SUMÁRIO
São ilegais as autoliquidações do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário por inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º, da CRP, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1, parte final, todos da CRP.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (Presidente e relatora), João Marques Pinto e A. Sérgio de Matos (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., sociedade com o número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das autoliquidações do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (“ASSB”) plasmadas nas declarações Modelo 57, referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, no montante total de € 260.351,03, bem como da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles actos proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 22 de Abril de 2025, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 24 de Abril de 2025.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas dessa designação em 17 de Junho de 2025, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de Julho de 2025.
6. Por despacho datado de 7 de Julho de 2025, foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo (doravante “PA”), e, querendo, solicitar a prova de produção adicional.
7. Em 25 de Setembro de 2025, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos cópia do PA, tendo-se defendido por excepção e pugnado pela sua absolvição da instância.
8. Em 2 de Outubro de 2025, o Requerente foi notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, exercer o direito ao contraditório sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta.
9. Em 16 de Outubro de 2025, o Requerente apresentou requerimento no qual exerceu o seu direito ao contraditório relativamente à matéria de excepção invocada pela Requerida.
10. Por despacho de 24 de Outubro de 2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, já que não haveria necessidade de produção de prova testemunhal, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção.
11. Nesse mesmo despacho, foi concedida às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas, em prazo simultâneo de 15 (quinze) dias a contar da respectiva notificação. Foi igualmente fixado ao Requerente o prazo de 15 (quinze) dias para proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e juntar aos autos o respectivo comprovativo, tendo ainda sido comunicado que a decisão final seria proferida até ao dia 7 de Janeiro de 2026.
12. Em 11 de Novembro de 2025, o Requerente juntou aos autos o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.
13. A 10 e a 11 de Novembro de 2025, o Requerente e a Requerida apresentaram, respectivamente, as suas alegações escritas.
II. POSIÇÃO DAS PARTES
§1 Posição do Requerente
14. O Requerente sustenta o pedido que formula, alegando, em síntese, o seguinte:
a. Em consonância com o entendimento perfilhado pelo Tribunal Constitucional (“TC”), no acórdão n.º 529/2024, de 2 de Julho de 2024, o regime do ASSB – previsto nos artigos 18.º e 21.º, e no Anexo VI, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho – enferma de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade consagrados, respectivamente, nos artigos 13.º, 104.º e 18.º n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
b. Na esteira do entendimento perfilhado pelo TC, no acórdão n.º 149/2024, de 27 de Fevereiro de 2024, a tributação dos saldos passivos relativos ao primeiro semestre do ano de 2020 – nos termos do artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho – é materialmente inconstitucional, por frontal violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP;
c. O regime do ASSB colide com o princípio da especificação orçamental, ínsito no artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental, contendendo, por isso, com lei de valor reforçado nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP;
d. O ASSB é um verdeiro imposto, tendo esta sido a conclusão alcançada pelo TC naquele acórdão n.º 149/2024 e também nas decisões arbitrais n.ºs 504/2021-T, de 16 de Maio de 2022, 599/2022-T, de 25 de Abril de 2023, 21/2023-T, de 29 de Junho de 2023, e 328/2023-T, de 16 de Outubro de 2023;
e. No caso do ASSB, há – conforme declarado pelo TC no acórdão n.º 529/2024 – uma violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária;
f. Os actos tributários de liquidação do ASSB controvertidos são ilegais e anuláveis, na medida em que assentam em normas incompatíveis com o princípio da especificação orçamental decorrente dos artigos 17.º, n.º 2, da Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, e 105.º, n.º 1, alínea a) e 112.º, n.º 3, da CRP;
g. O acto tributário de liquidação do ASSB referente ao exercício de 2020 controvertido é ilegal e anulável, na medida em que assenta em normas incompatíveis com o princípio da não retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP;
h. Os actos tributários de liquidação do ASSB controvertidos são ilegais e anuláveis, na medida em que assentam na aplicação de normas de incidência objectiva e temporal materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios do Estado de Direito, na dimensão de proibição do arbítrio, e do princípio da coerência tributária, ínsitos no artigo 2.º, da CRP;
i. Além do direito à restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, tem o direito à percepção dos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
15. O Requerente invocou, ainda, em resumo, em sede de resposta às excepções aduzidas pela Requerida, o seguinte:
a. A posição sustentada pela Requerida é directamente contrariada pela mais recente jurisprudência dos tribunais superiores, que se tem pronunciado pacificamente pela idoneidade da impugnação judicial – e, por conseguinte, da acção arbitral – como meio de reacção da “rejeição liminar” de um pedido de revisão oficiosa;
b. Visando o pedido de revisão oficiosa a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação de ASSB e pretendendo o Requerente uma pronúncia sobre o mérito dessa pretensão – e não apenas a anulação da decisão de rejeição liminar com fundamento em (pretensa) intempestividade –, necessariamente se conclui pela idoneidade do presente meio processual, sendo irrelevante o concreto conteúdo do acto decisório que constitui o seu objecto imediato;
c. Sendo a acção arbitral o meio de reacção judicial adequado, são também, por conseguinte, os tribunais arbitrais materialmente competentes para apreciar a questão controvertida nos presentes autos;
d. A Requerida foi além da apreciação meramente formal dos pressupostos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, tendo igualmente apreciado a legalidade do acto tributário na sua origem, pelo que, independentemente da designação por si atribuída à decisão, é inequívoco que a mesma configura um verdadeiro indeferimento, com inerente apreciação do mérito dos argumentos do Requerente;
e. Para efeitos de impugnação contenciosa (judicial ou arbitral) de actos de autoliquidação, o pressuposto procedimental relativo à obrigatoriedade de precedência de reclamação graciosa, decorrente do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, basta-se com a existência de um procedimento tributário prévio em que a pretensão do sujeito passivo se reconduza à apreciação da legalidade daqueles actos tributários por parte da Requerida, equiparando-se, para esta finalidade, o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa necessária;
f. O procedimento de revisão oficiosa – enquanto procedimento tributário destinado à declaração de ilegalidade e anulação de actos tributários, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da LGT – também preenche o requisito procedimental relativo à obrigatoriedade de prévio “recurso à via administrativa” para efeitos de impugnação contenciosa de actos de autoliquidação de imposto, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e 131.º, n.º 1, do CPPT;
g. Os actos de autoliquidação de ASSB sub judice, porque assentes num regime inconstitucional, traduzem-se necessariamente numa ilegalidade qualificável como erro imputável à Requerida para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT;
h. O pedido de revisão oficiosa ora em apreço foi apresentado tempestivamente pelo Requerente, uma vez que o contribuinte pode pedir a revisão oficiosa de actos de autoliquidação do ASSB dentro do prazo legal de que a Requerida dispõe para a efectuar – i.e., 4 anos –, podendo igualmente impugnar contenciosamente, em sede de arbitragem tributária, a decisão expressa ou tácita de indeferimento;
i. Não poderão deixar de improceder na íntegra todas as excepções invocadas pela Requerida em sede de Resposta, devendo os presentes autos prosseguir até à prolação de pronúncia de mérito sobre a pretensão do Requerente.
§2 Posição da Requerida
16. Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:
a. Quer o pedido de pronúncia arbitral, quer consequentemente o Tribunal Arbitral são, respectivamente, inidóneos e incompetentes quanto à pretensa ilegalidade da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa;
b. A Requerida não apreciou o mérito da controvertida autoliquidação;
c. Limitou-se a aferir dos pressupostos do pedido de revisão oficiosa (condição prévia para a subsequente análise do mérito do pedido), tendo concluído que o requisito da competência não se encontrava preenchido;
d. O indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa constitui um acto administrativo em matéria tributária (porquanto tal decisão não apreciou ou discutiu a legalidade de um acto de liquidação) e não um acto tributário;
e. Somente a acção administrativa constitui o meio processual idóneo para impugnar a decisão de rejeição liminar, conforme decorre do artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT, e não o pedido de pronúncia arbitral, pois que este constitui um dos meios de reacção destinados a apreciar actos tributários, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;
f. A impropriedade do meio processual consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 577.º e 278.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT;
g. Importa igualmente suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei e que se encontram elencadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;
h. À luz deste artigo resulta claramente que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes à apreciação da legalidade de actos em matéria tributária, sob pena de violação da lei;
i. A incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciar o indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, alínea a), ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT;
j. Ainda que se entenda que o pedido de pronúncia arbitral constitui o meio processual adequado face ao objecto imediato da acção e que o Tribunal Arbitral é competente para dele conhecer, ainda assim, não estão reunidos os pressupostos para obter uma decisão de mérito;
k. As autoliquidações sub judice deveriam ter sido alvo de reclamação no prazo de 2 anos da sua apresentação;
l. Estão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa;
m. O primeiro pedido de revisão oficiosa foi deduzido a 10.12.2024, ou seja, numa data em que há muito se havia esgotado o prazo de 2 anos contados a partir da autoliquidação aqui em crise (submetidas respectivamente em 14-12-2020, 28-12-2021 e 29-06-2022);
n. À data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, já há muito se encontravam consolidadas na ordem jurídica as autoliquidações em apreço, não podendo ser objecto de apreciação nesta sede, sob pena de violação do princípio jurídico “tempus regit actum”;
o. Dado que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, relativamente à autoliquidação, forçoso é concluir pela inimpugnabilidade deste acto tributário por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto;
p. Só podem ser objecto de apreciação arbitral actos tempestivamente sindicados ou cuja revisão se inscreva nos prazos e fundamentos taxativamente previstos na lei.
III. SANEAMENTO
17. Para efeitos de saneamento do processo, cumpre apreciar as excepções enunciadas pela Requerida na sua resposta.
§1 Inidoneidade do meio processual
18. Por considerar que o objecto imediato do processo corresponde a um acto em matéria tributária que não apreciou a legalidade dos actos de autoliquidação ora em questão, defendeu a Requerida que a respectiva contestação deveria ter sido feita através da acção administrativa, o que significa que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente não seria o meio processual idóneo para o efeito, porque alternativo à impugnação judicial.
19. Ora, a posição da Requerida a este respeito está desde logo viciada pelo errado pressuposto assumido quanto à natureza do acto de segundo grau contestado no presente processo.
20. É que, conforme se viu, não está aqui em causa um acto em matéria tributária, mas sim um acto tributário, cujo meio processual de contestação é a impugnação judicial, o que resulta inequívoco face ao teor das alíneas a), c) e d) do artigo 97.º do CPPT.
21. Acresce que o factor relevante para determinar a idoneidade do meio processual não é o conteúdo do acto recorrido, mas sim a natureza das questões submetidas à apreciação do Tribunal, aferidas por referência aos concretos pedidos formulados.
22. Neste preciso sentido, sumariou o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no acórdão proferido no processo n.º 0946/18.0BELRA, em 6 de Março de 2024, nos seguintes moldes:
“I - O erro na forma de processo deve ser aferido pelo pedido concretamente formulado, só devendo julgar-se verificado se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo.
II - A Impugnação Judicial é o meio processual adequado á apreciação da legalidade da liquidação, ainda que esta seja interposta na sequência de despacho de indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito em que tal despacho se louvou, desde que, na Impugnação Judicial, seja simultaneamente pedida a apreciação da legalidade do referido despacho e da liquidação.”.
23. Acresce ainda que se o Requerente pretende sindicar, de forma imediata, a legalidade do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa de acto tributário e, de forma mediata, a legalidade das autoliquidações do ASSB, o meio processual idóneo para o efeito é a impugnação judicial.
24. A este respeito é, igualmente, assertivo o STA ao referir no acórdão proferido no processo n.º 0279/19.4BEVIS, em 10 de Março de 2021, que “para este Supremo Tribunal, o meio processual adequado, para os interessados atacarem, contenciosamente, as decisões de rejeição/indeferimento de processos/procedimentos administrativos (v.g., reclamação graciosa) e, concomitantemente, verem analisados os vícios colados ao ato de liquidação (de impostos, taxas….) em causa, é, unicamente, o processo de impugnação judicial, com as condições e trâmites, positivados nos artigos (arts.) 99.º a 133.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). O exclusivo requisito/condição exigida, para que, sempre, seja esta a forma de processo a utilizar, é a verificação e conclusão de o, prévio, procedimento administrativo, casuisticamente, ativado, envolver, dizer respeito, à liquidação de tributos, estaduais, regionais e/ou locais. Portanto, numa formulação genérica, o meio processual tributário de impugnação judicial é de acionar em todas as situações onde se visem atos relativos a questões tributárias que impliquem, contendam com a apreciação (de qualquer ilegalidade) do ato de liquidação, mesmo que, no mesmo processo se tenham de versar e dirimir questões relacionadas, em exclusivo, com um procedimento de cariz administrativo, quando este tenha tido, previamente, lugar; por contraposição, o meio processual da ação administrativa só pode utilizado, quando as questões tributárias levantadas (no procedimento administrativo e no tribunal) não impliquem apreciar-se da legalidade do ato de liquidação.”.
25. É também esse o sentido pugnado na decisão arbitral de 24.02.2023, proferida no processo n.º 167/2022-T, ao referir que “[t]endo um pedido de revisão oficiosa sido, liminarmente, indeferido com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, tal ato comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial, para o qual os tribunais arbitrais são competentes em razão da matéria”.
26. Portanto, ao ser a impugnação judicial o meio idóneo para contestar a legalidade dos actos visados pelo aqui Requerente, conclui-se igualmente pela idoneidade do pedido de pronúncia arbitral para o efeito, que consiste numa forma alternativa à impugnação judicial de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, conforme decorre do preâmbulo do RJAT e do n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que concedeu ao Governo a autorização legislativa para instituir a arbitragem tributária.
27. Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção de inidoneidade do meio processual suscitada pela Requerida na sua resposta.
§2 Incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de pronúncia arbitral
28. Em relação à questão da competência material dos tribunais arbitrais constituídos no seio do CAAD, entende-se que o pressuposto visado pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, e pelo artigo 2.º, alínea a), da Portaria de Vinculação, é o de impor uma filtragem administrativa prévia à via arbitral, que confira à Requerida a possibilidade de sindicar a legalidade dos actos tributários contestados e, dessa forma, decidir sobre a sua manutenção ou anulação da ordem jurídica.
29. Assim, a apresentação de um pedido de revisão oficiosa pelo Requerente permite colmatar a necessidade de apresentar reclamação graciosa, assegurando o mencionado pressuposto.
30. Isto é, o que importa é assegurar uma apreciação administrativa das autoliquidações de imposto antes da respectiva contestação junto dos Tribunais, e a revisão oficiosa permite fazê-lo.
31. De resto, a circunstância de a Requerida ter proferido decisão expressa – ainda que no sentido da sua rejeição – em tal pedido de revisão oficiosa é uma evidência adicional – se dúvidas houvesse – de que houve essa apreciação administrativa prévia à contestação efectuada pelos contribuintes (neste caso, o Requerente) junto dos Tribunais.
32. A este propósito este Tribunal adere à decisão arbitral, de 15.04.2024, proferida no processo n.º 560/2023-T, que refere o seguinte:
“O recurso à via administrativa é exigido como condição de impugnabilidade contenciosa dos atos de retenção na fonte e de autoliquidação nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e da remissão por esta operada para o artigo 131.º do CPPT, que dispõe que a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.
Tal alegação [da Requerida] é, todavia improcedente, pois o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, entendimento reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.
É verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à reclamação graciosa, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte ou nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência portuguesas (acórdão do STA de 12.07.2006, Processo nº 042/06) veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.
Como referido por Carla Castelo Trindade (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado” Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97 “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.
E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.”
Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.
Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se neste sentido às decisões proferida nos processos arbitrais n.º 245/2013-T e 678/2021T.
De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, cujo excerto se transcreve de seguida:
“O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”
De referir ainda que o problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário e não da competência do tribunal, pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia. Este requisito configura o pressuposto processual da impugnabilidade do ato (in casu, dos atos de autoliquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT (sobre esta questão vide Vieira de Andrade, “Justiça Administrativa (Lições)”, 9.ª edição, Almedina, 2007, p. 305 e segs.). Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer (vide decisão do processo arbitral n.º 397/2019-T, de 12 de junho de 2020).
Em qualquer caso, independentemente da qualificação jurídica como incompetência do Tribunal ou como inimpugnabilidade do ato, a exceção suscitada pela Requerida é improcedente, pois não corresponde à melhor interpretação das normas aplicadas, que é a de que se encontram abrangidas pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria de Vinculação as pretensões que se prendam com a ilegalidade de atos de autoliquidação e/ou de retenção na fonte que sejam precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011” (com negritos nossos).
33. É também este entendimento que vem sendo seguido pelo STA, recordando-se aqui o exposto por este tribunal no acórdão de 08.02.2017, proferido no processo n.º 0678/16, em que o mesmo conclui que “[a] circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de liquidação, não obsta a que seja pedida a respectiva revisão oficiosa e seja impugnado contenciosamente o eventual acto de indeferimento desta”.
34. Em função do acima exposto, é de concluir que a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral arguida pela Requerida terá de ser julgada improcedente, podendo o Tribunal conhecer o pedido de pronúncia arbitral.
§3 Inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação
35. A impugnabilidade dos actos tributários referente às autoliquidações do ASSB que aqui se encontram em causa está dependente da tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa que sobre aqueles versou.
36. Só a eventual extemporaneidade de tal pedido terá como consequência a formação de caso decidido ou resolvido e tal traduzir-se-á em que o acto tributário posto em crise deixará de poder ser contestado judicialmente.
37. Assim, para apreciar a impugnabilidade dos actos postos em crise, é necessário analisar se estavam ou não preenchidos os pressupostos de que dependia a procedência do pedido de revisão oficiosa.
38. O mesmo é dizer que é necessário analisar se os actos de autoliquidação do ASSB contestados estavam ou não viciados por erro imputável aos serviços da Requerida e se foi respeitado o prazo, previsto no artigo 78.º, n.º 1, parte final, da LGT, de impulsionar a revisão oficiosa nos quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.
39. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, invocando a verificação de diversos vícios de Direito (nomeadamente do foro constitucional) imputáveis à Requerida que afectam a legalidade dos actos de autoliquidação do ASSB impugnados, pretende que lhe sejam restituídos os montantes deste tributo que, alegadamente, foram indevidamente pagos.
40. Por seu turno, de acordo com a Requerida, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, por ter sido apresentado para além do prazo legal de dois anos aplicável às autoliquidações em causa, razão pela qual estas se encontram definitivamente consolidadas na ordem jurídica, não podendo ser objecto de reapreciação nesta instância arbitral, sob pena de violação do princípio “tempus regit actum”.
41. Acrescenta a Requerida, de resto, não há qualquer erro que lhe seja imputável para que tal revisão oficiosa pudesse ocorrer dentro do já mencionado prazo de quatro anos.
42. A este propósito, no que tange à querela acerca da existência (ou não) de erro imputável aos serviços da Requerida, subscreve-se, com as devidas adaptações, o entendimento professado pelo STA, no acórdão de 02.10.2024, no processo n.º 01917/21.4BELRS, no qual se enuncia o seguinte:
· “(…) a revisão oficiosa, apesar de dever ser efetuada pela Administração Tributária, pode resultar da iniciativa desta ou do sujeito passivo. (…). A AT, por seu lado, pode fazer a revisão no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”;
· “O procedimento de revisão dos atos tributários caracteriza-se, sobretudo, por nele ser a entidade que os praticou que eventualmente os vai rever. Podendo fazê-lo por iniciativa própria, no prazo de 4 anos, após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, ou por iniciativa do sujeito passivo que terá, tal como decorre da jurisprudência deste STA, um prazo de 4 anos para requerer, também com fundamento em erro imputável aos serviços, a revisão do ato. (…). Pois, uma coisa é o prazo que AT tem para rever o ato, outra, distinta, é o prazo que o sujeito passivo tem para requerer a revisão que, a ser feita, terá sempre como executante a AT, no prazo de 4 anos”;
· “O procedimento de revisão tem, como o próprio nome indica, o propósito de que seja revisto o ato tributário com o objetivo de reforçar as garantias dos contribuintes e, no respeito pela verdade material, permitir que, detetando a AT algum erro, ou sendo alertada para alguma ilegalidade por parte do sujeito, faça as correções que são devidas O objetivo último do procedimento de revisão é, por conseguinte, que seja feita a correção de qualquer erro, incluindo uma qualquer ilegalidade, sempre, no interesse do sujeito passivo, sendo este, aliás, o espírito do procedimento”;
· “(…) decorre da lei e da jurisprudência que no âmbito do procedimento de revisão, tanto a AT como o sujeito passivo poderão ter a iniciativa da revisão no prazo de 4 anos quando se verifique um erro imputável aos serviços, valendo esta última condição para os dois. Isto é, o fundamento tem de ser sempre um erro imputável aos serviços quer para AT quer para o sujeito passivo.”; e
· “(…) no quadro do artigo 78.º da LGT, está, neste momento, consolidada a possibilidade de o sujeito passivo poder, ainda, solicitar a revisão num período de 4 anos quando se verifique um erro imputável aos serviços. Conceito este que, pela sua abrangência, contempla vícios de facto e de direito o que, em última análise, permitirá abranger ilegalidades que, por essa via, poderão ser suscitadas, já não somente no período e 2 anos, mas num período de 4, pelo facto de serem suscetíveis de ser reconduzidas a um erro de direito imputável aos serviços” (com negritos e sublinhado nossos).
43. Acresce que, conforme é enunciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 133/2021, de 31.03.2022 (remetendo para jurisprudência proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul), “constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada” (com negrito nosso).
44. Nesta linha de entendimento, padecendo tais actos tributários de erros de Direito e, por conseguinte, sendo os mesmos imputáveis à Requerida, assistia ao Requerente o direito de, num prazo de 4 anos, recorrer ao disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e solicitar àquela a revisão oficiosa daqueles actos.
45. Sendo o mais antigo dos actos de autoliquidação do ASSB impugnados pelo Requerente datado de 14 de Dezembro de 2020 e tendo o Requerente apresentado aquele pedido de revisão oficiosa em 10 de Dezembro de 2024, em relação aos actos de autoliquidação do ASSB contestados, dá-se por respeitado aquele prazo de 4 anos.
46. Em função do acima exposto, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente deve ser julgado tempestivo e, como tal, o Tribunal podendo conhecer do pedido arbitral, devendo a excepção de inimpugnabilidade arguida pela Requerida ser julgada improcedente.
47. Nestes termos, o presente pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
48. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.
49. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
IV. MATÉRIA DE FACTO
§1 Fundamentação da fixação da matéria de facto
50. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
51. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
52. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente a prova documental junta aos autos pelo Requerente e o processo administrativo junto aos autos pela Requerida, tendo os mesmos sido apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. No caso particular do pagamento, pelo Requerente, do montante de € 260.351,03, alusivo ao ASSB por si autoliquidado durante os anos de 2020, 2021 e 2022, apesar de não ter sido junto aos autos o documento n.º 3 que aquele protestou juntar, considerou-se este facto provado atendendo à “CERTIFICAÇÃO DO PAGAMENTO” constante das guias n.º..., ... e ... que fazem parte do documento n.º 1 junto aos autos pelo Requerente e ao alegado pela Requerida, na fundamentação do despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, ao fazer menção “ao montante agregado de ASSB que [o Requerente] pagou e cuja restituição é (….) peticionada”.
53. Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.
§2 Factos provados
54. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a. O Requerente é uma instituição financeira de crédito, residente para efeitos fiscais em território português;
b. Em 14.12.2020, o Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, respeitante à autoliquidação do ASSB alusivo ao exercício de 2020, da qual resultou um montante a pagar no montante de € 98.430,98;
c. Em 28.12.2021, o Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, respeitante à autoliquidação do ASSB alusivo ao exercício de 2021, da qual resultou um montante a pagar no montante de € 85.540,91;
d. Em 29.06.2022, o Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, respeitante à autoliquidação do ASSB alusivo ao exercício de 2022, da qual resultou um montante a pagar no montante de € 76.379,22;
e. O Requerente pagou o montante total de € 260.351,03 (€ 98.430,98 + € 85.540,91 + € 76.379,22) correspondente ao ASSB autoliquidado respeitante aos exercícios de 2020, 2021 e 2022;
f. Em 10.12.2024, o Requerente apresentou, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, o pedido de revisão oficiosa das autoliquidações do ASSB referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022;
g. Nesse pedido de revisão oficiosa, o Requerente arguiu a admissibilidade desse pedido, com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida, em virtude de as autoliquidações do ASSB em causa padecerem de erros de Direito (violações da CRP) que lhe eram imputáveis;
h. Por ofício datado de 18.12.2024, o Requerente foi notificado para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, relativamente à proposta da Requerida de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações do ASSB;
i. Por ofício datado de 21.01.2025, o Requerente foi notificado da decisão da Requerida de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações do ASSB.
§3 Factos não provados
55. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se deu como provado o seguinte facto:
· A Requerente, a 7 de Janeiro de 2025, exerceu o seu direito de audição prévia, reiterando a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa por si apresentado.
V. MATÉRIA DE DIREITO
56. Através do presente processo, o Requerente pretende sindicar a (i)legalidade dos actos de autoliquidação do ASSB, plasmados nas declarações Modelo 57, referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, os quais ascendem ao montante global de € 260.351,03.
57. Considera o Requerente que aqueles actos padecem de vários vícios de inconstitucionalidade, intrinsecamente relacionados com princípios estruturantes do Estado de Direito democrático.
58. Para o Requerente, a existência desses vícios constitui fundamento do pedido de declaração de ilegalidade e anulação de tais actos de autoliquidação (e, por conseguinte, do despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa que apresentou contra aqueles).
59. Mais concretamente, o Requerente imputou a estes actos postos em crise os vícios de violação (i) dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, (ii) do princípio da especificação orçamental, (iii) do princípio da não retroactividade da lei fiscal, e (iv) das regras de incidência objectiva e temporal do ASSB.
60. Uma vez que todos estes vícios conduzem à anulabilidade dos actos de autoliquidação de ASSB impugnados, deverá ser respeitada, na sua apreciação, a relação de subsidiariedade estabelecida pelo Requerente, em conformidade com o disposto no artigo 124.º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
§1 Violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade
61. O regime e a natureza de um tributo como o ASSB já foram objecto de apreciação em inúmera jurisprudência, seja ela arbitral, judicial ou constitucional.
62. Veja-se a título de exemplo, a decisão arbitral proferida no processo n.º 844/2024-T, de 06.03.2025, na qual se expressa o seguinte:
“[i]mporta declarar a total concordância do Tribunal Arbitral com a qualificação do ASSB como um imposto.
A natureza jurídica do tributo em causa poderia, efetivamente, suscitar dúvidas, uma vez que o mesmo foi concebido e é apresentado pelo legislador como um adicional à CSB. Sendo um adicional a um tributo qualificado pelo legislador como contribuição financeira, o ASSB teria, em princípio, a mesma natureza jurídica.
No entanto, para poder ser qualificado como contribuição financeira, o ASSB teria que ter a característica da comutatividade genérica ou grupal, o que exigiria que a receita do tributo fosse destinada a financiar despesas públicas que fossem, ou especialmente provocadas pela atividade dos sujeitos passivos do tributo, ou dirigidas a permitir ou melhorar as condições da atividade dos sujeitos passivos.
Tal comutatividade não se verifica no ASSB, uma vez que este incide sobre as instituições de crédito, suas sucursais e filiais, constituindo o seu produto uma receita geral do Estado, embora consignada ao financiamento da Segurança Social, através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º do regime jurídico do ASSB, constante do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho).
Não existindo, pois, qualquer comutatividade no tributo”.
63. É também esse o sentido expresso, por exemplo, numa outra decisão arbitral mais recente, datada de 24.10.2025, proferida no processo n.º 188/2025-T, em que se acrescenta o seguinte:
“Também nós consideramos estar-se, inquestionavelmente – cremos – perante um imposto.
Assumindo como pressuposto a trilogia dos tributos constitucionalmente admitida, temos que o ASSB não é, claramente, uma taxa, porquanto ao seu pagamento não corresponde uma qualquer contraprestação individualizada por parte de um qualquer ente público. O ASSB não é, também, uma contribuição financeira, na medida em que o “grupo” sujeito ao pagamento deste tributo (as instituições de crédito sedeadas ou operando em Portugal) não corresponde a um “grupo” que usufrua de especiais vantagens resultantes da atuação do ente público assim financiado, ou a um “grupo” que surja como especialmente causador da necessidade da existência de determinado serviço público. Na realidade, sendo a segurança social universal, podemos dizer que aproveita a todos e não a um qualquer “grupo”.
Sendo assim, por exclusão, estaremos necessariamente perante um imposto.
A qualificação legislativa deste tributo como sendo um adicional assume particular relevância no caso concreto. Embora o nomen não vincule o intérprete, porque este imposto foi apelidado pelo legislador como sendo um adicional, haverá natural tendência para entender o ASSB como sendo acessório de outro tributo, tido por principal, (a Contribuição sobre o Sector Bancário), pelo que, materialmente, partilharia a legitimidade constitucional deste.
Com Filipe Vasconcelos Fernandes, “o entendimento e aferição da conformidade constitucional do regime que cria o ASSB pode e deve efetuar-se com a necessária autonomia face à jurisprudência existente e contínua sobre a CSB, dada a diferença de pressupostos e qualificação jurídica-tributária de cada um dos referidos tributos. Encontrando-se, por isso totalmente excluída a alusão a um “caso estruturalmente semelhante” – para nos referirmos a uma expressão habitualmente utilizada na jurisprudência do TC – na medida em que a jurisprudência já existente e relativa à CSB se projeta sobre pressupostos e realidades totalmente distintos daqueles que agora relevam ao nível do regime que cria o ASSB”.
Se o legislador com poderes constituintes, em 1997, decidiu prever a existência de três espécies de tributos, foi porque reconheceu serem diferentes. E fez corresponder ao imposto um regime mais exigente ao nível da reserva de lei parlamentar.
Mas resultam também diferentes os princípios, materialmente constitucionais, conformadores de cada uma destas espécies tributárias, no que nos interessa, impostos e contribuições financeiras.
Mais, o ASSB nem sequer é um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta. O ASSB é um tributo completo, pois a Lei que o criou prevê todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a incidência subjetiva e objetiva. O que acontece é como que uma “duplicação” da CSB, o que mostra bem que o uso do termo “adicional” não obedeceu a qualquer razão técnico-legislativa, mas ao propósito político de atribuir ao ASSB um nome suscetível de “camuflar” a sua natureza jurídica”.
64. A mesma linha de pensamento é pugnada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 20.03.2025, no processo n.º 1593/20.1BELRS, em que é revelado que “a ASSB, embora incida sobre o setor bancário, não tem como finalidade ou contrapartida de prevenir riscos sistémicos, sendo uma forma de compensar a isenção de IVA que beneficia o setor financeiro, estando consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social como “imposto setorial” (com vista a satisfazer necessidades financeiras da segurança social)” (com negrito nosso).
65. Ora, dada a qualificação, entre as diferentes categorias de tributos constitucionalmente admissíveis, do ASSB como um “imposto” e a necessidade de aferir o respectivo regime jurídico à luz da CRP, teve já o TC a oportunidade de proferir acórdãos que tiveram este tributo como objecto.
66. Assim, o TC, no acórdão n.º 469/2024-T, de 19.06.2024, no processo n.º 405/2023, refere o seguinte:
“a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo
(…)
pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.
Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.
2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.
(…)
Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto
(…)
Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos
(…)
Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva” (com negrito no próprio texto).
67. Em face da argumentação que vinha sendo expendida neste acórdão, veio o TC a decidir nos seguintes moldes:
“Face ao exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, decorrente do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa;
b) julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária” (com negritos no próprio texto).
68. Este juízo de inconstitucionalidade em torno do regime jurídico do ASSB veio a ser posteriormente reiterado pelo TC noutros acórdãos, nomeadamente o n.º 592/2024, de 24.09.2024, no processo n.º 477/2023, ou, mais recentemente, o n.º 478/2025, de 03.06.2025, no processo n.º 899/2024, no qual foi declarada “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, todos da Constituição da República Portuguesa”.
69. A este propósito, há que ter presente, conforme bem chama a atenção a decisão arbitral de 24.10.2025, proferida no processo n.º 405/2025-T, o seguinte:
“[a] questão de saber se o regime jurídico do ASSB é ou não inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, já foi objeto de vários Acórdãos e Decisões Sumárias do Tribunal Constitucional, que é uniforme no sentido da inconstitucionalidade do ASSB (e também no sentido da sua desconformidade com o direito da União Europeia).
Depois de três acórdãos em sentido idêntico, em três casos concretos diferentes, seguiu-se, observados os pressupostos e tramitação do art. 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional e dos arts. 281.º, 3 e 282.º da CRP, uma decisão, o Acórdão n.º 478/2025, que, em 3 de Junho de 2025, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos arts. 1.º, 2, 2.º e 3.º, 1, a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho.
No que diz respeito à Justiça Constitucional, a expressão “força obrigatória geral” consta do n.º 1 do artigo 282.º da CRP e sinaliza três tipos de efeitos:
A) A nulidade da norma inconstitucional ou ilegal que supõe, não só, a sua expulsão da ordem jurídica, mas também a eliminação de todos os efeitos passados que tenha produzido, em regra, desde a sua origem ou desde a ocorrência do vício, com preservação do caso julgado e das situações previstas no n.º 4 do artigo 282.º da CRP, ou seja, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2;
B) A força de caso julgado, que impossibilita que a declaração de invalidade possa vir a ser recorrida ou reapreciada no mesmo processo ou em outros processos com igual objeto;
C) A eficácia “frente a todos” que se traduz na necessidade de acatamento da decisão por todas as autoridades públicas (legislador, administração e tribunais) e por todos os cidadãos.
O presente tribunal fica vinculado a essa decisão, como efeito direto da sua força obrigatória geral (art. 80.º, 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a contrario)
(…)
Devendo o tribunal abster-se de desenvolver fundamentação própria, cingir-se-á somente a retirar os corolários que, da decisão obrigatória, decorrem para o caso concreto.
Não sem notar, ainda, que a força obrigatória geral também implica, para a própria AT, o dever de anular os atos praticados com fundamento nas normas declaradas inconstitucionais”.
70. É também este o sentido decisório plasmado pelo STA, no seu acórdão de 09.04.2025, no processo n.º 01153/23.5BEPRT, ao expressar que “também não pode deixar de se observar que o juízo firmado nesse aresto foi, entretanto, refirmado em diversos acórdãos do mesmo Tribunal e em outras tantas decisões sumárias, que aqui nos dispensamos de enumerar, por já o terem sido pela Recorrida, (nas conclusões das contra-alegações que acima transcrevemos) e pelo Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto (no douto parecer também acima reproduzido, ainda que parcialmente).
Podendo, nesta altura, dizer-se (como se disse já em decisão sumária daquele Tribunal - n.º 436/2024) que «[o] acervo decisório existente revela orientação jurisprudencial consolidada (…) no sentido da inconstitucionalidade (…) das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária».
Atendendo à natureza jurídica do Tribunal Constitucional e das funções que lhe são atribuídas, os juízos de inconstitucionalidade firmados por aquele órgão em casos concretos não podem deixar de influir no julgamento de casos semelhantes e onde as mesmas questões são suscitadas. A adesão ao entendimento ali firmado justifica-se também para salvaguarda da aplicação uniforme do direito em casos análogos, como se prescreve no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil”.
71. Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerações, adere o presente Tribunal Arbitral às conclusões da jurisprudência supra mencionada, sob evocação do desiderato uniformizador decorrente do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, razão pela qual se julgam ilegais, devendo ser anuladas, as autoliquidações de ASSB ora postas em crise por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º da CRP, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1, parte final, todos da CRP, e bem assim, em consequência, a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa de actos tributários oportunamente apresentado pelo Requerente.
72. Atenta a conclusão alcançada, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação dos demais vícios imputados aos actos tributários ora impugnados.
§2 Reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios
73. Em virtude da procedência do pedido de pronúncia arbitral, impõe-se à Requerida que haja lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago pelo Requerente, no montante de € 260.351,03, em conformidade com o disposto no dos artigos 24.º, do RJAT, e 100.º, da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
74. Sobre este montante, peticionou o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT.
75. O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios regulado neste artigo da LGT estabelece o seguinte:
“1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
76. O Pleno do STA uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de contestação da legalidade de actos de liquidação através do procedimento de revisão oficiosa, no acórdão de 29.06.2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
“Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano.”.
77. Jurisprudência esta que vale independentemente do tipo de actos contestados, uma vez que, conforme expressa o STA, no acórdão de 03.07.2024, proferido no processo n.º 01890/18.6BELRS, está em causa a “materialização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. (…) A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal. Com estes pressupostos, pode dizer-se que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual”.
78. Daí que, como refere o STA, neste acórdão, “[o] artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, mas não esgota as causas da sua constituição”, ou seja, vale também para os casos em que o imposto seja cobrado com base no mecanismo da autoliquidação.
79. Tratando-se de jurisprudência uniformizada – a que este Tribunal Arbitral adere com base no disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil –, conclui-se serem devidos ao Requerente juros indemnizatórios, a partir de um ano após a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa ou seja, a partir de 10 de Dezembro de 2025, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 100.º, ambos da LGT, e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.
80. Os juros indemnizatórios deverão ser contados, durante o período temporal acima enunciado, com base no montante de € 260.351,03, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, ambos da LGT, do artigo 61.º, do CPPT, do artigo 559.º, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VI. DA DECISÃO
81. Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
a)Julgar improcedentes as excepções de inidoneidade do meio processual, de incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral e de caducidade do Direito de acção (de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação, nas palavras da Requerida) arguidas pela Requerida;
b)Declarar materialmente inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º, da CRP, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1, parte final, todos da CRP;
c)Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, declarar a ilegalidade e a anulação dos actos de autoliquidação do ASSB contestados no presente processo, plasmados nas declarações Modelo 57, referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, no montante total de € 260.351,03, bem como, em consequência, declarar a ilegalidade e anulação da decisão proferida pela Requerida de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles actos;
d)Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 260.351,03, e condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva, a partir do dia 10 de Dezembro de 2025, sobre a importância a reembolsar, até à data da emissão da correspondente nota de crédito, na qual serão incluídos; e
e)Condenar a Requerida nas custas do processo.
VII. VALOR DO PROCESSO
82. De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 260.351,03 (duzentos e sessenta mil, trezentos e cinquenta e um euros e três cêntimos) por ter sido esse o valor económico dado à presente acção arbitral e não contestado.
VIII. CUSTAS
83. Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.896,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Lisboa, 28 de Novembro de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Árbitra Presidente e Relatora)
João Marques Pinto
(Árbitro vogal)
A. Sérgio de Matos
(Árbitro vogal)