deduziu qualquer montante de IVA (facto alegado e não contestado).

 

5.10.  Relativamente aos recursos que são afetos, simultaneamente, a operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem tal direito, a dedução do IVA incorrido nesta tipologia de recursos (de utilização mista) é efectuada com recurso ao método da percentagem de dedução e ao método da afetação real (facto alegado e não contestado).

 

5.11.  Nas situações em que o Requerente identificou uma conexão direta mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afetação real (facto alegado enão contestado).

 

5.12.  Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de utilização mista), o Requerente adoptou, em observância do preceituado no Ofício-Circulado nº 30108, de 30-01-2009, por referência ao ano de 2002, o coeficiente de imputação específico como método de dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista (facto alegado e não contestado).

 

5.13.  Por referência ao ano 2020, o Requerente incorreu em gastos com operações com a B..., com a C... e com a D... , no montante total de EUR 605.416,24 tendo o Requerente incorrido no pagamento de IVA no montante total de 
EUR 139.245,74 (facto alegado e não contestado).

 

5.14.  Por referência ao ano de 2020, e no que diz respeito às referidas operações, o Requerente determinou uma percentagem de dedução de imposto de 7% e, em consequência, deduziu IVA no montante de EUR 9.747,42, evidenciado na declaração periódica correspondente ao período de Dezembro de 2020 (DP nº ...) (facto alegado e não contestado e em conformidade com processo administrativo).

 

5.15.  Na sequência de uma revisão interna de procedimentos, o Requerente verificou que a dedução de IVA da área de custódia de títulos, de acordo com o coeficiente de imputação específico, não traduz a efectiva alocação de recursos utilizados pelo que, em consequência, procedeu à determinação de um critério de afectação real aplicável à dedução do IVA incorrido em recursos afectos àquela área da custódia de títulos (facto alegado e não contestado e em conformidade com processo administrativo).

 

5.16.  O Requerente apresentou, em 27-12-2024, um pedido de revisão oficiosa (PRO) da autoliquidação de IVA referente ao ano 2020, materializado na declaração periódica referente ao período respeitante a Dezembro/2020, com fundamente em erro imputável aos Serviços da Requerida, tendo o mesmo corrido termos sob o nº ...2024..., alegando o Requerente, para o efeito, que constatou que relativamente aos recursos por si adquiridos relacionados com a área de custódia de títulos e que foram utilizados indistintamente em diversas operações por si desenvolvidas (com e sem direito a dedução), deduziu IVA recorrendo a aplicação do método da percentagem de dedução (pro rata) o que, segundo o seu entendimento, não se revela como o método mais adequado para determinar o IVA dedutível, defendendo a aplicação do método da afectação real, através da determinação de um critério que entende traduzir a efectiva utilização dos mencionados recursos (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.17.  Ou seja, o Requerente no PRO identificado no ponto anterior peticionou a validação da adopção do método da afetação real com vista à dedução do imposto incorrido naquela área de actividade (em conformidade com processo administrativo).

 

5.18.  O PRO veio a ser objecto de decisão de rejeição liminar do pedido formulado, por Despacho de 31-12-2024, do Chefe de divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes [decisão notificada através do Ofício nº ...-DJT/2024, de 03-01-2025, da UGC – Unidade de Grandes Contribuintes, submetida através dos CTT com registo de 07-01-2025], com os seguintes fundamentos (em conformidade com teor do doc. nº 1, anexado pelo Requerente):

 

 

 

 

 

 

A

 

5.19.  Da notificação identificada no ponto anterior constava o seguinte (em conformidade com teor do doc. nº 1, anexado pelo Requerente):

 

 

A...

 

 

 

 

A...

 

 

 

 

 

5.20.  Por não se conformar com a decisão de rejeição do PRO, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 09-04-2025.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.21.  No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral Colectivo fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e no processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

 

 

Dos factos não provados

 

5.22.  Não se dá como provado que a informação constante dos quadros apresentados pelo Requerente (doc. nº 3 e doc. nº 4), fosse a única relevante para efeitos de determinação da regularização de IVA pretendida, porquanto não passam de meros quadros sem comprovativos da informação deles constante.

 

5.23.  No que diz respeito ao doc. nº 5 anexado pelo Requerente (“Revisão da metodologia da dedução do IVA incorrido – ano 2020. Custódia de títulos”), emitido pela empresa de auditoria “E..., S.A.”, em Dezembro de 2024, entende este Tribunal Arbitral que não lhe pode ser atribuído valor probatório suficiente para efeitos do que aqui é pretendido porquanto dele consta uma cláusula de limitação de responsabilidade (que a seguir se transcreve), que este Tribunal entende ser passível de limitar as conclusões que da análise daquele relatório pudessem advir:

 

O entendimento que exprimimos neste documento restringe-se às conclusões que nele especificamente formulamos e tem como pressuposto a completude e fidedignidade dos factos, pressupostos e declarações que anteriormente referimos. Se algum desses factos, pressupostos e declarações não corresponderem integralmente à realidade ou não estiverem completos, torna-se imperativo que nos informem imediatamente dessa circunstância, dado que a incompletude, a imprecisão ou a inexatidão dos mesmos pode ter influência significativa nas conclusões a que chegamos. Na emissão deste entendimento baseamo-nos nas disposições relevantes da legislação fiscal portuguesa e nas interpretações jurídicas e administrativas das mesmas que têm sido feitas. Estes elementos estão sujeitos a alterações e qualquer alteração pode afetar a validade das nossas conclusões. Não estamos obrigados, em quaisquer circunstâncias, a atualizar quaisquer conselhos, relatórios ou produto dos Serviços, fornecidos oralmente ou por escrito, em virtude de vicissitudes ocorridas após os conselhos, relatórios ou produtos dos Serviços terem sido emitidos na sua versão final. Qualquer produto dos Serviços que vos seja fornecido sob qualquer forma ou meio sê-lo-á na condição de ser utilizado para vossa informação e proveito exclusivo e de que, exceto se tal for imposto por Lei ou por entidade reguladora competente (caso em que deveremos ser informados previamente), não deverá ser reproduzido, referido ou divulgado, no seu todo (exceto para vosso uso interno) ou em parte, sem o nosso prévio consentimento por escrito” (sublinhado nosso).

 

5.24.  Em consequência, não se deu como provado que o Requerente utiliza, nas actividades desenvolvidas na área da custódia de títulos, um terminal de operações especialmente desenhado para este tipo de actividade, o qual pertence à C..., recebendo deste a informação necessária para proceder ao registo dos títulos que custodia e das respectivas operações mobiliárias.

 

5.25.  Não se deu como provado que, para além do referido terminal, a actividade de custódia de títulos implica a contratação de serviços a operadores específicos (não só a C..., mas também a B...), serviços esses que estão directamente relacionados com a guarda e transacção de títulos mobiliários (e que não têm conexão com a restante actividade financeira desenvolvida pelo Requerente).

 

5.26.  Não se deu como provada a metodologia utilizada para apuramento dos três rácios distintos apresentado pelo Requerente para determinar um critério (de afetação real) de 97,15%, que o Requerente pretende aplicar como critério de afectação real aplicável à dedução do IVA incorrido na área da custódia de títulos (doc. nº 3, anexado pelo Requerente).

 

5.27.  Não se deu como provada a diferença no montante de IVA a deduzir, que a Requerente quantificou em EUR 125.534,01, que alega corresponder à diferença entre o IVA que, comprovadamente, foi inicialmente deduzido [de acordo com o coeficiente de imputação de 7% (no montante de EUR 9.747,42)] e o IVA que a Requerente veio a considerou posteriormente dedutível, apurado com a aplicação da percentagem de 97,15% (no montante de EUR 135.281,43).

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   A questão a dirimir nos presentes autos diria respeito a decidir da possibilidade (ou não) de regularização de IVA decorrente da alteração do “método de dedução”, com referência às operações que o Requerente desenvolve na área de custódia de títulos (recursos de utilização mista), onde havia sido apurado à data da regularização efetuada (Dezembro/2020) um coeficiente de imputação específico de 7% mas que, na sequência de uma revisão interna de procedimentos, o Requerente determinou um critério de afectação real aplicável à dedução do IVA especificamente incorrido pela área da custódia de títulos, de 97,15%, pretendendo assim uma regularização no montante global de 
EUR 125.534,01 [diferença entre o montante da regularização inicial (EUR 9.747,42) e o montante da regularização que o Requerente pretende efectuar (EUR 135 281,43)], com referência a Dezembro de 2020.

 

6.2.   Preliminarmente à apreciação do mérito do pedido importa apreciar as excepções suscitadas pela Requerida, da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da impropriedade do processo e na inimpugnabilidade do pedido.

 

6.3.   Em matéria de excepção, começa a Requerida por alegar a impropriedade do meio/erro na forma do processo e da incompetência material do Tribunal Arbitral porquanto entende que “salvo melhor opinião, quer o pedido de pronúncia arbitral, quer, consequentemente, o Tribunal Arbitral são, respetivamente, inidóneos e incompetentes quanto à pretensa ilegalidade da decisão de rejeição liminar do PRO (…)” e, “contrariamente ao alegado pela Requerente, a Requerida concluiu não estarem preenchidos os requisitos de que dependia a apreciação de mérito do PRO, designadamente o facto deste último ter sido intempestivamente deduzido” e, “ao decidir como decidiu, a Requerida não apreciou o mérito da autoliquidação de IVA em causa nos autos”.

 

 

 

6.4.   Segundo entende a Requerida, esta “(…) limitou-se a aferir dos pressupostos de forma do PRO (condição prévia para a subsequente análise do mérito do pedido), tendo concluído que o requisito da tempestividade não se encontrava preenchido” e, “consequentemente, a rejeição liminar do PRO constitui um ato administrativo em matéria tributária (porquanto tal decisão não apreciou ou discutiu a legalidade de um ato de liquidação), e não um ato tributário” pelo que defende que “nesta medida, somente a Ação Administrativa constitui o meio processual adequado para impugnar a decisão de rejeição liminar do PRO objeto dos presentes autos (…)”, “meio que, aliás, foi expressamente indicado à Requerente como meio (judicial) adequado de reação à decisão de rejeição liminar aqui em dissídio, na notificação da decisão final do PRO, que consta do processo administrativo junto, e não o Pedido de Pronúncia Arbitral, pois que este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar a legalidade/mérito dos atos tributários (…)”.

 

6.5.   Reitera a Requerida que “o erro na forma do processo é uma nulidade processual que consiste no uso de um meio processual inadequado em face do pedido/pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, importando a anulação dos atos que não possam ser aproveitados ou nos casos em que a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, como sucede no presente caso, importa a anulação de todo o processo, e a absolvição do Réu da instância (…)” e,  “em decorrência direta do que se acaba de afirmar, importa igualmente suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei”.

 

6.6.   Com efeito, “a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a rejeição liminar do PRO consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa (…)”.

 

 

 

6.7.   Adicionalmente, refere a Requerida, em matéria de impugnação que, “ainda que se entendesse que o pedido de pronúncia arbitral constitui o meio processual adequado face ao objeto imediato da ação e que o Tribunal Arbitral é competente para dele conhecer, sempre se dirá que, não estão reunidos os pressupostos para obter uma decisão de mérito” porquanto alega que “conjugando as (…) normas jurídicas e em face da concreta inexistência de orientações genéricas emitidas pela Requerida, forçoso é concluir que a autoliquidação sub judice deveria ter sido alvo de reclamação/revisão oficiosa no prazo de 2 anos da sua apresentação” concluindo que “(…) estão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa (…)”.

 

6.8.   Neste âmbito, entende a Requerida, “ainda que, teoricamente, se entendesse que o PRO se subsume no conceito de “reclamação graciosa” plasmado no artigo 131.º/1 do CPPT, certo é que tal PRO foi deduzido a 27-12-2024, ou seja, numa data em que há muito se havia esgotado o prazo de 2 anos contados a partir da autoliquidação aqui em crise, tendo sido por esse motivo rejeitado liminarmente por intempestividade, visto que o prazo alargado de 4 anos para deduzir o pedido de PRO, nos termos do estatuído no artigo 78.º, n.º 1 da LGT se encontra reservado à administração tributária e do prazo mais alargado “a todo o tempo” só dele pode ser lançada mão quando o fundamento é o erro imputável aos serviços, o que não sucede in casu”, “sendo certo que a tempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral não possui o condão de tornar tempestivo a serôdia reclamação (in casu, PRO)”, “tal como a este propósito refere o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 2006-07-02 e proferido no âmbito do processo n.º 765/06 (…)” que parcialmente transcreve.

 

6.9.   Assim, entende a Requerida que “(…) dado que o PRO foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, relativamente à autoliquidação, forçoso é concluir pela inimpugnabilidade deste ato tributário por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto” e dado que “a inimpugnabilidade do ato configura uma exceção dilatória nos termos do artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT (…)” alega que a mesma tem “(…) como consequência a absolvição da instância”.

 

6.10. Devidamente notificado para o efeito, o Requerente veio pronunciar-se sobre a referida matéria de excepção, concluindo que a mesma não deverá proceder, “(…) pelo que a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa em apreço deverá ser anulada para todos os efeitos legais e, igualmente, deverão os atos de (auto)liquidação de IVA subjacentes ao Pedido de Revisão Oficiosa em crise ser considerados ilegais, devendo os mesmos serem anulados e o imposto pago pelo Requerente ser-lhe integralmente reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

6.11.  Em defesa da sua posição, apresenta o Requerente os seguintes argumentos.

 

Quanto à alegada impropriedade do meio e da incompetência material do tribunal arbitral

 

6.12.  Confirma o Requerente que “(…) veio suscitar a intervenção do Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, norma que prevê expressamente a competência deste Tribunal para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” ressalvando que “(…) a competência do Tribunal Arbitral se encontra restringida à apreciação de pretensões relativas à legalidade de atos de liquidação de tributos, precedidos da apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa de imposto, quando a decisão de indeferimento do referido pedido tenha comportado a apreciação do ato de liquidação acima referido”.

 

6.13.  Segundo alega o Requerente, “(…) a este respeito cabe ter presente que a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para o ano 2011), (…) especificou, no n.º 2 do seu artigo 124.º, que o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” e, “nesta senda, consagra o RJAT (…) o processo arbitral como um processo alternativo ao processo de impugnação judicial, consagrando, por vezes, remissões para o regime desta última forma processual”.

 

6.14.  Esclarece o Requerente que, “na situação objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, entendeu a AT ser de julgar improcedentes os argumentos apresentados pelo Requerente no Pedido de Revisão Oficiosa apresentado com referência aos atos tributários de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2020, materializado na declaração periódica de imposto com referência ao mês de dezembro de 2020, por, no entender daquela entidade, de acordo com a argumentação que infra se transcreverá, não ter existido qualquer erro na autoliquidação de IVA daqueles períodos (i.e. dezembro de 2020)” pelo que entende o Requerente que, nas suas afirmações, “(…) a AT pronuncia-se diretamente sobre a legalidade da liquidação sindicada, o que corrobora que o Pedido de Pronúncia Arbitral é o meio adequado para apreciar a (i)legalidade da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa aqui em crise”.

 

6.15.  Com efeito, alega o Requerente que “a AT ao referir que é patente que no caso em apreço não existe qualquer erro que seja imputável aos serviços, nem a Requerente fez prova disso, como lhe competia, teve de concluir que não se trata de um erro de direito, conforme propugnado pela Requerente, em sede de Revisão Oficiosa, pronunciando se cabalmente quanto ao mérito do pedido, logo havendo uma apreciação do mérito o pedido de pronúncia arbitral é o meio indicado, conforme o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT”, concluindo o Requerente que “do exposto verifica-se que, apesar de a AT denominar a sua decisão por “despacho de rejeição”, resulta patente a sua apreciação expressa da legalidade subjacente aos atos tributários sub judice”.

 

6.16.  E, reitera o Requerente, “(…) mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de se considerar que a conclusão pela não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a apresentação, à AT, de um pedido de revisão oficiosa, concretamente pela não verificação de um erro imputável aos serviços, comporta, por si só, a apreciação da legalidade de um ato de liquidação”, citando “a este respeito, (…) o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 13 de janeiro de 2021, no processo n.º 0129/18.9BEAVR5”.

 

6.17.  Segundo alega o Requerente, “neste contexto, conclui o STA que sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vício que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão” pelo que “(…) considerando que o ora Requerente peticiona a declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de (auto)liquidação de IVA do mês de dezembro de 2020 mostra-se indiferente o teor (formal ou material) da decisão que haja recaído sobre pedido de revisão oficiosa”.

 

6.18.  Assim, para o Requerente, “verifica-se que este Tribunal é competente para a apreciação da [sua] pretensão (…), em virtude de esta respeitar, a titulo imediato, à apreciação da (i)legalidade da decisão de indeferimento que versou sobre o Pedido de Revisão Oficiosa anteriormente apresentado pelo Requerente e, a título mediato, à apreciação da (i)legalidade do ato tributário de (auto)liquidação de IVA do mês de dezembro de 2020, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade daquele ato de autoliquidação de imposto”.[4]

 

6.19.  Para o Requerente, “(…) na situação subjacente ao presente pedido, a AT entendeu que o pedido de revisão oficiosa não se revelava o meio processual idóneo para contestar a legalidade dos respetivos atos tributários, na medida em que não se encontrava verificado um dos pressupostos cumulativos – a existência de um erro imputável aos serviços – o que, (…), configura uma apreciação da legalidade de um ato de liquidação”.

 

6.20.  Transpondo-se “(…) para a situação em análise o entendimento perfilhado na (…) Decisão Arbitral proferida no processo n.º 167/2022-T, (…) o Tribunal Arbitral entendeu que [a] decisão identifica expressamente o fundamento para a inexistência de erro imputável aos serviços, comportando a apreciação da legalidade, na medida em que decide pela ausência de um requisito material – erro imputável aos serviços – de que depende a (im)procedência do pedido”.

 

6.21.  E, reforça o Requerente, que o Tribunal Arbitral acima referido concluiu, “(…) escudando-se na posição demonstrada pelo STA no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01958/13, que [o] indeferimento por intempestividade” mas que, na realidade, constitui um indeferimento por inadmissibilidade legal do pedido, o que ocorre sempre que a AT considera que o pedido não é admissível face à inexistência de um erro imputável aos serviços (o que comporta a apreciação dos fundamentos que suportam o pedido de revisão), o qual é sindicado através de impugnação judicial”.

 

6.22.  Adicionalmente, refere o Requerente que “(…) a AT indeferiu, o Pedido de Revisão Oficiosa, apresentado pelo Requerente com base na alegada inexistência de um erro, independentemente da sua imputabilidade, na prática dos atos tributários de autoliquidação de IVA em crise naquelas petições, entendendo antes que o que ocorreu foi uma opção legítima do Requerente pelo não exercício do direito à dedução do imposto liquidado – de referir que esta conclusão evidencia a análise da legalidade dos atos tributários de autoliquidação de IVA levada a cabo pela ATna decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela ora Requerente”, resultando “(…) do exposto da Decisão Arbitral de 19 de fevereiro de 2025, prolatada no âmbito do processo n.º 797/2024 -T que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial dos actos de autoliquidação de IVA aqui em causa, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu a pedido de revisão entretanto apresentado. […]”.

 

6.23.  Alega o Requerente que o “(…) pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT” e, “(…), [q]uanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera (…) entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do CAAD, na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau”.

 

6.24.  Assim, defende “(…) o Tribunal Arbitral do processo 797/2024-T, que [i]sto dito se conclui no sentido de que na apreciação do pedido de revisão oficiosa, mesmo que a AT se houvesse limitado a analisar os aspetos processuais, ou seja, mesmo que não houvesse também entrado na apreciação da legalidade das autoliquidações ali controvertidas e aqui sindicadas e, nesse sentido, no mérito da questão apresentada, considera este tribunal que a ação arbitral constitui meio processual idóneo de reação, conforme confirmado pelas decisões jurisprudenciais do STA e do CAAD acima melhor identificadas, não procedendo a excepção invocada pela Requerida”.

 

6.25.  Por fim, entende o Requerente ser “(…) importante sublinhar que a competência dos tribunais arbitrais para condenar a AT no reembolso de montantes específicos já se encontra amplamente consolidada na doutrina e jurisprudência arbitral” porquanto “não se trata de uma extensão indevida das funções do tribunal, mas de uma aplicação coerente e lógica do regime jurídico aplicável, que visa garantir a plena tutela dos direitos dos contribuintes” pelo que entende que “não assiste razão à Requerida quando invoca a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a pretensão do Requerente, devendo tal exceção ser julgada improcedente”.

 

6.26.  Nestes termos, em face do exposto, alega o Requerente que “(…), verifica-se que este Tribunal é competente para a apreciação da pretensão do ora Requerente, porquanto a AT, ao decidir conforme decidiu – indeferindo a pretensão do Requerente em sede de Pedido de Revisão Oficiosa por entender não ser possível reconhecer-se qualquer erro de direito nos atos tributários em causa – apreciou a legalidade subjacente ao ato de liquidação sub judice” (sublinhado nosso).

 

Quanto à alegada Inimpugnabilidade dos Actos (de Autoliquidação)

 

6.27.  Neste âmbito refere o Requerente que, “relativamente à aferição da eventual inimpugnabilidade dos presentes atos tributários, por ausência de impugnação administrativa tempestiva, importa centrar a análise na verificação da existência de erro imputável aos serviços, na medida em que, segundo a Requerida, o prazo de quatro anos para a dedução do Pedido de Revisão Oficiosa é aplicável sempre que o fundamento invocado consista precisamente nesse erro” alegando que “(…) no que concerne à existência de “erro imputável aos serviços”, (…), pronunciou-se o STA referindo que “existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração”.

 

6.28.   Acrescenta o Requerente que, “a propósito da imputabilidade do erro, cumpre mencionar o entendimento perfilhado no Acórdão proferido pelo STA, a 12 de junho de 2017, no âmbito do processo n.º 0926/17, onde se entendeu que [n]o caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços, o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”, tendo “igual entendimento [sido] (…) adotado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 2324/11.2BELRS, tendo este Tribunal considerado que [n]as situações de retenção na fonte está, em princípio, afastada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, porquanto a determinação da matéria coletável e liquidação do imposto são efetuadas pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pela AT. Nessas situações o erro imputável aos serviços só passa a ser passível de qualificação enquanto tal, ou seja, imputabilidade à AT, no momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez, ou seja, apenas com a competente e atempada impugnação administrativa os serviços da AT ficam em condições de percecionar, ponderar, conhecer, corrigir e sanar uma cometida ilegalidade”.

 

6.29.   Segundo alega o Requerente, “conforme (…) referido, no âmbito do processo n.º 167/2022-T, (…) no momento em que os serviços da AT “decidem” (expressamente ou em razão do silêncio administrativo) do pedido de revisão oficiosa, pode-se entender que o erro lhe passa a ser imputável” pelo que, para o Requerente “(…) resulta evidente que a AT, na apreciação do Pedido de Revisão Oficiosa submetido pelo ora Requerente, se debruçou sobre a legalidade da pretensão de correção da (auto)liquidação de imposto referente ao ano de 2020 e analisou os argumentos técnicos aí usados pelo Requerente”.

 

6.30.  Deste modo, entende o Requerente que “(…) o facto de a AT ter considerado intempestivo o pedido de revisão oficiosa por inexistência de erro imputável aos serviços, o que, por inaplicabilidade do prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT determinaria a inimpugnabilidade das autoliquidações peticionadas, não impede a apreciação da (i)legalidade parcial do ato de autoliquidação (…)  respeitante a dezembro de 2020” porquanto”(…) tendo presente o entendimento firmado pelo STA no (…) acórdão, [proferido] no processo n.º 0129/18.9BEAVR, com a apresentação do pedido de revisão oficiosa, a AT passou a ter conhecimento da alegada ilegalidade de que padecia o ato tributário de autoliquidação (…) sub judice, tendo tomado uma posição quanto aos mesmos ao indeferir as pretensões anulatórias do Requerente, razão pela qual o erro de que enferma a autoliquidação, tornou se-lhe imputável”.

 

6.31.   No caso, alega o Requerente que “(…) conforme (…) demonstrado, o referido Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido pela AT, (…), com base na alegada inexistência de um erro, independentemente da sua imputabilidade, na prática dos atos tributários de autoliquidação de IVA em crise naquela petição, entendendo antes que o que ocorreu foi uma opção legítima do Requerente pelo não exercício do direito à dedução do imposto liquidado” mas, “(…) em linha com o entendimento demonstrado pelo STA no âmbito do processo n.º 0926/17, (…), resulta evidente que, ainda que estejamos perante atos tributários de autoliquidação (…), nos quais, regra geral, não é possível imputar erros à AT, esta entidade passou a ter conhecimento de atos tributários de autoliquidação de IVA sindicados no presente pedido através do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo ora Requerente, tendo tomado posição quanto aos mesmos ao indeferir a sua pretensão” pelo que, reitera o Requerente, “(…) a apresentação do Pedido de Revisão Oficiosa pelo Requerente suscitou na esfera da AT a possibilidade de corrigir o erro subjacente aos atos tributários de autoliquidação de IVA aí contestados, todavia, uma vez que a AT decidiu indeferir a pretensão do Requerente, tal erro tornou-se-lhe imputável”.

 

6.32.  E, acrescenta o Requerente (citando jurisprudência do STA e do TCAN) que “(…) sendo o pedido (…) dirigido à anulação por ilegalidade do acto tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vicio que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão” e “[a]ssim sendo e atento o petitório da Requerente que elegeu como pedido principal a declaração de ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação de IVA (…), mostra-se absolutamente indiferente o teor (formal ou material) da decisão que haja recaído sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado” porquanto “[s]endo pedida pronúncia sobre a (i)legalidade (meramente parcial) de actos de autoliquidação de IVA, estamos no domínio típico da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, igualmente no domínio da acção arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação, não devendo olvidar-se que a ação arbitral foi conformada pelo legislador como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (…)”, considerando “(…) o Tribunal Arbitral que [d]este modo, o facto de a AT ter considerado intempestivo o pedido de revisão oficiosa por impossibilidade de imputação do erro aos serviços, (…), não impede ou compromete, (…), a apreciação do objeto mediato da presente acção, identificado no petitório pela Requerente, ou seja, não impede a apreciação da (i)legalidade parcial dos actos de autoliquidação de IVA, respeitantes aos períodos de tributação (…)” identificados.

 

6.33.  Nestes termos, entende o Requerente que, “resulta evidente que, nos atos tributários de autoliquidação de IVA referentes ao ano de 2020, (…) enfermam de erro de direito quanto ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos pela Requerente, tendo a incorreta aplicação da lei decorrido de um erro imputável aos serviços, pelo que os atos tributários são parcialmente anuláveis”, concluindo o Requerente que “(…) não pode deixar de improceder a excepção invocada pela Requerida na sua Resposta da inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação sindicados”.

 

6.34.  Apresentadas as posições assumidas, nesta matéria, por cada uma das partes, preliminarmente, começaremos por analisar a alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, que é de conhecimento prioritário [artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT].

 

DA ALEGADA EXCEPÇÃO DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL E IMPROPRIEDADE DO MEIO

 

6.35.  Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.36.  O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos e, o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das (…)” aí elencadas, nomeadamente, das “a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; (…)”.

 

6.37.  Mas, como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 707/2019-T, de 09-03-2020, “para além da apreciação direta da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico»”.

 

6.38.  Com efeito, “no artigo 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais». Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT”.

 

6.39.  O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, no exercício de poderes públicos visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

 

6.40.   Por outro lado, é também inquestionável que o referido acto se trata de um acto em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário. 

 

6.41.  Assim, aquele acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária» e, das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT inferia-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.

 

6.42.  Mas, nos casos em que não há normas especiais, seria de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa pelo que, à face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderiam ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação.

 

6.43.  Assim, se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comportasse a apreciação da legalidade deste seria aplicável a acção administrativa para o impugnar.

 

6.44.  Com efeito, ainda que se tratasse de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, o certo é que era o que resultava do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e era uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA).

 

6.45.  Com efeito, o STA, neste matéria, já entendeu (nomeadamente, no Acórdão proferido, em 25-06-2009, processo n.º 0194/09), que “à face do preceituado no art. 97.º, n.ºs 1, alíneas d) e p), e 2, do CPPT, a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) para impugnar um acto em matéria tributária depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial”.[5]

 

6.46.  Ou seja, que a impugnação judicial era o meio adequado de defesa quando estivessem em causa actos administrativos em matéria tributária que comportassem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação e que o recurso contencioso (actualmente designado por acção administrativa) tinha em vista tão-somente actos administrativos em matéria tributária que não comportassem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

 

6.47.  Contudo, em recente jurisprudência do STA (Acórdão proferido no âmbito do processo nº 0946/18.0BELRA, de 06-03-2024) veio referir-se que “o ordenamento jurídico português garante a todos os interessados o direito de impugnar ou recorrer dos actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, direito que, todavia, como é pacifico, deve ser exercido sob a forma processual e no tempo que legalmente estejam reconhecidos para esse efeito, devendo o Tribunal proceder à convolação dos autos para a forma processual correcta, inexistindo a tanto qualquer obstáculo, designadamente no que se refere à tempestividade da sua apresentação, conforme resulta dos artigos 20.º e 268.º da CRP e 95.°, n.º 1 e 97.º, n.º 2 e 3 da LGT. No que respeita à forma como deve ser aferida a idoneidade do meio processual, há muito que este Supremo Tribunal explicita que deve ser aferida pelo pedido concretamente formulado. E que só existe erro na forma do processo se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, e que, se perante o pedido formulado, subsistirem dúvidas ao intérprete e aplicador do direito, deve socorrer-se da real pretensão do autor, ou seja, recorrer à causa de pedir invocada para total compreensão da real vontade, do fim que a parte pretende alcançar com a instauração da concreta acção em presença, assim se alcançando uma justiça efectiva e não meramente formal (…)” (sublinhado nosso).[6]

 

6.48.  E, no mesmo Acórdão decidiu-se que “(…) sobre a questão de saber qual o meio processual adequado para sindicar as liquidações nas situações em que a Impugnação Judicial foi precedida de recurso a meios graciosos no âmbito dos quais o mérito dos actos de liquidação não chegou a ser apreciado, também este Supremo Tribunal vem há muito julgando de forma reiterada e uniforme que a Impugnação Judicial é o meio próprio de reacção processual desde que no seu âmbito seja pedida a apreciação quer da legalidade da decisão administrativa quer da liquidação, independentemente de a decisão administrativa que constitui o objecto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (designadamente o acto administrativo de indeferimento ter por fundamento a ilegitimidade ou intempestividade da Reclamação Graciosa) quer o indeferimento se funde no mérito ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação (…). Em suma, (…), a Impugnação Judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito, desde que na Impugnação Judicial essa ampla pretensão seja requerida, ou seja, desde que tal pedido seja formulado ao Tribunal. Foi, precisamente, o que sucedeu no caso concreto, uma vez que os Recorrentes na petição inicial peticionaram simultânea e expressamente que fossem anuladas as decisões de indeferimento das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações e a anulação destas liquidações, sendo, pois, neste circunstancialismo, indiscutível a propriedade do meio processual – Impugnação Judicial – de que os Recorrentes lançaram mão. (…)” (sublinhado nosso).[7]

 

6.49.  No caso em análise, o Requerente, no PPA, refere que “(…) constitui objeto mediato da presente petição, os atos tributários de (auto)liquidação de IVA, materializados no mês de dezembro de 2020, nos termos do qual, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos pelo Requerente, este procedeu à entrega, em excesso, do montante de imposto de € 125.534,01 e objeto imediato o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa entregue por referência a este mesmo ato”, requerendo “(…) a procedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, e em consequência [seja de] a) Anular parcialmente os atos tributários de autoliquidação de IVA do Requerente materializados na entrega da declaração periódica de IVA referente ao mês de dezembro de 2020; e [seja de] b) Restituir ao Requerente o valor do IVA pago em excesso, no montante global de € 125.534,01, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor; [peticionando] c) Todas as demais consequências legais, incluindo a condenação da AT no pagamento das custas do processo arbitral”.

 

6.50.  Por outro lado, o motivo invocado pela Requerida para a rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa foi o de que, não existindo qualquer erro imputável aos serviços, não é aplicável o prazo de quatro anos para o Requerente poder suscitar o pedido de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação de IVA relativo ao ano de 2020, porquanto não se encontram preenchidos os pressupostos processuais legalmente exigidos.

 

6.51.  Neste âmbito, atenta a análise preliminar, que a Requerida efectuou, do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, é possível constatar que da mesma não resultou qualquer análise à matéria controvertida propriamente dia (alteração do critério de dedução do IVA) mas, tão somente se verificou a análise da alegada intempestividade do pedido de revisão, o que não implicou a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação em crise.

 

6.52.   Contudo, acompanhando a posição vertida no Acórdão do STA referido no ponto 6.40., supra, o erro na forma de processo (…) deve ser aferido pelo pedido concretamente formulado”, só devendo julgar-se verificado “(…) se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo” porquanto “a Impugnação Judicial é o meio processual adequado á apreciação da legalidade da liquidação, ainda que esta seja interposta na sequência de despacho de indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito em que tal despacho se louvou, desde que, na Impugnação Judicial, (…)”, seja simultaneamente pedida a apreciação da legalidade do referido despacho (decisão administrativa) e da liquidação, “(…) independentemente de a decisão administrativa que constitui o objecto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (…) quer o indeferimento se funde no ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação”.

 

6.53.  Nestes termos, face ao acima apresentado, acompanha-se a mais recente jurisprudência do STA, considerando-se improcedente a excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o pedido de pronúncia arbitral, não se verificando a impropriedade do meio, nem erro na forma do processo.

 

DA ALEGADA EXCEPÇÃO DA INIMPUGNABILIDADE DOS ACTOS (DE AUTOLIQUIDAÇÃO)

 

6.54.  Tendo-se concluído, a propósito da análise da (alegada) excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria que este era competente para apreciar o PPA (face à posição vertida no Acórdão do STA referido no ponto 6.40., supra) e constatando-se que a Requerida, da análise que efectuou do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, o rejeitou com fundamento em alegada intempestividade daquele pedido de revisão, refira-se que se torna necessário proceder à apreciação da questão da verificação (ou não) de “erro imputável aos serviços”, a que se refere o n.º 1 do artigoº 78.º da LGT.

 

6.55.  Neste âmbito, importa desde logo referir que, de acordo com o disposto no artigo 78º, nº 1 da LGT, “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços” e o nº 3 do mesmo artigo acrescenta que “a revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior”.

 

6.56.  Com efeito, o nº 3 do artigo 78º da LGT esclarece que o “erro imputável aos serviços” é tanto o erro de facto, como o erro de direito contribuinte para este entendimento a jurisprudência, nomeadamente a do STA, que tem vindo, uniformemente, entendendo o conceito de “erro imputável aos serviços” de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração Tributária.

 

6.57.  Na verdade, há um reconhecimento no direito tributário do dever de revogação dos actos ilegais, que decorre dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade, princípios estes que impõem sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei, ainda que este dever possa sofrer limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais.

 

6.58.  Pode ler-se na Decisão Arbitral tirada no processo n.º 631/2021, de 31-03-2022 que “não se pode dizer que o conceito de “erro imputável aos serviços” seja de evidente e fácil aplicação, surgindo desde logo a dúvida pertinente suscitada por uma aparente oposição, consagrada no nº 1 do art.º 78º da LGT, entre dois tipos de fundamentos: “qualquer ilegalidade”, a utilizar por iniciativa do sujeito passivo, e “erro imputável aos serviços”, a utilizar por iniciativa da Administração Tributária”.

 

6.59.  Actualmente, não suscita controvérsia a interpretação de que (i) a revisão com fundamento em erro dos serviços, no prazo de 4 anos, pode ser desencadeada pelos contribuintes e(ii) que o erro dos serviços abrange erros materiais e de direito, reconhecendo-se que “não ficam abrangidos quaisquer vícios (formais) como por exemplo, a falta de fundamentação (art.º 77.º da LGT) ou a falta de audição prévia do contribuinte (artigo 60.º, da LGT)”.

 

6.60.  Neste sentido, refira-se o Acórdão do STA de 06-02-2013 (processo n.º 0839/11), nos termos do qual se escreve que “(…) embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afetado pelo erro (…)”.[8]

 

6.61.  No caso em análise estamos perante uma PRO quanto a autoliquidações de IVA relativas ao ano de 2020 e, neste âmbito, recorde-se que, até Março de 2016, o artigo 78º da LGT dispunha de um nº 2, nos termos do qual se dispunha que “sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.

 

6.62.  Ora, dado que o referido preceito se encontra desde então revogado (pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), refira-se que a jurisprudência, mormente a do STA, continua o labor de densificar o conceito de “erro imputável aos serviços”, em cada caso que se lhe apresenta e, no Acórdão do STA de 13-07-2021 (processo n.º 0111/18.6BEPNF), onde se decidiu uma questão cuja factualidade ocorrera já após a revogação daquele nº 2 do artigo 78º da LGT, sumariou-se que “(i) Embora a declaração de rendimentos tenha sido apresentada de forma voluntária pelo contribuinte (que até àquela data tinha omitido a sua apresentação), a mesma foi apresentada de acordo com a qualificação e enquadramento dos rendimentos feita pelos Serviços no relatório elaborado (…); (ii) Nesta medida, tendo a declaração sido apresentada de acordo com as instruções da Administração Tributária, que o contribuinte acatou, e pretendendo este questionar a sua legalidade, estamos perante “erro imputável aos serviços” para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT” (sublinhado nosso).

 

6.63.  Por outro lado, no Acórdão do STA de 21-04-2022 (processo n.º 02030/16.1BEBRG), pode ler-se que “(i) No fundamento de revisão dos actos tributários, traduzido pelo legislador, na menção do “erro imputável aos serviços”, esta imputabilidade não se reporta, como no direito civil, ao estado normal da pessoa que lhe permite discernir a importância e efeitos dos seus actos, e muito menos tem a ver com a “capacidade de culpa” penalista; (ii) O termo “imputável” vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de suscetível de ser imputado; atribuível, o qual, conformado com a, necessária, compatibilização aos interesses em jogo, quer dizer erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário; (iii) Esta comprovação tem de ter presente que aos sujeitos passivos (tributários), além da, principal, de pagar a dívida tributária, são impostas por lei obrigações acessórias, “designadamente, as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações(cf. art. 31.º da LGT), o que implica ter cautelas quanto à decisão de atribuir ou não o erro ao contribuinte ou outro obrigado” (sublinhado nosso).

 

6.64.  Nestes termos, face ao acima exposto, conclui-se que o “erro imputável aos serviços”, para efeitos do n.º 1 do artigo 78º da LGT, concretiza qualquer ilegalidade relevante que seja imputável à conduta negligente da administração fiscal (ou seja, sempre que a errada aplicação da lei não decorra de elementos apresentados pelo contribuinte) sendo que, quando o erro que vicia a liquidação decorre de elementos do contribuinte, deve distinguir-se (i) se, na apresentação desses elementos (maxime, na apresentação de uma declaração prevista lei), foram observadas orientações da administração tributária às quais o erro seja imputável, ou (ii) se, sobre o elemento que originou o erro, não existia qualquer orientação da administração tributária (instruções de preenchimento, circular ou ofício-circulado). Só no primeiro caso é legitimo sustentar a verificação de “erro imputável aos serviços” (neste caso, o erro é imputável ao sujeito passivo).

 

6.65.  Aqui chegados, cumpre também sublinhar que, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar pelo que, revogado que foi o nº 2 do artigo 78º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no nº 1 do artigo 78º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.

 

6.66.  Significa isto que, no caso sub judice, cumpria ao Requerente provar, no PRO, que o erro nas suas declarações periódicas, que originaram as autoliquidações de IVA em crise, era imputável à Requerida.

 

6.67.  Nesta matéria, veja-se a fundamentação que o Requerente apresentou no PRO relativamente às referidas autoliquidações de IVA, que aqui parcialmente se transcreve (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida):

 

(…). 20. Ora, in casu, cumpre mencionar que, em 2016, o ora Requerente foi objeto de procedimento de inspeção tributária, externo, de âmbito geral, credenciado pela ordem de serviço nº 012016..., ao ano 2014. 21. Deste procedimento resultaram correções em sede de IVA, de imposto (alegadamente) em falta por o Requerente ter procedido indevidamente a regularizações de IVA a seu favor, em resultado da aplicação do método da afetação real na área de custódia de títulos, entre outras. 22. O ora Requerente deduziu reclamação graciosa contra as correções em apreço, peticionando a sua anulação, a qual foi objeto de deferimento parcial, tendo, porém, a AT, indeferido na sua totalidade a componente da pretensão referente à aplicação retroativa do método da afetação real na área de custódia de títulos, pelo que a Reclamação Graciosa versou exatamente sobre a mesma temática aqui abordada, sendo apenas distintos os períodos de tributação. 23. Não se conformando com a decisão de indeferimento parcial, o Requerente veio recorrer hierarquicamente, peticionando a sua anulação. 24. De notar que o referido Recurso Hierárquico foi também indeferido pela AT, (…), indeferimento este em que a AT analisa a legalidade dos atos tributários de autoliquidação de IVA em análise naquele processo, alegando que não se trata, na realidade, de exercício do direito à dedução de IVA contido em faturas registadas, mas que nunca foi deduzido, total ou parcialmente, mas sim a regularização de imposto deduzido nas declarações periódicas dos anos 2012 e 2013 (...). Portanto, uma vez definido um método de determinação da dedução, e tendo o mesmo sido implementado, como referido, afigura-se estar em causa uma situação de alteração ou substituição retroativa do método aplicado de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista. 25. Continua a AT, na decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado pelo ora Requerente, afirmando que relativamente às situações de alteração dos critérios de dedução de IVA, constitui posição da Direção de Serviços do IVA, e que se mantém, que o sujeito passivo misto que optou pelo método de cálculo do IVA dedutível que reputou de mais adequado exerceu, dessa forma, o seu direito à dedução do imposto (...). (…). 26.° Assim, sustenta a AT que considera-se que nestes casos não é aplicável o nº 2 do art. 98.° do Código do IVA, uma vez que já foi exercido o direito a deduzir o imposto contido nas faturas registadas relativamente a cada bem e/ou serviço, e não foi demonstrado que efetivamente a alteração pretendida é motivada por um erro de direito. (...). 28. Ora, em linha com o entendimento demonstrado pelo STA no âmbito do processo nº 0926/17, resulta evidente que, ainda que estejamos perante atos tributários de autoliquidação de IVA, nos quais, regra geral, não é possível imputar erros à AT, esta entidade passou a ter conhecimento de atos tributários de autoliquidação de IVA em tudo semelhantes àqueles sindicados no presente pedido (apenas referentes a diferentes períodos de tributação), através do procedimento de Inspeção tributária realizado, bem como através da Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico apresentados pelo ora Requerente, tendo tomado posição quanto aos mesmos ao indeferir a sua pretensão. 29. Assim, tal erro tornou-se-lhe imputável. 30. Ora, o erro que se tornou imputável à AT em resultado do entendimento manifestado pela mesma no relatório de inspeção, na decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como no Recurso Hierárquico apresentados pelo Requerente é totalmente transponível para a situação que ora se pretende ver apreciada, na medida em que in casu se encontram em crise atos tributários de liquidação de IVA praticados nos exatos moldes daqueles sindicados em sede da Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico apresentados pelo Requerente e indeferidos pela AT, sendo apenas distintos os períodos de tributação em causa. 31.° Neste contexto, resulta evidente que, quer num caso, quer no outro, o Requerente procedeu ao pagamento de um montante superior de imposto ao legalmente devido, na medida em que as autoliquidações em apreço enfermam de erro de direito quanto ao regime Jurídico do direito à dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos pela Requerente, tendo a incorreta aplicação da lei decorrido de um erro imputável aos serviços, pelo que os atos tributários são parcialmente anuláveis”, detalhando ainda os factos subjacentes ao pedido (sublinhado nosso).

 

6.68.  Nestes termos, entende-se que o Requerente apresentou em sede de PRO os fundamentos para se considerar que o erro nos procedimentos da autoliquidação de IVA era imputável à Requerida, dado que o Requerente acompanhou em todo o processo de apuramento do IVA as instruções emanadas pela Requerida, nomeadamente as que resultaram do procedimento inspectivo identificado no ponto anterior.

 

6.69.  Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral ser de improceder a excepção invocada pela Requerida, na sua Resposta, no que diz respeito à alegada excepção da inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação sindicados.

 

DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO PEDIDO

 

6.70.  Aqui chegados, cumpre analisar e decidir a questão inerente ao PPA (vide ponto 6.1., supra), ou seja, decidir da possibilidade (ou não) de regularização de IVA decorrente da alteração do “método de dedução” (ou quantum), com referência às operações que o Requerente desenvolve na área de custódia de títulos (recursos de utilização mista), onde havia sido inicialmente apurado, à data da regularização efetuada (Dezembro/2020), um coeficiente de imputação específico de 7% o qual, na sequência de uma revisão interna de procedimentos, o Requerente pretende alterar com base na alegada determinação de um critério de afectação real, aplicável à dedução do IVA especificamente incorrido pelo Requerente na área da custódia de títulos, alegadamente de 97,15%, pretendendo assim uma regularização no montante global de EUR 125.534,01 [diferença entre o montante da regularização inicial (EUR 9.747,42) e o montante da regularização que pretende agora efectuar (EUR 135.281,43)], por referência a Dezembro de 2020.

 

6.71.  O Requerente alega, em síntese, que “(…) a dedução do imposto por si incorrido de acordo com o coeficiente de imputação específico imposto pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 não se afigura consentânea com o princípio da neutralidade que rege o sistema comum do IVA, porquanto não permite determinar, com precisão, o grau de recursos de utilização mista empreendidos” pelo que, tendo verificado “(…) que (…) deveria ter deduzido o respetivo IVA de acordo com o método da afetação real (…)” e que “(…) a dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista se traduz numa dedução adicional de imposto no montante de € 125.534,01, peticiona-se, nesta sede, a revisão da dedução de imposto materializada definitivamente na entrega da declaração periódica de IVA de dezembro de 2020, e a consequente validação da dedução adicional de imposto naquele montante, devendo a AT restituir o montante de € 125.534,01 ao Requerente, acrescido de juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica relativa ao mês de dezembro de 2020 até ao respetivo pagamento ao Requerente, porquanto este respeita a prestação tributária entregue em excesso”.

 

6.72.  A Requerida fundamenta a não admissibilidade da regularização destes valores de IVA essencialmente no facto de o Requerente ter tomado a sua decisão de efectuar a autoliquidação no uso da sua liberdade de gestão e autonomia de vontade, pelo que, o direito à regularização da dedução inicial não pode ser efetuado no prazo previsto no nº 2 do artigo 98º do Código do IVA, o qual consagra um prazo de caducidade para o exercício do direito à dedução, uma vez que, o direito que a norma pretende salvaguardar já foi exercido pela Requerente, pois este é aplicável àquelas situações pouco comuns em que o registo das operações não ocorre no momento previsto no n.º 1 do artigo 48º ou em que há uma grande dilação temporal entre a data das operações e a receção da fatura, permitindo-se que venha a ser efetuado o registo e se proceda à dedução no prazo de quatro anos.[9]

 

6.73.  Acrescenta a Requerida que o artigo 98º do Código do IVA não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento para efetuar a dedução, dentro desse período, mas sim de fixar um limite máximo a partir do qual o direito à dedução já não pode ser exercido, acautelando situações excecionais que poderiam impedir a dedução do imposto nos termos dos artigos 20º e 23º do Código do IVA e, por outro lado, alega que a dedução configura-se como um direito e não um dever, entendimento que decorre da lei (artigo 19º e sgts do Código do IVA e artigo 167º e sgts da Diretiva IVA) e que tem sido desenvolvido pela jurisprudência, nacional e comunitária, e bem assim, pela doutrina.

 

6.74.   Segundo alega a Requerida, a aplicação do nº 6 do artigo 23º às regularizações do IVA dedutível, consubstancia uma das disposições especiais a que alude a parte inicial do nº 2 do artigo 98º do Código do IVA, afastando a aplicação do prazo de 4 anos sendo que, por outro lado, no artigo 78.º do Código do IVA (nº 2 e nº 6), tem subjacente a ideia de que tenha havido um registo/contabilização próprio e a base tributável ou imposto previamente registado/contabilizado vai sofrer alterações subsequentes devido aos fatores elencados nos n.°s 2 e 6 do artigo 78º do Código do IVA.

 

6.75.  E, acrescenta que a alteração retroactiva do método de dedução aplicado, não é subsumível na norma indicada, que prevê um prazo de caducidade, uma vez que já foi exercido o direito a deduzir o imposto contido nas faturas registadas relativamente a cada bem ou serviço, pelo que o direito que a norma pretende acautelar foi praticado pelo Requerente, pois caso contrário seria posto em causa o princípio da segurança jurídica.

 

6.76.  Por outro lado, alega a Requerida que “(…) o Requerente deveria ter demonstrado em que medida incorreu no alegado erro de direito, ou em que ponto reside a incorreção ou desajuste da sua aplicação face à sua atividade, o que não logrou fazer”, ou seja, segundo entende a Requerida, “(…) o Requerente não alega, nem demonstra, haver erro no enquadramento das operações tributáveis que realizou, estando somente em causa a substituição do método de dedução/critério de imputação por outro que lhe permitiria uma dedução adicional de IVA, no valor de EUR 125.534,01”.

 

6.77.  Nestes termos, conclui a Requerida que “nos presentes autos, perante a inexistência de prova inequívoca, não se mostra possível a verificação da metodologia de apuramento dos valores de dedução adicional, percentagem de dedução e do montante de imposto que o Requerente pretende deduzir, o que sempre careceria de devida averiguação pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) competentes”.

 

6.78.  Cumpre agora analisar, referindo que nesta análise se acompanhará de muito perto o teor da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 733/2024-T, cujo TAC a aqui Relatora integrou.

 

6.79.  Nesta matéria, começando pelo quadro legal aplicável, refira-se que, no âmbito da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, o seu artigo 173º estabelece que, “no que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações” (sublinhado nosso).

 

6.80.  Por outro lado, o artigo 175º da referida Directiva estabelece que “(…). 2. O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões. Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão. 3. A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente”.

 

6.81.  Os artigos 184.º a 186.º da Directiva n.º 2006/112/CE estabelecem que “a dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito” (artigo 184º), “1. A regularização é efectuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços. 2. Em derrogação do disposto no n.º 1, não é efectuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afectações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.º. No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização” (artigo 185º) e que “os Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184º e 185º” (artigo 186º).

 

6.82.  A nível nacional, no âmbito do Código do IVA, os artigos 22º, 23º, 78º e 98º do Código do IVA estabelecem, no que aqui interessa, o seguinte:

- “Artigo 22º - Momento e modalidades do exercício do direito à dedução. 1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período. 2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação (…) 3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. (...)” (sublinhado nosso).

- “Artigo 23º Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista. 1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: (...). b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução. (...). 6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita” (sublinhado nosso).

- “Artigo 78º Regularizações. (...). 6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado. (...)” (sublinhado nosso).

- “Artigo 98º Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução. (...). 2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente” (sublinhado nosso).

 

6.83.  Para além do acima citado normativo, existe diversa jurisprudência sobre esta matéria, da qual se cita o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 06-03-2012 (Relator Joaquim Condesso), processo 01103/06, nos termos do qual “sujeitos passivos mistos, para efeitos de I.V.A., podem definir-se como contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs. 19 a 25, do C.I.V.A., por serem normalmente tributáveis e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial. (…). Não obstante o método da percentagem de dedução (“pro-rata”) ser o regime regra (ou supletivo) com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto no que diz respeito aos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos, podia o próprio contribuinte, de harmonia com o artº.23, nº.2, do C.I.V.A., efectuar a dedução segundo o método de afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunicasse tal facto à D.G.I., prevendo a lei, ainda, a faculdade de a. Fiscal tornar obrigatório o uso deste método alternativo no caso previsto no artº.23, nº.3, do C.I.V.A” (sublinhado nosso).

 

6.84.  Neste âmbito, refira-se que a comunicação obrigatória à A. Fiscal foi revogada pelo Decreto Lei 323/98, de 30 de Outubro mas, mesmo no período da sua vigência, a jurisprudência entendia que a omissão da mesma não constituía fundamento para, sem mais, se impor a utilização do pro rata para a dedução do imposto, sendo possível conciliar o método do pro rata com o método de afectação real, para determinados bens e serviços, sendo isto o que também se lê no ponto 6 do sumário do Acórdão que vem sendo mencionado, “(…). Acaso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método de afectação real tiver várias despesas comuns e afectas a diversas actividades que conferem direito à dedução do imposto e, ao mesmo tempo, a actividades isentas, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino, ou seja, nestes casos é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do “pro-rata”.

 

6.85.  Por isso a confluência do regime da afectação real, com o pro-rata, significa que numa actividade que suporte despesas comuns, a actividades isentas e não isentas, pode-se calcular o IVA dedutível com base neste último método.

 

6.86.  Mas o que temos no caso em concreto?

 

6.87.  No presente processo, estamos perante a possibilidade (ou não) de se poder alterar retroactivamente a percentagem do método de imputação directo que se adoptava para deduzir o IVA em actividades com regime misto, porquanto o Requerente para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de utilização mista), vinha adoptando, em observância do preceituado no -Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 (do Gabinete do Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA), o coeficiente de imputação específico como método de dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista – tendo então apurado um coeficiente de 7% mas, com base numa análise de procedimentos que alega ter efectuado em 2024, o Requerente procedeu à alteração da percentagem de imputação à área da custódia de títulos.

 

6.88.Com efeito, considerando, (i) o número de operações em que é cobrada uma comissão com liquidação de imposto (comissões tributadas em IVA) face (ii) ao número de operações totais realizadas com referência à custódia de títulos (abrangendo quer as operações em que é debitada uma comissão isenta de IVA, quer aquelas em que é debitada uma comissão com liquidação de IVA), resultou numa alegada percentagem de 97,15%, que o Requerente designa de afectação real/imputação específico e, por isso, concluiu o Requerente que, em 2020, o método de dedução do coeficiente de imputação específico, pelo que deduziu, na declaração de IVA de dezembro de 2020, o montante de IVA de EUR 9747,42, a título de IVA incorrido com as operações efetuadas na área de custódia de títulos, mas aplicando a taxa de dedução de 97,15%, o valor de IVA a deduzir seria (alegadamente) no montante de EUR135.281,43.

 

6.89.  Na verdade, não estamos verdadeiramente perante a alteração do método que o Requerente utilizava (imputação específica e afectação real confundem-se), mas sim perante a alteração da percentagem de dedução do IVA, a montante, nos gastos comuns da área de custódia de títulos.

 

6.90.  A alteração do método tem sido abordada jurisprudencialmente pela perspectiva da qualificação da retroactividade de correcção do método adoptado para determinadas situações de bens ou serviços, no sentido de ser qualificado como um erro de direito ou como um erro de facto.

 

6.91.  Esta distinção tinha a sua relevância no facto do artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA mencionar erro material, que só pode ser regularizado no prazo de 2 anos, e o artigo 98º, n.º 2, do Código do IVA mencionar que sendo erro de direito permite a regularização num prazo de 4 anos.

 

6.92.  Esta questão foi também abordada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), (processo nº 984/14.1BELLE, de 08-07-2021), que sumariou que “é erro de direito, passível de possibilitar a correcção da dedução, através do prazo mais longo de quatro anos, o erro na dedução do imposto que consiste em não fazer qualquer dedução de IVA de bens e serviços adquiridos exclusivamente para a realização de operações tributáveis,  bem como no apuramento errado da percentagem de dedução, com base em certo entendimento da Administração Tributária sobre o modo de aplicação dos métodos de dedução” (sublinhado nosso).

 

6.93.  Num outro Acórdão do TCAS (processo n 263/16.0BELLE, de 28-09-2017), o Tribunal considerou que “está em causa o modo de exercício do direito à dedução do IVA suportado (…), a qual constitui um sujeito passivo misto, na parte relativa à correcção da declaração de autoliquidação, oportunamente apresentada pelo contribuinte, no que respeita ao IVA suportado na aquisição de recursos de utilização mista, por referência aos exercícios de (…). A questão da correcta qualificação do erro em que incorreu o contribuinte não é despicienda para a aferição do prazo legal de exercício do direito à rectificação da autoliquidação. As correcções em causa correspondem a rectificações do método de cálculo do pro rata e alterações na aplicação concomitante do pro rata com o método de afectação real. Por isso, as mesmas têm subjacentes erros de direito e não meros erros materiais. Ou seja, estão em causa erros no cômputo do método da percentagem aplicada pelo contribuinte na aferição do imposto dedutível, erros que se prendem com a discriminação de actividades, com a classificação das mesmas e a identificação da percentagem de dedução aplicável” (sublinhado nosso).

 

6.94.  Assim, impõe-se reiterar a doutrina fixada no Acórdão do STA, de 28-06-2017 (processo nº 01427/17), segundo a qual, “[o] prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA” sendo que, no mencionado Acórdão, escreve-se ainda que “(…) estão em causa erros no cômputo do método da percentagem aplicada pelo contribuinte na aferição do imposto dedutível, erros que se prendem com a discriminação de actividades, com a classificação das mesmas e a identificação da percentagem de dedução aplicável” (sublinhado nosso).[10]

 

6.95.  Não obstante, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem subsumido os erros de direito na liquidação e dedução do imposto no artigo 78º do Código do IVA e não no artigo 98 do mesmo Código.

 

6.96.  Com efeito, o erro de cálculo ou de escrita encontra-se, desde logo, perfeitamente delimitado na doutrina juscivilística e este tem sido, também, o entendimento da jurisprudência maioritária, nomeadamente, das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos nº 117/2013-T, de 06-12-2013, nº 649/2017-T, de 28-05-2018 e dos Acórdãos do STA, nomeadamente, do proferido no âmbito do processo nº 01427/14 (28-06-2017), do processo 853/13 (07-04-2021) e do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 23-11-2022, (proferido no processo 021/21.0BALSB).[11]

 

6.97.  Aqui chegados, afirmando-se ser possível proceder à regularização do IVA no prazo de quatro anos, há ainda que verificar se o Requerente com a documentação apresentada dá cumprimento à prova necessária para aferir do direito de alterar a percentagem de dedução de 7%, com referência às operações que desenvolve na área de custódia de títulos, (recursos de utilização mista), inicialmente apurada, para uma percentagem de dedução de 97,15%.

 

6.98.  Neste âmbito, é jurisprudência firmada pelo STA que cabe ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, mesmo em casos de liquidação adicional (o que nem sequer é o caso dos autos). [12] [13]

 

6.99.  No caso em análise, não se vislumbra que tenha sido deduzida prova suficientemente sólida para se concluir a favor do peticionado pelo Requerente, porquanto da documentação anexada resulta uma dúvida razoável que coloca em causa a apreciação material dos valores apresentados e não se revela suficiente para demonstrar o alegado.

 

6.100.   Assim, face à documentação apresentada, o Tribunal considera totalmente improcedentes os pedidos, apresentados pelo Requerente, de declaração de (i)legalidade do acto tributário de (auto)liquidação de IVA referente a Dezembro de 2020 e, em consequência, de anulação do mesmo e da decisão de indeferimento que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa apresentado relativamente aquele acto tributário de (auto)liquidação de IVA.

 

6.101.   Tendo em consideração o decidido, fica prejudicado o conhecimento do pedido de restituição do montante de IVA alegadamente pago em excesso, bem como o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios incidentes sobre aquele montante.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.102.   De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.102.1.  Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.102.2.  Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.103.   No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas ao Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7.          DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decide este Tribunal Arbitral Colectivo:

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, por não se verificar a impropriedade do meio, nem erro na forma do processo;

7.1.2.     Julgar improcedente a excepção da inimpugnabilidade dos actos;

7.1.3.     Julgar totalmente improcedentes os pedidos de pronúncia arbitral formulados pelo Requerente;

7.1.4.     Condenar o Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 125.534,01, por ser esse o valor atribuído pelo Requerente.

 

Custas: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 3.060,00, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Novembro de 2025

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Sílvia Oliveira

(Árbitro Vogal e Relatora)

 

 

Magda Feliciano

(Árbitro Vogal)

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, para apreciar o PPA, como consequência da impropriedade do meio/erro na forma do processo, que também alega (vide Capítulo 6. desta decisão), desde já aqui se adianta que se irá considerar a referida excepção como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral (cfr ponto 6.35. e seguintes).

[3] Nesta matéria, refira-se que o Requerente por não concordar com a autoliquidação de IVA efectuada relativamente ao mês de Dezembro de 2020, apresentou em 27-12-2024, um pedido de revisão oficiosa, com fundamento em divergência de aplicação do método de apuramento do IVA dedutível (método da afectação real em detrimento do método do pro rata) quanto aos bens e serviços com utilização mista e, em consequência, lhe fosse reconhecido o direito à dedução adicional de IVA, no montante de EUR 125.534,01. O referido pedido de revisão oficiosa foi objecto de rejeição liminar, pela Requerida, através de despacho de 31-12-2024 (notificado ao Requerente através de Ofício datado de 03-01-2025, registo nº RF ... PT de 07-01-2025), tendo o Requerente apresentado este pedido de pronúncia arbitral em 09-04-2025, ou seja, no prazo de 90 dias a contar da data de notificação da decisão, pelo que o pedido é tempestivo.

[4] Para reforço da sua posição, cita e transcreve o Requerente várias decisões arbitrais, nomeadamente a proferida no âmbito do processo n.º 167/2022-T.

[5] Neste âmbito, vide, ainda, os Acórdãos do STA de 14-05-2015 (processo n.º 01958/13), de 25-05-2014 (processo n.º 01263) e de 03-05-2017 (processo n.º 035/16).

[6] Vide, entre outros, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-5-2014, proferido no processo n.º 1086/13 e de 13-1-2021, proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR, bem como os demais aí citados.

[7] Neste sentido, vide, entre outros, os nossos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2021 (proferido no processo n.º 698/13.4BEALM), de 13-10-2021 (proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR) e de 2-2-2022 (proferido no processo n.º 848/14.9BEAVR), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

[8] Cf. a jurisprudência consolidada no STA e que se encontra plasmada, entre outros, nos Acórdãos de 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11.

[9] Este entendimento quanto ao âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 98.º CIVA, encontra-se vertido não só no Oficio-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro, emitido pela Direção de Serviços do IVA (em concreto, do seu ponto 8.), como também decorre da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0966/10, de 18-05-2011.

[10] Sobre o tema, escreveram Alexandra Martins-Pedro Moreira (“Regularizações de IVA” in Cadernos IVA 2014, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, pags. 66-67) que “com o nº 6 do artigo 78º do Código do IVA, consideramos que o legislador pretendeu visar, única e exclusivamente, os lapsos calami na transposição dos elementos das facturas para a contabilidade e desta para as declarações periódicas de IVA”.

[11] Neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos escreve que “sucede com alguma frequência que o declarante faz constar algo de errado na sua declaração, não porque tenha sofrido de uma falsa percepção da realidade (erro-vício), nem porque se tenha enganado na expressão (erro-obstáculo), mas porque se enganou nas contas, porque errou uma operação de cálculo. O mesmo sucede também com frequência quando o declarante erra ao escrever(…). O Código Civil, no artigo 249º, estabelece para o erro de cálculo ou de escrita um regime diferente da anulabilidade: o da correcção do erro”.

[12] Neste âmbito, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 02840/09.6BEPRT, de 6/3/2024, Anabela Russo, nos termos do qual se refere que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, ou seja, cabe a este alegar e demonstrar (…)”.

[13] Também na Decisão Arbitral exarada no processo nº 166/2018-T, de 2/12/2018, se refere que, relativamente ao ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução dispõe o artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária nos termos do qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.