SUMÁRIO:
a) Praticada liquidação oficiosa com base num lucro tributável estimado, sendo apresentada declaração Modelo 22 do IRC, baseada na realidade contabilística do sujeito passivo, bem como elementos contabilísticos que, além de lograrem pôr em causa a primeira, apontam para matéria coletável de dimensões muito menores, passa a caber à Autoridade Tributária o ónus de prova dos pressupostos de facto em que assenta o direito que se arroga (artigo 74.º, nº1, da LGT);
b) O princípio do inquisitório e o da tributação do rendimento real impunham a sua apreciação e aconselhavam a realização de inspeção perante os elementos supervenientes que foram apresentados, porque embora não gozando da presunção da veracidade, estavam sujeitos a livre apreciação e confirmação pela Requerida o que, ante Sujeito Passivo com contabilidade organizada e a prova produzida, só poderia acontecer através de adequado procedimento inspetivo.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Drª Filomena Oliveira e Profª. Doutora Marta Vicente (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I-RELATÓRIO
1-A..., LDA, NIPC ..., tendo sido notificada do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e respetivos Juros Compensatórios, com o n.º 2024..., referente ao exercício de 2020, no valor de € 724.005,12 (setecentos e vinte e quatro mil, cinco euros e doze cêntimos), e da qual resultou um valor pagar de € 710.434,14 (setecentos e dez mil, quatrocentos e trinta e quatro euros e catorze cêntimos), vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ‒ “RJAT”) deduzir, PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL contra a supra identificada liquidação oficiosa de IRC do ano de 2020, e bem assim contra o ato de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a referida liquidação de IRC, pretendendo-se a sua anulação.
2- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram tempestivamente notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 19-06-2025.
3-A Requerente sustenta o pedido argumentando, entre o mais:
a) Quanto à ilegalidade da liquidação oficiosa a Requerente começa por suscitar a falta de audiência prévia, antes da emissão da mesma, exigida nos termos do artigo 60.º, n.º 1, da LGT, o que acarreta violação do princípio constitucional da participação;
b) Alega a Requerente igualmente violação dos princípios da colaboração e do inquisitório porquanto não assiste razão à Requerida quando alega que a mesma não apresentou documentação suficiente na reclamação e respetiva audiência prévia, quanto a Requerente o fez, tendo no exercício do direito de audição, manifestado de forma clara e proactiva a sua total disponibilidade para facultar todos os elementos documentais pretendidos pela AT, e que se mostrassem necessários para a análise cabal da Reclamação Graciosa apresentada;
c) A Requerente ofereceu diversas alternativas com vista a facilitar a análise da prova documental por parte dos serviços da AT, nomeadamente: • Como primeira hipótese, foi sugerida a entrega física das pastas contendo os documentos diretamente nos serviços da AT, tendo solicitado esclarecimento se a entrega das pastas poderia ser feita em qualquer dia e hora e se seria necessário o agendamento prévio; • Alternativamente, foi proposta a consulta dos documentos na sede da sociedade, sita no escritório da sua Mandatária, mediante indicação de dia e hora para esse efeito; • Por último, foi solicitado à AT, nos termos do estabelecido no artigo 48.º do CPPT, que indicasse concretamente quais os documentos ou elementos adicionais que considerava ser necessários ou relevantes, de forma a garantir uma avaliação com rigor da verdadeira situação contabilística-fiscal em causa e a confirmação do lucro/matéria coletável apurada pela sociedade;
d) Acontece que, perante os nítidos esforços da ora Requerente em colaborar com a AT, esta nunca concretizou qualquer pedido de entrega de prova documental, não deu resposta aos esclarecimentos solicitados pela contribuinte, a respeito do modo de entrega da documentação, nem tampouco indicou quais os concretos elementos documentais que deveriam ser apresentados pela contribuinte;
e) A decisão da AT limitou-se a fazer referências genéricas, tais como “elementos de análise essenciais”, ou “adequados documentos justificativos”, sem nunca cuidar de esclarecer devidamente que documentos estariam em falta, recusando-se terminantemente a orientar a contribuinte na produção de prova, apesar do pedido expresso da contribuinte nesse sentido;
f) A Requerente alega também violação do princípio da colaboração e da boa-fé consagrado no n.º1 do artigo 59.º da LGT o qual impõe um dever mútuo de cooperação e boa-fé nas relações estabelecidas entre a AT e os contribuintes, exigindo-se que ambas as partes atuem de forma leal, diligente e proactiva na descoberta da verdade material e na correta aplicação do direito;
g) Para a Requerente, a Requerida, no caso dos autos, incorreu numa grave violação do princípio da colaboração, pela forma como conduziu o processo em fase administrativa;
h) Enquanto que a Requerente não só não se furtou à produção de prova, como demonstrou total disponibilidade para colaborar com a AT na apresentação de documentação adicional, incluindo para proceder à entrega física dos documentos junto dos serviços da AT (inúmeras pastas de arquivo), tendo inclusivamente solicitado que a Requerida precisasse quais os documentos ou elementos específicos que considerava relevantes e necessários, a AT não respondeu, não se pronunciou, não agendou, nem concretizou qualquer diligência;
i) A atuação da AT. neste caso, revela, assim, uma violação clara do princípio da colaboração, na medida em que: • Recusou-se a prestar esclarecimentos, os quais foram solicitados pela contribuinte com base legal expressa (cfr. o artigo 48.º do CPPT); • Ignorou as várias propostas da contribuinte, a respeito da entrega ou consulta da documentação; e • Adotou uma postura passiva e omissiva durante o exercício do direito de audição prévia, comprometendo a sua justiça material e o direito a um procedimento justo e equitativo ínsito no artigo 268.º da CRP;
j) Conclui a Requerente que, na presente situação, a atuação da AT fere os pilares fundamentais do processo tributário equitativo, uma vez que: • A Requerente cumpriu os seus deveres de colaboração, boa-fé e participação ativa; • A Requerida não cumpriu os seus deveres de orientação, resposta e condução material do procedimento; • Não foi tida em consideração, para efeitos de apreciação das pretensões formuladas na Reclamação Graciosa, prova documental que não chegou a ser analisada, não por qualquer omissão de conduta da Requerente, mas por inércia da própria AT;
k) Sobre a violação do princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da LGT (sob a epígrafe “Princípio do inquisitório”), alega a Requerente que constitui uma das garantias fundamentais da justiça administrativa e fiscal, impondo à administração o dever de atuar oficiosamente na procura da verdade material, devendo promover todas as diligências necessárias à tomada de uma decisão fundada em factos plenamente apurados. Determina ainda o mesmo princípio de que a AT deve realizar todas as diligências necessárias “à descoberta da verdade material”, incumbindo-lhe assegurar, no decurso dos procedimentos, que a decisão seja tomada com base em todos os elementos relevantes, ainda que tal implique diligências oficiosas para obter ou completar a prova necessária. O princípio exige, pois, uma postura ativa por parte da AT devendo também promover a obtenção de todos os elementos complementares que se revelem relevantes para uma decisão justa;
l) Ao contrário, no caso dos autos, houve uma clara omissão de diligências por parte da AT e que, ao não utilizar os meios ao seu alcance para confirmar ou infirmar os dados apresentados pela Reclamante, atuou com total desconsideração da verdade material e da justiça da decisão. A Requerente invoca a seu favor doutrina e jurisprudência, quer dos tribunais estaduais, quer do CAAD designadamente decorrente dos processos n.ºs 6/2023 e 785/2023;
m) Para a Requerente a declaração de rendimentos apresentada, na medida em que a contabilidade regularmente organizada goza de presunção de veracidade (cfr. o disposto no artigo 75.º da LGT), impendia sobre a Requerida, neste contexto, um verdadeiro poder-dever de realizar diligências de verificação concretas, nomeadamente através da instauração de uma ação inspetiva parcial ou recolha de elementos junto do sujeito passivo, sob pena de omitir o princípio de que a tributação das empresas deve incidir sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º2, da CRP). Tanto mais que nem sequer identificou qualquer vício, irregularidade ou falsidade nos documentos apresentados, limitando-se a rejeitá-los com base em referências genéricas. A Requerente invoca também violação do dever de fundamentação dos atos tributários.
n) Em suma, para a Requerente a ausência de quaisquer diligências por parte da AT, viola não apenas os princípios do inquisitório (e da colaboração e boa-fé, como já explicado no capítulo anterior), mas também afronta diretamente os princípios da justiça material e da proporcionalidade que devem nortear a atuação da AT, conforme consagrados no artigo 55.º da LGT.
o) Mais atento o disposto no n.º 5 do artigo 163.º do CPA, a ausência de quaisquer diligências instrutórias da AT perante elementos concretos apresentados pelo contribuinte constitui um vício de forma, por insuficiência de instrução do procedimento, o que contamina a validade do próprio ato de liquidação.
p) A Requerente alega ainda erro manifesto na quantificação da matéria coletável, porquanto a Declaração Modelo 22, relativa ao exercício de 2020, condiz integralmente com a sua realidade financeira e contabilística e contém valores que são substancialmente inferiores ao apuramento da matéria coletável, tendo por base o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, que deve ser corrigida, cobrando-se ou anulando-se as diferenças apuradas (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de abril de 2014, processo n.º 2257/04.9BEPRT);
q) Conforme resulta da Declaração Modelo 22 entregue pela contribuinte, fora apurado um resultado líquido do período no valor de € 124.140,04 (cento e vinte e quatro mil, cento e quarenta euros e quatro cêntimos), e de lucro tributável no valor de € 148.016,95 (cento e quarenta e oito mil, dezasseis euros e noventa e cinco cêntimos);
r) Acrescendo que, foram deduzidos prejuízos fiscais no montante de € 103.611,87 (cento e três mil, seiscentos e onze euros e oitenta e sete cêntimos), resultando assim em matéria coletável o montante de € 44.405,08 (quarenta e quatro mil, quatrocentos e cinco euros e oito cêntimos). Ora, a matéria coletável apurada na Declaração Modelo 22 entregue pela contribuinte não tem qualquer correspondência com a matéria coletável apurada em sede da liquidação oficiosa, na importância astronómica de € 3.639.697,43 (três milhões, seiscentos e trinta e nove mil, seiscentos e noventa e sete euros e quarenta e três cêntimos).
4-Para a Requerida deve manter-se a liquidação oficiosa, entre o mais, porque:
a) Começa a Requerida a invocar a incompetência material parcial do tribunal arbitral relativamente à Reclamação Graciosa, porquanto entre outros vícios, alega a Requerente que foram violados os princípios da colaboração e do inquisitório no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa, vícios que, na ótica da Requerente, determinam a anulação da liquidação ora sob escrutínio;
b) Ora os pretensos vícios são vícios de segundo grau, ou seja, estão relacionados com o próprio procedimento de Reclamação Graciosa e não vício de primeiro grau, concernentes com a liquidação de IRC;
c) A competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º/1 do RJAT, a saber: «a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.» À luz do supratranscrito artigo resulta claramente que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes a vícios próprios de atos de segundo grau (como é o caso da Reclamação Graciosa sub judice) ou de terceiro grau (v.g., Recurso Hierárquico) sob pena de violação da lei;
d) As apreciações dos vícios próprios dos atos de indeferimento da reclamação graciosa estão subtraídos à competência do Tribunal Arbitral, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576.º, n.os 1 e 2 e, e no artigo 577.º-a), ambos do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT;
e) Na defesa por impugnação argumenta a Requerida que deverão considerar-se impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente Resposta, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), assim como vão impugnados os documentos 6 a 12;
f) A Requerente enquanto sociedade residente em Portugal está obrigada, entre outras, à entrega da declaração de rendimentos Mod. 22, conforme disposto nos artigos 117.º e 120.º do CIRC. Relativamente ao período de tributação de 2020, a Requerente não apresentou a declaração de rendimentos dentro do prazo legalmente estabelecido, e, em virtude dessa omissão, foi a Requerente notificada para proceder à entrega da Mod. 22, mediante o aviso n.º 022766312, de 16/11/2021, enviado para o seu domicílio fiscal eletrónico a 18/11/2021 e notificado a 06/12/2021;
g) Perante a inércia da Requerente, e estando a Requerida vinculada à Constituição e à lei (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), impunha-se a aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, tendo sido emitida a liquidação oficiosa ora contestada, em estrito cumprimento da referida norma. Nesse sentido, a Requerida aponta o Acórdão do STA, no recurso n.º 0442/15 de 11/05/2016: “I-O IRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada [art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção aplicável, a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)].”
h) Ainda que a Requerente tenha apresentado, em momento posterior, a respetiva declaração, esta por si só, não tem a virtualidade de produzir efeitos.
i) A declaração do sujeito passivo apresentada fora do prazo legal, ao contrário do que vem alegado no ppa, não goza da presunção de verdade e boa-fé contida n.º 1 do artigo 75.º da LGT (cf. artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT), sendo livremente apreciada e valorada, conforme confirmado pelos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/02/2021, processo n.º 0416/09.7BECBR, e de 04/05/2016, processo n.º 0415/15, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13/10/2022, processo n.º 1968/12.0BELRS, e no processo n.º 6/2023-T do CAAD;
j) Quando está em causa uma liquidação oficiosa emitida pela Requerida, em resultado da omissão de entrega da Declaração Modelo 22 do IRC (ao abrigo do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC), recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar que os rendimentos assumidos não refletem a sua real situação tributária efetiva. Tal como o Supremo Tribunal Administrativo esclareceu num acórdão, para a liquidação oficiosa emitida pela AT ser anulada é imprescindível que o sujeito passivo, à luz do ónus da prova que sobre ele impende, ofereça prova, em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial, de que a referida liquidação sofre do vício de excesso na quantificação do rendimento, não sendo suficiente ao sujeito passivo apresentar uma declaração de rendimentos posterior (que não goza da presunção de veracidade do n.º 1 do artigo 75.º da LGT), ou invocar uma violação do princípio do inquisitório, ou do princípio da tributação das empresas fundamentalmente pelo rendimento real (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/02/2021, processo n.º 0416/09.7BECRB).
k) Quanto à alegada violação do direito de participação antes da liquidação a mesma é excluída, nos termos do 60.º, n.º2, alínea b) da LGT quando a liquidação é efetuada oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito, o que aconteceu no caso dos autos.
l) Sobre a violação dos princípios de colaboração e inquisitório alega a Requerida que após a entrega tardia da declaração e da documentação em sede de reclamação graciosa, a Requerida apreciou os elementos apresentados, tendo concluído que não eram suficientes para afastar a liquidação oficiosa, por não permitirem uma avaliação rigorosa da situação tributária da Requerente. Foram realizadas as notificações à Requerente, nomeadamente para apresentação da declaração de rendimentos em falta e para exercício do direito de audição em sede de reclamação graciosa, cumprindo o dever de colaboração previsto no artigo 59.º da LGT;
m) Ainda quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva e erro nos pressupostos, entende-se não ser razoável exigir à Requerida que desencadeie ações inspetivas e instrutórias em resultado da simples entrega pela Requerente de uma declaração modelo 22, em momento posterior a uma declaração oficiosa de iniciativa dos serviços, quando essa declaração de iniciativa do contribuinte não é devidamente instruída pela Requerente para o efeito que pretende. Cabia à Requerente demonstrar que o valor da liquidação de IRC se encontrava efetivamente incorreto (cfr. Decisão arbitral proferida no processo n.º 307/2022-T);
n) Finalmente sobre a documentação adicional trazida aos autos pela Requerente, conclui a Requerida que a Requerente continua a não apresentar a sua contabilidade, mas apenas partes da mesma. Ou seja, a Requerente continua sem apresentar extratos de conta corrente de todas as contas da empresa, por forma a ser possível validar os valores que inscreveu e que pretende considerar como válidos para efeitos de apuramento do resultado líquido e consequentemente do resultado tributável.
5- Em exercício do contraditório, quanto à matéria de exceção, veio a Requerente alegar, entre o mais, que, em conformidade com o disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, a impugnação judicial – e também o pedido de pronúncia arbitral, por aplicação subsidiária nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT – pode ter por objeto o indeferimento (expresso ou tácito) de Reclamação Graciosa, quando a sua pretensão final é a anulação do ato de liquidação;
A competência material do tribunal arbitral abrange a apreciação da legalidade do ato de liquidação e, quando a via graciosa precede a contenciosa, o tribunal conhece: i. do objeto “imediato” do pedido – a Decisão da Reclamação Graciosa, podendo anular o indeferimento com fundamento em vícios procedimentais (onde se inclui a violação do princípio do inquisitório ou da colaboração – vícios invocados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral); ii. e do objeto “mediato” do pedido – o ato de liquidação de imposto, devendo o tribunal conhecer dos vícios substanciais da liquidação, posição que é sustentada pela doutrina invocada erradamente pela Requerida;
Como se refere na decisão de 27/04/2022, do TCAN, proc. 00278/16.BECBR, é posição firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo a de que “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato a decisão da reclamação e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação” pelo que “Anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto tributário, uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário”.
6-Por despacho do Tribunal, de 23.09.2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, devendo no mesmo prazo ser processado o pagamento da taxa de arbitragem subsequente. Foi também designado o dia 19 de dezembro de 2025 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
7- As partes apresentaram alegações, tendo a Requerida se limitado a remeter para a Resposta.
II- SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, uma vez que improcede a alegada incompetência material, como de seguida se verá.
O processo não enferma de nulidades.
A cumulação de pedidos é legal.
Com ficou dito, a Requerida suscitou na Resposta a incompetência material parcial do tribunal arbitral relativamente à Reclamação Graciosa, porquanto entre outros vícios, alega a Requerente que foram violados os princípios da colaboração e do inquisitório no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa, vícios que, na ótica da Requerente, determinam a anulação da liquidação ora sob escrutínio. Ora, segundo a Requerida, os pretensos vícios são vícios de segundo grau, ou seja, estão relacionados com o próprio procedimento de Reclamação Graciosa e não vício de primeiro grau, concernentes com a liquidação de IRC;
As apreciações dos vícios próprios dos atos de indeferimento da reclamação graciosa estão subtraídas à competência do Tribunal Arbitral, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576.º, n.os 1 e 2 e, e no artigo 577.º-a), ambos do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT;
Por sua vez, a Requerente alega em sua defesa que “A competência material do tribunal arbitral abrange a apreciação da legalidade do ato de liquidação e, quando a via graciosa precede a contenciosa, o tribunal conhece: i. do objeto “imediato” do pedido – a Decisão da Reclamação Graciosa, podendo anular o indeferimento com fundamento em vícios procedimentais (onde se inclui a violação do princípio do inquisitório ou da colaboração – vícios invocados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral); e ii. do objeto “mediato” do pedido – o ato de liquidação de imposto, devendo o tribunal conhecer dos vícios substanciais da liquidação, posição que é sustentada pela doutrina invocada erradamente pela Requerida”.
Adianta-se desde já que assiste razão à Requerente.
Com efeito, constitui jurisprudência reiterada do STA, cfr. por todos, o Acórdão de de 13-01-2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR, onde se pode ler :
“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação - artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).
[…]
Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva”.
Termos em que, sem mais considerações, não pode deixar de improceder a alegada exceção de incompetência material.
Cumpre apreciar e decidir.
III-FUNDAMENTAÇÃO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
§1.º Factos dados como provados
A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída a 1993-10-21, residente em território português, que no período tributário em causa encontrava-se enquadrada no regime geral de tributação;
a) Dedica-se à atividade de comércio de máquinas e equipamentos protésicos dentários, comércio dentário, importação, exportação, representações, a também a arrendamento e exploração de bens imobiliários, de acordo, respetivamente com o CAE principal 046502 e o CAE secundário 068200;
b) Com referência ao exercício contabilístico de 2020, a Requerente não apresentou a declaração periódica de rendimentos, conforme estabelece o artigo 117.º, n.º 1, alínea b) do CIRC; Consultado o Sistema Eletrónico de Citações e Notificações (SECINNE), foi criado o documento: Aviso n.º 022766312 em 2021-11-16, através da plataforma Via CTT, para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente, dando-lhe conhecimento de que se encontrava em falta a entrega da declaração Mod. 22, referente ao período tributário de 2020, podendo suprir a falta no prazo de 30 dias, contados continuamente após o 15.º dia posterior ao registo da sua disponibilização na caixa postal eletrónica [n.º 9 do art.º 38.º e n.º 10 do art.º 39.º, ambos, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] (ver Doc. 1 e Doc. 2);
c) O referido Aviso alertou a Requerente de que caso não procedesse à dita entrega seria emitida pelos serviços uma liquidação oficiosa, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, a qual terá por base o maior dos seguintes valores: • A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a Administração Tributária e Aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; • A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada. • O valor anual da retribuição mínima mensal.
d) A Requerente foi considerada notificada a 2021-12-06, nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT (cfr. PA fls. 191 a 192 e Doc.1 e Doc.2);
e) Com referência ao período tributário de 2020, e uma vez verificada a não entrega da declaração de rendimentos Mod. 22, foi emitida liquidação oficiosa à qual foi atribuído o n.º 2024..., no valor de € 724.005,12 (setecentos e vinte e quatro mil, cinco euros e doze cêntimos), apurada a matéria coletável nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, de acordo com as regras do regime simplificado, aplicando o coeficiente de 0,75 ao montante da base tributável das faturas emitidas e declaradas no sistema “E-Fatura” em 2020, menos o total da base tributável das Notas de Crédito emitidas e declaradas igualmente no sistema “E-Fatura” para 2020, resultando o apuramento da matéria coletável em 2020 de €3.639.697,43, de acordo com a subalínea 1) da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, a qual foi notificada à Requerente em 13 de fevereiro de 2024 (cfr. Doc. 1);
f) A liquidação n.º 2024..., emitida em 2024-01-26, aqui controvertida, foi remetida para o domicílio fiscal eletrónico via CTT da Requerente a 2024-01-31 e considerada notificada a 2024-02-18 (cfr. PA fls. 193 a 194);
g) Em 26 de fevereiro de 2024, a Requerente entregou Declaração Mod. 22, referente ao período tributário em causa, a qual ficou registada com o n.º 2024-..., tendo inscrito um lucro tributável e matéria coletável de € 148.016,95 e € 44.405,08, de tributações autónomas de € 127.980,17 e apurado imposto a pagar de € 13.570,98, tendo ficado na situação “Não liquidável”, ou seja, não produziu efeitos (cfr, Doc 5), que se junta e dá por integralmente reproduzida;
h) Para a Requerida “Ainda que a Requerente tenha apresentado, em momento posterior, a respetiva declaração, esta por si só, não tem a virtualidade de produzir efeitos” ( ponto 44 da Resposta);
i) Da entrega da Declaração Modelo 22, por parte da Requerente, resultou o valor a pagar de € 13.570,98 (treze mil, quinhentos e setenta euros e noventa e oito cêntimos), valor já pago, mas que pelo facto de permanecer válida a Liquidação Oficiosa supra identificada, ainda permanece em dívida, relativamente ao ano de 2020, o valor de €710.434,14 (setecentos e dez mil, quatrocentos e trinta e quatro euros e catorze cêntimos) (cfr. Docs. 2 e 5);
j) Assim como se apurou um resultado líquido do período no valor de €124.140,04 (cento e vinte e quatro mil, cento e quarenta euros e quatro cêntimos), e um lucro tributável no valor de € 148.016,95 (cento e quarenta e oito mil, dezasseis euros e noventa e cinco cêntimos) (cfr. campos 753 e 778, respetivamente, da Declaração Modelo 22 de IRC ora junta como Doc. 5), tendo sido deduzidos prejuízos fiscais no montante de € 103.611,87 (cento e três mil, seiscentos e onze euros e oitenta e sete cêntimos), resultando assim em matéria coletável o montante de € 44.405,08 (quarenta e quatro mil, quatrocentos e cinco euros e oito cêntimos) (cfr. Doc. 5);
k) Notificada da liquidação oficiosa, a contribuinte e ora Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a referida liquidação oficiosa de IRC de 2020 (cfr. Doc. 3), tendo posteriormente sido notificada para exercer o seu direito de audição relativamente ao projeto de decisão de indeferimento, o que fez (cfr. Doc.4);
l) Também em sede de Reclamação a Requerente apresentou inúmera documentação (cfr. Anexos da Reclamação Graciosa, Doc. 4): • Balanço do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Balancete do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Demonstração de Resultados do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Demonstrações de Fluxos de Caixa de 2019 e 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Anexos às Demonstrações Financeiras em 31/12/2020 e 2019, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Extrato da Conta 6 do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Declarações Modelo 22 de IRC referentes aos anos de 2018, 2019, 2021, 2022 e 2023, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
m) Adicionalmente, a Requerente, junta, ainda, com o Pedido a seguinte documentação, de natureza contabilística e financeira, para prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca: • Faturas a clientes ‒ Doc. 6, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Faturas dos principais fornecedores (gastos) ‒ Doc. 7 cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • DMRʼs do exercício de 2020 ‒ Doc. 8, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Resumo de Processamentos Gerais da empresa, de janeiro a dezembro de 2020 ‒ Doc. 9, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Mapa de Amortizações de 2020 ‒ Doc. 10, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Extratos das Contas 01 a 052 ‒ Doc. 11, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Documentação Relativa à Aprovação de Contas de 2020 ‒ Doc. 12, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
n) Em 15 de janeiro de 2025, a ora requerente foi notificada de que fora proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. Doc. 1);
o) No indeferimento pode ler-se :
“3- Na petição, a reclamante, juntou os documentos, a seguir discriminados que considerou serem essenciais àcomprovação do lucro/matéria coletável, por si apurado:
- Demonstração de resultado de 2019 e 2020;
- Balanço de 2019 e 2020;
- Demonstração de Fluxos de Caixa de 2019 e 2020;
- Extrato da conta 6 do ano de 2020.
- Anexo às Demonstrações Financeiras em 31-12-2020 e 2019
- Modelo 22 de IRC de 2018
- Modelo 22 de IRC de 2019
- Modelo 22 de IRC de 2021
- Modelo 22 de IRC de 2022
- Modelo 22 de IRC de 2023
- Ofício remetido pela AT - Declaração de rendimentos modelo 22 do IRS do período de 2020, entregue em 2024-02-26, com a identificação 2024-...,
- Demonstração de Acerto de Contas
- Demonstração de Liquidação de juros
- Demonstração de Reacerto Financeiro de Liquidação de IRC
“14- Apesar de terem sido apresentado os documentos supra referidos, estes não são suficientes para avaliar com rigor a verdadeira situação contabilístico-tributária da reclamante, dado que se verifica nestes autos a ausência de elementos de análise essenciais, tais como os documentos comprovativos dos valores contabilizados, que conduzem ao apuramento dos resultados do exercício.
“15- Com efeito, fica por demonstrar que os registos contabilísticos que conduziram à elaboração das peças contabilísticas onde vem apurado a resultado líquido apurado, obedecem às regras da normalização contabilística em vigor, traduzem operações reais tal como contabilizados e estão apoiadas em documentos justificativos e suscetíveis de constituir prova (tendencialmente de origem externa à reclamante).
16- Acrescendo a necessidade de verificar a conformação de tais registos contabilísticos à lei fiscal em ordem ao apuramento do resultado tributável.
17- Posto isto, considerando o previsto no n.º 1 do art.° 74° da LGT, impende sobre a reclamante o ónus de provar os factos que alega”.
p) Segundo a Requerente tal situação motivou-a a apresentar, com o pedido de pronúncia arbitral, a seguinte documentação, de natureza contabilística e financeira, para prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca: • Faturas a clientes ‒ Doc. 6, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Faturas dos principais fornecedores (gastos) ‒ Doc. 7 cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • DMRʼs do exercício de 2020 ‒ Doc. 8, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Resumo de Processamentos Gerais da empresa, de janeiro a dezembro de 2020 ‒ Doc. 9, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Mapa de Amortizações de 2020 ‒ Doc. 10, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Extratos das Contas 01 a 052 ‒ Doc. 11, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Documentação Relativa à Aprovação de Contas de 2020 ‒ Doc. 12, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
§2.º Factos dados como não provados
Não se considera a existência de outros factos não provados com relevância para a decisão.
§3.º Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados, incluindo o processo instrutor. Sublinha-se que na apreciação do Pedido não será tida em conta a informação contabilística ora junta aos autos pela Requerente, porque este não é o momento processual adequado, nem cabe ao Tribunal substituir-se à Administração Tributária na análise e valoração da mesma, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
III-2- DO DIREITO
§1.º Quanto à ilegalidade da Liquidação impugnada
A Requerente alega como causa de pedir da anulação da liquidação impugnada as seguintes ilegalidades :
- Falta de audiência prévia, antes da emissão da mesma, exigida nos termos do artigo 60.º, n.º 1, da LGT, o que acarretaria violação do princípio constitucional da participação;
-Violação dos princípios da colaboração e boa fé e do inquisitório;
- Erro de quantificação da matéria coletável
- Violação do princípio da capacidade contributiva, consagrado nos artigos 103.º e 104.º da CRP.
Nos termos do art. 124.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, “Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1), sendo que: “Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (n.º 2).
Visto que, em sede de pedido principal, são imputados aos atos sindicados nestes autos, conforme acima enunciado, vícios suscetíveis de determinar a respetiva anulação e como a Requerente, seja na PI seja nas alegações, não estabeleceu, em termos de relação de subsidiariedade, qualquer ordem de prioridade quanto ao respetivo conhecimento, em conformidade com a parte final da al. b) do n.º 2 conjugada com a al. a) do mesmo n.º 2 do art. 124.º do CPPT, cabe iniciar a apreciação jurídica pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos.
Na decorrência do assim legalmente determinado, entende-se principiar pelo conhecimento dos vícios atinentes à alegada violação dos princípios;
· Da colaboração e boa-fé;
· Do inquisitório e
· Do princípio da capacidade contributiva
A análise da violação de tais princípios será feita em conjunto, porquanto, atendendo ao seu sentido e alcance se entrelaçam entre si.
Vejamos.
A questão central a decidir gira em torno de saber se se verificam os vícios invocados pela Requerente resultantes de a Requerida não ter aceite o apuramento do lucro tributável, resultante das declarações Modelo 22 do IRC, referentes ao exercício de 2020, apresentada pela Requerente, após o termo do prazo normal de entrega e após a emissão e notificação de liquidação oficiosa de IRC.
Assim recortada verifica-se que a mesma já foi decidida pela jurisprudência do CAAD e dos Tribunais estaduais, pelo que na sua apreciação, este Tribunal Arbitral irá acompanhar de muito perto o que se escreveu designadamente no Acórdão referente ao processo n.º 785/2023-T e jurisprudência aí seguida.
O n.º 1 do artigo 75.º da LGT prescreve que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei. Assim, se a AT não demonstrar a existência de incoerências ou a falta de correspondência entre o teor de tais declarações e a realidade, o seu conteúdo terá de se presumir verdadeiro.
Quando o sujeito passivo não apresenta a Declaração Modelo 22 do IRC dentro do prazo legal, a lei determina a emissão de liquidação oficiosa a propósito da qual constitui jurisprudência firme, entre o mais:
· O IRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada [art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redação aplicável, a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)];
· ii) «Contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também -, a declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada. // A entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa da liquidação de IRC na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros».( Ac do STA de 04-05-2016, proc 0415/15 e, no mesmo sentido, o Ac do STA, de 03-02-2021, proc 0416/09.7BECBR);
· Esta liquidação oficiosa assume, porém, carácter precário, na medida em que assiste ao particular o direito de impugnar a sua legalidade;
· A liquidação oficiosa emitida pela AT pode ser anulada se o SP, à luz do ónus da prova que sobre o mesmo impende, oferecer prova de que a referida liquidação sofre do vício de excesso na quantificação, não sendo suficiente apresentar uma declaração de rendimentos em data posterior, a qual, como ficou dito, não goza da presunção de veracidade, do n.º 1 do artigo 75.º da LGT.
· Em suma, compete à Requerida o ónus de prova da verificação dos pressupostos da aplicação da liquidação oficiosa e ao SP o ónus da prova do excesso de quantificação ( cfr. artigo 74.º, nº 3, da LGT).
· Ante a apresentação, ainda que superveniente de elementos probatórios, incluindo a declaração Modelo 22 do IRC, apesar de não gozarem da presunção de verdade, ficam os mesmos sujeitos à livre apreciação e confirmação pela Requerida (cfr. Ac do STA de 02-03-2021, Proc n.º 0416/09.7BECBR e Ac do Tribunal Central Administrativo do Sul de 13-10-2022, Proc n.º 1968/12.0BELRS) .
Aqui chegados, a questão essencial a tratar está em saber em que circunstâncias tem a AT o dever de conduzir diligências complementares para aferição dos elementos que foram supervenientemente apresentados pelo SP, designadamente a realização de diligências instrutórias e inspetivas necessárias à descoberta da verdade material e ao apuramento do lucro real.
Numa situação em que foi dado como provado que, em momento algum o sujeito passivo ofereceu qualquer meio de prova, nem mesmo quando foi notificado para o exercício do direito de audição, no procedimento de reclamação graciosa, nem quando recorreu hierarquicamente, o Supremo Tribunal Administrativo teve oportunidade de esclarecer que, nestes casos, para anular a liquidação oficiosa emitida pela AT, não é suficiente que o SP se limite a entregar a Declaração Modelo 22 de IRC e invoque a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real ou a violação do princípio do inquisitório. A Declaração Modelo 22 de IRC apenas poderá ser valorada pela AT, desde que acompanhada “por outra documentação e meios probatórios que permitam ajuizar sobre a veracidade e aderência à realidade dos dados ali inscritos”. Ou seja, torna-se imprescindível que o sujeito passivo, à luz do ónus da prova que sobre ele impende, ofereça prova de que a referida liquidação sofre do vício de excesso na quantificação, não sendo suficiente limitar-se a apresentar uma declaração de rendimentos posterior (que não goza da presunção de veracidade do n.º 1 do artigo 75.º da LGT), ou invocar violação do princípio do inquisitório, ou do princípio da tributação das empresas fundamentalmente pelo rendimento real (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-03-2021, processo n.º 0416/09.7BECBR).
Resposta diferente têm merecido outras situações em que o SP, com a Declaração, apresenta elementos probatórios idóneos e credíveis de modo a colocar em causa a liquidação oficiosa. Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo reconheceu que, perante a apresentação de uma declaração de rendimentos em falta em tempo útil (i.e., no decurso do prazo de caducidade) acompanhada de elementos probatórios, nesta situação a AT fica vinculada a realizar as diligências instrutórias e inspetivas necessárias à prossecução do interesse público e à descoberta da verdade material, com o inerente apuramento da matéria coletável do período de tributação em causa, e a proceder às correções que se mostrem necessárias à liquidação emitida oficiosamente, ou à anulação da mesma. Este entendimento encontra-se refletido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-05-2018, processo n.º 0220/11.2BEVIS 0286/18, no qual se conclui no ponto III do Sumário que “O princípio da tributação do rendimento real impunha a sua apreciação e aconselhava a realização de inspecção perante os elementos supervenientes que foram apresentados e que por não gozarem já da presunção de veracidade, estavam sujeitos a livre apreciação e confirmação pela AT.
d) Não o tendo feito, resultou a ocorrência de evidente excesso de quantificação de rendimentos que influenciou a liquidação oficiosa agora questionada a qual não se pode manter.”
No mesmo sentido, ficou consignado no Acórdão do TCA Sul de 10/13/2022 que “Se após a emissão de liquidação oficiosa, a contribuinte apresenta declaração de IRC e junta elementos que logram pôr em causa a primeira, desde que em tempo, recai sobre a Administração Fiscal o ónus da prova sobre o acerto dos pressupostos de facto em que assentou o ato tributário”.
À luz do exposto conclui-se que, por um lado, impende sobre o sujeito passivo, ao apresentar a Declaração Modelo de 22 de IRC supervenientemente, fazê-lo acompanhada da junção de elementos de prova com referência ao apuramento do lucro real tributável, que invoca. Por outro, a AT tem o dever de considerar e valorar todos os elementos apresentados pelos sujeitos passivos, bem como todos os elementos em seu poder, porque apesar de não gozarem de presunção de veracidade estão sujeitos a livre apreciação e confirmação pela AT, na procura da verdade material e por imposição de demais princípios conformadores do Direito fiscal, tais como o da capacidade contributiva e tributação pelo lucro real.
Aplicando o exposto ao caso dos autos, resulta do probatório que a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22 (2020), devidamente suportada na sua contabilidade organizada, logo após a notificação da omissão por parte da AT, argumentando que a mesma condiz integralmente com a sua realidade financeira e contabilística. Para prova disso juntou vasta documentação durante o procedimento de reclamação (e audiência prévia), a saber (cfr. Anexos da Reclamação Graciosa, Doc. 4): • Balanço do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Balancete do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Demonstração de Resultados do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Demonstrações de Fluxos de Caixa de 2019 e 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Anexos às Demonstrações Financeiras em 31/12/2020 e 2019, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Extrato da Conta 6 do ano de 2020, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; • Declarações Modelo 22 de IRC referentes aos anos de 2018, 2019, 2021, 2022 e 2023, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais ( cfr. ponto probatório).
Neste contexto, argumenta que, neste caso, a ausência de quaisquer diligências por parte da AT, viola não apenas os princípios do inquisitório (e da colaboração e boa-fé), mas também afronta diretamente os princípios da justiça material (e da proporcionalidade que devem nortear a atuação da AT, conforme consagrados no artigo 55.º da LGT) e, nesta sequência, o princípio constitucional da capacidade contributiva.
Vejamos.
Em primeiro lugar, embora conforme jurisprudência citada não assista razão à Requerente quanto ao facto da declaração de IRC apresentada fora de prazo beneficiar da presunção de verdade, como ficou dito, estava sujeita a livre apreciação e confirmação pela Requerida. Ao contrário, no caso dos autos, a Requerida limitou-se a afirmar que a referida declaração apresentada em momento posterior por si só não tem a virtualidade de produzir qualquer efeito sobre a esfera da Requerente (ver pontos 44 e 48 da Resposta). Embora contraditoriamente admita a seguir, que tal não signifique “(…) que o apuramento do lucro ou da matéria coletável subjacente à mesma Declaração Modelo 22 do IRC, apresentada fora de prazo esteja incorreta, ou não reflita a real situação contributiva da Requerente” (ponto 51).
Ora, a apreciação ainda que perfunctória da declaração Modelo 22 impunha-se especialmente porquanto a matéria coletável, apurada na Declaração “Modelo 22” entregue pela contribuinte, no montante de € 44.405,08, não tem qualquer correspondência com a matéria coletável apurada em sede da liquidação oficiosa, na importância de € 3.639.697,43. Por outro lado, na liquidação oficiosa também não foram tidos em conta os prejuízos fiscais o que contende em especial com os princípios da verdade material e da capacidade contributiva. Recorde-se que, segundo jurisprudência atrás citada (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-12-2018, processo n.º 0220/11.2BEVIS 0286/18) sobretudo quando esteja em causa prejuízos fiscais só através de ação inspetiva será possível apurar até onde fosse possível, qual a matéria tributável do período em causa (o valor real ou presumido dos rendimentos sujeitos a tributação), de modo a, dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar o tributo, proceder às correcções que se mostrassem pertinentes e à consequente liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa (consoante fosse positiva ou negativa a diferença entre o montante de imposto liquidado oficiosamente nos referidos termos e o que viesse a mostrar-se devido). Só desta forma se podia evitar a consideração essencialmente dos lucros, sem a quantificação das despesas efectuadas para os adquirir (….)”, despesas objetivamente plausíveis no caso da atividade da Requerente.
Igualmente quanto aos demais elementos de prova, apresentados com a reclamação graciosa, os mesmos apenas mereceram da Requerida considerações de ordem genérica limitando-se a concluir “(…) que não eram suficientes para afastar a liquidação oficiosa, por não permitirem uma avaliação rigorosa da situação tributária da Requerente”. Sublinhe-se que nem sequer foi identificado qualquer vício, irregularidade ou falsidade nos documentos apresentados, limitando-se a Requerida a rejeitá-los com base em referências genéricas quanto à sua insuficiência. Mais aceita no ponto 96 da Resposta que “Contabilisticamente, e tal como consta da sua Declaração Anual de Informação Contabilística e fiscal de 2020, as demonstrações financeiras da Requerente foram elaboradas de acordo com as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) previstas pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com as retificações da Declaração de Retificação n.º 67-B/2009, de 11 de setembro, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2010, de 23 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, que veio introduzir no Sistema de Normalização Contabilística (SNC) as alterações consideradas indispensáveis para garantir a sua conformidade com a Diretiva n.º 2013/34/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, sendo consequentemente alteradas as Portarias e os Avisos relativos aos instrumentos contabilísticos que compõem o SNC.
Esta atitude da Requerida assenta essencialmente em erros de análise da sua parte.
· Com efeito, em primeiro lugar, como ficou dito, a Requerida parte do pressuposto errado de que a Declaração Modelo 22 apresentada superveniente “por si só não tem a virtualidade produzir efeitos”, logo, não tem de ser objeto de qualquer valoração /apreciação/ confirmação. Isto mesmo admitindo-se que a declaração oficiosa tenha dado origem a imposto inferior ao apurado na liquidação oficiosa, a mesma não produziu qualquer efeito na esfera jurídica da Requerente (ponto 48 da Resposta). O que está em contradição com a jurisprudência atrás citada.
· Em segundo lugar, a Requerida parte do pressuposto, que se considera igualmente erróneo, de que nestas situações o ónus de prova recai integralmente sobre o Sujeito passivo, como resulta do processo instrutor (indeferimento da reclamação) e é reafirmado na Resposta. Segundo a Requerida perante a omissão atempada pelo SP da Declaração Modelo 22 fica vinculada a emitir a liquidação oficiosa, nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do CRC, recaindo sobre o Contribuinte todo o ónus de prova tendente a demonstrar a veracidade da sua contabilidade e os valores declarados e apresentar a totalidade dos elementos relevantes para o efeito. No mesmo sentido podemos salientar o referido na Resposta nos seguintes pontos: i) 71 (“ a omissão ou atraso no cumprimento dessas obrigações pelo contribuinte”- Declaração Modelo 22- “limita a ação da Requerida”); ii) 72. (“Neste sentido, cabe efetivamente à Requerente demonstrar a veracidade da sua contabilidade e dos valores declarados”); iii) 73 “A Requerida pode considerar insuficiente a prova apresentada sem que isso configure violação do princípio da colaboração, sobretudo se o contribuinte não especificar claramente quais documentos pretende juntar ou se não apresentar a totalidade dos elementos relevantes, como se verificou na situação em apreço”.
· Finalmente outro erro em que incorre a Requerida respeita ao facto de considerar os vícios do indeferimento da reclamação, designadamente quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva e erro sobre excesso de liquidação como sendo da incompetência do Tribunal arbitral apreciar tais ilegalidades. Atente-se, neste sentido, o disposto no ponto 82 da Resposta “(…) entende-se não ser razoável exigir à Requerida que desencadeie ações inspetivas e instrutórias em resultado da simples entrega pela Requerente de uma declaração modelo 22, em momento posterior a uma declaração oficiosa de iniciativa dos serviços, quando essa declaração de iniciativa do contribuinte não é devidamente instruída pela Requerente para o efeito que pretende”; no ponto 83, quando se refere que “A entender de outro modo estaríamos, em boa verdade, a refletir sobre a liquidação oficiosa da iniciativa da Requerida vícios que são posteriores à sua emissão, ainda que decorrentes de uma eventual violação do princípio do inquisitório, e que, enquanto tal, não se afiguram minimamente suscetíveis de ferir a legalidade de um ato – a liquidação oficiosa prévia – cuja prática lhe é anterior” e, ainda, no ponto 84 quando se escreve “Isto para dizer que quando o contribuinte não cumpre a obrigação de apresentação da declaração a Requerida está legalmente vinculada a apurar a matéria coletável com base nos elementos disponíveis, recorrendo a métodos presuntivos nos termos estabelecidos pela Lei.”
· Ora, por um lado, como já ficou demonstrado no tratamento da matéria de exceção, não assiste razão à Requerida no que concerne à incompetência material do Tribunal. Por outro lado, a presunção de que goza a Requerida quanto à legalidade da liquidação oficiosa que emitiu não pode ser entendida como absoluta, sob pena de violação, entre o mais, do princípio da verdade material e da capacidade contributiva.
Considerando tudo o que ficou exposto sobre os elementos de prova juntos aos autos pela Requerente resultantes, quer da Declaração de IRC Modelo 22, quer dos demais documentos adicionados, fica demonstrado que tais elementos ao serem suscetíveis de abalar a aderência à realidade da liquidação oficiosa, mormente atenta a elevada divergência de valores alcançados quanto à matéria coletável e à omissão de prejuízos fiscais, inverte-se o ónus da prova que passa a recair sobre a Requerida, quanto à verificação dos pressupostos de facto que justificaram a tributação oficiosa. Tanto mais que, repete-se, nem sequer foi identificado qualquer vício, irregularidade ou falsidade nos documentos apresentados, limitando-se a Requerida a rejeitá-los com base em referências genéricas. Neste contexto, impendia sobre a Requerida, um verdadeiro poder-dever de realizar diligências de verificação concretas, nomeadamente através da instauração de um procedimento inspetivo e recolha de elementos junto do sujeito passivo, sob pena de omissão dos princípios do inquisitório e da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º2, da CRP).
Em face das razões enunciadas supra, deve concluir-se pela procedência do pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação, com fundamento na violação dos princípios do inquisitório e da tributação fundamentalmente pelo rendimento real.
§2.º Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
A Requerente peticiona ainda a restituição do imposto pago indevidamente acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, sendo certo que a jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
Desta disciplina deriva o dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT que deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Termos em que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, que são devidos, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, calculados sobre o valor pago indevidamente, contados desde a data em que foi efetuado o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
IV- DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente a alegada exceção de incompetência material;
b) Julgar improcedente o indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente,
c) Anular a liquidação oficiosa de IRC do ano de 2020 impugnada;
d) Condenar a Requerida, para além da devolução do imposto pago indevidamente, a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais;
e) Condenar a Requerida ao pagamento das custas processuais.
V- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 710.434,14.
VI- CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10 404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de novembro de 2025.
Os Árbitros,
Conselheira Fernanda Maçãs- árbitro presidente
Drª Filomena Oliveira
Profª. Doutora Marta Vicente