SUMÁRIO
I – A declaração periódica de rendimentos Modelo 22 considera-se apresentada na data em que é submetida pelo sujeito passivo, sob a condição de correção de eventuais erros no prazo de 30 (trinta) dias, findo o qual, sem que os mesmos se mostrem corrigidos, a declaração é considerada sem efeito. Assim, a falta de correção de erros na declaração periódica de rendimentos, no prazo legal, implica que a mesma se considere como não entregue, sendo anulada e não produzindo quaisquer efeitos, nos termos do artigo 117.º do Código do IRC e do artigo 5.º da Portaria n.º 1339/2005, de 30 de dezembro.
II – A falta de apresentação, no prazo legal, de declaração periódica de rendimentos Modelo 22 válida, em incumprimento da obrigação declarativa e da competência de autoliquidação do sujeito passivo decorrente dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alínea a), 117.º, n.º 1, alínea b) e 120.º, n.º 1 do Código do IRC, determina que a AT, ao abrigo dos artigos 89.º, alínea b), 90.º, n.º 1, alínea b) e 101.º do Código do IRC, emita liquidação oficiosa de IRC, nos termos legais.
III – Sem prejuízo do princípio da participação, quando a liquidação seja efetuada oficiosamente pela AT, com base em valores objetivos previstos na lei, como, por exemplo, os valores previstos no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, o exercício do direito de audição do sujeito passivo pode ser dispensado, se o contribuinte tiver sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito, no prazo legal, conforme previsto no artigo 60.º, n.º 2, alínea b) da LGT.
IV – O ato tributário de liquidação oficiosa efetuado nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, com base na matéria coletável do ano anterior, porque o contribuinte não apresentou declaração de rendimentos válida – o que foi dado a conhecer ao contribuinte, previamente, através de notificação, sem que o mesmo tenha regularizado o incumprimento da obrigação declarativa e respetiva autoliquidação – não padece de falta ou insuficiência de fundamentação, desde que, de forma sumária, contenha as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo liquidado.
V – A fundamentação dos atos tributários é um conceito relativo, que varia em função do concreto tipo de ato, sendo que o que releva, para estes efeitos, atento o carácter essencialmente instrumental do dever de fundamentação, é a efetiva possibilidade de o contribuinte, numa lógica de destinatário normal, ficar habilitado, através dos motivos e elementos constantes no ato, a conhecer as razões que o suportam, permitindo-lhe, assim, optar entre conformar-se ou, querendo, impugnar graciosa ou contenciosamente.
VI – Discordando da legalidade da liquidação oficiosa, o contribuinte pode impugnar a liquidação, com base em qualquer ilegalidade, incluindo, nomeadamente, a inexistência do facto tributário ou o alegado excesso de quantificação do lucro, cumprindo com o ónus da prova, nos termos do artigo 99.º do CPPT e do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
VII – Não obstante o princípio da tributação do rendimento real das empresas, enquanto manifestação do princípio da capacidade contributiva, bem como o princípio do inquisitório e o princípio da descoberta da verdade material, entre outros que regulam a atividade da AT, no âmbito da liquidação oficiosa emitida, aquela não tem o dever de realizar diligências probatórias complementares ou desencadear um procedimento de inspeção tributária, se o sujeito passivo não cuidar de oferecer, oportunamente, prova suficiente que permita verificar o excesso de quantificação face à sua situação contabilística e tributária, restando ao Tribunal Arbitral apreciar se o contribuinte provou, como lhe cabia, o excesso de quantificação na liquidação oficiosa.
VIII – Para que a liquidação oficiosa emitida ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC seja anulada é imprescindível que o sujeito passivo, atento o ónus da prova que sobre ele impende, ofereça prova, nomeadamente documental, que se afigure relevante, idónea e credível, em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico, pedido de revisão oficiosa, impugnação judicial e/ou processo arbitral, demonstrando que a referida liquidação sofre de ilegalidade, por vício de excesso de quantificação, não sendo ao sujeito passivo suficiente apresentar uma declaração posterior, que não goza da presunção de boa fé e veracidade do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, nem a IES ou apenas documentos de prestação de contas, como a alegada ata de aprovação de contas do exercício, a respetiva demonstração de resultados e o balanço anual, sem qualquer outra documentação contabilística e fiscal comprovativa adicional, que permita, convictamente, comprovar os elementos declarados e constantes nos documentos juntos.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:
I. Relatório
A..., Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., doravante “Requerente”, no seguimento de notificação da liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., respeitante ao período de tributação de 2021, no valor total de 41.563,99 €, incluindo juros compensatórios, veio, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e deduzir o respetivo Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) contra o ato tributário impugnado, peticionando a respetiva anulação, nos termos legais.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”.
O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi submetido pela Requerente em 21-11-2024, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22-11-2024 e notificado à AT.
A Requerente optou expressamente por não designar árbitro.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi designada a árbitra do presente Tribunal Arbitral singular, que comunicou ao Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto.
Ambas as Partes foram notificadas da nomeação da árbitra, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar.
Em 31-01-2025, o presente Tribunal Arbitral foi constituído, conforme comunicação do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Notificada do despacho do Tribunal Arbitral de 05-02-2025, a AT apresentou a sua Resposta em 12-03-2025, peticionando a improcedência do PPA da Requerente.
Em 19-03-2025, o Tribunal Arbitral emitiu despacho a notificar a Requerida para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciar, querendo, quanto ao pedido de produção de prova por perícia singular à contabilidade da Requerente constante do PPA.
Em 31-07-2025, o Tribunal Arbitral decidiu, por despacho, não admitir o pedido de nomeação de perito para produção de prova pericial à contabilidade da Requerente, nos termos e com os fundamentos seguintes:
“No âmbito do respetivo Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), a Requerente apresentou requerimento de produção de perícia singular à contabilidade da Requerente para resposta a diversos quesitos para confirmação de verbas contabilísticas do ano de tributação em causa, nomeadamente por referência a valores declarados pela Requerente na respetiva declaração anual de Informação Empresarial Simplificada (IES) junta com o PPA.
O Tribunal Arbitral, por despacho de 19-03-2025, mandou notificar a Requerida para se pronunciar, querendo, sobre o pedido de produção de prova por perícia constante do PPA.
Notificada para exercer o contraditório, a Requerida não se pronunciou nos autos. Contudo, em sede de Resposta, a Requerida afirmou que a IES “não constitui por si um meio de prova de que o valor apurado seja excessivo, nem tão pouco constitui um apuramento do lucro tributável e consequente IRC a pagar”.
Apreciando o requerimento de produção de prova, cumpre observar que a Requerente não cumpriu a obrigação declarativa anual aplicável, não apresentou qualquer declaração de substituição de IRC, nem reclamação graciosa, mas impugnou judicialmente, cabendo-lhe por isso o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT. O Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) devia conter elementos de prova, por força do artigo 10.º, n.º 2, d) do RJAT, mas a Requerente apenas juntou a IES, que não equivale a uma declaração de substituição.
Por outro lado, afigura-se que a perícia à contabilidade, tal como requerida pela Requerente, não é meio de prova pertinente ou necessário, podendo ter sido efetuada prova por outros meios, nomeadamente prova por junção de documentos contabilísticos, como sejam os documentos de prestação de contas.
Se admitida, a perícia incidiria sobre documentação que não foi junta, nem consta no processo, pelo que apenas serviria para eventualmente validar os elementos constantes na IES, mas não para fazer prova desses elementos subjacentes, cuja prova direta deveria ser documental.
Por isso, ao abrigo dos princípios processuais que regem o processo arbitral, nomeadamente a autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, nos termos dos artigos 16.º e 19.º do RJAT, este Tribunal Arbitral considera não ser de admitir o pedido de nomeação de perito.”
No mesmo despacho emitido pelo Tribunal Arbitral, em 31-07-2025, foi requerida a junção do processo administrativo pela Requerida e solicitados esclarecimentos quanto à testemunha arrolada pela Requerente e respetivos factos objeto de depoimento. Foi ainda prorrogado o prazo para emissão e notificação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
Em 04-08-2025, a Requerida juntou o processo administrativo.
Em 28-08-2025, atendendo à não admissão da prova pericial, a Requerente requereu a junção aos autos de prova documental adicional, referente a documentos de prestação de contas do ano de 2021. Também prestou esclarecimentos quanto à testemunha arrolada pela Requerente e respetivos factos objeto de depoimento para efeitos da prova testemunhal requerida.
Em 25-09-2025, o Tribunal Arbitral emitiu despacho a notificar a Requerida para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciar, querendo, quanto ao pedido de junção de prova documental por parte da Requerente. Foi ainda prorrogado o prazo para emissão e notificação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
Em 28-10-2025, o Tribunal Arbitral emitiu despacho, decidindo a junção da prova documental requerida, nos termos e com os fundamentos seguintes:
“Por requerimento datado de 28-08-2025, no seguimento de despacho de não admissão de prova pericial nos presentes autos, a Requerente veio requerer, ao abrigo do “princípio da informalidade”, a junção de prova documental, designadamente “documentos de prestação de contas” que “se afiguram essenciais à descoberta da verdade material”.
Em cumprimento do princípio do contraditório postulado no artigo 16.º, alínea a) do RJAT, notificou-se a Requerida para, no prazo de 5 (cinco) dias, se pronunciar, querendo, sobre o requerimento da Requerente para junção de prova documental.
Estando ultrapassado o prazo concedido, sem que a Requerida se tenha pronunciado nos autos, cumpre apreciar o requerimento de junção de prova documental pela Requerente.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alíneas c) e d) do RJAT, os documentos devem ser juntos com os respetivos articulados que contenham a exposição das questões de direito e dos factos objeto de prova, podendo indicar outros meios de prova a produzir.
Não obstante, de acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT, é subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, as normas processuais tributárias e comuns, sendo que, como decorre do n.º 2 do referido preceito legal, tal aplicação deve ser realizada em termos devidamente adaptados ao processo arbitral tributário, definindo-se a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado.
Conforme disposto no artigo 108.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido devem ser alegados no respetivo articulado, cabendo oferecer a correspondente prova, incluindo os documentos de que dispuser.
Também nos termos do artigo 423.º, n.º 1 do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos alegados devem ser apresentados com os respetivos articulados em que se aleguem os factos correspondentes. Todavia, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 da referida disposição, é admissível a junção posterior de documentos, nos termos legais expressamente previstos.
Em sede de processo arbitral, esta limitação no momento da apresentação da prova documental tem de ser interpretada sob os princípios e normas que regulam a arbitragem tributária, nomeadamente os princípios da “autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar”, da “livre determinação das diligências de produção de prova necessárias” e da “cooperação e boa fé processual”, nos termos do artigo 16.º, alíneas c), e) e f) do RJAT, bem como os “princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais”, que resultam do artigo 29.º, n.º 2 do RJAT.
Sendo assim, numa ponderação conjugada dos princípios, normas legais e interesses em causa, na medida em que os documentos cuja junção foi requerida pela Requerente respeitam a factos relacionados com a matéria alegada no respetivo Pedido de Pronúncia Arbitral (…), admite-se a junção dos documentos pela Requerente, nos termos legais.”
No mesmo despacho emitido pelo Tribunal Arbitral, em 28-10-2025, foi dispensada a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal e de alegações escritas, por desnecessidade e inutilidade processual, ao abrigo da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar e dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais, conforme artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2 do RJAT, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Em 20-11-2025, o Tribunal Arbitral emitiu despacho para pagamento da taxa de arbitragem remanescente, designando a data para emissão da decisão arbitral, nos termos do RJAT.
II. Posições das Partes
A. Requerente
O exercício do direito de audiência previsto no artigo 60.º da LGT constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório, que representa uma dimensão qualificada do princípio da participação a que o artigo 8.º do CPA alude.
As citadas disposições visam cumprir com a diretiva constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes disserem respeito, conforme artigo 267.º, n.º 5 da CRP, constituindo uma garantia de defesa dos direitos dos administrados.
O disposto no artigo 60.º da LGT constitui, assim, um princípio estruturante da atividade administrativa, cuja violação ou incorreta realização se traduz numa violação de uma formalidade essencial que é determinante da ilegalidade do próprio ato.
Certo é que a AT não notificou o sujeito passivo para o exercício do direito de audição, não lhe transmitindo qualquer projeto de decisão de liquidação oficiosa de IRC do ano de 2021, nem dando a conhecer previamente tal ato de liquidação e a fundamentação na sua origem.
O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no artigo 60.º da LGT, constitui um direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses protegidos.
Contudo, a Requerente não teve a oportunidade de participar no âmbito do ato tributário emitido, nem de juntar novos elementos ao procedimento de liquidação oficiosa, pelo que manifestamente se verifica a preterição do direito de audição.
Pelo que, tal liquidação oficiosa viola o princípio da participação, na vertente do direito de audição, bem como o disposto no artigo 60.º, n.º 7 da LGT, por défice instrutório.
Ao não dar a possibilidade de exercício do citado direito ao sujeito passivo, por forma oral ou escrita, sem que a AT fundamente sequer tal preterição, tal constitui, também, vício de forma, por deficiência de fundamentação, suscetível de levar à anulação da decisão do procedimento, devendo promover-se a anulação da liquidação.
Acresce que o princípio da proteção da confiança, resultante do artigo 2.º da CRP, assume-se como um princípio do Estado de Direito Democrático e implica um mínimo de certeza e de segurança nos direitos e nas expetativas criadas na ordem jurídica e na atuação do Estado.
O princípio da proteção da confiança visa assegurar aos operadores económicos uma certa estabilidade, continuidade ou permanência das situações jurídicas constituídas ao abrigo de determinada legislação, na medida em que impede o arbítrio da Administração.
Por outro lado, o princípio da boa-fé determina que a Administração deve relacionar-se com os particulares de acordo com as regras da boa-fé, ponderando os valores fundamentais do direito, como a confiança suscitada pela sua atuação e o objetivo a alcançar, conforme suportado pelo artigo 266.º, n.º 2 da CRP, bem como pelos artigos 59.º, n.º 1 e 68.º da LGT.
Sucede que a AT, sem qualquer explicação prévia ou contemporânea do ato que praticou, resolveu colocar à cobrança um imposto de 2020, violando, de forma patente, os princípios da confiança, da boa-fé e da justiça, mais violando o exercício do direito de audição.
A falta de chamada do sujeito passivo a intervir na formação da liquidação em causa, bem como a falta de investigação para alcançar a correta liquidação, não cumpre minimamente o princípio do inquisitório, que é estruturante no âmbito do procedimento público tributário.
O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à AT e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade. Este dever de imparcialidade reclama que a AT procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da mesma.
Com efeito, a AT deve realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.
Não cumprindo com os princípios e normas legais, tal enforma uma ilegalidade, com devidas consequências legais. Deste modo, a AT violou o disposto nos artigos 58.º, 60.º, 72.º e 77.º da LGT, artigos 8.º, 100.º e 104.º do CPA e 266.º, 267.º e 268.º da CRP.
Acresce que a jurisprudência e a doutrina têm sublinhado o carácter precário da liquidação oficiosa. Assim, o princípio da tributação pelo rendimento real das empresas impõe a realização de diligências probatórias por parte da AT, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que foram apresentados pelo contribuinte. Inexistindo tal procedimento, ocorre excesso de quantificação de rendimentos.
Considerando o princípio da tributação pelo rendimento real, o princípio do inquisitório e o princípio da descoberta da verdade material, a AT estava obrigada à realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos declarados e apresentados pelo contribuinte, como, por exemplo, a IES, as declarações de IVA e a contabilidade.
Porque a AT estava forçada a cumprir com o princípio da legalidade e da descoberta da verdade material, nos termos do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, artigo 3.º do CPA e artigo 8.º, n.º 2, alíneas a) e e) da LGT, deveria ter prosseguido a necessária atividade investigatória, por forma a cumprir o artigo 55.º da LGT e o artigo 6.º do RCPITA, sob pena de ilegalidade.
Não o tendo feito, com avidez de alcançar uma tributação excessiva à Requerente, liquidou o tributo oficiosamente, sem que houvesse reunido qualquer prova que lhe permitisse tal liquidação, nos moldes em que o fez, liquidando um imposto bastante diverso relativamente ao rendimento real da Requerente, o que se traduz numa injustiça grave e notória.
Conforme resulta da IES referente ao exercício de 2021, a Requerente apresentou um resultado líquido de 1.543,19 €. Sendo, pois, manifesta a excessividade da quantificação constante da liquidação impugnada. Assim, a liquidação oficiosa em causa é ilegal.
Pelo que o PPA deve proceder, anulando-se a liquidação de IRC e juros em causa, com as devidas legais consequências.
B. Requerida
Nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, as sociedades comerciais, com sede ou direção efetiva em território português, são sujeitos passivos de IRC, pelo que estão sujeitas às obrigações previstas no Código, nomeadamente obrigações declarativas.
Conforme estabelecido no artigo 117.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, com remissão para o artigo 120.º, n.º 1 do mesmo diploma, os sujeitos passivos de IRC estão obrigados a entregar anualmente, por transmissão eletrónica de dados, até ao último dia do mês de maio (independentemente de esse ser útil ou não), a declaração periódica de rendimentos Mod. 22.
Se, por um lado, está vedado à AT sobrepor-se ao sujeito passivo na elaboração das suas peças contabilísticas e determinação do resultado fiscal, cabendo a este a comprovação e quantificação direta e exata dos resultados das operações realizadas e apuramento da matéria tributável, por outro, perante a inação do sujeito passivo quanto ao cumprimento das obrigações declarativas, como a declaração de rendimentos Mod. 22, a AT está obrigada e legitimada a substituí-lo, em cumprimento estrito do consignado no artigo 90.º do CIRC.
A Requerente não apresentou qualquer declaração Mod. 22 válida referente ao ano de 2021.
Não obstante a tentativa da Requerente em submeter, para aquele ano, a declaração Mod. 22, em data anterior à notificação da liquidação oficiosa ora contestada, aquela declaração apresentava erros, tendo sido notificada pela AT para corrigi-los, em 10-12-2022. Contudo, a Requerente não procedeu à correção que se impunha, invalidando os efeitos de tal declaração.
Com referência ao período tributário de 2021, e uma vez verificada a não entrega de declaração de rendimentos Mod. 22 válida, após notificação da Requerente, foi emitida a correspondente liquidação oficiosa, tendo sido apurada a matéria coletável nos termos do previsto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), subalínea 2) do CIRC, tendo por base a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontrava determinada, resultando no valor da matéria coletável de 196.981,60 €, determinada para o ano de 2020.
Não cabe à AT, na falta da entrega da declaração Mod. 22 por parte do sujeito passivo, apurar critérios e valores diferentes daqueles que resultam do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, como pretende a Requerente, quando apresenta os valores que foram declarados na IES.
Não obstante a Requerente ter entregado a declaração anual de informação contabilística e fiscal, referente ao período de 2021, em 15-07-2023, onde é apresentado como resultado líquido do período o montante de 1.543,19 €, cabe referir que o valor indicado na IES de 2021 não constitui, por si, um meio de prova de que o valor apurado seja excessivo, nem tão pouco constitui um apuramento do lucro tributável e consequente IRC a pagar.
Para além da IES, a Requerente não juntou ao PPA quaisquer documentos ou elementos contabilísticos, como sejam extratos de conta corrente, lançamentos, inventários, balancetes analíticos, bem como documentos de suporte justificativos, como faturas e recibos.
Em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, cabe à Requerente demonstrar que o valor da liquidação de IRC contestada é excessivo e não corresponde à realidade.
É necessário que o sujeito passivo, por força do ónus da prova que sobre ele impende, apresente prova, em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial, de que a referida liquidação sofre do vício de excesso na quantificação, não sendo suficiente apresentar uma declaração posterior ou invocar uma violação do princípio do inquisitório ou do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real.
Acresce que, quanto ao princípio da participação, na vertente do direito de audição, ainda que o artigo 60.º, n.º 1 da LGT imponha a participação do contribuinte nos casos tipificados, também é certo a dispensa nos casos previstos no artigo 60.º, n.º 2 da LGT.
Quanto à falta de fundamentação, a mesma pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
A exigência constitucional de fundamentação dos atos tributários visa, primacialmente, permitir aos interessados conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática e a razão pela qual decidiu nesse sentido e não noutro, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e reação contra o mesmo.
O destinatário compreendeu corretamente as razões na base da decisão, sendo claro o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para decidir como decidiu. De facto, na sequência da compreensão das razões por parte do destinatário, a Requerente claramente demonstra, ao longo da sua exposição, conhecer as razões na base da liquidação emitida, ainda que com ela não concorde.
Verifica-se, assim, que a liquidação oficiosa não se encontra inquinada de ilegalidade, tendo a AT atuado no estrito cumprimento do princípio da legalidade a que está obrigada.
Pelo que o PPA deve improceder, mantendo-se o ato tributário impugnado, com as devidas consequências legais.
III. Saneamento
O presente Tribunal Arbitral é competente, foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo, tendo sido paga a taxa de arbitragem, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.ºs 1 e 2, 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a), 11.º e 12.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Ambas as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 10.º, n.º 2 e 29.º do RJAT.
Não foi alegada qualquer matéria de exceção e o processo não enferma de nulidades.
Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
IV. Matéria de facto
A. Factos provados
(i) A Requerente é uma sociedade por quotas, com sede em território português, que se dedica à atividade de comércio a retalho de artigos de ourivesaria.
(ii) No período tributário de 2021, a Requerente encontrava-se em atividade e estava enquadrada no regime geral de tributação.
(iii) Em 03-06-2022, a Requerente apresentou, através do Portal das Finanças, a declaração de rendimentos Modelo 22, com o n.º..., referente ao ano de 2021.
(iv) A declaração periódica de rendimentos apresentada pela Requerente, em 03-06-2022, declarava um “resultado líquido do período” igual a 1.543,19 € (mil quinhentos e quarenta e três euros e dezanove cêntimos) e autoliquidava um “IRC a pagar” igual a 1.623,27 € (mil seiscentos e vinte e três euros e vinte e sete cêntimos), incluindo “tributações autónomas”.
(v) Em 12-11-2022, a Autoridade Tributária enviou, através da plataforma ViaCTT, notificação para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente, cujo Aviso n.º ..., com o assunto “Falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22”, por referência ao período de 2021, refere o “motivo” da notificação, “como regularizar a falta”, o “prazo” para regularização, a “obrigatoriedade” da mesma e a consequência de eventual “emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, a qual terá por base o maior dos seguintes valores: a matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a Administração (…) disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontra determinada; o valor anual da retribuição mínima mensal”.
(vi) O Aviso n.º ... foi depositado na caixa postal eletrónica da Requerente em
12-11-2022, tendo a mesma sido considerada notificada em 30-11-2022.
(vii) Em 22-11-2022, a Autoridade Tributária enviou, através da plataforma ViaCTT, notificação para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente, com o assunto “Erros centrais na declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC – período de 2021”, cujo teor refere que, “após validação central”, foi verificada a existência de “erros”, pelo que “deve proceder à correção desta declaração, devendo para o efeito, entrar de novo no Portal das Finanças em “Serviços > IRC > Modelo 22 de IRC > Entregar Declaração > Corrigir Declaração” aceder à declaração anteriormente submetida, corrigir o erro central e voltar a validar e submeter a declaração, dispondo para o efeito de um prazo de 30 dias, contado a partir da data de notificação do presente documento. Decorrido este prazo sem que tenha sido efetuada a correção, o seu registo é eliminado, considerando-se a declaração como não entregue, com todas as consequências legais, conforme disposto no art.º 5.º da Portaria n.º 1339/2005, de 30 de dezembro.”
(viii) A notificação foi depositada na caixa postal eletrónica da Requerente em 22-11-2022, tendo a mesma sido considerada notificada em 10-12-2022.
(ix) A Requerente não procedeu à correção dos erros da declaração periódica de rendimentos apresentada, pelo que foi anulada e considerada sem efeito, nem apresentou qualquer outra declaração Mod. 22 referente ao período de 2021.
(x) Em 15-07-2023, a Requerente apresentou a declaração anual de informação contabilística e fiscal, através da submissão da IES referente ao período de 2021, apresentando como “resultado líquido do período” o montante de 1.543,19 € (mil quinhentos e quarenta e três euros e dezanove cêntimos).
(xi) Em 28-10-2024, não tendo a Requerente procedido à entrega de declaração periódica de rendimentos Mod. 22 válida, foi emitida pela Requerida a liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., no valor de 41.563,99 € (quarenta e um mil quinhentos e sessenta e três euros e noventa e nove cêntimos), incluindo juros compensatórios.
(xii) A liquidação oficiosa de IRC n.º 2024... refere que a “liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos” foi “efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos”.
(xiii) A Requerida apurou a matéria coletável subjacente à liquidação oficiosa com base na matéria coletável do período de tributação mais próximo, correspondendo ao valor de 196.981,60 € (cento e noventa e seis mil novecentos e oitenta e um euros e sessenta cêntimos), cuja matéria coletável foi determinada para o ano de 2020.
(xiv) A liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., incluindo juros compensatórios, foi enviada e depositada no domicílio fiscal eletrónico da Requerente, através da plataforma ViaCTT, em 01-11-2024, tendo sido considerada notificada em 19-11-2024.
(xv) A Requerente reagiu contra a liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., através de pedido de pronúncia arbitral, não tendo apresentado qualquer meio de reação administrativo, nomeadamente reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa.
B. Factos não provados
(i) No ano de 2021, o “resultado líquido do período” da Requerente era igual a 1.543,19 € (mil quinhentos e quarenta e três euros e dezanove cêntimos), o “lucro tributável” era de 2.177,09 € (dois mil cento e setenta e sete euros e nove cêntimos) e o “IRC a pagar” era igual a 1.623,27 € (mil seiscentos e vinte e três euros e vinte e sete cêntimos).
(ii) A correção da declaração de rendimentos submetida pela Requerente não era funcional e informaticamente possível, não sendo a falta de correção imputável à Requerente.
Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
C. Motivação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada, em função da prova produzida nos autos e da sua relevância jurídica, nos termos do artigo 123.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT.
Constitui um princípio do processo arbitral a “livre apreciação dos factos”, de acordo com “as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”, manifestando o princípio da “livre apreciação da prova”, conforme disposto nos artigos 16.º, alínea e) e 19.º, n.º 1 do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua convicção, em relação aos factos alegados, nos meios de prova constantes no processo, atendendo à sua experiência e conhecimento, ao abrigo do artigo 607.º, n.º 5 do CPC e regras gerais do CC.
Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra determinada na legislação é que a livre apreciação não domina na motivação subjacente à matéria de facto.
Em concreto, tendo em consideração os respetivos ónus de alegação e de prova, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na prova produzida nos autos, incluindo os documentos e o processo administrativo juntos pelas Partes, bem como o acordo manifestado, explícita ou implicitamente, quanto a alguns factos alegados nos articulados, nos termos legais.
V. Matéria de direito
A. Objeto
Considerando as posições assumidas pelas Partes e vertidas nos respetivos articulados, cabe ao Tribunal Arbitral, atendendo à matéria de facto provada e ao direito aplicável, apreciar e decidir sobre a legalidade do ato tributário impugnado nos presentes autos, designadamente a liquidação oficiosa de IRC emitida, por falta de entrega pela Requerente de declaração periódica de rendimentos válida, com base na matéria tributável do ano antecedente.
B. Apreciação
Atendendo ao objeto dos autos, importa proceder a um breve enquadramento do regime jurídico e fiscal aplicável à tributação em sede de IRC e à emissão da liquidação oficiosa.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da LGT, a tributação deve respeitar os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Estes princípios tributários encontram assento constitucional, nomeadamente, nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Como concretização dos princípios constitucionais, os impostos devem refletir, essencialmente, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, que é revelada pelos rendimentos, consumo e/ou respetivo património, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 da LGT.
Em concreto, ao abrigo do artigo 1.º do Código do IRC, o IRC incide especificamente sobre os rendimentos das pessoas coletivas, obtidos no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, os quais são definidos no artigo 2.º do mesmo Código.
Conforme previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, relativamente às pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em Portugal, a matéria coletável obtém-se pela dedução ao lucro tributável dos montantes correspondentes a prejuízos fiscais e benefícios fiscais.
O lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do Código do IRC.
A matéria coletável é, em regra, determinada com base em declaração dos sujeitos passivos em causa, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRC.
A declaração periódica de rendimentos, conforme Modelo 22, deve ser enviada, anualmente, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b) e 120.º, n.º 1 do Código do IRC.
A declaração de rendimentos considera-se apresentada na data em que for submetida, sob a condição de correção de eventuais erros no prazo de 30 (trinta) dias, findo o qual, sem que os mesmos se mostrem corrigidos, a declaração é considerada sem efeito, por força do disposto na Portaria n.º 1339/2005, de 30 de dezembro.
Também a declaração de informação contabilística e fiscal deve ser enviada, anualmente, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea c) e 121.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRC.
Os elementos constantes das declarações devem concordar exatamente com os obtidos na contabilidade, nos termos dos artigos 120.º, n.º 10 e 121.º, n.º 5 do Código do IRC.
Nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legalmente previstos, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal presumem-se verdadeiras e de boa-fé.
Contudo, essa presunção de verdade e boa-fé não se verifica, designadamente, quando as declarações não sejam apresentadas nos termos legalmente previstos, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, ou quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, conforme disposto no artigo 75.º, n.º 2 da LGT.
A liquidação do IRC deve ser efetuada pelo próprio sujeito passivo, nos termos do disposto no artigo 89.º, alínea a) do Código do IRC, tendo por base a matéria coletável que conste nas respetivas declarações, ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.
Na “falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o maior dos seguintes montantes: 1) a matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; 2) a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; 3) o valor anual da retribuição mínima mensal”, conforme previsto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC.
Não tendo sido apresentada a declaração de rendimentos, a emissão da liquidação prevista no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC é competência da AT, nos termos do artigo 89.º, alínea b) do mesmo Código, que passa a estar habilitada a emitir a liquidação oficiosamente.
Acresce que, conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-05-2016, no processo n.º 0442/15, acessível em www.dgsi.pt, “O CIRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria coletável do exercício mais próximo (…). O prazo fixado para essa liquidação oficiosa é meramente ordenador e dirigido aos serviços da AT, destinando-se a prevenir a eventual caducidade do direito de liquidar; não constitui um prazo de caducidade, como resulta da possibilidade (…) de a AT corrigir essa liquidação dentro do prazo normal de caducidade (…), cobrando ou anulando então as diferenças apuradas. Assim, o excesso do prazo fixado para a referida liquidação oficiosa, desde que se mostre respeitado o prazo da caducidade fixado no art. 45.º da LGT, não releva na legalidade desse ato.”
Face ao exposto, considerando o enquadramento jurídico e fiscal delineado, bem como a factualidade dada como provadasupra, importa agora apreciar a legalidade da liquidação oficiosa que configura o objeto do PPA deduzido pela Requerente.
Sinteticamente, a Requerente alega que a liquidação oficiosa controvertida é ilegal por:
(i) Falta de notificação para exercício do direito de audição previamente à emissão da liquidação oficiosa, em violação do princípio da participação;
(ii) Falta ou insuficiência da fundamentação da liquidação oficiosa, em violação dos princípios fundamentais da administração e dos direitos e garantias dos administrados;
(iii) Excesso de quantificação na liquidação oficiosa, em violação do princípio da tributação do rendimento real das empresas, bem como do princípio do inquisitório e do princípio da descoberta da verdade material.
Vejamos. Em termos genéricos, sob a égide dos princípios do procedimento tributário, é inegável que a Autoridade Tributária deve exercer as suas atribuições e competências na prossecução do interesse público, mas, também, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes, conforme previsto no artigo 55.º da LGT.
De facto, ao princípio da legalidade estão sujeitos, para além da incidência e da taxa, as regras de procedimento e processo tributário, bem como as garantias dos contribuintes, incluindo no âmbito da liquidação e cobrança de tributos, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, onde se enquadra, por exemplo, o princípio da participação, na vertente do direito de audição.
Ao abrigo do princípio da participação previsto nos artigos 266.º e 267.º, n.º 5 da CRP, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, através do direito de audição, antes da liquidação, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT.
Contudo, o disposto no artigo 60.º, n.º 2, alínea b) da LGT permite que a audição seja “dispensada” no caso de “a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito”.
Conforme acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14-03-2024, no processo n.º 1755/10.0BELRA, acessível em www.dgsi.pt, “A dispensa de audição prévia inerente às liquidações oficiosas constante no artigo 60.º, nº 2, alínea b) da LGT, encontra-se subordinada à prévia notificação para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.”
Também como exposto na decisão arbitral de 15-04-2025, no processo n.º 731/2024-T, acessível em www.caad.pt, “quanto à alegada violação do direito de participação previsto no artigo 60.º da LGT, por entender a Requerente que a AT dispunha de (…) elementos necessários ao apuramento do IRC através de elementos reais e não ficcionados, não pode o mesmo proceder. Conforme refere a AT (…), o próprio n.º 2 do artigo 60.º da LGT prevê, na respetiva alínea b), que a audição é dispensada quando a «liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.»”.
No mesmo sentido, a decisão arbitral de 06-11-2024, no processo n.º 762/2024-T, acessível em www.caad.pt, refere que “o disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, densifica a garantia constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, em particular as impositivas, concedendo aos contribuintes o direito de serem ouvidos previamente à emissão dos atos tributários de liquidação. (…) Refira-se que o direito de audição como manifestação do princípio da colaboração não é absoluto, podendo ser dispensado nalgumas situações (…). Retomando o caso controvertido, conforme factualidade assente, a AT notificou corretamente a Requerente para apresentar a sua declaração de IRC em falta, contudo, a Requerente optou por não o fazer. Efetivamente a AT emitiu a liquidação de 2021, nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC. Por conseguinte, (…), o Tribunal entende que a dispensa do direito de audição é admissível nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, com a consequente improcedência do vício invocado pela Requerente.”
Ora, conforme factualidade dada como provada nos presentes autos, em 12-11-2022, a Autoridade Tributária enviou, através da plataforma ViaCTT, notificação para o domicílio fiscal eletrónico da Requerente, cujo Aviso n.º ..., com o assunto “Falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22”, por referência ao período de 2021, referia o “motivo” da notificação, “como regularizar a falta”, o “prazo” para regularização, a “obrigatoriedade” da mesma e, em caso de incumprimento, a eventual “emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, a qual terá por base o maior dos seguintes valores: a matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a Administração (…) disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontra determinada; o valor anual da retribuição mínima mensal”.
Não obstante, a Requerente não corrigiu os erros da declaração de rendimentos Mod. 22 que submeteu em 03-06-2022, a qual, nos termos da Portaria n.º 1339/2005, de 30 de dezembro, não produziu efeitos, nem apresentou posteriormente qualquer outra declaração Mod. 22 relativa ao período de tributação do ano de 2021, apesar de ter sido notificada para tal.
Acresce que a Requerente nem demonstrou, por meio de prova competente, que a correção da declaração de rendimentos submetida não era funcional e informaticamente possível, conforme alega, não se afigurando, assim, que a falta de correção não seja imputável à Requerente. Na verdade, a própria Requerente até refere que essa alegada impossibilidade derivaria da “existência de uma declaração de anos anteriores ainda por tratar”.
Não se afigura existir, assim, qualquer violação de direitos da Requerente, nem preterição de formalidades essenciais, como seja o exercício do direito de audição prévia, na medida em que foi oportunamente notificada para entrega de declaração válida, que se considerou em falta, com expressa advertência de que a AT emitiria liquidação oficiosa, nos termos legais.
Tendo a Requerente sido notificada pela AT e recorrendo esta a valores objetivos resultantes de critérios legalmente previstos para determinação da matéria coletável em sede de liquidação oficiosa, a audição da Requerente podia ser dispensada, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, alínea b) da LGT, como legal e legitimidade sucedeu.
Quanto à alegada falta ou insuficiência de fundamentação, cumpre referir que os atos emitidos pela Administração, incluindo os atos tributários emitidos pela AT, carecem de “fundamentação expressa e acessível” quando afetem direitos ou interesses alegadamente protegidos dos administrados, nos termos dos artigos 266.º e 268.º, n.º 3 da CRP.
Conforme previsto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT, as decisões emitidas em procedimentos tributários devem ser sempre fundamentadas por meio de “sucinta exposição das razões de facto e de direito” que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Especificamente, a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada “de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, conforme disposto no artigo 77.º, n.º 2 da LGT.
Considerando o exposto na decisão arbitral de 11-07-2023, no processo n.º 307/2022-T, acessível em www.caad.pt, “É inquestionável que a AT tem o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou os legítimos interesses dos contribuintes, em conformidade com o princípio plasmado no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e acolhido no artigo 77.º da LGT. (…) Interessa também referir a jurisprudência do Supremo Tribunal (…) relativamente à questão da fundamentação dos atos tributários – a fundamentação tem de ser expressa, clara, suficiente e congruente (…). Acresce que o Tribunal Arbitral deve atender à especificidade das circunstâncias concretas do caso, e à condição do destinatário da fundamentação, quanto ao conhecimento de facto que já possui sobre a situação em que se encontra (…). É que a fundamentação é um conceito relativo, devendo ser aferida caso a caso, tendo em conta as circunstâncias que levaram à prática do ato e o conhecimento que delas tem o seu destinatário que lhe permitem perceber ou apreender as razões que o determinaram. No caso dos autos, a AT indicou na liquidação contestada que a mesma foi emitida com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por a Requerente não ter apresentado a declaração Modelo 22 do IRC referente ao exercício (…), e utilizou a informação (…) para efeitos do cálculo da matéria tributável, tal como estatuído no referido preceito. A Requerente tinha conhecimento da informação (…) e deveria ter assumido que a mesma foi utilizada para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC. Assim, temos que a fundamentação da liquidação contestada foi expressa, clara, suficiente e congruente. Improcede, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente.”
No mesmo sentido, a decisão arbitral de 13-11-2023, no processo n.º 6/2023-T, acessível em www.caad.pt, menciona que “numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, pode repetir-se que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do ato, as razões “justificantes” e “justificativas” – sob o ponto de vista formal – da concreta decisão administrativa. No caso, refere-se que a liquidação oficiosa relativa ao período (…) é efetuada “nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos”, indicando-se o valor da matéria tributável, o valor da coleta e o montante dos juros compensatórios. (…) A menção expressa a esta norma, acompanhada da exposição do pressuposto de facto que determina a sua aplicação e do valor objetivo que resulta da sua aplicação, é suficiente para dar por satisfeitos os mínimos de uma fundamentação válida. Com efeito, são explicadas, por um lado, as razões de facto que traduzem o pressuposto de atuação da Autoridade Tributária para a mobilização do regime legal, e, por outro lado, como este implica a fixação de um valor objetivo sem margem para qualquer ponderação, possibilidade de escolha ou discricionariedade administrativa, a indicação desse valor, contextualizada pela referência legal, permite ao destinatário a compreensão das razões de facto e de direito que determinaram a liquidação, encontrando-se o sujeito passivo, consequentemente, em condições para aferir da legalidade dessa liquidação. E isto independentemente do próprio sujeito passivo ter sido preteritamente advertido da possibilidade de realização da referida liquidação oficiosa. Encontrando-se o critério legal adotado pela AT enunciado de forma inteligível e em termos que permitem a sujeito passivo contestar a bondade da atuação administrativa, não existe falta de fundamentação. Improcede, em consequência, o alegado quanto a tal vício.”
Em acréscimo, atente-se ao disposto na decisão arbitral de 06-11-2024, no processo n.º 762/2024-T, acessível em www.caad.pt, referindo que “como é entendimento jurisprudencial corrente, a fundamentação do ato tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu num certo sentido e não de forma diferente. (…) A fundamentação deve consistir, por isso, numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão. As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claras e congruentes para o sujeito passivo. Resulta assim de primacial exigência que ao sujeito passivo seja dada a possibilidade de alcançar e perceber as razões subjacentes a essa mesma decisão, para que sobre a mesma possa estar apto a, em tese, formular um juízo sobre o seu mérito (…). Ora, nos presentes autos, resulta que, no seguimento da notificação pela AT à Requerente para apresentar a liquidação de IRC do ano de 2021, a Requerente não a apresentou, por conseguinte, a AT seguiu os trâmites previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e emitiu a liquidação nos termos aí previstos. Assim, resulta que a fundamentação contida no ato é clara e percetível, foi suficiente para permitir à Requerente aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela AT do ato para proferir a decisão. Conclui-se, assim, que a AT cumpriu o seu dever de fundamentar a liquidação de IRC em apreço, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 77.º da LGT e 153.º do CPA, com a consequente improcedência do vício invocado pela Requerente de falta de fundamentação.”
Também o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 08-01-2009, no processo n.º 00432/07.3BEPNF, acessível em www.dgsi.pt, menciona que “a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do concreto tipo de ato, sendo que o que releva para esse efeito, atento o carácter essencialmente instrumental do dever de fundamentação, é a efetiva possibilidade de um destinatário normal ficar habilitado, através da externação de motivos coeva ao ato, a conhecer as razões que o suportam, permitindo-lhe assim optar entre conformar-se com ele ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente. Atento o carácter instrumental do fim prosseguido pela fundamentação do ato tributário, a suficiência da mesma deve aferir-se pelo comprometimento da possibilidade de reação contra o ato. É do conhecimento geral que a liquidação (em sentido estrito) de um imposto (como, aliás, o apuramento de qualquer parte de um todo) se faz pela aplicação (multiplicação) de uma taxa (valor expresso em percentagem) à matéria coletável. (…) Isto, sobretudo, quando estamos perante uma liquidação oficiosa efetuada nos termos do art.º 83.º, n.º 1, alínea b) do CIRC (ou seja, liquidação efetuada pela AT com base na matéria coletável do ano anterior porque o contribuinte não apresentou a declaração de rendimentos), o que tudo foi dado a conhecer ao contribuinte e, caso este tivesse cumprido oportunamente o seu dever declarativo, lhe cumpriria proceder à autoliquidação do imposto, para o que se lhe impunha que conhecesse quer a operação para apurar o imposto, quer a taxa a aplicar.”
Ora, atendendo à conforme factualidade dada como provada nos presentes autos, contrariamente ao alegado pela Requerente, na própria liquidação oficiosa emitida e notificada ao sujeito passivo consta o enquadramento e a base legal que a suporta, bem como a matéria coletável e o imposto liquidado, nos termos do artigo 77.º da LGT.
Em 28-10-2024, não tendo a Requerente procedido à entrega de declaração periódica de rendimentos válida, foi emitida pela Requerida a competente liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., no valor de 41.563,99 €, incluindo juros compensatórios.
A liquidação controvertida refere que a “liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos” foi “efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos”, especificando o enquadramento e a base legal subjacente à liquidação emitida oficiosamente pela AT.
Acresce que a liquidação oficiosa discrimina a “matéria coletável”, bem como o imposto, mencionando o “valor a pagar”, nos termos legais.
O facto de a liquidação não especificar que foi considerada a matéria coletável determinada no ano antecedente, que, aliás, a Requerente conhecia, não significa qualquer falta ou insuficiência de fundamentação. A matéria coletável foi apurada com base nos critérios legalmente previstos, recorrendo aos elementos e valores objetivos de que a AT dispunha.
Embora a fundamentação do ato tributária seja sucinta, como a legislação permite, a origem e o conteúdo do mesmo é manifestamente apreensível pela Requerente, que o podia impugnar, nomeadamente, por inexistência de facto tributário ou excesso de quantificação, oferecendo a competente prova para o efeito.
Acresce que a liquidação oficiosa sucede a anterior notificação enviada pela Requerida à Requerente com o aviso da falta de entrega da declaração e das consequências da não regularização no prazo legal, incluindo a emissão de liquidação oficiosa, o que ocorreu.
Sem prejuízo de a dispensa do exercício do direito de audição ser admissível e de se concluir pela observância do dever de fundamentação, cumpre ainda analisar se a AT incumpriu outros princípios e normas subjacentes à sua atividade, no âmbito da emissão da liquidação oficiosa controvertida nos presentes autos, considerando, nomeadamente, o princípio da tributação do rendimento real das empresas, o princípio do inquisitório e o princípio da descoberta da verdade material, inquinando o ato tributário de ilegalidade por excesso de quantificação.
Ora, nos termos do artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas “incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
Para o efeito, a tributação em IRC assenta na determinação da matéria coletável, nos termos previstos no respetivo Código, conforme acima melhor detalhado, devendo os sujeitos passivos entregar, no prazo legal, as respetivas declarações periódicas de rendimentos, com base na contabilidade e eventuais correções fiscais, autoliquidando o imposto devido.
Conforme mencionado na decisão arbitral de 11-07-2023, no processo n.º 307/2022-T, acessível em www.caad.pt, “Os sujeitos passivos de IRC estão sujeitos às obrigações declarativas previstas no n.º 1 do artigo 117.º do Código do IRC, de entre as quais se destaca a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 do IRC (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do Código do IRC), em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior, e que deve ser apresentada até ao último dia do mês de maio (cf. artigo 120.º, n.º 1 do Código do IRC). A importância do cumprimento desta obrigação declarativa dentro do prazo legal é evidente (…). De acordo com o artigo 59.º, n.º 2 do CPPT, o apuramento da matéria tributável baseia-se nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei (e.g., dentro do prazo legal, etc.) e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária. O normativo do n.º 1 do artigo 75.º da LGT prescreve que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei.”
Contudo, quando os sujeitos passivos incumpram as suas obrigações declarativas, não apresentando, por exemplo, a declaração Mod. 22 válida, no prazo legal, a AT fica na posição jurídica de emitir as correspondentes liquidações oficiosas, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, com base nos critérios legais previstos e em valores objetivos, mas presuntivos, o que representa um desvio ao princípio da tributação do rendimento real.
Nesse caso, como explanado na decisão arbitral de 11-07-2023, no processo n.º 307/2022-T, acessível em www.caad.pt, “O procedimento de liquidação é instaurado pela AT com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter (cf. artigo 59.º, n.º 1 do CPPT). (…) A AT emite uma declaração oficiosa (…). Esta declaração oficiosa resulta num tipo de tributação indireta da matéria tributável”.
Tal como referido na decisão arbitral de 15-04-2025, no processo n.º 731/2024-T, acessível em www.caad.pt, “embora vigore no nosso ordenamento jurídico-tributário o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, tal como (…) referido a propósito do artigo 75.º da LGT, privilegiando-se a declaração e os elementos apresentados pelo sujeito passivo, o CIRC contém, também, mecanismos destinados a suprir as situações em que o próprio sujeito passivo não colabora com a administração tributária em termos que lhe permitam efetuar a liquidação das declarações apresentadas. É nesse contexto que o artigo 90.º do CIRC determina a aplicação, por parte da AT, de métodos indiretos de apuramento da matéria coletável, bem como a emissão de uma liquidação oficiosa. (…) Nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, na falta de apresentação tempestiva da declaração Modelo 22 de IRC, a liquidação é efetuada pela AT nos termos aí previstos.”
Não obstante, ao abrigo do princípio do inquisitório, a administração fiscal deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa dos contribuintes, nos termos do artigo 58.º da LGT, pelo que a Requerente entende que a AT deveria ter considerado a declaração Mod. 22 submetida em 03-06-2022, a IES submetida em 15-07-2023 e as declarações periódicas de IVA submetidas por referência ao ano de 2021, calculando um tributo inferior.
Conforme factualidade demonstrada nos presentes autos, a AT teve em consideração o “maior dos (…) montantes”, designadamente a “totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada”, ou seja, o ano de 2020.
Daqui não se afigura resultar qualquer violação do princípio do inquisitório, na medida em que a AT emitiu a liquidação oficiosa nos termos legalmente previstos, com base nos elementos de que dispunha, como o artigo 90.º, n.º 1, b) do CIRC expressamente permite.
Nem se exige que, em observância do princípio da tributação do rendimento real, a AT, para efeitos de emissão da liquidação oficiosa, solicite previamente informações ao sujeito passivo incumpridor ou avance obrigatoriamente com procedimento de inspeção tributária.
Acresce que a declaração Mod. 22 apresentada pela Requerente não produziu efeitos e a AT não estava obrigada a considerar a IES no cálculo da matéria tributável e do imposto, pois os critérios constantes no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) não são alternativos, devendo-se aplicar aquele que resulte no “maior dos (…) montantes”.
No limite, pela falta de entrega de declaração de rendimentos válida, nem se presume a boa fé e verdade dos elementos declarados pela Requerente, nos termos do artigo 75.º da LGT.
A Autoridade Tributária não tinha de calcular o IRC do exercício de 2021 por referência aos elementos constantes na IES, nas declarações periódicas de IVA da Requerente ou, até, eventualmente, no programa e-Fatura, caso entendesse que originaria um tributo inferior.
De facto, a AT limitou-se a aplicar o critério legal e o valor objetivo apurado, que suporta a emissão da correspondente liquidação oficiosa, nos termos do Código do IRC.
Competirá, assim, à Requerente alegar e demonstrar a ilegalidade por excesso de quantificação na liquidação impugnada no respetivo PPA, nos termos legais.
Conforme consta na decisão arbitral de 11-07-2023, no processo n.º 307/2022-T, acessível em www.caad.pt, “A falta de apresentação no prazo legal da declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC determina que a AT proceda, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, à emissão de uma liquidação oficiosa. Se é verdade que compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da emissão de uma liquidação oficiosa de IRC ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, é também verdade que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (cf. artigo 74.º, n.º 3 da LGT). Para uma liquidação oficiosa emitida ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC ser anulada, é imprescindível que o sujeito passivo, à luz do ónus da prova que sobre ele impende, ofereça prova idónea e credível, em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial ou processo arbitral, de que a referida liquidação sofre do vício de excesso na quantificação, não sendo suficiente ao sujeito passivo apresentar uma declaração de rendimentos posterior (que não goza da presunção de veracidade do n.º 1 do artigo 75.º da LGT) ou invocar uma violação do princípio do inquisitório ou do princípio da tributação das empresas fundamentalmente pelo rendimento real. Não obstante o dever da AT de considerar e valorar todos os elementos apresentados pelos sujeitos passivos, bem como todos os elementos que tem em seu poder, na procura da verdade fiscal, se o sujeito passivo não fornecer à AT elementos probatórios idóneos e credíveis que permitam verificar a sua real situação contabilística e tributária, a AT não tem o dever de realizar diligências probatórias complementares, e resta ao Tribunal Arbitral concluir que o sujeito passivo não provou o excesso de liquidação, como lhe competia. (…) De facto, não cabe à AT proceder à realização de diligências instrutórias e inspetivas no sentido de demonstrar a verificação dos factos que relevariam ao próprio sujeito passivo quando o mesmo não cumpre sequer o dever que lhe incumbe, i.e., o dever de junção de elementos probatórios idóneos, credíveis e relevantes para a boa decisão da causa. Exigir à AT a realização de diligências probatórias nos casos em que o sujeito passivo não apresentou ele próprio qualquer prova idónea e credível para comprovar o que lhe competia, seria desconsiderar o ónus da prova que recai sobre o sujeito passivo quando a AT emite uma liquidação oficiosa nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC. (…) Na verdade, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, do valor real dos rendimentos sujeitos a tributação, apresentando provas que refutem os valores encontrados pela AT, prova essa que não se basta com apresentação de uma declaração de IRC e de documentos cuja data, autor e origem se desconhece. (…) a Requerente limitou-se a apresentar uma impressão de uma “Demonstração dos Resultados” e de um “Balanço” (…). Após analisar os documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo, o Tribunal Arbitral conclui que a Requerente não apresentou elementos probatórios idóneos e credíveis para fazer prova da sua verdadeira situação contabilística e fiscal ou do excesso de liquidação (…). Nestas circunstâncias, e não tendo a Requerente apresentado prova idónea e credível para comprovar o que lhe competia, o Tribunal conclui que não era exigível à AT a realização de diligências probatórias complementares (designadamente, a realização de uma ação inspetiva), com vista à descoberta da verdade material e à tributação pelo rendimento real. É inequívoco que, ao contrário do que pretende a Requerente, é sobre si que recai o ónus da prova do excesso da quantificação da matéria tributável que deu origem à liquidação contestada, ónus esse que não foi satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos e de documentos que (…) não beneficiam da presunção de veracidade consagrada no n.º 1 do artigo 75.º da LGT”.
No mesmo sentido, veja-se a decisão arbitral de 14-07-2022, no processo n.º 152/2022-T, acessível em www.caad.pt, referindo que “quando, por incumprimento do dever de apresentação da declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo, a AT lança mão do mecanismo da alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, para efeitos de emissão de liquidação oficiosa, a mesma está, na realidade, a recorrer a uma matéria tributável ficcionada – matéria coletável do exercício mais próximo – o que se traduz numa avaliação indireta da matéria tributável, procedimento que, no caso, se encontra suficientemente fundamentado nos termos legais (…). Tendo sido utilizados métodos indiretos de determinação da matéria coletável, passou a impender sobre a Requerente, nos termos do art.º 74.º, n.º 3 da LGT, o ónus da prova da existência de excesso na respetiva quantificação, ónus esse que deve ser satisfeito em termos que permitam (…) proceder à análise, verificação e controlo dos valores declarados, como se encontra expresso no n.º 1 do art.º 16.º, em conjugação com o art.º 123.º, ambos do CIRC. (…) No entanto, os elementos contabilísticos disponibilizados não foram acompanhados nem dos recibos nem das faturas que sustentam os rendimentos obtidos ou os gastos suportados, (…) ónus que à Requerente cabia, na medida em que estão em causa factos que respeitam à causa de pedir – a existência dos rendimentos obtidos e validade dos gastos suportados –, os elementos que constituem as parcelas positiva e negativa do lucro tributável, base de determinação da matéria coletável, essenciais à determinação do rendimento real. Quer dizer, não foi realizada a cabal demonstração e certificação do lucro tributável declarado, com os respetivos suportes contabilísticos e documentais necessários à (…) aferição (…) da realidade dos rendimentos declarados. Ora, como decorre do já citado artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) da LGT, se o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, fornecendo (…) os elementos solicitados, a presunção de verdade e boa fé das suas declarações deixa de se verificar. (…) As demonstrações financeiras e a correspondente documentação (i.e. recibos e faturas) da Requerente assumem (…) uma relevância primordial, não tendo a Requerente fornecido o necessário suporte documental para, nos termos dos art.ºs 74.º e 75.º, n.º 2, alínea a) da LGT, satisfazer o ónus da prova dos factos em termos que permitam (…) proceder à análise, verificação e controlo dos valores declarados (…). Cabe à Requerente o dever de comprovar que os resultados fiscais intempestivamente declarados correspondem efetivamente aos obtidos, devendo as operações relevadas contabilisticamente estar suportadas por documentos que permitam conhecer a sua natureza, os intervenientes e se foram ou não realizadas na prossecução do seu objeto social e para a obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação, (…) para (…) verificar se o lucro declarado corresponde ao lucro real.”
Também a decisão arbitral de 13-11-2023, no processo n.º 6/2023-T, acessível em www.caad.pt, refere que é “necessário que o sujeito, em sede de reclamação ou impugnação, demonstre a inexistência do facto tributário ou a sua errada quantificação. Não é exigível, até por um critério de proporcionalidade e praticabilidade, fazer recair sobre a AT o ónus de suportar a total inação do sujeito passivo face a uma realidade que será do seu conhecimento. (…) não se vislumbra, consequentemente, violação do princípio do inquisitório por parte da Autoridade Tributária. (…) Assim, inexistindo, perante a insuficiência dos elementos contabilísticos, prova dos elementos constantes da declaração, não se vislumbra qualquer violação do princípio do rendimento real. Nos sistemas declarativos e de tributação analítica do tipo do nosso, a tributação do rendimento real, no sentido de tributação do rendimento efetivamente obtido, está dependente da comprovação desse rendimento (…). A presunção de um rendimento, quando assente em razões atendíveis, como sucede perante a necessidade de liquidação de impostos na sequência da violação de deveres de colaboração, acompanhada da possibilidade de prova em contrário, não viola qualquer norma ou princípio constitucional.”
Acresce que, conforme decisão arbitral de 05-09-2023, no processo n.º 94/2023-T, acessível em www.caad.pt, “não se verifica a existência de erro imputável aos serviços quando estes, perante a falta de entrega da declaração Mod. 22, depois de terem advertido o sujeito passivo, procedem a uma liquidação oficiosa nos termos do art.º 90.º do CIRC. Tal liquidação, apesar de assentar numa fixação presuntiva do rendimento tributável, não pode ser considerada como viciada por injustiça notória ou grave pelo simples facto de, posteriormente, o sujeito passivo ter declarado outro valor. (…) Quantificação presuntiva que, como é óbvio, dificilmente coincidirá com a do rendimento real. Mas este “risco” é do sujeito passivo que deu causa à avaliação indireta ao não cumprir com a sua obrigação declarativa. (…) o alegado excesso de quantificação do lucro tributável presuntivamente apurado pela AT não resulta evidente da consulta da documentação junta pela Requerente. O apuramento da correspondência à realidade do prejuízo que diz ter tido implicaria um exame à sua contabilidade, aos diferentes documentos que titulam os lançamentos aí registados, ou seja, algo muito mais exigente que as “evidências” que, numa análise perfunctória, se possam extrair da simples leitura dos documentos juntos aos autos.”
Ora, atenta a factualidade dada como provada nos presentes autos, a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa da liquidação oficiosa de IRC, oferecendo a competente prova, para que a AT analisasse a ilegalidade do ato, tendo apenas agora, em sede de PPA, junto a IES submetida em 14-07-2022, por referência ao exercício de 2021, para demonstrar o alegado excesso de quantificação.
A IES junta aos autos não se afigura suficiente para demonstrar o excesso de quantificação, sendo necessária prova da respetiva contabilidade e da documentação comprovativa subjacente, cujos elementos nem se suprem com eventual prova testemunhal ou pericial.
Ademais, a Requerente referiu, no PPA, as declarações de IVA submetidas no ano de 2021, para suportar o alegado excesso de quantificação, mas não fez prova direta das mesmas. Em qualquer caso, essas declarações também nem seriam suficientemente idóneas para o efeito.
Em acréscimo à parca prova documental junta com o PPA, que se resume à IES de 2021, a Requerente juntou ainda aos autos, por requerimento ulterior, admitido pelo presente Tribunal Arbitral, uma cópia digitalizada de um documento designado “Acta Número Dezasseis”, cujo teor se refere à “aprovação das contas do exercício de 2021”, um documento designado “Demonstração Resultados”, que menciona o “resultado líquido do período” de 2021, e um documento designado “Balanço”. Sucede que, pese embora estes documentos posteriormente juntos pela Requerente mencionem um resultado líquido do período de 1.543,19 €, não permitem verificar e evidenciar a veracidade dos elementos declarados e, por conseguinte, o excesso de quantificação alegado no PPA quanto à liquidação oficiosa do imposto em causa.
A apreciação do alegado excesso de quantificação não se pode resumir a uma análise perfunctória, com base em meras possibilidades ou probabilidades desse excesso ter ocorrido, mas sim numa análise robusta e convicta, não bastando, para o efeito, a junção de documentos que singelamente se limitam a declarar um pretenso “resultado líquido do período” como certo, sem sequer facilitar a comprovação dos componentes que suportam aquele “resultado líquido do período” alegado, nem demonstrar a matéria coletável que reputa de correta e o imposto alegadamente excessivo.
No limite, atenta a falta de apresentação de declaração de rendimentos Mod. 22 válida, não beneficiando da presunção do artigo 75.º da LGT, mesmo que não juntasse faturas e recibos, bem como outros documentos comprovativos de suporte, certamente que a Requerente, em cumprimento do ónus da prova, poderia ter feito um esforço, que lhe era exigível, para juntar mais documentação contabilística e fiscal relevante, além de um mero balanço anual, uma demonstração de resultados e a alegada ata de aprovação de contas, como seja, por exemplo, extratos, lançamentos, balancetes, registos e outros elementos contabilísticos e fiscais.
E não se diga que tal seria possível demonstrar com a prova pericial e testemunhal requerida pela Requerente, pois, conforme despachos emitidos pelo presente Tribunal Arbitral, tal não se afigurava admissível, nem necessário e/ou útil, face ao tipo de factos a provar, cabendo o ónus da prova à Requerente, nomeadamente através de prova documental, nos termos legais.
Atendendo à factualidade dada como provada, e aderindo à jurisprudência acima transcrita, é forçoso concluir que a Requerente não ofereceu aos autos elementos probatórios relevantes, idóneos, credíveis e suficientes para cumprir com o ónus da prova, nos termos legais.
Assim, não tendo sido submetida qualquer declaração periódica de rendimentos válida, tendo a Requerente sido notificada para entrega da declaração em falta, que não supriu, tendo sido emitida a subsequente liquidação oficiosa, com base na matéria coletável determinada no ano anterior, não tendo sido apresentada reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa, nem produzida com o PPA prova bastante para comprovar o alegado excesso de quantificação na liquidação oficiosa, não bastando alegar a pretensa violação de princípios constitucionais e normas fiscais, não se observa qualquer das ilegalidades assacadas ao ato impugnado.
VI. Decisão
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo, nos termos legais.
VII. Valor
Fixa-se o valor do processo em 41.563,99 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de novembro de 2025
A Árbitra
Dra. Adelaide Moura