SUMÁRIO:
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
1. Relatório
A…, LDA, sociedade comercial inscrita na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva…, com sede na Rua … n.º…, …, (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por “RJAT”), peticionando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, demonstração de acerto de contas e correções ao valor de reembolso, referentes aos períodos 05/2023 a 12/2023, 02/2024 e 03/2024 e sua integral anulação.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-04-2025.
Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.
Nos termos e para os efeitos do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 27-05-2025.
Assim, em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 17-06-2025.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência dos pedidos.
Em 21-10-2025, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
A. A Requerente é uma sociedade que atua no setor da construção, tendo sido constituída em 2018, desenvolvendo actividade no âmbito da recuperação e reabilitação de edifícios (certidão permanente que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B. Nos períodos de tributação de Maio a Dezembro de 2023, a Requerente foi responsável por diversas empreitadas nos Municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto, em especial em imóveis situados nas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) dos respetivos Municípios, designadamente as seguintes:
– de B..., NIF ..., serviços de reabilitação efetuados na construção da Moradia do ..., localizada na ..., Vila Nova de Gaia;
– de C..., NIF ... e D..., NIF ..., ambos proprietários, serviços de reabilitação efetuados no prédio sito na Rua ..., n.ºs ...-..., Porto;
– de E..., Lda., NIPC..., serviços de reabilitação efetuados na construção de 11 moradias unifamiliares, situadas na Rua ..., n.º ..., ..., Vila Nova de Gaia;
– de F..., NIF..., serviços de reabilitação efetuados na Construção Da ... da ..., localizada em Vila Nova De Gaia.
C. A Requerente diligenciou junto dos Municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto a obtenção de um reconhecimento próprio para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA às empreitadas em causa, tendo, para tal, requerido a passagem das competentes certidões às Câmaras para certificação da localização destas operações nas respetivas ARU (documentos n.ºs 5, 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
D. Os imóveis sitos na Rua ... e na ..., ambos na Freguesia de ..., inseriam-se, à data dos factos na ARU da Cidade de Gaia, cuja delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7435/2020, de 6 de maio;
E. Os prédios sitos na Rua.., n.ºs ... a..., e na Rua ... n.º..., ambos no Concelho do Porto, inseriam-se, à data dos factos, nas ARU do..., cuja delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 7761/2021, de 15 de abril4, e da ..., cuja delimitação foi aprovada pelo Aviso n.º 4425/2018, de 21 de março, respetivamente;
F. A Câmara Municipal de Gaia emitiu as certidões que constam do n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que refere, além do mais, que “as obras a realizar, constituem uma operação de reabilitação urbana, ao abrigo do disposto na al. j) do art.9 2.9 do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana”;
G. A Câmara Municipal do Porto emitiu as certidões que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e, que refere, além do mais, que prédio localizado na Rua ..., n.ºs... e..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... “insere-se em ARU (ARU ...)” e o prédio sito na Rua de ..., n.º..., da freguesia ..., insere-se em ARU (ARU ...) e que as obras são “inseridas no conceito de obras de reabilitação urbana porque concorrem para os objetivos traçados para a ARU do ..., na medida em que se trata de uma intervenção integrada sobre o tecido urbano existente acrescentando valor ao património edificado, nos termos previstos no RJRU”;
H. A Câmara Municipal de Gaia efectuou à Autoridade Tributária e Aduaneira a comunicação que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, que o local em que se situa a ..., ..., não é objecto de ORU, mas entende que é aplicável a taxa reduzida de IVA;
I. A Requerente aplicou a taxa reduzida aos serviços prestados no âmbito das empreitadas em causa, por entender que as empreitadas nos municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto têm cabimento na verba 2.23 da Lista I;
J. Em Maio de 2023, a Requerente efetuou um pedido de reembolso de IVA, solicitando a restituição do montante de IVA em crédito por referência às ditas declarações periódicas;
K. Na sequência do pedido foi instaurado o procedimento inspetivo n.º OI2024..., em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1.Em sede de IVA- Imposto em Falta
V.1.1. Liquidação Incorreta de Imposto (IVA) à taxa reduzida (6%) por aplicação da verba 2.23
No decurso do procedimento inspetivo, verificou-se que a sociedade inspecionada, durante os períodos de 2023/05 a 2023/12, emitiu diversas faturas para os seus clientes, nomeadamente:
-B..., NIF ..., cujos serviços de construção foram efetuados na construção da Moradia..., localizada na ..., Vila Nova de Gaia;
-C..., NIF..., cujos serviços de construção foram efetuados no prédio sito na Rua..., n.ºs ...-..., Porto;
-D..., NIF ..., cujos serviços de construção foram efetuados no prédio sito na Rua..., n.ºs ...-..., Porto (NOTA: trata-se da mesma obra que a Indicada no parágrafo anterior, existindo dois proprietários do imóvel);
-E..., LDA., NIPC..., cujos serviços de construção foram efetuados na construção de 11 Moradias Unifamiliares, situada na Rua..., n.°..., ..., Vila Nova de Gaia;
-F..., NIF ..., cujos serviços de construção foram efetuados na construção de uma moradia, localizada no ..., Vila Nova de Gaia.
No período em causa, as faturas para os clientes anteriormente identificados totalizavam o montante de 1.383.361,39 EUR, acrescido de IVA, à taxa reduzida (6%),no montante de 83.001,67 EUR, valores que o sujeito passivo declarou nas respetivas declarações periódicas, campos 1 e 2, respetivamente.
Questionado acerca da fundamentação para a aplicação da taxa reduzida do IVA, o sujeito passivo indicou tratar-se de prestações de serviços de construção em imóveis, situados nos concelhos de Vila Nova de Gaia e do Porto, tendo aplicado a verba 2.23, da lista I anexa ao Código do IVA (CIVA), enviando para justificação da aplicação da referida verba três certidões passadas pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e uma pela Câmara Municipal do Porto, emitidas em 2021-07-01, 2022-12-06, 2023-08-17 e 2022-09-28, respetivamente (cf. Anexo 1).
De acordo com as referidas certidões, os artigos urbanos onde foram realizadas as obras sitos na Rua ..., e na..., ..., ambos da freguesia de ..., inserem-se na área de reabilitação urbana (ARU) da CIDADE DE GAIA e, relativamente ao imóvel sito na Rua..., n.ºs ...-..., concelho do Porto, o mesmo insere-se na área de reabilitação urbana do..., fazendo menção nas faturas emitidas da aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA, conforme cópias das faturas e das referidas certidões das Câmaras de Vila Nova de Gaia e do Porto enviadas, que se anexam - Anexo 1.
Em suma, o SP emitiu as seguintes faturas, cujo IVA liquidou à taxa reduzida:
(...)
► Implicações fiscais
O sujeito passivo justificou a aplicação da mencionada taxa de IVA, por via da aplicação da verba 2.23, da lista 1 anexa ao Código do IVA {CIVA)- reabilitação urbana.
A redação da citada verba foi alterada pela Lei n.0 56/2023, de 6 de outubro. Contudo, de acordo com o regime transitório previsto no n. 9 do art. 50.° do referido diploma legal, a nova redação não é aplicável:
"a) Pedidos de licenciamento, de comunicação prévia ou pedido de informação prévia respeitantes a operações urbanísticas submetidos junto da câmara municipal territorialmente competente antes da data da entrada em vigor da presente lei;
b) Pedidos de licenciamento ou de comunicação prévia submetidas junto da câmara municipal territorialmente competente após a entrada
em vigor da presente lei, desde que submetidas ao abrigo de uma informação prévia favorável em vigor.”
Assim, atendendo a que as operações aqui em análise foram promovidas antes de 07-10-2023, a redação aplicável aos casos em apreço é a seguinte:
"empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outra) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional" (sublinhado nosso).
A mencionada verba 2.23 coloca, assim, algumas condições para que a taxa reduzida possa ser aplicável às operações que nela pretendam ser enquadradas, designadamente que a operação em causa consubstancie:
i) uma empreitada;
ii) de reabilitação urbana;
iii) realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais;
iv) ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
Não estando em causa uma situação de "operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional', centremo-nos, então, nas restantes condições impostas pela verba 2.23.
O contrato de empreitada encontra-se definido nos artigos 1207.° e seguintes do Código Civil. De acordo com o art.º 1207.° a noção de empreitada é a seguinte: "Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço". No caso em apreço, não se coloca em causa que se trata de um contrato de empreitada realizado sobre um imóvel.
Vejamos, então, de que forma se encontra definido no "diploma especifico" o que se considera ser uma "empreitada de reabilitação urbana".
O Decreto-Lei n.° 307/2009, de 23 de outubro, estabelece o "Regime Jurídico da Reabilitação Urbana" (RJRU).
De acordo com o respetivo preâmbulo, este regime jurídico estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de "área de reabilitação urbana" (ARU), cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma; e o conceito de "operação de reabilitação urbana" (ORU), que corresponde à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva área de reabilitação urbana.
O n.º 1, do art.º 7.°, determina que a reabilitação urbana em áreas definidas como tal, é promovida pelos municípios, resultando da aprovação de:
a) Delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
O Decreto-Lei em referência esclarece, assim, que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação destes dois requisitos/instrumentos: ARU e ORU.
A ARU, cuja definição se encontra na alínea b), do art.° 2.°, do mencionado diploma, é delimitada pelo Município.
No entanto, conforme já ficou claro, para que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, "tal como definida em diploma especifico", não é suficiente que se trate de uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b), do n.° 1, do art.° 7,°, do RJRU, a reabilitação urbana resulta da aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver nas ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
Saliente-se ainda que, de acordo com o n.° 4, do artº 7.º, do mesmo diploma, a cada ARU corresponde uma ORU, tanto mais que, uma vez aprovada a ARU, esta caduca se no prazo de três anos não tiver sido aprovada a ORU correspondente, conforme estatui o art.° 15.°, do mesmo diploma.
Logo, é condição necessária que o imóvel se encontre localizado numa área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, situação que, nos casos em apreço, foi declarada pelas Câmaras Municipais de Vila Nova de Gaia e do Porto e foi por nós confirmada.
Contudo, a localização de um prédio numa ARU não constitui, por si só, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana, constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto. É igualmente necessária a aprovação da correspondente ORU.
Nas operações em apreço, não ficou demonstrado que as obras em causa cumprissem todos estes requisitos, em particular o descrito na alínea b) que antecede, porquanto, se desconhece que o Município de Vila Nova de Gaia tenha aprovada uma ORU para a ARU da Cidade de Gaia, bem como se desconhece que o Município do Porto tenha aprovada uma ORU para a ARU do ... .
Recorde-se que, qualquer ORU, depois de aprovada, é enviada para publicação através de Aviso na 2.ª série do Diário da República e divulgada na página eletrónica do município, com remessa, em simultâneo, ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, 1. P., por meios eletrónicos. Sendo que, após pesquisa nos referidos meios de divulgação, não foi encontrada qualquer referência a tal facto.
De referir, que no decurso do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço nº 012023..., incidindo sobre os períodos 2023/01 a 2023/04, foi notificada a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, através do n/ ofício n.º..., de 2023-09-01, no sentido de esclarecer a existência ou não de Operação de Reabitação Urbana aprovada para a ARU onde se situam os imoveis objeto das obras (ARU da Cidade de Gaia), tendo a mesma através de resposta enviada em 2023-10-23, informado que, efetivamente, não há ORU aprovada para área de reabilitação urbana (ARU) em causa (Anexo 1), corroborando os elementos, entretanto, recolhidos no âmbito do procedimento inspetivo.
Deste modo, as obras em causa, dizem respeito a imóveis, inseridos nas ARU's da Cidade de Gaia, Concelho de Vila Nova de Gaia, e do Bonfim, Concelho do Porto, cujas ORU's não se encontram aprovadas, pelo que, não existindo ORU's aprovadas, não se pode considerar que estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, "tal como definida em diploma especifico", pelo que, não será aplicável a taxa reduzida do imposto a que se refere a alínea a), do n.° 1, do artigo 18.°, do CIVA, mas sim a taxa normal (23%), definida na sua alínea c).
Assim, há que concluir que, situando-se as empreitadas em causa nos autos dentro de "Área de Reabilitação de Urbana", mas para as quais não se encontrava em vigor, à data do licenciamento, "Operação de Reabilitação de Urbana", não são de qualificar como "empreitadas de reabilitação urbana" para efeitos da verba 2.23 da Lista 1 do Código do IVA, não podendo, assim, beneficiar da taxa reduzida de 6% de IVA.
Tendo em conta todo o exposto, resume-se no quadro seguinte, por período de imposto, os valores declarados pelo sujeito passivo e os valores a corrigir relativos à aplicação incorreta da taxa reduzida - verba 2.23, tendo também em conta as notas de crédito emitidas aos clientes D..., NIF..., e C..., NIF..., em que foi aplicada a verba 2.23, nomeadamente as notas de crédito n.ºs 552/0000147, de 2023-08-16, e 552/0000148, da mesma data, as quais foram abatidas à base tributável das faturas emitidas no mês de agosto/2023:


Nestes termos, em sede de IVA, conforme disposto no art. 87.° do respetivo Código, deverá ser corrigido o imposto liquidado, por aplicação indevida da taxa reduzida - verba 2.23 da Lista I anexa do CIVA, conforme quadro supra, num montante total de 233.388,82 EUR.
V.1.2. Liquidação Incorreta de Imposto (IVA) à taxa reduzida (6%) por aplicação da verba 2.27
No decurso do procedimento inspetivo, verificou-se que a sociedade inspecionada, durante os períodos de 2023/05 a 2023/12, emitiu diversas faturas para outros clientes, para além dos indicados no ponto anterior (V.1.1.), nas quais também foi aplicada a taxa reduzida de IVA (6%), nomeadamente, para os clientes:
-G..., NIF..., cujos serviços de construção foram efetuados no imóvel sito na Rua ..., n.° ..., ..., concelho de Moura;
-H..., NIF..., cujos serviços de construção foram efetuados no prédio sito na Rua..., n..., Cascais.
Da análise às faturas emitidas para estes clientes, verificou-se que o sujeito passivo liquidou imposto (IVA) à taxa reduzida de IVA (6%), aplicando a verba 2.27, da Lista I anexa ao Código do IVA, tendo-se constatado que o SP discriminou nas faturas emitidas o valor dos materiais incorporados e o valor relativo a mão-de-obra das respetivas empreitadas, aplicando aos materiais a taxa normal (23%) e à mão-de-obra a taxa reduzida de IVA (6%).
De acordo com a redação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA, estão sujeitas à taxa reduzida prevista no artigo 18.°, n.° 1, alínea a) do CIVA, as "empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação, com excepção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares.
A taxa reduzida não abrange os materiais incorporados, salvo se o respectivo valor não exceder 20 % do valor global da prestação de serviços.”
Neste sentido, o Oficio-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT, veio esclarecer algumas dúvidas que se levantavam sobre a aplicação da verba em questão, dos quais se destacam os seguintes pontos:
- Ponto 2 (Serviços) - Esclarece que estão abrangidos pela verba 2.27 as empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação realizadas em imóveis afetos à habitação.
- Ponto 3 (Imóveis) - Esclarece que aquela verba engloba, unicamente, os serviços efetuados em imóvel ou fração autónoma desde que, não estando licenciado para outros fins, esteja afeto à habitação, considerando-se nestas condições o imóvel ou fração autónoma que esteja a ser utilizado como habitação no inicio das obras e que, após a execução das mesmas, continue a ser efetivamente utilizado para o mesmo fim.
Não têm cabimento nesta verba os imóveis ou frações autónomas que, antes ou depois das obras, se encontrem devolutos, designadamente, por se se destinarem a arrendamento ou venda.
Contudo, nos casos em que, antes das obras, o imóvel ou fração autónoma se encontrava habitado e, após as mesmas, é objeto de um novo arrendamento para habitação, esta empreitada pode beneficiar da aplicação desta verba, desde que não exista um período em que o imóvel esteja devoluto, isto é, quando o novo arrendamento tiver início logo após o final das obras.
- Ponto 7 (Serviços não compreendidos nesta verba) - Esclarece também que, face à redação da verba 2.27, estão excluídas da aplicação da taxa reduzida as obras de construção e similares, nomeadamente os acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis.
Do mesmo modo, estão claramente afastadas do preceito as empreitadas sobre bens imóveis utilizados para o exercício de uma atividade profissional, comercial, industrial ou de prestação de serviços.
Excluem-se, igualmente, da aplicação da taxa reduzida:
- Os trabalhos de limpeza;
- A manutenção de espaços verdes;
- As empreitadas de bens imóveis que abranjam, ainda que parcialmente, os elementos constitutivos de piscinas, saunas, golfe, minigolfe, campos de ténis, ou instalações similares.
Desta forma, atendendo à redação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA e aos esclarecimentos vertidos no Oficio-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT, visando verificar se as obras em causa se enquadram, efetivamente, no âmbito da aplicação desta verba, foi efetuada uma análise aos serviços de construção prestados pelo sujeito passivo aos clientes anteriormente referidos, conforme se detalha de seguida.
1- Cliente G...
Da análise aos serviços de construção prestados à cliente G..., NIF ..., verificou-se que as obras foram efetuadas no imóvel designado por "...", em ..., concelho de Moura, tendo sido emitida a seguinte fatura (Anexo 2), nos períodos 2023/05 a 2023/12, que inclui a liquidação do IVA à taxa reduzida, pela aplicação da verba 2.27, da lista I anexa ao CIVA:

Da análise aos serviços prestados, designadamente da análise ao detalhe das rubricas do orçamento para a mão de obra da empreitada em causa enviado pelo SP (cf. Anexo 2), verificou- que os serviços prestados incluem no ponto 2.1.1. do mesmo "a demolição completa do edifício existente, incluindo estrutura, cobertura, paredes exteriores e interiores, chaminés, vãos interiores e exteriores, armários, pavimentos, revestimentos existentes, bancadas e restantes equipamentos interiores e exteriores, redes de aguas, esgotos e eletricidade e todos os trabalhos complementares".
Desta forma, verifica-se que estamos perante serviços de construção que abrangem a demolição total do imóvel e a construção de um edifício novo ou a reconstrução do imóvel, os quais não se enquadram no âmbito da aplicação da verba 2.27, face à redação da verba e dos esclarecimentos vertidos no Ofício-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26, da Área de Gestão Tributária do IVA, nomeadamente no seu ponto 7.
2- Cliente H...
Por último, analisando os serviços de construção prestados ao cliente H..., NIF ...5, verificou-se que os mesmos foram efetuados na moradia localizada na Rua ..., n.°..., concelho de Cascais, tendo sido emitidas as seguintes faturas (Anexo 3), em 2023, que incluem a liquidação do IVA à taxa reduzida, pela aplicação da verba 2.27, da lista I anexa ao CIVA:

Da análise aos serviços prestados, verificou-se do orçamento de mão de obra enviado pelo SP e das plantas de arquitetura do imóvel antes e após as obras (cf. Anexo 3), que os serviços prestados incluíram a ampliação do imóvel em causa, além da criação de mais um piso (Piso -1), bem como a execução de outros trabalhos constantes do orçamento enviado.
Desta forma, verifica-se que os serviços prestados não estão abrangidos pela verba 2.27, uma vez que incluem serviços de construção de ampliação do imóvel e criação de mais um piso, estando em causa alterações estruturais do imóvel, pelo que estão excluídos da aplicação da verba, de acordo com o já referido, as obras de construção de acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis, conforme esclarece o ponto 7 do Oficio-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT.
Neste sentido, face ao exposto, nos dois casos em apreço, decorrente da análise efetuada, verificou-se que os serviços de construção prestados aos clientes anteriormente identificados, não cumprem com os requisitos impostos para efeitos de aplicação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA.
Deste modo, para as faturas supra identificadas, o SP aplicou indevidamente a taxa reduzida do IVA (6%) sobre os montantes relativos à mão de obra utilizada, por aplicação da verba 2.27, conforme se discrimina de seguida, por fatura e cliente:

Desta forma, atendendo ao descrito, resume-se no quadro seguinte, por período de imposto, os valores declarados pelo sujeito passivo e os valores a corrigir relativos à aplicação incorreta da taxa reduzida - verba 2.27, considerando as faturas acima indicadas, bem como as notas de crédito emitidas ao cliente H... (NIF...), em que foi aplicada a verba 2.27, nomeadamente as notas de crédito n.ºs 552/0000121, de 2023-05-02, e 552/0000135, de 2023-05-31, as quais foram abatidas (na parte da mão de obra em que foi aplicada a taxa reduzida) à base tributável das faturas emitidas no mês de maio/2023:

(...)
X.2.Análise ao direito de audição do sujeito passivo
O sujeito passivo exerceu o seu direito de audição (cfr. Anexo 4), manifestando, num articulado com 28 pontos, a sua discordância com as correções propostas no projeto de relatório, o qual foi objeto da análise, conforme se expõe nos pontos seguintes, tendo como referência os capítulos e parágrafos (§) elencados pelo SP nesse mesmo Direito de Audição.
§ 1. a4.
O SP discorda das correções propostas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) ao nível da aplicação da taxa reduzida de IVA, por alegada aplicação indevida das verbas 2.23 e 2.27 da Lista I anexa ao CIVA, por considerar que aplicou devidamente a taxa reduzida em ambos os casos, conforme expõe nos vários pontos do direito de audição.
A sociedade não se conforma com as correções conexas com a alegada inaplicabilidade da verba 2.23 da Lista 1 anexa ao CIVA, referindo que o entendimento da Autoridade Tributária (AT) tem sido sucessivamente negado pela jurisprudência arbitral sobre o tema, citando, a titulo meramente exemplificativo, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 137/2022-T, 603/2022-T, 946/2023-T e 354/2023-T.
A este próprio prepósito, importa referir, que apesar do sentido dessas decisões, não tem vindo a ser essa a jurisprudência do CAAD.
O entendimento do CAAD tem tido em conta o disposto na legislação aplicável, considerando que as ORU correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na ARU, devendo, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma ORU já aprovada.
Um exemplo paradigmático de tal entendimento encontra-se expresso na decisão arbitral do Processo n.º 404/2022-T, de 2023-01-30, do CAAD, da qual, pese embora a AT tenho saído vencida (precisamente pela prova da verificação de existência de ORU), se extraem as seguintes conclusões:
1. Para que se verifique uma empreitada de reabilitação urbana, para efeitos da aplicação da taxa reduzida de IVA, por via de enquadramento da situação na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, não se mostra suficiente o facto de a empreitada de construção civil se localizar em imóvel localizado em ARU;
li. A delimitação da ARU constitui apenas uma das bases do RJRU, sendo complementada com as ORU que correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na ARU;
III. Nos termos do art.° 15.° do RJRU, que se reporta ao âmbito temporal da delimitação da ARU, resulta que sempre que a aprovação da delimitação de uma ARU não tenha lugar em simultâneo com a aprovação da ORU a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação;
IV. De onde se pode concluir que a ARU tem um carácter precário e a sua vigência depende da aprovação de ORU;
V. Assim, o momento em que a delimitação da ARU fica consolidada é aquele em que ocorre a aprovação da ORU (momento que pode não se verificar, levando à caducidade da ARU);
VI. Deve, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma ORU já aprovada;
VII. Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana, para que se possa desde logo considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não existem condições de apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva ORU (o que pode vir a não ocorrer);
VIII. Deste modo, só se pode considerar a existência de empreitada de reabilitação urbana quando se está em condições de apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana;
IX. A estratégia ou o programa estratégico de reabilitação urbana só fica definido com a aprovação da respetiva ORU;
X. A intervenção integrada sobre o tecido urbano existente é materializada apenas com a aprovação da ORU, sendo esta operação definida, no art.º 2.° alínea h) do RJRU, como o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área;
XI. O art.° 7.°, n.° 1, do RJRU determina que a reabilitação urbana em ARU resulta, não só da aprovação da delimitação de ARU, mas também da ORU a desenvolver nestas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana, e o n.° 4 da mesma norma estabelece que "(a) cada ARU corresponde uma ORU";
XII. Caso a Câmara Municipal esteja em condições de certificar e certifique que, nos termos do citado diploma legal, o projeto, obra/empreitada, em referência, se integra numa ARU e consubstancia uma ORU, verificados que sejam os restantes condicionalismos (nomeadamente tratar-se de empreitada), será então aplicável a taxa reduzida do imposto, a que se refere a alínea a) do n.° 1 do art.° 18.° do CIVA;
XIII. Assim, "... tem razão a AT ao defender que o mero licenciamento de uma construção através de empreitada em local inserido numa ARU, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que o enquadre, não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23";
XIV. Decidiu bem a AT ao concluir que não basta que a intervenção/empreitada urbanística se localize numa ARU, toma-se necessário que ocorra no quadro de uma ORU aprovada;
XV. Deste modo, prevalece a opinião de que o mero licenciamento e/ou construção efetuada em ARU "... não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23", sendo necessária uma "... prévia aprovação de uma operação de reabilitação".
Assim sendo, subsiste a interpretação defendida pela AT, no sentido de que a aprovação de ORU constitui condição necessária para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA, por enquadramento da empreitada na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.
O mesmo entendimento foi perfilhado em várias outras decisões arbitrais, tais como a decisão arbitral do Processo n.° 3/2023-T, de 2023-07-31, da qual resulta que só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU, quando, a par da delimitação da ARU, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona através da aprovação da ORU.
Acerca da mesma matéria veja-se, ainda, a decisão arbitral do Processo n.º 295/2022-T, de 2023-03-01 :
i. A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana, exige a localização do prédio em ARU previamente delimitada pelo município e uma ORU aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizam;
ii. Não é suficiente para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em ORU aprovada; e
iii. Essa prova deve ser efetuada através de declaração da entidade incumbida da coordenação e gestão da ORU aprovada.
Mais uma vez mais se conclui que para que se verifique uma empreitada de reabilitação urbana, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, não é suficiente que a empreitada se localize em ARU, sendo necessário que a empreitada seja realizada no quadro de uma ORU já aprovada.
Neste sentido, nos casos em apreço no presente procedimento inspetivo não resultou demonstrado que existisse ORU aprovada, pelo que não se encontram reunidas as condições para o enquadramento das situações em questão na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, não sendo, consequentemente, aplicável a taxa reduzida de IVA a tais empreitadas, pelo que, se mantêm, assim, as correções propostas no projeto de relatório sobre esta matéria.
$5.a7.
Relativamente aos pontos 5 a 7 do direito de audição, o SP vem alegar que a AT procedeu incorretamente à correção do IVA liquidado na fatura n.° 550/0001197 de 2023-05-02, alegando que tal fatura foi anulada pela emissão do documento de estorno identificado com n.° de documento 550/0001200, que junta, e que por esse motivo, impunha-se, desde logo, a não consideração da fatura indicada e do IVA nela liquidado, por força da sua anulação, não concorrendo, como tal, para qualquer correção em sede de IVA.
Efetivamente, da análise efetuada verificou-se que a fatura em causa, foi anulada, pelo que vai ser desconsiderada a correção proposta no projeto de relatório referente à fatura em questão.
A correção proposta no projeto de relatório prendia-se com a aplicação indevida pelo SP da taxa reduzida do IVA (6%) sobre o montante (29.721,59 Eur) relativo à mão de obra utilizada constante na fatura n.º 550/0001197, por aplicação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA, entendendo-se, que os serviços de construção prestados ao cliente H... NIF: ..., não cumprem os requisitos impostos para efeitos de aplicação da referida verba, aplicando-se, portanto, a taxa normal de IVA (23%).
Deste modo, o montante (IVA) a desconsiderar nas correções propostas é de 5.052,67 Eur (29.721,59 23%- 29.721,59 * 6%), em consequência, este valor será subtraído às correções propostas no período 2023/05 (período de emissão e anulação da fatura).
$8. a 28.
Em relação aos pontos 8 a 28 do direito de audição, o SP vem alegar que os SIT efetuaram incorretamente correções ao nível do IVA liquidado baseadas no facto de alegadamente não estarem verificadas as condições da verba 2.27 da Lista I do CIVA nas empreitadas dos imóveis em causa, alegando que as correções em causa incorrem em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
O SP alega que a referida verba determina que será de se aplicar a taxa reduzida às seguintes operações:
''Empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com exceção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares.
A taxa reduzida não abrange os materiais incorporados, salvo se o respetivo valor não exceder 20% do valor global da prestação de serviços".
Segundo o SP compreende-se, assim, que existem três requisitos para a aplicabilidade da verba 2.27, a saber:
•Têm de estar em causa empreitadas, o que não é controvertido;
•As empreitadas têm de ser de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes, com exceção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares;
•Os imóveis em causa devem estar afetos à habitação, o que também não é controvertido.
De acordo com o SP, de entre os requisitos elencados, apenas o segundo foi colocado em causa por parte dos Serviços de Inspeção Tributária {SIT) no projeto de relatório, tendo estes considerado que, nas empreitadas em causa, teriam sido realizados serviços de reconstrução, de ampliação e de demolição, que se entendeu extravasarem os serviços de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação.
O SP alega que os SIT fundaram as correções da inaplicabilidade da taxa reduzida às empreitadas em causa numa leitura a contrario da referida verba 2.27, efetuando uma interpretação que tenta cercear a aplicação da taxa reduzida aos serviços que versem exclusivamente sobre beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de edificado pré-existente estando excluídos quaisquer serviços que comportem uma alteração substancial ou estrutural a esse mesmo edificado.
Essa interpretação tem na sua génese o Oficio Circulado n. 0 30135, de 26-09-2012, da Área de Gestão Tributária do IVA, em especial o seu ponto 7 (serviços não compreendidos nesta verba) que determina que "face à redação da verba 2.27 estão excluídas da aplicação da taxa reduzida as obras de construção e similares, nomeadamente os acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis".
No mesmo Ofício Circulado, em especial o seu ponto 9, admite-se ainda que os operadores económicos realizem empreitadas parcialmente abrangidas pela 2.27:
''No caso de empreitadas efetuadas em imóveis afetos à habitação, que incluam obras abrangidas pela verba 2.27 e, também obras excluídas da aplicação daquela verba, como, por exemplo, piscinas, jardins, lojas comerciais, etc., podem ocorrer as seguintes situações:
i)Se o prestador dos serviços emite uma fatura discriminado os valores, ou seja. distinguindo por um lado o valor da obra realizada no imóvel afeto à habitação, abrangida pela verba 2.27 e, por outro lado, o valor da obra excluída da aplicação desta verba, aplica a taxa reduzida à primeira obra e a taxa normal à segunda.
ii) Se o prestador dos serviços emite uma fatura pelo valor global da empreitada, sem discriminar os serviços, aplica a taxa normal àquele valor global".
Sucede, todavia, que, segundo o sujeito passivo os SIT não observaram esta orientação genérica no procedimento inspetivo em causa.
O SP alega que carreou para o procedimento inspetivo em causa todas as faturas relativas a estas empreitadas, mas os SIT relevaram apenas as faturas em que estavam a ser faturados os serviços de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de edificado pré-existente, liquidados à taxa reduzida, com a discriminação, se aplicável, dos materiais incorporados, quando o valor destes excedesse 20% do valor global da prestação de serviços, liquidados à taxa normal (cfr. comunicação enviada à Autoridade Tributária que junta como documento n.° 3 e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido).
O SP alega que de fora dos anexos do projeto de relatório, ficaram as faturas que se reportavam aos serviços de reconstrução, de ampliação e de demolição, estes liquidados pela mesmo à taxa normal. De acordo com o SP, as faturas, remetidas aos SIT (que juntou no direito de audição como documento n.º 4 e cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido) demonstram esta repartição, dentro da mão de obra, os trabalhos que se reportavam à reabilitação do edificado pré-existente, e os que se referiam à ampliação do mesmo.
Segundo o SP, o mesmo fez refletir precisamente essa divisão na sua faturação, subdividindo os trabalhos que podem beneficiar da taxa reduzida (ou seja, quando estava em causa a mão de obra para reabilitação do edificado existente) daqueles que não poderiam beneficiar dessa taxa, mas que estariam sujeitos à taxa normal (ou seja, quando estava em causa a incorporação de materiais que não excedesse 20% do valor global dos serviços de reabilitação do edificado existente ou tratando-se de mão de obra de ampliação do edificado existente).
A título meramente exemplificativo, o SP refere a fatura n.º 549/0001161, de 02-05-2023, enviada para os SIT, em resposta a um dos pedidos de elementos, emitida em nome de H..., cliente/dono de obra da empreitada que tem como objeto o imóvel sito na Rua ..., n.° ..., em Cascais, em cuja descrição constam os trabalhos relativos à ampliação:
EMPREITADA DE REABILITAÇÃO DA MORADIA LOCALIZADA NA RUA ..., FREGUESIA DE ... ...
Trabalhos de Ordens de Alteração, relativos à ampliação, realizados na empreitada referida em epigrafe, no mês de abril de 2023, conforme auto de medição n 16, em anexo 34.192,32 € 34.192,32 €
O SP alega que, por se tratar de trabalhos relativos à ampliação, ainda que no âmbito de um único projeto conexo com a reabilitação prévia, liquidou IVA à taxa de 23% sobre esses serviços de ampliação, conforme evidencia a fatura n.° 549/0001161:

O SP alega, também, tendo por referência a mesma empreitada, o mesmo cliente/dono de obra, o mesmo projeto e o mesmo período de tributação, também a titulo meramente exemplificativo, a fatura n.º 550/0001197, também datada de 02-05-2023, em que na descrição constam os trabalhos relativos à reabilitação, com a discriminação da mão de obra e dos materiais, conforme auto de medição n. °17:


O SP alega que precisamente por se tratar de trabalhos de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação, ainda que no âmbito de um único projeto, liquidou IVA às taxas de 6% e 23%, com a distinção entre a mão de obra e os materiais, respetivamente:

Donde se conclui que, segundo o SP, contrariamente ao que vem afirmado pelos SIT no relatório, se verificou um efetiva divisão dos vários serviços prestados no âmbito das empreitadas em causa, tendo a taxa reduzida de IVA, sindicada no relatório, sido aplicada exclusivamente aos serviços de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação (mão de obra ou mão de obra e materiais, quando estes últimos não excederam 20% do valor global da prestação de serviços); tendo os demais serviços e materiais, se aplicável, sido sujeitos à taxa normal de 23%.
E não se refira que os SIT olharam apenas ao teor dos autos de medição para os quais remetem as faturas de onde consta um elenco absolutamente taxativo de todas as operações levadas a cabo, porquanto, como se viu no exemplo acima citado, ambas as faturas remetem para o mesmíssimo auto de medição (identificado com o n.º 17).
Ou seja, de acordo o SP, o auto de medição em todos os casos (que, a ser utilizado, não foi devidamente mobilizado pelos SIT) contém todas as especificações dos trabalhos levados a cabo na empreitada vista como um todo, dado ser um único projeto, incluindo não apenas os trabalhos de renovação, mas todos os serviços executados.
Esta conclusão é extensível, segundo o SP, a todas as outras faturas (já juntas como documento nº4 anexo ao direito de audição), em que foi efetivada a claríssima divisão entre as realidades a que se iria aplicar a taxa de IVA, não tendo, dessa forma, procedido á aplicação indevida da taxa reduzida sobre serviços que não se encontravam abrangidos por esta, tendo atuado em pleno cumprimento dos requisitos legais e das informações prestadas pela AT.
De acordo com o SP, estando assim evidente o erro nos pressupostos de facto e de direito em que os SIT incorreram ao proporem as correções ao nível da verba 2.27, ao desconsiderarem a faturação repartida e aplicação de diferentes taxas de IVA, as mesmas não podem subsistir, porquanto apenas foi, devidamente, liquidado IVA à taxa de 6% sobre os serviços de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação (mão de obra ou mão de obra e materiais, quando estes últimos não excederam 20% do valor global da prestação de serviços), concluindo-se que as correções propostas pelos SIT carecem de suporte legal, não devendo ser as correções propostas convertidas em definitivas, com todas as consequências legais.
Decorrente da análise aos argumentos apresentados pelo SP nos pontos 8 a 28 do direito de audição relativamente às correções propostas pelos Serviços de Inspeção, pela aplicação indevida da verba 2.27 da Lista 1 do CIVA nas empreitadas dos imóveis em causa, vai se expor nos parágrafos seguintes as conclusões da análise efetuada.
Em 1° lugar, importa enquadrar a natureza dos trabalhos que foram efetuados no âmbito da empreitada de reabilitação da moradia localizada na Rua..., freguesia de ...e ... .
Os trabalhos em causa consideram a prestação de serviços de beneficiação, remodelação, renovação ou restauro do edificado pré-existente, incluindo, também a ampliação do imóvel em causa, além da criação de mais um piso (Piso -1), bem como a execução de outros trabalhos constantes dos orçamentos.
Conforme referido no ofício circulado n.° 30135 de 26-09-2012 da Área de Gestão Tributária do IVA, no seu ponto 7 (serviços não compreendidos nesta verba) face à redação da verba 2.27 estão excluídas da aplicação da taxa reduzida as obras de construção e similares, nomeadamente os acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis.
No entanto, efetivamente, no mesmo Ofício Circulado, no seu ponto 9, admite-se ainda que os operadores económicos realizem empreitadas parcialmente abrangidas pela 2.27, pelo que, no caso de empreitadas efetuadas em imóveis afetos à habitação, que incluam obras abrangidas pela verba 2.27 e, também obras excluídas da aplicação daquela verba, como, por exemplo, piscinas, jardins, lojas comerciais, etc., podem ocorrer as seguintes situações:
i)Se o prestador dos serviços emite uma fatura discriminado os valores, ou seja, distinguindo por um lado o valor da obra realizada no imóvel afeto à habitação, abrangida pela verba 2.27 e, por outro lado, o valor da obra excluída da aplicação desta verba, aplica a taxa reduzida à primeira obra e a taxa normal à segunda.
ii)Se o prestador dos serviços emite uma fatura pelo valor global da empreitada, sem discriminar os serviços, aplica a taxa normal àquele valor global".
Neste sentido, o SP alega que fez refletir precisamente essa divisão na sua faturação, subdividindo os trabalhos que podem beneficiar da taxa reduzida (ou seja, quando estava em causa a mão de obra para reabilitação do edificado existente) daqueles que não poderiam beneficiar dessa taxa, mas que estariam sujeitos à taxa normal (ou seja, quando estava em causa a incorporação de materiais que não excedesse 20% do valor global dos serviços de reabilitação do edificado existente ou tratando-se de mão de obra de ampliação do edificado existente), indicando, a titulo exemplificativo, algumas faturas.
Desta forma, para verificar os trabalhos efetivamente realizados referentes às várias faturas foram solicitados elementos adicionais ao SP, no âmbito do direito de audição, nomeadamente, os autos de medição de suporte às mesmas, concretamente, os autos de medição n.ºs de 14 a 20 (inclusive), os quais o SP procedeu ao seu envio (Anexo 5).
Reforçando o SP, que várias faturas remetem para o mesmo auto de medição, mesmo estando em causa trabalhos diferentes, com a consequente aplicação de taxas de IVA diferentes. Os autos de medição contêm todas as especificações dos trabalhos levados a cabo na empreitada vista como um todo, dado ser um único projeto, não incluindo apenas os trabalhos de renovação, mas todos os serviços executados.
Da análise efetuada, atendendo à natureza dos serviços prestados, no caso em apreço, coloca-se desde logo em questão sobre quais os serviços, em que, eventualmente, o SP podia aplicar a verba 2.27, atendendo a que, por exemplo, a criação de um novo piso (piso -1), implica demolições, reconstrução de paredes, pavimentação, pintura, e outros serviços, cujos trabalhos se podem facilmente confundir com trabalhos de beneficiação e restauro do imóvel, estando conforme consta do ponto 7, já referido, do ofício-circulado n.º 30025, excluídos da aplicação da verba 2.27, os trabalhos referentes à construção de acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis.
Da análise aos próprios autos de medição enviados, constata-se, que, pela natureza dos serviços especificados, não é clara a repartição efetuada pelo sujeito passivo entre os trabalhos de conservação/reparação (aplicável a verba 2.27)e os trabalhos de ampliação, existindo trabalhos que podem ser comuns às duas componentes, como trabalhos referentes ao sistema de saneamento e trabalhos de beneficiação decorrentes da criação do novo piso.
Apesar do SP enviar autos de medição, com o objetivo de separar as operações em que aplica, ou não, a verba 2.27, o certo é que atendendo à natureza da intervenção em causa (demolição, ampliação e criação de mais um piso), verificam-se intervenções cuja repartição efetuada pelo sujeito passivo está colocada em causa, uma vez que a comprovação do que foi afeto à aplicação de referida verba apenas está suportada em Autos de Medição, carecendo de carrear neste âmbito qual é a base para tal afetação. Ou seja, competia ao sujeito passivo comprovar que a aplicação da verba 2.27 se aplicou a prestação de serviços sobre determinado imóvel ou parte de imóvel, que não sofreu demolição, nem integrava operações de reconstrução. Factualidade que neste âmbito não ficou demonstrado.
Ou seja, de toda a análise efetuada, verifica-se que a natureza de intervenção no imóvel não é a conservação ou reparação, mas a reconstrução e ampliação de todo o imóvel, não tendo o sujeito passivo documentado que parte do imóvel foi alvo de intervenção específica de reparação ou conservação.
Por todo o exposto, consideramos não ser de acolher a argumentação do sujeito passivo apresentada nos pontos 8 a 28 do direito de audição, mantendo-se assim as conclusões vertidas no projeto de relatório em relação a esta matéria.
Desta forma, tendo em conta todo o exposto nos parágrafos anteriores, resume-se no quadro seguinte, por período de imposto, os valores de imposto (IVA) a corrigir decorrente da aplicação indevida da taxa reduzida - verbas 2.23 e 2.27 da Lista l anexa ao Código do IVA, nos termos do art. 87° do Código do IVA, mantendo-se as correções vertidas no projeto de relatório, com exceção do montante de imposto (IVA) de 5.052,67 Eur, que foi abatido às correções do período 2023/05, tendo-se confirmado que a fatura n.° 550/0001197 de 2023-05-02 foi efetivamente anulada, não concorrendo, como tal, para qualquer correção em sede de IVA.

L. Quando foram realizadas as referidas empreitadas nos Municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto não existiam operações de reabilitação urbana (ORU) aprovadas nos termos previstos no artigo 17.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) para os locais em que se localizam os edifícios (documento n.º 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
M. No que concerne imóvel, sito na Rua..., n.º ..., ..., concelho de Moura, estava em causa um projeto (...– ...) que visava a reabilitação de todo o edifício existente através da substituição da cobertura (que se encontrava em ruínas), reforços estruturais, revestimentos, vãos exteriores e acabamentos, para adaptação às novas condições do edifício (informação prestada pelo Diretor Técnico da Empreitada que se junta como documento n.º 9, cujo teor se dá como reproduzido);
N. Nesta empreitada de ... foi aproveitada uma parte do prédio, mantendo-se parede, e foi ampliada numa zona contígua, foram picadas todas as paredes, que se encontravam degradadas, os pavimentos foram novos e a cobertura foi reabilitada (depoimento da testemunha I... e documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
O. A demolição do imóvel de ... não foi total, tendo sido mantidas paredes exteriores e algumas interiores (depoimento da testemunha I... e documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
P.No imóvel sito na Rua ...e, n.º ..., Cascais a empreitada traduziu-se na remodelação de uma moradia com cerca de 500 m2 e ampliação de cerca de 200 m2, arranjos exteriores e piscina (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e depoimento da testemunha J...);
Q.A Requerente emitiu as facturas que constam dos documentos n.ºs 11, 12, 13 e 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
R. A Requerente, relativamente a estas empreitadas de... e ... efectuou distinção entre os trabalhos que considerou de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação, designados pela Requerente como “reabilitação”, e os trabalhos de “ampliação”, efectuando a facturação e a liquidação de IVA com base nessa alocação, para além de, dentro dos trabalhos denominados de reabilitação, terem sido discriminados os materiais incorporados e a mão de obra, sempre que o valor dos primeiros excedesse 20% do valor global da prestação de serviços:
· IVA relativo à mão de obra em trabalhos de “reabilitação”, à taxa de 6%;
· IVA relativo aos materiais utilizados nesses mesmos trabalhos (quando o respetivo valor desses materiais excede 20% do valor global da prestação de serviços), à taxa de 23%;
· IVA relativo à mão de obra em trabalhos de “ampliação”, à taxa de 23%.
(depoimentos das testemunhas I... e J...);
S. A Requerente emitiu mensalmente e para cada uma das empreitadas de ... e ...duas faturas distintas: a primeira relativa à mão de obra para a renovação do imóvel existente e materiais, se aplicável, com a diferenciação de IVA referida (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos) e a segunda relativa aos serviços de ampliação, com a indicação da taxa normal de IVA (documentos n.ºs 13 e 14, cujos teores se dão como reproduzidos);
T. Na empreitada de Cascais, a Requerente considerou como integrando-se no conceito de «remodelação» as alterações do edifício para exigências actuais de electricidade, canalizações, revestimento de paredes, substituição de caixilharia, pinturas no interior (depoimento de J...);
U. Na empreitada de ..., a Requerente considerou como demolições desmontes de equipamentos sanitários, caixilharias, remoção de revestimentos e mosaicos (depoimento de J...);
V. A pedido da administração tributária feito durante a inspecção (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) a Requerente enviou os documentos pedidos (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
W. Na sequência da inspecção, a administração tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

X. A Requerente requereu a prestação de garantia bancária no valor de € 322.683,38 para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Y. Em 02-04-2025, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem a presente processo.
2.2. Factos não provados
2.2.1. Não se provou que o edifício localizado em ... tivesse sido completamente demolido, tendo-se provado, antes, que paredes exteriores e interiores foram mantidas.
2.2.2. Não se provou que a Requerente tivesse pagado as quantias liquidadas. Não foi apresentado qualquer documento relativo a pagamentos.
2.2.3. Não se provou que tenha sido prestada garantia bancária. A Requerente apenas juntou um requerimento de prestação de garantia, sem junção de documento comprovativo de ela ter sido prestada.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, ainda com base nos depoimentos das testemunhas I... e J....
As testemunhas foram os directores técnicos das obras de ... e ...e aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base no seus depoimentos.
3. Matéria de direito
A Requerente levou a cabo empreitadas aplicando total ou parcialmente as verbas 2.23 e 2.27 da Lista I anexa ao CIVA, que prevêem a aplicação da taxa reduzida de IVA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções por entender que não se verificam os requisitos para que as empreitadas em causa beneficiem da taxa reduzida de IVA.
Assim, as questões essenciais que são objecto do presente processo são as de saber se era ou não de aplicar a taxa reduzida de IVA às empreitadas em causa.
3.1. Questão da aplicação da taxa reduzida de IVA, ao abrigo da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA
3.1.1 Legislação aplicável
A verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA estabelece o seguinte, nas redacções vigentes ao tempo em que foram praticados os actos impugnados (entre Maio e Dezembro de 2023 e Fevereiro e Março de 2024).
2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional. (Redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)
2.23 - As empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional. (redacção da Lei n.º 56/2023, de 06 de Outubro)
No entanto, por força do disposto no artigo 50.º da Lei n.º 56/2023,
9 - A verba 2.23 da lista i anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na redação introduzida pela presente lei, não é aplicável aos seguintes casos:
a) Pedidos de licenciamento, de comunicação prévia ou pedido de informação prévia respeitantes a operações urbanísticas submetidos junto da câmara municipal territorialmente competente antes da data da entrada em vigor da presente lei;
b) Pedidos de licenciamento ou de comunicação prévia submetidas junto da câmara municipal territorialmente competente após a entrada em vigor da presente lei, desde que submetidas ao abrigo de uma informação prévia favorável em vigor.
No caso em apreço, está-se perante pedidos de licenciamento anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 56/2023, como de infere do facto de as certidões que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, relativas às empreitadas a que foi aplicada a taxa ao abrigo da verba 2.23 estarem datadas de 2021 e 2022.
Por isso, por força do disposto no artigo 50.º, alínea a), da Lei n.º 56/2023 não é aplicável a nova redacção.
3.1.2. A decisão da questão
A divergência entre a Requerente e a Administração Tributária tem por objecto a necessidade ou não de existência de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) aprovada para a área em que se situam os prédios objecto de empreitada.
Neste caso, embora os prédios sitos nos concelhos de Vila Nova de Gaia e Porto estivessem situados em áreas de reabilitação urbana (ARU), não existia qualquer operação de reabilitação urbana (ORU) aprovada nos termos dos artigos 16.º a 19.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) para os locais onde se situam esses prédios.
O objecto deste litigio foi decidido, à face da redacção da verba 2.23 introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, por unanimidade, no acórdão de uniformização de jurisprudência de 26-03-2025, processo n.º 12/24.9BALSB, que
I – Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as "empreitadas de reabilitação urbana".
II – A qualificação como "empreitada de reabilitação urbana" pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.
Na fundamentação deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo refere-se, além do mais, o seguinte:
3.2.4.16. Em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana.
3.2.4.17. Interpretação que sai reforçada pelos elementos teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização.
3.2.4.18. Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção política, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje «uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objectivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna». (§ 1 do referido preâmbulo).
3.2.4.19. Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para «cinco grandes desafios», destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infra-estruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana».
3.2.4.20. Elegeu-se como objectivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução.
Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. (…)
3.2.4.21. Ficou ainda exarado no mesmo preâmbulo, que «O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva área de reabilitação urbana.».
3.2.4.22. Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, «regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.».
3.2.4.23. Passa a permitir-se «que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respectiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objectivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora.
3.2.4.24. “Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana.
No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objectivo a reabilitação urbana de uma área.
No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, com os objectivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano.».
3.2.4.25. «Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele acto a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O acto de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.».
3.2.4.26. Em suma, resulta, a nosso ver de forma expressiva, do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objectivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade (ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual (que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objectivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de Reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objectivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar.
3.2.4.27. Só tendo presente esta intencionalidade e objectivos faz sentido a norma excepcional do artigo 18. Al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na ausência desta contextualização a atribuição daquele benefício e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria, em nosso entender, de duvidoso conforto constitucional.
3.2.4.28. Refutamos, por fim, ainda que de forma breve, dois argumentos jurídicos em que a Recorrente deposita grandemente a sua tese de que o conceito de empreitada de reabilitação urbana e, por via deste, a Verba 2.23 não comporta a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. Argumentos de que supostamente resulta infirmada a interpretação por que optamos: a disciplina contida nos artigos 14.º («Efeitos da delimitação”) e 15.º («Âmbito temporal), ambos do RJRA.
3.2.4.29. Quanto aos efeitos ( seguros de que só podem estar em questão os efeitos fiscais previstos no n.º 2 do artigo 14.º do RJRU, por o IVA não constituir um imposto associado aos impostos municipais sobre o património), cumpre apenas dizer que os direitos que aí estão reconhecidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações compreendidos na Área de Reabilitação Urbana de aceder aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, se encontram condicionados ao que na legislação aplicável se encontrar estabelecido.
3.2.4.30. Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na Verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições constitui, tão só, o cumprimento da lei. Tal como o seu reconhecimento, verificados os pressupostos que vimos mencionando, constituem o cumprimento da mesma.
3.2.4.31. Relativamente à questão do âmbito temporal importa realçar dois aspectos. O primeiro é o de que não pode confundir-se a possibilidade legalmente reconhecida aos Municípios de não aprovarem simultaneamente os dois instrumentos que, cumpridos, aprovados, permitem qualificar uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana (delimitação da área e operação de reabilitação urbana) com as condições de reconhecimento do benefício fiscal ao sujeito passivo.
Do exercício da faculdade concedida aos primeiros (aprovação não simultânea dos dois instrumentos) pode resultar, ou não, a caducidade da delimitação da Área de Reabilitação Urbana, nos termos do n.º do artigo 15.º. Tal como a realização da empreitada em Área de Reabilitação Urbana pode conduzir, ou não, ao reconhecimento ao sujeito passivo do benefício consagrado na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, dependendo de estar associada ou não a essa Área uma Operação de Reabilitação Urbana. Condição que cumpre ao sujeito passivo assegurar que está verificada, antes de realização da empreitada, pretendendo beneficiar da taxa de IVA reduzida. Ou seja, não está vedado ao sujeito passivo, a partir do momento em que o legislador passou a admitir que é possível não haver coincidência temporal entre a delimitação da Área de Reabilitação Urbana e a aprovação da Operação de Reabilitação Urbana, realizar empreitadas em Área de Reabilitação Urbana. O que lhe está legalmente vedado é beneficiar da tributação reduzida prevista na Verba n.º 2.23 se a empreitada se concretiza, mesmo que em Área de Reabilitação Urbana, antes da aprovação da Obra de Reabilitação Urbana.
3.2.4.32. De tudo quanto fica exposto se retira uma última conclusão, qual seja, a de que, neste contexto interpretativo, carecem de fundamento legal as alegações da Recorrente de que a interpretação que perfilhamos viola o princípio da legalidade fiscal nas vertentes da tipicidade e da reserva de Lei por se estarem a “adicionar administrativamente” (presume-se que se esteja a referir aos Ofícios Circulados e Informações invocados pela recorrida nas decisões das Reclamações Graciosas e nas respostas no processo arbitral) à Verba n.º 2.23. da Lista I anexa ao CIVA requisitos que o legislador não contemplou. Ao exigir-se que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos definidos, está-se apenas a exigir que se preencham as condições impostas pelo legislador fiscal no artigo 18.º al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a esse Código anexa, que inclui, como vimos, a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.
3.2.4.33. Tendo presente o quadro legal supra descrito, particularmente a interpretação perfilhada quanto aos requisitos consagrados na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, e que dos factos apurados na decisão recorrida resulta que a empreitada foi realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual não estava à data da sua execução aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana bem andou o Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, julgamento que nestes autos se confirma.
À face desta jurisprudência, é claro que a Requerente não tem razão, pois, não havendo qualquer ORU aprovada para as áreas onde se situam os prédios dos concelhos de Vila Nova, não era aplicável a taxa reduzida.
Como resulta dos termos deste aresto, é necessária uma prévia aprovação de ORU não bastando qualquer projecto ou intenção dos órgãos municipais de a virem a aprovar.
A aprovação de uma ORU só ocorre pelas formas previstas na lei, designadamente através de instrumento próprio, da competência da Assembleia municipal, ou plano de pormenor, da competência da Câmara Municipal, nos termos dos artigos 16.º e seguintes do RJRU.
Em qualquer dos casos, está-se perante actos de aprovação de natureza formal, que não são substituíveis por meras intenções ou projectos de aprovação ou mesmo aprovações posteriores: ou houve aprovação formal anterior à execução da empreitada ou não.
Neste caso, os municípios de Vila Nova de Gaia quer o Porto não tinham aprovado qualquer operação de reabilitação urbana, quer por instrumento próprio quer através de plano de pormenor, pelo que se está perante situações em que não podia ser aplicada da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista anexa ao CIVA.
Tratando-se de jurisprudência de um acórdão proferido em recurso para uniformização de jurisprudência, proferido por unanimidade, a decisão acertada de um tribunal que julga em 1.ª instância, como é este Tribunal Arbitral, é acatar essa jurisprudência, tendo em mente a "interpretação e aplicação uniformes do direito", pretendida pelo artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil e postulada pelo princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
3.1.3. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente
3.1.3.1. Questão da violação do princípio da legalidade
A Requerente diz que o facto de que «a AT, ao exigir um pretenso requisito adicional legalmente não previsto, afronta o princípio da legalidade tributária com respaldo constitucional no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e infraconstitucional no artigo 8.º da LGT, em especial na sua vertente da tipicidade dos elementos que desencadeiam a aplicação dos tributos».
No entanto, o conhecimento desta questão está prejudicado pela referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, a tese da Requerente é que a Autoridade Tributária e Aduaneira criou um requisito adicional para aplicar a verba 2.23, não previsto na lei (existência de ORU), mas a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo assegura que este requisito é exigido pela lei, havendo unanimidade dos Juízes.
Com este pressuposto, a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira não afronta o princípio da legalidade tributária, antes é a sua concretização.
3.1.3.2 Questão da violação do princípio da proporcionalidade
A Requerente defende que «é ainda manifestamente desproporcional, face à redação a lei e ao que foi explicado a propósito do princípio da legalidade tributária, conjugado ainda com a emissão por parte dos municípios (entidades com competências em matéria urbanística), abonar na interpretação da exigência de aprovação (formal) de uma ORU».
Como já se referiu, o que a Requerente alega sobre o princípio da legalidade não procede, pois a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da necessidade de aprovação formal de uma ORU para aplicação da taxa reduzida é, no nosso sistema judiciário, a definição jurisprudencial máxima dessa legalidade.
Por outro lado, a exigência da aprovação formal de uma ORU, a que se segue a obrigação de a respetiva entidade gestora a promover (artigo 19.º do RJRU) é um requisito adequado para atingir os objectivos de concretização da reabilitação urbana que legislativamente se pretendem atingir.
3.1.2.3 Questão da violação do princípio da confiança, segurança jurídica e das expectativas criadas na esfera da Requerente
A Requerente defende, em suma, que as Câmaras Municipais de Vila Nova de Gaia e Porto emitiram certidões no sentido de as empreitadas em causa serem de reabilitação urbana e ser aplicável a verba 2.23 e defende que elas têm competências exclusiva nessas matérias.
A Requerente refere também que há informações vinculativas da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido que propugna.
Na verdade, a aplicação ou não de benefícios fiscais relativos a impostos estaduais, como é o IVA, é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], sendo estranha às atribuições das autarquias locais.
A eventualidade de a Requerente ter constituído expectativas de que estava a actuar segundo os trâmites legais e que seria plenamente correcta a aplicação da taxa reduzida de IVA nas empreitadas em curso, não é fundamento para afastar a aplicação da lei, o que se reconduziria a atribuir às autarquias locais o poder de revogarem actos legislativos estaduais.
A circunstância de a Requerente eventualmente ter sido prejudicada pelas referidas informações ilegais dos Municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto, poderá ser fundamento de responsabilidade civil extracontratual, mas não pode justificar a admissibilidade da criação, por via administrativa, de um regime alternativo ao regime legal em matéria de benefícios fiscais, como são as reduções de taxas (artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), para mais tratando-se de matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Relativamente às alegadas informações vinculativas, que se terão pronunciado num sentido ilegal, também será matéria que poderá ser objecto de responsabilidade civil extracontratual, mas a sua existência não pode justificar que se afasta a aplicação da lei, em matéria de benefícios fiscais.
3.1.2.4. Questão da violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade no tratamento diferenciado entre sujeitos passivos em situações iguais
A Requerente coloca estas questões por a exigência de ORU conduzir a tratamentos distintos dos contribuintes que pretendem realizar as empreitadas em ARU para que existe ORU e aquelas em que esta não existe.
No entanto, não se está perante situações iguais, pois a existência de uma ORU assegura que existe uma estratégia de reabilitação urbana e que a empreitada é realizada de acordo com ela, impondo a quem promove a ORU a obrigação de a concretizar (artigo 19.º, n.º 1, do RJRU), enquanto a mera existência de uma ARU não o assegura.
Não se trata de uma diferenciação apenas formal, pois a aprovação da ORU tem efeitos que não tem a mera existência de uma estratégia de reabilitação urbana, não formalizada através de ORU.
Assim, há fundamento para distinguir entre as situações em que está assegurada a concretização da estratégia de reabilitação e aquelas em que não há, à face da lei, essa certeza.
Por isso, não ocorrem as alegadas violações dos princípio da igualdade e da proporcionalidade.
3.1.4. Questão da existência de actos administrativos emitidos pelos municípios reconhecendo a aplicação da taxa reduzida ao abrigo da verba 2.23 do CIVA
A Requerente defende, nas suas alegações, que o Município de Vila Nova de Gaia emitiu «actos de conteúdo certificativo» atestando que que as empreitadas em apreço constituem ‘operações de reabilitação urbana’, e, por isso mesmo, empreitadas de reabilitação urbana na aceção do regime jurídico da reabilitação urbana (RJRU) e da citada verba 2.23 (documento n.º 8) e que o Município do Porto, por via da prática de um ato de conteúdo certificativo, atestou, para os devidos e legais efeitos, que as empreitadas em apreço reúnem os requisitos do RJRU para beneficiarem da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA, o que significa que o Município do Porto, no exercício de competências próprias, atestou que a referida empreitada seria qualificada como uma operação de reabilitação urbana conforme RJRU.
Com base no pressuposto de que se trata de actos administrativos de tipo certificativo, a Requerente defende que este Tribunal Arbitral deve «declarar a nulidade do ato impugnado por ostensiva ausência de atribuições (cf. alínea b) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Processo Administrativo - CPA), e, por outro lado, com a circunstância de materialmente ser inegável que teve lugar a prévia aprovação e adoção dos atos e diligências necessárias à existência de uma ORU referente à ARU Cidade de Gaia».
No entender da Requerente as liquidações impugnadas serão nulas por ser da exclusiva competência municipal confirmar a localização da empreitada e a qualificação a atribuir à operação urbanística e, nos casos referidos, , a AT substituiu-se verdadeiramente aos serviços municipais no sentido de, discordando da qualificação jurídica de natureza exclusivamente urbanística que havia sido previamente adotada, determinar que não estavam reunidos os pressupostos necessários a tal qualificação.
Na tese da Requerente a Autoridade Tributária e Aduaneira «adotou um ato que, no essencial, consubstancia uma revogação do ato certificativo adotado pelo município na parte que respeita à qualificação da empreitada como uma ‘operação de reabilitação urbana’» pelo que se está perante uma situação de « incompetência absoluta da AT para a prática de um ato que materialmente consiste na revogação de uma decisão que compete exclusivamente aos municípios adotar», o que gera a nulidade dos actos praticados.
Os actos de liquidação impugnados inserem-se, manifestamente, nas atribuições e competências da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois o artigo 2.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, inclui entre as atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira «assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público».
Por isso, está afastada a possibilidade de os actos de liquidação emitidos enfermarem de nulidade por falta de atribuições.
Por outro lado, mesmo que se atribuísse aos actos dos município de Vila Nova de Gaia e Porto qualquer efeito vinculativo para a Autoridade Tributária e Aduaneira, a violação de tal hipotética vinculação consistiria um vício gerador de anulabilidade, pois a situação não se enquadra em qualquer das situações arroladas no artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, enquadrando-se, por isso, na norma do artigo 163.º, n.º 1, do CPA, que estabelece que «são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».
O não acatamento pela Autoridade Tributária e Aduaneira de antecedentes da sua decisão, designadamente hipotéticos actos administrativos constitutivos de direitos de que resulte uma vinculação, como o não acatamento de qualquer outras vinculações (como as emergentes de lei, regulamento ou contrato), constitui uma mera situação de violação do princípio da legalidade, enunciado no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, que, quando não esteja prevista a sanção de nulidade, é sancionada com anulabilidade.
Ora, no caso em apreço constata-se a Requerente não imputou essa hipotética ilegalidade aos actos impugnados, dentro do prazo aplicável previsto para impugnação de actos anuláveis, neste caso o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n. 1, alínea a) do RJAT, pelo que se extinguiu o direito de invocar essa ilegalidade como fundamento de anulação.
Pelo exposto, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que se referiu, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA às empreitadas realizadas em Vila Nova de Gaia e Porto.
3.2. Questões da aplicação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA
A verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA estabelece a aplicação da taxa reduzida nos seguintes termos:
2.27 - As empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação, com excepção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares.
A taxa reduzida não abrange os materiais incorporados, salvo se o respectivo valor não exceder 20 % do valor global da prestação de serviços.
3.2.1. Fundamentação a atender
Antes de mais, importa esclarecer que a fundamentação a atender é a que a consta do RIT.
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
O processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas na pendência do processo arbitral, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.
O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos na decisão da reclamação graciosa, a fundamentação do pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente e as provas que o Sujeito Passivo veio trazer ao processo poderiam ser diferentes.
Por isso, aquele direito à tutela judicial efectiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos dos actos impugnados que o sujeito passivo não teve oportunidade de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial e o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.
O que, aliás, também é imposto pelo princípio da separação de poderes (artigo 2.º da CRP) à face da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, :
– Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária (acórdão do STA de 1-6-2011, processo n.º 058/11);
– (...) o tribunal não pode introduzir diferentes filtros para escrutinar a legalidade dos actos impugnados ou recorrer a novos fundamentos para os manter na ordem jurídica, estando impedido de invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, mais não resta do que anular os actos que constituem o objecto (imediato e mediato) da impugnação judicial (acórdão do STA de 31-1-2018, processo n.º 1157/17).
Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.
Nos casos de autos, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no presente processo um novo possível fundamento para não aplicação da taxa reduzida que é o de não estarem habitados os prédios em que se realizaram as empreitadas de... e ... .
Como se vê pela fundamentação que consta do RIT, não foi invocado este possível fundamento, pelo que a sua invocação no presente processo constitui fundamentação a posteriori, que é irrelevante para assegurar a legalidade dos actos impugnados.
Por esta razão, não se toma conhecimento deste possível vício.
3.2.2. Questão da aplicação da verba 2.27 à empreitada de ...
A Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios de erro sobre os pressupostos de direito e erro sobre os pressupostos de direito.
A Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira facturação repartida relativamente a esta empreitada.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não era aplicável a redução de taxa pelo seguinte:
Da análise aos serviços prestados, designadamente da análise ao detalhe das rubricas do orçamento para a mão de obra da empreitada em causa enviado pelo SP (cf. Anexo 2), verificou- que os serviços prestados incluem no ponto 2.1.1. do mesmo "a demolição completa do edifício existente, incluindo estrutura, cobertura, paredes exteriores e interiores, chaminés, vãos interiores e exteriores, armários, pavimentos, revestimentos existentes, bancadas e restantes equipamentos interiores e exteriores, redes de aguas, esgotos e eletricidade e todos os trabalhos complementares".
Desta forma, verifica-se que estamos perante serviços de construção que abrangem a demolição total do imóvel e a construção de um edifício novo ou a reconstrução do imóvel, os quais não se enquadram no âmbito da aplicação da verba 2.27, face à redação da verba e dos esclarecimentos vertidos no Ofício-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26, da Área de Gestão Tributária do IVA, nomeadamente no seu ponto 7.
Como se vê, o motivo determinante é os serviços de construção abrangerem a demolição total do imóvel e a construção de um edifício novo ou a reconstrução do imóvel.
A prova produzida é no sentido de este pressuposto da decisão da AT não corresponder à realidade, pois o edifício de ... não foi completamente demolido, tendo sido aproveitada uma parte do prédio, designadamente paredes mantiveram-se.
Assim, conclui-se que as correcções efectuadas relativamente a esta empreitada enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação das liquidações na parte em têm por objecto esta empreitada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Concluindo-se no sentido da anulação das liquidações impugnadas, na parte em que têm subjacentes a correcção relativa à empreitada de ..., fica prejudicado, por ser inútil [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT], o conhecimento do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.
3.2.3. Questão da aplicação da verba 2.27 à empreitada de Cascais
Relativamente à empreitada de Cascais, a fundamentação inicialmente invocada no RIT para justificar as correcções efectuadas, foi, em suma, a de que «os serviços prestados incluíram a ampliação do imóvel em causa, além da criação de mais um piso (Piso -1), bem como a execução de outros trabalhos constantes do orçamento enviado», o que constituem «alterações estruturais do imóvel, pelo que estão excluídos da aplicação da verba», por a «sobreelevação e reconstrução de bens imóveis , conforme esclarece o ponto 7 do Oficio-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT».
Depois do exercício do direito de audição pela Requerente, Autoridade Tributária e Aduaneira passou a apreciar a questão à face do ponto 9 do referido Ofício-Circulado, que refere o seguinte:
9. Realização de empreitadas parcialmente abrangidas pela verba 2.27
No caso de empreitadas efetuadas em imóveis afetos à habitação, que incluam obras abrangidas pela verba 2.27 e, também, obras excluídas da aplicação daquela verba, como, por exemplo, piscinas, jardins, lojas comerciais, etc., podem ocorrer as seguintes situações:
i)Se o prestador dos serviços emite uma fatura discriminado os valores, ou seja, distinguindo por um lado o valor da obra realizada no imóvel afeto à habitação, abrangida pela verba 2.27 e, por outro lado, o valor da obra excluída da aplicação desta verba, aplica a taxa reduzida à primeira obra e a taxa normal à segunda.
ii)Se o prestador dos serviços emite uma fatura pelo valor global da empreitada, sem discriminar os serviços, aplica a taxa normal àquele valor global".
A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que a situação da empreitada de Cascais não se enquadrava na verba 2.27, pelo seguinte, em suma:
Da análise efetuada, atendendo à natureza dos serviços prestados, no caso em apreço, coloca-se desde logo em questão sobre quais os serviços, em que, eventualmente, o SP podia aplicar a verba 2.27, atendendo a que, por exemplo, a criação de um novo piso (piso -1), implica demolições, reconstrução de paredes, pavimentação, pintura, e outros serviços, cujos trabalhos se podem facilmente confundir com trabalhos de beneficiação e restauro do imóvel, estando conforme consta do ponto 7, já referido, do ofício-circulado n.º 30025, excluídos da aplicação da verba 2.27, os trabalhos referentes à construção de acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis.
Da análise aos próprios autos de medição enviados, constata-se, que, pela natureza dos serviços especificados, não é clara a repartição efetuada pelo sujeito passivo entre os trabalhos de conservação/reparação (aplicável a verba 2.27)e os trabalhos de ampliação, existindo trabalhos que podem ser comuns às duas componentes, como trabalhos referentes ao sistema de saneamento e trabalhos de beneficiação decorrentes da criação do novo piso.
Apesar do SP enviar autos de medição, com o objetivo de separar as operações em que aplica, ou não, a verba 2.27, o certo é que atendendo à natureza da intervenção em causa (demolição, ampliação e criação de mais um piso), verificam-se intervenções cuja repartição efetuada pelo sujeito passivo está colocada em causa, uma vez que a comprovação do que foi afeto à aplicação de referida verba apenas está suportada em Autos de Medição, carecendo de carrear neste âmbito qual é a base para tal afetação. Ou seja, competia ao sujeito passivo comprovar que a aplicação da verba 2.27 se aplicou a prestação de serviços sobre determinado imóvel ou parte de imóvel, que não sofreu demolição, nem integrava operações de reconstrução. Factualidade que neste âmbito não ficou demonstrado.
Ou seja, de toda a análise efetuada, verifica-se que a natureza de intervenção no imóvel não é a conservação ou reparação, mas a reconstrução e ampliação de todo o imóvel, não tendo o sujeito passivo documentado que parte do imóvel foi alvo de intervenção específica de reparação ou conservação.
A Requerente refere nas suas alegações que
191. Tal como fizeram questão de enaltecer os dois Engenheiros inquiridos todos os serviços levados a cabo pela Requerente em cada uma das empreitadas eram meticulosamente registados e alocados a um auto de medição relativo a cada uma das realidades sujeitas a cada taxa de IVA.
192. A Requerente refletiu essa distinção na faturação, separando os serviços sujeitos à taxa reduzida (mão de obra de reabilitação do edificado) dos que implicavam aplicação da taxa normal (materiais que excediam 20% do valor total ou mão de obra de ampliação do edifício).
193. Tal como resultou da inquirição de testemunhas, impõe-se uma análise de uma das faturas e respetivo auto de medição para que, dessa forma, se depreenda o pleno cruzamento de valores entre os autos de medição mensal e a fatura que os reflete.
Como se vê pela posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre esta correcção, a razão pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou o entendimento da Requerente foi facto de «a criação de um novo piso (piso -1), implica demolições, reconstrução de paredes, pavimentação, pintura, e outros serviços, cujos trabalhos se podem facilmente confundir com trabalhos de beneficiação e restauro do imóvel», entender que que a Requerente não comprovou «que a aplicação da verba 2.27 se aplicou a prestação de serviços sobre determinado imóvel ou parte de imóvel, que não sofreu demolição, nem integrava operações de reconstrução», concluindo que a situação não se pode enquadrar na verba 2.27 em face «natureza da intervenção em causa», que considerou que «não é a conservação ou reparação, mas a reconstrução e ampliação de todo o imóvel».
Mas, o referido Ofício-Circulado, que é vinculativo para Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), visa, precisamente estas situações de «imóveis afetos à habitação, que incluam obras abrangidas pela verba 2.27 e, também obras excluídas da aplicação daquela verba», o que impõe que a apreciação da aplicação da taxa reduzida seja efectuada com base na análise de cada uma das obras incluídas na empreitada e não com uma apreciação genérica da natureza da empreitada.
Para apuramento da adequação ou não efectuada pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira teria de apreciar, casuisticamente, cada um dos trabalhos indicados nos autos de medição e não a «natureza da intervenção em causa», que considerou que «não é a conservação ou reparação, mas a reconstrução e ampliação de todo o imóvel».
Examinando as facturas relativas a esta empreitada e as remissões que nelas se fazem para os autos de medição, constata-se que há uma pormenorizada discriminação dos trabalhos efectuados, resultando da prova produzida que a Requerente teve especial cuidado em fazer essa discriminação, de harmonia com o preceituado ponto 9 do Ofício-Circulado n.° 30135, de 2012-09-26.
É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, pode haver situações em que seja duvidosa a natureza dos trabalhos, mas isso não afasta a existência de situações em que é clara a natureza de trabalhos.
Por outro lado, ao obras enquadráveis na verba 2.27 não são apenas as de conservação ou reparação ou beneficiação ou restauro, que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere, pois a verba 2.27 prevê a aplicação da taxa reduzida para outras situações, designadamente, remodelação e renovação.
Ora, é precisamente nestes conceitos e noutros incluídos na verba 2.27 que são susceptíveis de enquadramento alguns dos serviços incluídos na empreitada, como é o caso, por exemplo, dos referidos pela testemunha J..., de alterações do edifício para exigências actuais a nível de electricidade, canalizações, revestimento de paredes, substituição de caixilharia e pinturas no interior, bem como os desmontes de equipamentos sanitários, caixilharias, remoção de revestimentos e mosaicos.
Assim, à face do referido ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30135, a possibilidade de fazer correcções dependeria de uma análise casuística de cada um dos trabalhos discriminados nos autos de medição e seu possível enquadramento em todos e cada um dos conceitos incluídos na verba 2.27 e não com base na natureza genérica da intervenção, o que não tem suporte legal, nem está previsto no referido ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30135.
Pelo exposto, a correcção efectuada enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação da verba 2.27 e do Ofício-Circulado n.º 30135, a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada.
Para além disso, sendo seguro, à face da prova produzida, que, entre as centenas de trabalhos incluídos na empreitada referidos nos autos de medição, se incluem trabalhos que enquadráveis na verba 2.27, a correcção efectuada enferma de erro sobre os pressupostos de facto, atinente à quantificação do facto tributário, que é fundamento para anulação.
Aliás, quanto à quantificação, bastaria a mera dúvida fundada para justificar-se a anulação desta correcção, nos termos do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Assim, justifica-se a anulação das liquidações na parte em têm por objecto esta empreitada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Restituição de quantias e indemnização por garantia
A Requerente diz que pagou parte das quantias liquidadas e prestou garantia bancária e pede a restituição das quantias pagas e indemnização por garantia indevida.
No entanto, não se provou que tivessem sido efectuados pagamentos ou que tivesse sido prestada a garantia cujo requerimento de prestação consta do documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
Por isso, improcedem os pedidos de restituição e indemnização, sem prejuízo de os respectivos direitos poderem ser reconhecidos, em execução desta decisão arbitral.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto às correcções referentes às empreitadas executadas em ... e ..., e anular as liquidações impugnadas de IVA e juros compensatórios nas partes respectivas;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às correcções referentes às empreitadas executadas em Vila Nova de Gaia e Porto e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos, nas partes respectivas;
c) Julgar improcedentes os pedidos de restituição de quantias e de indemnização por garantia indevida, sem prejuízo de os respectivos direitos poderem ser reconhecidos em execução desta decisão arbitral.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 261.453,31, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 90% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 10%, considerando que as correcções relativas à verba 2.27 têm o valor de € 25.006,96 (página 18 do RIT) e as relativas à verba 2.23 têm o valor de € 233.388,82 (página 14 do RIT).
Lisboa, 26-11-2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(A. Sérgio de Matos)
(José Coutinho Pires)