Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 56/2025-T
Data da decisão: 2025-11-27  Selo  
Valor do pedido: € 102.811,13
Tema: Ineptidão da petição inicial; Comissões adicionais de comercialização de subscrições de unidades de participação em Fundos de Investimento Mobiliário Abertos; Imposto de Selo;
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SUMÁRIO:

 

     I.         Para que estejamos perante uma causa de pedir é necessário que sejam integrados os factos essenciais para individualizar a situação subjectiva alegada. Situação diversa é prová-los. Só a falta total da primeira é ineptidão da petição inicial.

   II.         O artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernando Araújo (presidente), Adelaide Moura e António Pragal Colaço (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 25 de Março de 2025, acordam no seguinte:

 

     I.         Relatório

 

1.    A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede na ..., n.º..., ...-..., Lisboa (de ora em diante designada por “Requerente” ou “Requerentes”), sociedade gestora dos seguintes fundos de investimento mobiliário abertos (colectivamente designados por “fundos”:

B..., com o número de identificação fiscal ...;

C..., com o número de identificação fiscal ...;

D..., com o número de identificação fiscal ...;

E..., com o número de identificação fiscal...;

F..., com o número de identificação fiscal...;

G..., com o número de identificação fiscal...;

H..., com o número de identificação fiscal ...;

I..., com o número de identificação fiscal ...;

J..., com o número de identificação fiscal...;

K..., com o número de identificação fiscal ...;

L..., com o número de identificação fiscal..., entretanto

fundido em 22 de Novembro de 2024 no M..., com o número de

identificação fiscal...;

N..., com o número de identificação fiscal ..., entretanto fundido em 22 de Novembro de 2024 no O..., com o número de identificação fiscal ...;

P..., com o número de identificação fiscal...; Q..., com o número de identificação fiscal...;

R..., com o número de identificação fiscal...;

S..., com o número de identificação fiscal...;

T..., com o número de identificação fiscal ...,

U..., com o número de identificação fiscal ...;

V..., com o número de identificação fiscal ...;

W..., com o número de identificação fiscal ..., que em 25 de Janeiro de 2022 alterou a designação para X...;

Y..., com o número de identificação fiscal

... (entretanto liquidado a 31 de dezembro de 2024);

Z..., com o número de identificação fiscal ...;

AA..., com o número de identificação fiscal.... veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com fundamento em violação de lei, requerer PRONÚNCIA ARBITRAL, para anulação do indeferimento da reclamação graciosa, bem como da autoliquidação de imposto do selo repercutido na Requerente, relativa a operações financeiras realizadas pelo BB..., de comercialização de subscrições de Unidades de Participações em fundos, liquidação esta ocorrida em 2024 e referente ao período de 2023, no montante de € 102.811,13, e ainda o reembolso à Requerente desta quantia,

acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 28.10.2024 inclusive, até ao integral reembolso do citado montante de € 102.811,13.

 

2.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 17/1/2025 e foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

3.     A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou comos árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 7 de Março de 2025, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

 

4.    O Tribunal Arbitral foi constituído em 25 de Março de 2025, sendo que no mesmo dia, foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

5.    Em 7 de Maio de 2025, veio a Requerida impetrar requerimento onde invocando situação excepcional quando à aquisição do processo administrativo, requereu ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 569.° do CPC, bem como do princípio da livre condução do processo pelo Tribunal Arbitral, cf. n.º 2 do art.º 19.º do RJAT, que lhe fosse concedida uma prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do processo administrativo instrutor por prazo nunca inferior 20 dias, o que levou ao despacho arbitral datado de 26 de Maio de 2025, onde se concedeu à Requerida um prazo adicional de 20 dias para deduzir a sua Resposta.

 

6.    Em 13 de Junho de 2025, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

7.    Por despacho arbitral datado de 20 de Junho de 2025, foi concedido prazo à Requerente para querendo, se pronunciar sobre a excepção deduzida, direito que a mesma veio a exercer;

 

8.    A Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese:

 

a.             A A... é uma sociedade gestora de fundos de investimento, isto é, uma sociedade

gestora de organismos de investimento colectivo, independente de qualquer grande grupo.

 

b.             A Requerente suportou Imposto do Selo sobre comissão adicional anual, de comercialização de subscrições de unidades de participação (valores mobiliários) nos fundos por si geridos, imposto este previsto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), e imposto este liquidado na facturação desta comissão emitida em 2024 com referência ao ano anterior de 2023.

 

c.              A referida liquidação de Imposto do Selo, e operações financeiras de comercialização de subscrição de unidades de participação (UP doravante) nos fundos de investimento mobiliário abertos, que as desencadearam, foram realizadas pelo Banco BB..., S.A., não tendo existido qualquer redébito nos fundos por si geridos.

 

d.             Em 27 de Junho de 2024 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra aquela liquidação de imposto do selo, tendo sido notificada do seu indeferimento no dia 6 de Janeiro de 2025, tendo em conta a dilação de 3 dias prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT doravante) e tendo em conta que dia 5 foi um domingo. 

 

e.              Dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público, socorre-se de instituições financeiras, máxime bancos com uma rede de balcões distribuída pelo país e com forte experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer ao público os seus fundos de investimento (os seus produtos) e comercializar a subscrição de unidades de participação nos mesmos.

 

f.              Esta colocação (comercialização) das unidades de participação para subscrição, no caso

junto do público, está no cerne da concretização da reunião de capitais, que por definição só ocorre quando potenciais investidores decidirem subscrever as unidades de participação num fundo, invocando que esta questão já foi julgada no processo arbitral n.º 722/2023-T, com respeito aos anos anteriores de 2020 a 2023, e a decisão arbitral nesse processo julgou contrário ao direito da UE e sua interpretação pelo acórdão do TJUE no processo n.º C-656/21, a tributação em imposto do selo de tais comissões.

 

g.             A Requerente menciona ainda os Acórdãos do TJUE exarados nos processos n.ºs C‑335/22 e C‑416/22.

 

h.             Deve, pois, ser declarada a ilegalidade e anulado o acto de liquidação de Imposto do Selo repercutido na Requerente, pela entidade supra identificada, incidente sobre comissões bancárias anuais adicionais ou extraordinárias referentes à comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento, praticado em 2024 (por referência às comercializações em 2023), liquidação de Imposto do Selo no montante de € 102.811,13, por violação por aquele acto de liquidação e pela lei nacional onde repousa, do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE.

 

9.    A Requerida deduziu Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, invocando em suma que:

 

a)     O pedido de pronúncia arbitral é inepto, porquanto articula que o objecto imediato do pedido da Requerente é a anulação do indeferimento da reclamação graciosa não identificando o objecto mediato no seu pedido, não existindo assim causa de pedir, pelo que,  nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, constitui uma nulidade insanável a ineptidão da petição inicial, devendo atender-se às situações previstas no artigo 186.º, n.º 1, do CPC, que em última analise, na alínea a), prevê a falta de indicação, ou ininteligibilidade, do pedido ou da causa de pedir.

Assim, a ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição da Requerida da instância, sendo de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

 

b)   Defende-se posteriormente por impugnação, dizendo “a questão a decidir consiste apenas em saber se as comissões bancárias anuais adicionais ou extraordinárias, como lhes chama a Requerente, alegadamente referentes à comercialização de novas subscrições de unidades de participação em fundos de investimento, cobradas pelo BB... em janeiro de 2024 (por referência a 2023), no valor de € 102 811,13, deviam (ou não) ter sido tributadas em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal tributação supostamente configurar uma violação da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (doravante Diretiva 2008/7/CE ou, simplesmente, Diretiva), que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital.”

 

c)     Que a liquidação de Imposto do Selo sobre as designadas comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas unidades de participação, e só estas, de fundos comuns de investimento, e só destes, cobradas pelos intermediários financeiros (mormente Bancos) às respetivas sociedades gestoras, pode violar a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE (princípio que, embora não resulte diretamente da decisão do TJUE, consideramos também aplicável às comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas unidades de participação, e só estas, cobradas pelos bancos diretamente aos fundos comuns de investimento, e só a estes), o que é extensível nas mesmas circunstâncias aos redébitos dessas mesmas comissões de comercialização. Que é permitida a liquidação de Imposto do Selo sobre outras comissões que podem atingir os fundos e/ou as respetivas sociedades gestoras, quais sejam, e por exemplo, as comissões de gestão, de depósito ou de depositário, outras comissões bancárias (ex. manutenção de conta).

 

d)    Invoca que a Requerente não prova que a factura respeita a “comissões de comercialização”, arrimando-se na decisão da reclamação graciosa e articulando “ Não foi feita, nem invocada, prova individualizada dos serviços específicos prestados pelo intermediário financeiro, impendendo sobre a Reclamante o ónus da prova quanto à identificação e individualização de tais serviços, para beneficiar da não sujeição, nos termos do art.º 74.º da LGT.”.

Continua afirmando que se desconhece “a sua natureza, origem ou previsão contratual, e até mesmo se houve ou não redébito das mesmas aos fundos por si geridos, na medida em que o que existe junto aos autos é uma simples declaração da CC da Requerente a dizer que isso não aconteceu sem qualquer outro tipo de suporte, nomeadamente contabilístico.”

 

e)    Articula em sua defesa o vertido no Acórdão do TJUE C- 656/21;

 

f)     Conclui exemplificativamente no ponto 51), “Por conseguinte, entendemos estar perante uma situação de dissonância entre a prova apresentada nos autos e os factos que sustentam a causa de pedir e o pedido, devendo em consequência, e de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, essa circunstância ser processualmente valorada pelo tribunal arbitral contra a Requerente que é quem legalmente tem essa obrigação.”, considerando que estamos perante comissões de gestão.

 

g)    Termina que “deve ser julgada procedente a exceção dilatória de ineptidão da Petição inicial, com a consequente absolvição da Requerida da Pedido e caso assim não se entenda, deve a ação ser julgada por não provada e improcedente e, em consequência, ser a Requerida

absolvida do pedido.”

 

10. Por Despacho Arbitral, de 14 de Julho de 2025, foi dispensada a reunião do art.º 18.ºdo RJAT, tendo-se também facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas em prazos sucessivos de 10 dias, contados da notificação do despacho.

 

11. A Requerente apresentou as suas a 24 de Julho de 2025 e a Requerida a 10 de Setembro de 2025, onde ambas as partes reafirmam as suas posições.

 

12. Por despacho arbitral datado de 17 de Setembro de 2025, foi prorrogado por 2 meses o prazo inicial de prolação da decisão final.

 

13. Não tendo sido possível proferir a decisão no prazo do art.º 21.º, por despacho arbitral de 18 de Novembro de 2025, foi o mesmo novamente prorrogado por dois meses.

 

   II.         - Saneamento

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Foi suscitada uma excepção, pelo que, o artigo 124.º, do CPPT não faz alusão às questões processuais, diversamente do que sucede no CPC, no artigo 608.º, n.º 1, o qual estabelece um critério de precedência lógica, que impõe ao tribunal a apreciação prioritária das questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

Com efeito, nos termos do artigo 608, n.º 1, do CPC, «sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica».

Considera-se aplicável ao processo arbitral o estabelecido no artigo 608, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

E o artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, refere-se expressamente às «excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido».

Assim, apreciar-se-á primeiramente a excepção invocada pela Requerida,

A Requerida deduz uma excepção que articula como dilatória, em que invoca a ineptidão da causa de pedir, porquanto a Requerente identificou o objecto imediato - anulação do indeferimento da reclamação graciosa, mas não identificou o objecto mediato no seu pedido – a liquidação, não existindo assim causa de pedir, pelo que, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, constitui uma nulidade insanável a ineptidão da petição inicial, a qual  é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição da Requerida da instância sendo de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir.

O objecto do processo consiste na matéria que um determinado Tribunal é chamado a pronunciar-se. Para a concretização desse objectivo, é necessário definir dois elementos: o pedido e a causa de pedir. O pedido é a forma de tutela jurisdicional que é requerida para um

direito subjectivo ou interesse assegurado pela ordem jurídica (art. 581.º, n.º 3,

CPC). Assim, a parte alega um direito ou um interesse tutelado e requer para ele uma das formas

de tutela jurisdicional correspondente a uma das acções previstas no art. 10.º, n.º

3 e 4, CPC: a condenação, a apreciação, a constituição ou a execução.[1]

A causa de pedir (causa petendi) é constituída pelos factos necessários para individualizar o direito ou o interesse tutelado invocado pela parte (art. 581.º, n.º 4 1.ª parte, CPC).[2]

Para que estejamos perante uma causa de pedir é necessário que sejam integrados os factos essenciais para individualizar a situação subjectiva alegada (art. 5.º, n.º 1, CPC), o que

não significa que ela englobe todos os elementos constitutivos daquela situação. A

partir do momento em que se passou a admitir a alegação ou a aquisição posterior de

factos complementares (como decorre do disposto nos art. 5.º, n.º 2, al. b), e 590.º,  n.º 2, al. b), e 4, CPC) deixou de ser possível defender que o direito processual civil português se orienta pela teoria da substanciação.[3] [4]

Na verdade, atendendo a essa alegação ou aquisição posterior de factos, o actual processo civil português consagra a chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual integram a causa de pedir apenas os factos necessários à individualização do pedido do autor.[5]

A Requerente no presente processo fundamenta a sua pretensão na ilegalidade das auto-liquidações de imposto do selo repercutido na requerente, relativa a operações financeiras realizadas pelo BB..., que qualifica de comercialização de subscrições de Unidades de Participações em fundos, liquidação esta ocorrida em 2024 e referente ao período de 2023, e imposto do selo este no montante de € 102.811,13.

Ora, do processo administrativo junto pela Requerida consta a informação da Unidade dos Grandes Contribuintes, a qual foi confirmada pelo Digníssimo Chefe de Divisão, “Concordo com os fundamentos da presente informação, pelo que determino o indeferimento do peticionado, com todas as consequências legais, disso se notificando o Reclamante para os termos e efeitos do disposto nos Artigos 35.° a 41.° do Código de Procedimento e Processo Tributário.” onde se identifica em vários quadros o objecto do pedido de forma irrepreensível, ou seja,  a liquidação que está em causa.

E lê-se na mesma informação: “92. Concluímos que a verba 17.3.4. da TGIS, que prevê a sujeição a imposto do selo de comissões e contraprestações por serviços financeiro não é ilegal, e desse modo, a liquidação de imposto do selo impugnada, tendo tido por base aquela disposição da TGIS, não enferma de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de direito.

93. Face ao exposto, concluímos pela improcedência do pedido, referente ao montante total de € 102.811,13, com referência ao mês de janeiro de 2024, não se vislumbrando qualquer ilegalidade referente ao ato tributário de liquidação de imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS, suportado pela ora Reclamante.”

Dúvidas não restam que estão “integrados os factos essenciais para individualizar a situação subjectiva alegada.” e que está identificada a liquidação.

Mas sempre se dirá ainda que questão diferente é o que se escreveu na mesma decisão: 

“90. E de acordo com a prova junta ao presente procedimento, não se verifica que as “comissões extraordinárias de comercialização" tipificada como “Ajustamento anual 2023" na fatura cobrada pelo intermediário financeiro à ora Reclamante, se refere efetivamente a comissões de comercialização, não sendo possível afirmar que as “comissões", no seu todo, apresentam “uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.” 2, alínea a), da Diretiva 7/2008, devendo ser considerada parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais", como faz o TJUE no caso C-656/21, no parágrafo 31 do acórdão e não incompatível com ela.

91. Não foi feita, nem invocada, prova individualizada dos serviços específicos prestados pelo intermediário financeiro, impendendo sobre a Reclamante o ónus da prova quanto à identificação e individualização de tais serviços, para beneficiar da não sujeição, nos termos do art.° 74.° da LGT.”

Aqui já estamos antes no campo da prova,[6] de que efectivamente estaremos perante comissões de comercialização de operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, como definido pelo Requerente. Neste âmbito, tão somente, alguém invoca factos que caso sejam impugnados nessa base factual, implicarão a prova por parte dos A.A., cumprindo o ónus da prova, não sendo esta uma questão prévia de qualquer ineptidão.[7]

Improcede assim a excepção dilatória invocada pela Requerida.

 

 III.         - Fundamentação

 

III.I               - Matéria de facto

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

a)             A A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ...-..., Lisboa é uma sociedade gestora de fundos de investimento, sociedade gestora de organismos de investimento colectivo, que gere diversos fundos de investimento mobiliário abertos cujo património é composto de acções, títulos de dívida e similares, e cujas unidades de participação (representativas destes patrimónios que são os fundos) são subscritas (comercializadas aos) nos balcões das redes de diversas instituições financeiras.

 

b)             A “A...”, gere os seguintes fundos de investimento mobiliário abertos:

B..., com o número de identificação fiscal ...; 

C..., com o número de identificação fiscal ...; 

D..., com o número de identificação fiscal ...;

E..., com o número de identificação fiscal ...; 

F..., com o número de identificação fiscal...; 

G..., com o número de identificação fiscal ...;H..., com o número de identificação fiscal ...; 

I..., com o número de identificação fiscal...; 

J..., com o número de identificação fiscal ...;

K..., com o número de identificação fiscal ...;

L..., com o número de identificação fiscal..., entretanto

fundido em 22 de Novembro de 2024 no M..., com o número de

identificação fiscal ...; 

N..., com o número de identificação fiscal...,

entretanto fundido em 22 de Novembro de 2024 no O..., com o

número de identificação fiscal...;

P..., com o número de identificação fiscal...;

Q..., com o número de identificação fiscal...; 

R..., com o número de identificação fiscal...; 

S..., com o número de identificação fiscal...; 

T..., com o número de identificação fiscal...; 

U..., com o número de identificação fiscal...; 

V..., com o número de identificação fiscal...;

W..., com o número de identificação fiscal ..., que em 25 de

Janeiro de 2022 alterou a designação para X...; 

Y..., com o número de identificação fiscal ... (entretanto liquidado a 31 de dezembro de 2024);

Z..., com o número de identificação fiscal...;

AA..., com o número de identificação fiscal ....

 

c)             O BB... emitiu uma declaração em 21 de Junho de 2024, com o seguinte teor:

“ASSUNTO: Declaração relativa a liquidações de Imposto do Selo

Exmos. Senhores,

A pedido de V. Exas., o Banco BB..., com sede na..., com o Capital Social de 3.000.000.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o numero de identificação fiscal ..., declara que no âmbito das operações de comercialização de subscrição de unidades de participações em fundos de investimento dos quais V. Exas, com o número de matricula e identificação fiscal..., são a entidade gestora, foram faturados a V. Exas. em 2024 (por referencia a 2023), comissões anuais adicionais ou extraordinárias por referencia às subscrições de unidades de participação dos fundos de investimento abaixo discriminados por nós comercializadas, em razão da ultrapassagem dos montantes contratualmente fixados em unidades de participação subscritas por nós comercializadas.

E foram liquidados a V. Exas. nas faturações anuais das comissões supra referenciadas,

os montantes de Imposto do Selo também abaixo discriminados, que foram pagos por

meio de guia conforme abaixo discriminado também, e cobrados a V. Exas. nos termos

legais.

 

K...

J...

I...

H...

G...

F...

E...

D...

C...

B...

 

 

 

 

W...

V...

U...

T...

S...

R...

Q...

P...

N...

L...

 

 

BB...

 

 

 

d)            O BB... emitiu a seguinte factura à A..., S.A.

 

 

 

BB...

 

 

 

 

A...

 

 

 

 

BB...

 

 

 

e)             O Anexo 8 do contrato celebrado entre o BB.. e a A..., S.A., dispõe o seguinte:

“Anexo 8

Comissões de Distribuição

1. 0 BB... receberá de cada um dos Organismos de Investimento Coletivo, melhor identificados no Anexo 1, pelos respetivos serviços prestados enquanto Entidade Comercializadora das Unidades de Participação do respetivo Organismo de Investimento Coletivo, um montante equivalente a 65% da Comissão de Gestão de cada um dos OIC, vigente a cada momenta.

2. O valor referido no números 1 anterior é cobrado mensal e postecipadamente, calculado diariamente sobre o valor líquido global do Fundo antes de comissões ponderado pelo volume de unidades de participação comercializadas pela entidade comercializadora.

3 Esse valor deve ser pago nos trinta dias subsequentes ao final do mês a que respeita, acrescendo-lhe todos os impostos e/ ou encargos que incidam sobre o mesmo.

4. Esse valor consta expressamente dos documentos constitutivos dos Fundos, que discriminarão a repartição da Comissão de Gestão entre a entidade responsável pela gestão e a entidade comercializadora.

5 Sem prejuízo do valor das Comissões de Distribuição, e tendo como referência o valor das comissões de gestão brutas (entendendo-se estas como incluindo o valor relativo às comissões de distribuição) geradas no ano anterior, proceder-se-á a um ajustamento nos termos seguintes:

5.1. Caso o valor das comissões de gestão brutas geradas em qualquer ano civil pelos Fundos da A... distribuídos na rede do BB... exceda 16.000.000 euros, a A... pagará ao BB... o valor correspondente à taxa de 82,5% sobre qualquer montante em excesso dos 16.000.000 de comissões geradas. A este valor acrescem todos os impostos e/ ou encargos que incidam sobre o mesmo.

5.2. Caso o valor das comissões de gestão brutas geradas em qualquer ano civil sejam inferiores a 13.600.000 euros, o BB... pagará à A... o valor correspondente a 10% das referidas comissões de gestão brutas cobradas sobre os Fundos nesse ano civil.

5.3. O ponto 5.2 anterior não será aplicável nos casos em que, no final de cada ano de calendário, a performance dos períodos de 12 M, 36M e 60 M, relativa a mais de 50% dos ativos sob gestão dos fundos distribuídos no BB..., estiver abaixo da media dos Peer Group acordados com o BB...em dois dos três prazos referidos. Na determinação da performance do total dos ativos sob gestão serão considerados os ativos médios mensais de cada um dos fundos nos períodos acima identificados.

5.4. Caso a A... decida reduzir, por sua decisão, as comissões de gestão, não será aplicável o ponto 5.2., a menos que essa redução seja previamente acordada com o BB... .”

 

f)              O contabilista certificado da A..., S.A., emitiu uma declaração datada de 21de Junho de 2024, onde consta o seguinte:

“CC..., Contabilista Certificado da A..., S.A., com o número único de

matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., n.°...,

...-..., Lisboa (A... doravante), certifico que as faturações a A... pelo Banco

BB... S.A. de comissões anuais adicionais ou extraordinárias de

comercialização de subscrições de unidades de participação de fundos de investimento geridos

pela A..., de 2024 (por referencia a 2023), não foram, nem tão-pouco as liquidações de

imposto do selo incluídas nessas faturas, redebitadas pela A... aos fundos de investimento

em causa ou a qualquer outra entidade.”

 

g)              Em 27 de Junho de 2024 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de imposto do selo identificada em c) e d), tendo sido notificada do seu indeferimento no dia 6 de Janeiro de 2025 tendo em conta a dilação de 3 dias prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e tendo em conta que dia 5 foi um domingo.

 

h)            O indeferimento alicerçou-se fundamentalmente no seguinte:

79. Ora, reforçamos que a Reclamante tipifica a comissão extraordinária de comercialização,

desconhecendo a sua natureza, origem ou até previsão contratual e até mesmo a existência ou não de redébito de comissões pagas por si e depois debitadas aos fundos por si geridos.

80. A Reclamante defende que a referida comissão, detém a mesma natureza das comissões de

comercialização, mas desconhecemos se poderão incluir serviços jurídicos, de contabilidade, de esclarecimento e análise das questões e das reclamações dos participações, de avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação, da emissão de declarações fiscais aos participantes, de controlo da observância das normas aplicáveis, de registo e conservação dos documentos, de direitos com caráter remuneratório entre outros serviços.

81. Nestes termos, concluímos que estamos perante comissões que não foram tratadas nas instâncias jurídicas invocadas, que não se viola o principio do primado, pois estamos perante comissões que levantam dúvidas quanto à sua interpretação.

82. A liquidação de Imposto do Selo sobre as designadas comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas UP, e só estas, de fundos comuns de investimento abertos, e só destes, cobradas pelos intermediários financeiros (bancos) as respetivas sociedades gestoras pode violar a alínea a) do n.° 2 do artigo da Diretiva 2008/7/CE.

83. Cumprindo as diretrizes que emanam do citado Acórdão C-656/21, cumpre, em primeiro lugar, ao interprete e aplicador nacional, averiguar se as comissões cobradas respeitam exclusivamente A (I) COMERCIALIZAÇÃO (II) CONEXA COM A EMISSÃO DE NOVAS UP (III) DE “FUNDOS COMUNS DE INVESTIMENTO” ABRANGIDOS PELO AMBITO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Concelho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), como bem enfatiza e determina o TJUE no ponto 32 da sua decisão.

84, Cabendo assim a Reclamante o ónus de prova sobre a diferenciação dos serviços em causa, nos termos do artigo 74.° da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributaria ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".

85. A determinação legal do ónus da prova orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual a parte que deve ser afetada pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova interessa à apreciação do decisor que, perante uma situação de inexistência de prova de determinado facto, decidirá, contra quem tem o ónus da prova.

86. Não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributaria o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos. A inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado.

87. Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo n° 0211/11), do qual consta no Sumario “I - Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito citado no Sumario do Acórdão do STA, processo n° 060/13, de 03-04-2013.

88. Ora, não há qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, vedada pela Diretiva, com a tributação dos encargos (comissões) decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de colocação de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, estando pois o que está em questão, é a tributação em sede de IS da Verba 17.3.4 da TGIS, das ditas comissões extraordinárias de comercialização.

89. Consequentemente, inexiste qualquer desconformidade das liquidações de Imposto do Selo,

incidentes sobre as comissões extraordinárias de comercialização com o preceituado na Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade. Não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Reclamante, nem o “Ajustamento anual 2023” referenciado na fatura, ser considerada como parte integrante de uma operação global a luz da reunião de capitais.

90. E de acordo com a prova junta ao presente procedimento, não se verifica que as “comissões

extraordinárias de comercialização” tipificada como "Ajustamento anual 2023" na fatura cobrada pelo intermediário financeiro a ora Reclamante, se refere efetivamente a comissões de comercialização, não sendo possível afirmar que as “comissões”, no seu todo, apresentam “uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 7/2008, devendo ser considerada parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais”, como faz o TJUE no caso C-656/21, no paragrafo 31 do acórdão e não incompatível com ela.

91. Não foi feita, nem invocada, prova individualizada dos serviços específicos prestados pelo intermediário financeiro, impendendo sobre a Reclamante o ónus da prova quanto à identificação e individualização de tais serviços, para beneficiar da não sujeição, nos termos do art.º 74.° da LGT.

92. Concluímos que a verba 17.3.4. da TGIS, que prevê a sujeição a imposto do selo de comissões e contraprestações por serviços financeiro não é ilegal, e desse modo, a liquidação de imposto do selo impugnada, tendo tido por base aquela disposição da TGIS, não enferma de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de direito.

93. Face ao exposto, concluímos pela improcedência do pedido, referente ao montante total de

102.811,13, com referência ao mês de Janeiro de 2024, não se vislumbrando qualquer ilegalidade referente ao ato tributário de liquidação de imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS, suportado pela ora Reclamante.

94. Por fim, não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido a Reclamante qualquer pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 43.° da LGT.

 

 

III.II             Factos não provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, não havendo mais factos relevantes.

 

III.III           Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, os documentos juntos e o PA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 IV.         - Matéria de Direito

IV.I               – Impugnação da legalidade da liquidação de imposto

 

A Requerente invoca como causa de pedir a:

·       Ilegalidade da auto- liquidação de imposto de selo repercutido na Requerente, relativa a operações financeiras realizadas pelo BB... de comercialização de subscrições de Unidades de Participações em fundos, liquidação esta ocorrida em 2024 e referente ao período de 2023, e imposto do selo no montante de € 102.811,13

 

A questão essencial a decidir gira em torno de saber se essa liquidação de imposto de selo padece de ilegalidade, ou não.

Conforme matéria de facto dada como provada (factos assentes), estamos na presença de comissões anuais adicionais ou extraordinárias por referência às subscrições de unidades de participação dos fundos de investimento comercializados pelo BB... em razão da ultrapassagem dos montantes contratualmente fixados em unidades de participação subscritas comercializadas por essa instituição. E é este tipo de comissões que teremos de saber se se subsumem à verba 17.3.4 da TGIS, entrando na equação o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE.

Arrimando-nos na decisão arbitral proferida no processo n.º 979/2023-T, a distinção é clara entre, remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas, por um lado, e comissões de gestão de fundos, por outro lado. No primeiro caso, a tributação em imposto de selo viola a correcta interpretação do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE, e no segundo caso não. Bem vistas as coisas, é exactamente isso que a Requerida acaba por defender, razão pela qual afirma que não estamos “in casu” perante comissões de comercialização para efeitos de subscrição de novas participações. Ora, acontece que estamos perante este tipo de comissões, conforme alínea c) e d) do probatório.

“Esta questão foi analisada, em reenvio suscitado, no processo n.º 88/2021-T, tendo o TJUE, por Acórdão de 22 de Dezembro de 2022, proferido no processo C-656/21, estabelecido a jurisprudência que se passa a reproduzir:[8]

“Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva [2008/7] opõe-se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos, por prestação de serviços a estas relativos à atividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos? 

2) O artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva [2008/7] opõe-se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela atividade referida?»

“(…)

“22 A título preliminar, importa recordar que, segundo o seu artigo l.°, alínea a), a Diretiva 2008/7 regulamenta a aplicação de impostos indiretos sobre as entradas de capital nas sociedades de capitais. Entre esses impostos indiretos figuram o imposto do selo sobre os títulos e os outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto do selo sobre os títulos. 

23 O artigo 2.°, n.°2, da referida diretiva prevê, por outro lado, que qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.° 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais.

24 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o imposto em causa no processo principal constitui um imposto do selo cobrado sobre a remuneração dos bancos a título dos serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento. Daqui resulta igualmente que, em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão. 

25 Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, EU:C:1987:488, n.° 13).

26 Decorre destas considerações que fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7.

27 Feitas estas observações preliminares, há que recordar que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

28 Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.° da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida). 

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C-415/02, EU:C:2004:450, n.os 32 e 33).

30 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a transmissão de titularidade, apenas para efeitos de uma operação de admissão dessas ações na Bolsa e sem consequências sobre a sua propriedade efetiva, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer imposição, seja de que forma for (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.os 35 e 36).

31 Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais. 

32 Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo l.°, n.os 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.° da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

33 Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que. a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos. 

34 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.°2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.  

35 A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada, parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.° 37).

36 Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

37 Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

38 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.”

Termos em que, transpondo para o caso em apreço, com as devidas adaptações, este Tribunal, dando cumprimento à jurisprudência do TJUE, irá dar provimento ao pedido, relativamente às liquidações de Imposto do Selo que incidiram sobre comissões de comercialização, liquidação ocorrida em 2024 e referente ao período de 2023, no montante de € 102.811,13.

É então totalmente procedente o pedido de anulação da liquidação de imposto de selo mencionada, tendo também como consequência a obrigatoriedade de restituição do imposto de selo pago.

 

   V.         Juros indemnizatórios:

 

O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo Acórdão de 18.04.2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I- 1727, n.º s 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C- 446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jullich e o., C-113/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdão, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jullich e o., n.º 66).

23 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v. neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

Todavia, como se refere no n.º 23 supra transcrito, cabe a cada Estado-Membro estabelecer as condições em que tais juros devem ser pagos, designadamente, a respectiva taxa e modo de cálculo.

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estipula que:

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

À luz da esmagadora maioria da jurisprudência, não sendo os erros que afectam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Administração Fiscal. Veja-se, como exemplos, os Acórdãos do STA de 31-10-2001, processo n.º 26167, de 24-04-2002, processo n.º 117/02, de 07-11-2001, processo n.º 26404, de 21-11-2001, processo n.º 26415, de 28-11-2001, processo n.º 26223, e de 16-01-2002, processo n.º 26508.

Destaquemos (com sublinhados nossos):

¾   “há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária” – acórdão STA de 21-11-2001, processo n.º 26415.

¾   “tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada” – acórdão STA de 19-11-2014, processo n.º 0886/14.

¾   “embora o conceito de erro imputável aos serviços” aludido na 2.ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetado pelo erro” – acórdão STA de 06-02-2013, processo n.º 0839/11.

¾   “Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado” – acórdão STA de 07-11-2001, processo n.º 26404.

No caso em apreço, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele tem sido interpretado pelo TJUE.

Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal Arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respectiva ilegalidade.

Nos termos dos artigos 61º do CPPT e 43º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.

Uma vez verificado o erro, e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, o Requerente tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas da União Europeia, e não apenas de normas nacionais.

Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da AT que se traduz num “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação art. 43º da LGT.

E lembremos que, de acordo com a jurisprudência do STA:

Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da LGT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.” – acórdão de 07-11-2001, processo n.º 26404.

Quanto ao termo inicial de contagem desses juros, estabeleceu o STA que:

ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde então (passando a constituir um erro dos serviços), e a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago” – acórdão de 09-12-2021, processo n.º 01098/16.5BELRS.

Assim, relevando esse indeferimento expresso como termo inicial da obrigação de contagem de juros indemnizatórios, quando ligada à existência do procedimento de reclamação graciosa, o dia a considerar para tal efeito é precisamente o dia de 06-01-2025, porquanto, ainda que o erro ab initio possa não ser imputável à AT, em face da reclamação graciosa apresentada pela Requerente a pedir, fundadamente, a anulação do acto tributário em causa, a circunstância de a AT não ter promovido a respectiva anulação implica que o erro do acto tributário passe a ser-lhe imputável – in casu, a partir da data correspondente ao indeferimento expresso da reclamação graciosa, isto é, desde o dia 06-01-2025.

Portanto, tem a ora Requerente direito a ser indemnizada por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa (06-01-2025) até efectiva devolução, calculados à taxa legal supletiva, nos termos dos arts. 43º, 1 e 4, e 35º, 10 da LGT, 61º, 5 do CPPT, 559º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 VI.         DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Coletivo:

a)     Julgar totalmente improcedente a excepção invocada pela Requerida;

b)    Julgar ilegal o indeferimento da reclamação graciosa que não anulou a liquidação e julgar totalmente procedente o pedido de anulação da liquidação de imposto de selo, condenando a Requerida à devolução da mesma; 

c)     Julgar procedente o pedido do pagamento de juros indemnizatórios, a pagar pela Requerida, sendo devidos desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, 6 de Janeiro de 2025, até efectiva devolução, calculados à taxa legal supletiva;

d)    Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 102.811,13€ (cento e dois mil, oitocentos e onze euros e treze cêntimos), por ter sido esse o valor económico dado à presente ação arbitral e não contestado.

 

VI-CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de 3.060,00 € (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Novembro de 2025

 

O Tribunal Coletivo,

 

(Fernando Araújo)

(Árbitro presidente)

 

 

(Adelaide Moura)

(Árbitro Vogal)

 

António Pragal Colaço

(Árbitro Vogal Relator)

Com declaração de voto de vencido quanto aos juros indemnizatórios

Apesar de ter sido o relator da presente decisão arbitral e a mesma ter unanimidade quanto ao seu “corpo” principal, fui vencido quanto aos juros indemnizatórios.

No seu pedido, a Requerente solicita a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido - cfr. art. 43.º, n.º 1, da LGT).

Como ficou dito na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 296/2019-T, “É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços”.

Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).”

Vimos defendendo (o ora vencido) em vários arestos após maior aprofundamento de pensamento, que, “A desconformidade legislativa do Direito Português com o Direito Europeu e a sua aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não configura um erro imputável aos serviços, mas antes ao legislador, a qual será exigível como responsabilidade extracontratual do Estado, sendo os que constam actualmente da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. “

Assim, no caso dos autos, decidiria que em resultado do que atrás foi dito, não ocorreu erro imputável aos serviços, mas ao legislador, sendo tal responsabilidade que é civil, dirimível no local próprio, não subscrevendo assim a procedência do pedido de juros indemnizatórios.

 

António Pragal Colaço

 



[1] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. LXIV Julho 2023, n.º 1, Tomo III, p. 12;

[2] In. Ibidem;

[3] Em sentido diverso, LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, 2017, p. 68, referindo que “a teoria da substanciação está inequivocamente consagrada no nosso sistema processual”

[4] In. Ibidem;

[5] In. Ibidem;

[6] Razão pela qual é expressamente mencionado o art.º 74.º da LGT;

[7] “Os factos probatórios são aqueles de cuja prova se pode inferir o facto probando (art. 5.º, n.º 2, al. a), CPC), ou seja, são os factos que constituem a base de presunções legais ou judiciais (art. 349.º CC). Por exemplo: a causa de pedir de uma acção de investigação da paternidade é o acto de procriação natural; a comunhão duradoura de vida entre a mãe do investigante e o pretenso pai pode ser utilizada como facto probatório desse acto (art. 1871.º, n.º 1, al. c), CC). As presunções judiciais são utilizadas na apreciação da prova, dado que elas permitem que o facto probando seja inferido de um facto probatório conhecido. Por exemplo: do rastro de travagem deixado pelo veículo no asfalto pode inferir-se a velocidade a que o mesmo circulava.” In.ibidem;

[8] Seguimos literalmente o que o Relator deste processo escreveu na mencionada decisão arbitral proferida no âmbito do processo 979/2023-T, onde também foi relator, in.www.caad.org.pt;