SUMÁRIO:
I. Os conceitos de “habitação própria e permanente” e de “domicílio fiscal” não têm o mesmo significado.
II. O conceito de “habitação própria e permanente” corresponde a uma realidade da vida social, o local onde determinada pessoa tem a sua vida organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.
III. O requisito da permanência na habitação deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade. Nesta situação, afigura-se essencial a ligação da pessoa à habitação, concretizando-se necessariamente através de certas condições físicas (casa, mobília), jurídicas (contratos, declarações, registos) e sociais (integração, vizinhança).
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., com o número de identificação fiscal..., residente na Rua ..., ..., ...-... ..., (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou no dia 5 de Junho de 2025 um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando, a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2025..., no valor de € 39.884,56 e respetiva nota de cobrança n.º 2025..., na qual se apurou imposto em falta no valor de € 38.902,59, referente a 2022, por padecer de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e de facto e de ausência de fundamentação.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”).
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (seguidamente “CAAD”) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 20 de Agosto de 2025.
No mesmo dia foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
A Requerida, no dia 29 de Setembro de 2025, remeteu a sua resposta e juntou aos autos o respetivo processo administrativo.
Por despacho notificado no dia 2 de Outubro de 2025, o Tribunal Arbitral convidou a Requerente a indicar os pontos da matéria de facto alegada que justificariam a audição das testemunhas, e a razão de ciência que estas poderiam aportar para o esclarecimento das questões que entendesse relevantes.
A Requerente, no dia 8 de Outubro de 2025, indicou os pontos da matéria de facto para inquirição de testemunhas e a respetiva razão de ciência. Solicitou, ainda, a correção do mero lapso de escrita na indicação do ano a que respeita à contratação com a Altice/MEO de um pacote de serviços de telecomunicações M3 (TV+NET24+VOZ) em Dezembro de 2022, ao invés de Dezembro de 2024 (tal como indicado no ponto 15.º do pedido de pronúncia arbitral).
No dia 31 de Outubro de 2025, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual: (i) foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente; e (ii) foram as partes notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem, querendo, alegações escritas, no prazo de 10 (dez dias).
Em 10 de Novembro de 2025, as Partes apresentaram alegações escritas.
Posição da Requerente
A liquidação adicional de IRS em apreço enferma de vício de falta de fundamentação, não se fazendo referência – mesmo mínima – aos fundamentos de facto e de direito que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a emitir uma liquidação adicional de IRS para 2022, incumprindo assim o referido ato com o disposto no artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e artigo 77.º n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Inexiste uma total fundamentação contemporânea do ato tributário em apreço, uma vez que foi somente em 4 de Abril de 2025 que a Requerente tomou conhecimento do motivo pelo qual a referida liquidação havia sido emitida, através de informação prestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no e-balcão do Portal das Finanças, em resposta a um pedido de informação seu.
A fundamentação posterior do ato tributário é irrelevante. O dever de fundamentação deve ser cumprido no momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira decide e não posteriormente.
A interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz do artigo 10.º n.º 6 alínea a) do Código do IRS incorre, desde logo, no erro de que o prazo dos 12 meses se inicia a partir da data da venda do imóvel que deu origem às mais-valias (e não da data do reinvestimento), o que contraria a letra do referido preceito legal que estabelece que não há lugar ao regime de exclusão de tributação das mais valias se “o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento”.
O artigo 10.º, n.º 5 e n.º 6, do Código do IRS exige, para efeitos do benefício da exclusão de tributação das mais-valias, que o sujeito passivo tenha, de facto, afeto o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente, não sendo relevante para este efeito se existiu alteração do domicílio fiscal para o imóvel adquirido e objeto do reinvestimento.
Os conceitos de “habitação própria e permanente” e de “domicílio fiscal” não têm o mesmo significado. O conceito de “habitação própria e permanente” corresponde a uma realidade da vida social, o local onde determinada pessoa tem a sua vida organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida. E o conceito de “domicílio fiscal” previsto no artigo 19.º da LGT, corresponde a um lugar determinado para o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias.
O imóvel, objeto do reinvestimento, foi afeto à habitação própria e permanente da Requerente em data anterior ao termo do prazo legal dos 12 meses (30 de Maio de 2023), apesar de esta apenas ter registado o seu domicílio fiscal no imóvel em data posterior (3 de Julho de 2023) ao referido prazo legal.
Para demonstração do alegado, a Requerente apresenta como prova de que o imóvel constituía a sua habitação permanente antes de 30 de Maio de 2023, contratos e faturas relativos aos consumos de telecomunicações, água e eletricidade no imóvel e ainda fotografias, com data de 8 de Março de 2023, relativas às obras efetuadas, à cozinha com equipamentos, materiais e alimentos por si só demonstrativos da utilização do espaço para confecionar as refeições do dia a dia, às mudanças e à permanência dos seus animais domésticos na casa.
Face à prova apresentada, é inequívoco que a Requerente passou a residir no Imóvel dentro do prazo de 12 meses após o reinvestimento (i.e. antes de 30 de Maio de 2023), razão pela qual se ilide a presunção mencionada no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS e, consequentemente, se deve considerar que o imóvel foi afeto à sua habitação própria e permanente dentro daquele período, dando-se por integralmente cumpridas todas as condições para a aplicação do benefício de exclusão de tributação das mais-valias, previsto no artigo 10.º, n.º 5 e seguintes do Código do IRS.
Pelo que a liquidação de IRS em apreço, na parte em que considera as mais-valias resultantes da transmissão onerosa do imóvel sujeitas a tributação em sede de IRS, é ilegal com fundamento em incumprimento do disposto no artigo 10.º, n.º 5 e 6, do Código do IRS, devendo, em consequência ser anulada.
Posição da Requerida
A Requerente invoca no pedido de pronúncia arbitral a ausência total de fundamentação do ato tributário, alegando que não terá sido notificada de qualquer decisão que fundamentasse a liquidação e que solicitou a 3 de Abril de 2024 esclarecimentos via Portal das Finanças, por e-balcão.
A Requerente foi notificada no âmbito do processo de divergências para prestar os esclarecimentos nos termos do artigo 128.º do Código do IRS quanto à não alteração do domicílio fiscal, constando o ofício datado de 22 de Junho de 2023 como recebido.
A Requerente não apresentou qualquer resposta.
No dia 10 de Outubro de 2023, foi remetido para o domicílio fiscal da Requerente (Rua..., LT ...-... Algoz) pelo Serviço de Finanças de Silves, o Ofício n.º ... por carta registada n.º RF...PT, que veio devolvida em 17 de Outubro de 2023.
No dia 27 de Outubro de 2023, foi efetuada uma segunda notificação pelo Ofício n.º ... (registo RF...PT) que também veio devolvida a 16 de Novembro de 2023.
A Requerente apesar de não ter procedido ao levantamento das notificações, presume-se regularmente notificada para todos os efeitos legais.
Acresce que a liquidação controvertida teve origem num procedimento de gestão e análise de divergências.
E a Requerente teve conhecimento desse procedimento, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de estar informada e de participar nele.
A não participação nesse procedimento só à Requerente pode ser imputada, que escolheu não proceder ao levantamento da correspondência enviada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Acresce que um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva, mas acessível, no sentido de explícita.
Não existem dúvidas que a Requerente percebeu perfeitamente o contexto e os motivos (de facto e de direito) que subjazem à liquidação, ficando claro que esta decisão não lhe surgiu inesperadamente e completamente fora do contexto, mas sim na sequência de um procedimento de divergências de que a Requerente teve conhecimento, e sabia perfeitamente o motivo da divergência.
Cumpre, ainda, referir que a Requerente faz emergir da sua petição as questões fundamentais controvertidas nos presentes autos, revelando ter compreendido o caminho cognoscitivo e valorativo percorrido pelos serviços no âmbito do procedimento de divergência.
À cautela e por mera hipótese, mesmo que se considerasse que tivesse existido falta de notificação da fundamentação, a consequência nunca seria a de considerar que existe invalidade / nulidade / ilegalidade da notificação da liquidação em causa.
Isto porque, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.
Assim sendo, a eventual falta dos elementos constantes no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT tem como consequência apenas a alteração da data a partir da qual se conta o prazo para reclamação, recurso ou impugnação judicial, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 37.º do CPPT.
Acresce que,
À data dos factos, dispunha o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS que são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo desde que verificadas cumulativamente os requisitos previstos nas alíneas:
“a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”.
De destacar que não haverá lugar ao benefício previsto no n.º 5 se não forem cumpridas as condições instituídas pelo n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, designadamente:
“a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;
b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;”.
Considera-se ter havido afetação dos prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.
O legislador com o regime de benefício previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS de exclusão de tributação dos ganhos de mais valias imobiliárias, com origem na alienação de habitação própria e permanente desde que reinvestido na aquisição de um outro imóvel com idêntico destino, visou a proteção da casa de morada de família dos contribuintes e/ou do seu agregado familiar, razão da exigência, entre outros aspetos, que esta última seja afeta a constituir o centro de interesses pessoal e familiar do sujeito passivo e/ou do seu agregado familiar, dispondo o artigo 10.º, n.º 6, alínea a) que tal de concretize em determinado prazo atento a princípios como o da certeza e segurança jurídicas.
O legislador não densifica o modo como deve ser aferida a intenção do sujeito passivo manter e ocupar um determinado local como residência habitual, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual, pelo que será necessário efetuar uma análise casuística, aferindo-se a concretização do elemento volitivo através de manifestações externas.
Este é um regime de benefício face à generalidade de contribuintes que auferem rendimentos de mais valias imobiliárias e, como tal, é ainda maior a exigência no cumprimento escrupuloso dos requisitos legais necessários para a sua ponderação.
Face ao exposto, no caso em análise, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira com certeza atestar – através de prova inexorável – a efetiva implantação e vivência de facto e em permanência no imóvel, antes de Maio de 2023.
Atenta a ausência de prova inabalável, não é possível afirmar que a Requerente afetou aquele imóvel a habitação própria e permanente, dentro do prazo previsto para o efeito.
Pelo que, não estando reunidos os requisitos previstos no n.º 5 e n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, não estão os ganhos obtidos com a transmissão excluídos de tributação (não pode considerar-se ter existido reinvestimento na compra do segundo imóvel).
Em consequência, não pode a Requerente obter a vantagem de natureza fiscal, (aplicando-se a regra geral prevista no Código do IRS, ou seja, a tributação dos ganhos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis).
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do artigo 4.º e do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Com interesse para a prolação da presente decisão arbitral, mostram-se provados os seguintes factos:
3.1.1. A Requerente é uma cidadã italiana, residente para efeitos fiscais em Portugal, viúva e sem agregado familiar – cfr. processo administrativo e Documentos n.º 4 e n.º 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
3.1.2. Em 12 de Maio de 2022, a Requerente vendeu o imóvel inscrito na matriz predial urbana n.º ... da União de Freguesias de ... e ..., pelo valor de € 320.000,00 (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.3. A Requerente residia no referido imóvel, que era a sua habitação própria e permanente, e encontrava-se registado como o seu domicílio fiscal – cfr. processo administrativo.
3.1.4. Em 30 de Maio de 2022, a Requerente adquiriu o imóvel sito na Rua ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana n.º ... da União das Freguesias de ... e ..., pelo preço de € 237.500,00, o qual igualmente se destinava a sua habitação própria e permanente (cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.5. A Requerente declarou, no anexo G da declaração Modelo 3 relativa a 2022, a venda do primeiro imóvel, a intenção de reinvestimento, o valor do empréstimo e o valor reinvestido na aquisição de novo imóvel, a fim de beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias apuradas com a venda do primeiro imóvel (cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.6. Após a aquisição do imóvel, a Requerente levou a cabo obras de melhoramento, cfr. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral (antes da realização das obras) e Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral (após a realização das obras).
3.1.7. Em Dezembro de 2022, a Requerente contratou com a Altice/MEO um pacote de serviços de telecomunicações M3 (TV+NET24+VOZ) que foram instalados no imóvel, passando a usufruir, a partir dessa data, dos referidos serviços (cfr. Documentos n.º 8 a n.º 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.8. A Requerente contratou o abastecimento de água para o imóvel com os Serviços do Município de Silves, cfr. faturas emitidas em 3 de Março de 2023, 3 de Abril de 2023 e 3 de Maio de 2023 (cfr. Documentos n.º 12, n.º 13 e n.º 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.9. A Requerente celebrou um contrato com a EDP para fornecimento de energia no imóvel em 17 de Maio de 2023 (cfr. Documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.10. Até 17 de Maio de 2023, o contrato de fornecimento de eletricidade encontrava-se em nome do anterior proprietário.
3.1.11. Em Março de 2023, o imóvel era utilizado pela Requerente como sua habitação própria e permanente, com animais domésticos (cfr. Documentos n.º 18 e n.º 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.12. Em 21 de Junho de 2023 foi aberto pela Autoridade Tributária e Aduaneira um procedimento de divergência – Id.Irrg. nº ... – porquanto não teria sido cumprido o disposto no artigo 10.º, n.º 6, alínea a) do Código do IRS (afetação à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento) e, consequentemente, tal colocaria em causa a pretensão de reinvestimento – cfr. processo administrativo.
3.1.13. No âmbito do processo de divergência, foi remetida à Requerente a notificação nos termos do artigo 128.º do Código do IRS com o Ofício n.º GIC-..., emitido a 22 de Junho de 2023 por carta registada RY...PT, que consta como recebido a 27 de Junho de 2023 – cfr. processo administrativo.
3.1.14. Em 3 de Julho de 2023, a Requerente procedeu à alteração do seu domicílio fiscal para o imóvel, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. Documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.15. Em 10 de Outubro de 2023, foi remetido para o domicílio fiscal da Requerente pelo Serviço de Finanças de Silves, o Ofício n.º ... por carta registada n.º RF...PT, que veio devolvida em 17 de Outubro de 2023 – cfr. processo administrativo.
3.1.16. Em 27 de Outubro de 2023, foi efetuada uma segunda notificação pelo Ofício n.º ... (registo RF...PT) que também veio devolvido a 16 de Novembro de 2023 – cfr. processo administrativo.
3.1.17. Em 3 de Fevereiro de 2025, a Requerente foi notificada, por correio registado simples (RW...PT), da liquidação adicional de IRS n.º 2025..., no valor de € 39.884,56 (cfr. Documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.18. Em 3 de Abril de 2025, a Requerente questionou a Autoridade Tributária e Aduaneira, através do e-balcão do Portal das Finanças, acerca dos motivos para a emissão da referida liquidação (cfr. Documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.19. Em 4 de Abril de 2025, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou “que conforme consta na alínea a) do nº6 do Art.º 10º do CIRS, não haverá lugar ao benefício, exclusão da tributação, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, quando o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento. A venda do imóvel ocorreu em 12/05/2022 e a alteração para a nova morada somente ocorreu em 03/07/2023, decorridos mais de 12 meses após a venda. Mais se informa que, poderá apresentar no Portal das Finanças, no prazo de 120 dias a contar o termo do prazo para pagamento voluntário, 10 de março de 2025, Reclamação Graciosa nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do CPPT.” (cfr. Documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.20. Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2025..., no valor total de € 39.106,02 pelo Serviço de Finanças de Silves, referente à alegada dívida de IRS de 2022 (cfr. Documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.1.21. Em 5 de Junho de 2025, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a liquidação adicional de IRS n.º 2025... .
3.2. Factos não provados
Não foi possível atestar, através de prova inexorável, a data de conclusão das obras realizadas no imóvel. Com efeito, os Documentos n.º 6 e n.º 7, não têm a virtualidade de comprovar a data da conclusão das obras, nem de que tal ocorreu em “Março de 2023”, não tendo a mera inscrição manuscrita qualquer valor probatório.
Não foi possível comprovar, através de prova inabalável, a existência de um suposto jantar de Natal (em que nenhuma das duas testemunhas participou) ainda em Dezembro de 2022, na “casa nova” da Requerente (que supostamente estaria pronta). Com efeito, não tendo nenhuma das testemunhas participado no mencionado jantar de Natal, tais declarações, nesse segmento, consubstanciam mera prova indireta.
Não foi possível concluir, através de prova sólida, quanto ao facto de a Requerente habitar (ou não) no imóvel durante a execução das obras.
Não há mais factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de pronunciar-se sobre tudo quanto é alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de selecionar os factos que se mostrem relevantes para a prolação da decisão, identificando os factos que se consideram provados e os que, por seu turno, não se acham demonstrados (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Assim, os factos que importam para a decisão são apurados em função do objeto do litígio, delimitado em função do pedido e da causa de pedir (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições que assumiram nos articulados por si apresentados.
4. Matéria de direito
4.1. Ordem de conhecimento dos vícios
Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos»[artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
Por isso, não se apreciará prioritariamente o vício de falta de fundamentação, que tem natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do ato com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar o vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação do ato de liquidação.
4.2. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral
A questão fundamental prende-se com o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter concluído não se mostrar cumprido os termos explicitados no artigo 10.º, n.º 6, alínea a) do Código do IRS para efeitos da aceitação do benefício de exclusão de tributação dos ganhos provenientes da alienação do imóvel (artigo matricial ...), por via do reinvestimento do valor de realização, conforme regime previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.
Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que efetivamente, o negócio de alienação do imóvel foi celebrado em 12 de Maio de 2022 e a nova aquisição, no qual se pretendia concretizar o reinvestimento foi realizada por escritura de 30 de Maio de 2022, pelo que aquando da atualização pela Requerente do domicílio fiscal junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, que apenas se verificou em 3 de Julho 2023, já o prazo de 12 meses exigido no n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS se mostrava ultrapassado.
Vejamos, então.
O artigo 10.º do Código do IRS, na redação vigente à data dos factos e na parte relevante para o caso em apreço, dispõe o seguinte:
“5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
d) (Revogada.)
6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;”.
Neste sentido, para que a Requerente possa beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias obtidas com a venda do imóvel, deverá preencher os seguintes requisitos cumulativos:
i. O imóvel alienado e o Imóvel adquirido têm que se destinar à habitação própria e permanente da Requerente ou do seu agregado familiar;
ii. O reinvestimento do valor de realização, para os fins indicados, ocorra no prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com destino a habitação própria e permanente; e
iii. O novo imóvel seja afeto a habitação própria do sujeito passivo, ou do seu agregado familiar, nos 12 meses posteriores, à realização do reinvestimento.
No que concerne à questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente, o artigo 13.º, n.º 12 a n.º 15, do Código do IRS, determina o seguinte:
“12 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
13 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:
a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou
b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
14 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.
15 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”.
Decorre assim a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente e que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira podem apresentar prova em contrário, através de qualquer meio de prova.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que a Requerente não afetou o imóvel à sua habitação própria e permanente, no prazo de 12 meses, conforme lhe era imposto, a contrario, pelo artigo 10.º, n.º 6, alínea a) do Código do IRS (cfr. Documento n.º 22).
Afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira que a venda do primeiro imóvel ocorreu em 12 de Maio de 2022 e a Requerente apenas procedeu à alteração da sua morada para o novo imóvel, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 3 de Julho 2023, pelo que não estão cumpridas todas as condições previstas no artigo 10.º, n.º 5 e n.º 6 do Código do IRS para aplicação do benefício de exclusão de tributação das mais-valias (cfr. Documento n.º 22).
Por conseguinte, a questão a apreciar passa por saber se as mais-valias apuradas são, ou não, tributadas, uma vez que, apesar de a Requerente não ter comunicado a alteração do domicílio fiscal no prazo legal de 12 meses a contar do reinvestimento, fixou a sua residência própria e permanente no imóvel dentro desse prazo.
Ora, a resposta a esta questão implica determinar se o artigo 10.º n.º 5 e n.º 6 do Código do IRS exige, para efeitos do benefício da exclusão de tributação das mais-valias, uma comunicação da alteração do domicílio fiscal do imóvel adquirido e objeto do reinvestimento, ou se basta que o sujeito passivo tenha, de facto, afetado o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente.
Entende este Tribunal Arbitral que a lei é clara quanto a esta questão: o sujeito passivo tem de afetar o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente, no prazo de 12 meses.
Sendo que os conceitos de “habitação própria e permanente” e de “domicílio fiscal” não têm o mesmo significado.
O conceito de “habitação própria e permanente” corresponde a uma realidade da vida social, o local onde determinada pessoa tem a sua vida organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.
O requisito da permanência na habitação deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade. Nesta situação, afigura-se essencial a ligação da pessoa à habitação, concretizando-se necessariamente através de certas condições físicas (casa, mobília), jurídicas (contratos, declarações, registos) e sociais (integração, vizinhança) (cfr. acórdão do STA de 23 de Novembro de 2011, processo n.º 0590/11).
O conceito de “domicílio fiscal” previsto no artigo 19.º da LGT corresponde a um lugar determinado para o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias, “cuja relevância mais evidente se situa ao nível dos contactos entre o contribuinte e a AT” (cfr. acórdão do TCAS de 11 de Novembro de 2021, processo n.º 2369/09.7 BELRS).
Também a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 184/2023-T faz uma distinção clara entre o conceito de “domicílio fiscal” e “residência habitual”:
“O "domicílio fiscal" é um conceito de direito, que tem o seu substrato fático, na situação da realidade qualificável como "residência habitual". Ou seja, a residência habitual de um sujeito passivo é que determinará o que deva ser o seu domicílio fiscal, e não o contrário. Assim, entende-se que a circunstância de determinado local constar como "domicílio fiscal" de um sujeito passivo, não fará com que a sua "residência habitual" seja esse local. O que significa que a divergência entre o que formalmente conste como "domicílio fiscal" de um sujeito passivo, e o que efetivamente seja a sua "residência habitual", deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda, e não o oposto, ou seja, considerar-se que esta corresponde àquele, aplicando-se, na medida em que se verifiquem os respetivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis.”.
De qualquer forma, salientou o Tribunal Arbitral, “ainda que se concluísse que se deveria considerar como "habitação própria e permanente" do sujeito passivo o respetivo domicílio fiscal, sempre tal se haveria de entender como uma mera presunção. Uma vez que no direito tributário não são admissíveis presunções inilidíveis, ou seja, que não admitem prova em contrário, sempre seria de admitir que em causa de divergência o contribuinte pudesse provar o contrário” (cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 184/2023-T).
Prova essa expressamente admitida na lei fiscal, no artigo 13.º, n.º 12 a n.º 14, do Código do IRS.
Sobre esta matéria existe, de resto, uma vasta jurisprudência, a qual tem sido unanime em considerar a falta de coincidência entre o conceito de “habitação própria e permanente” e o conceito de “domicílio fiscal”. Atente-se, a título de exemplo, aos seguintes acórdãos:
· Acórdão do STA de 14 de Novembro de 2018, processo n.º 1077/11.9BESNT 01448/17: “O conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal”;
· Acórdão do TCAS de 2 de Fevereiro de 2023, processo n.º 3172/10.2BEPRT: “III - Os conceitos de domicílio fiscal e habitação própria e permanente não são sinónimos, ainda que, desde 2015, o CIRS faça presumir a segunda do primeiro, presunção essa ilidível.”;
· Acórdão do TCAS de 23 de Janeiro 2025, processo n.º 383/13.2BEALM: “II - O conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal. III - O requisito da permanência na habitação, deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade, mas sem qualquer cadência cronológica absoluta, impondo-se, apenas, para efeitos da exclusão tributária que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar.”;
· Decisão arbitral de 22 de Janeiro de 2019, processo n.º 285/2018-T: “No plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferido artigo 82º do Código Civil.”;
· Decisão arbitral de 20 de Fevereiro de 2024, processo n.º 433/2023-T: “II - O conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal, sendo ilidível a presunção estabelecida no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS, como resulta da letra da norma.”;
· Decisão arbitral de 29 de Abril de 2024, processo n.º 461/2023-T: “I - Não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária. Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.”;
· Decisão arbitral de 6 de Junho de 2024, processo n.º 687/2023-T: “II. O conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal, sendo ilidível a presunção estabelecida no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS, como resulta da letra da norma.”.
Clarificado o conceito de “habitação própria e permanente” que, sublinhe-se, não equivale ao conceito de “domicílio fiscal”, impõe-se igualmente verificar se os factos apresentados pela Requerente são aptos e suficientes para ilidir a presunção de “que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente”, nos termos do artigo 13.º, n.º 12 a n.º 14, do Código do IRS.
Ora, apesar de ter registado o seu domicílio fiscal no imóvel em 3 de Julho de 2023, a Requerente começou a utilizá-lo como sua habitação própria e permanente no início de Março 2023, não tendo, portanto, ainda decorrido o prazo de 12 meses imposto, a contrario, pelo artigo 10.º, n.º 6, alínea a) do Código do IRS, como se comprova, de resto, pelas faturas emitidas pelas entidades Altice/MEO (fornecimento de telecomunicações), Câmara Municipal de Silves (fornecimento de água) e o contrato de fornecimento de eletricidade celebrado com a EDP (cfr. Documentos n.º 8 a n.º 15).
A Requerente apresentou, ainda, fotografias, com data de 8 de Março de 2023, relativas (i) às obras efetuadas – ainda que não seja possível concluir quanto à data de conclusão das mesmas –, (ii) da cozinha com equipamentos, materiais e alimentos por si só demonstrativos da utilização do espaço para confecionar as refeições do dia a dia, (iii) das mudanças e (iv) à permanência dos seus animais domésticos na casa (cfr. Documentos n.º 6, n.º 7, n.º 16 a n.º 19).
Com efeito, as regras da experiência demonstram existir uma ligação da Requerente ao imóvel, concretizando-se através de certas condições físicas, jurídicas e sociais efetivamente demonstradas.
Assim, uma vez que a escritura de aquisição do imóvel é de 30 de Maio de 2022 e face à prova apresentada, é inequívoco que a Requerente passou a residir no imóvel dentro do prazo de 12 meses após o reinvestimento (ou seja, antes de 30 de Maio de 2023), razão pela qual se ilide a presunção mencionada no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS e, consequentemente, se deve considerar que o imóvel foi afeto à habitação própria e permanente da Requerente dentro daquele período, dando-se por integralmente cumpridas todas as condições para a aplicação do benefício de exclusão de tributação das mais-valias, previsto no artigo 10.º, n.º 5 e seguintes do Código do IRS.
Pelo que, a liquidação de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, na parte em que considera as mais-valias resultantes da transmissão onerosa do imóvel sujeitas a tributação em sede de IRS, é ilegal com fundamento em incumprimento do disposto no artigo 10.º, n.º 5 e n.º 6 do Código do IRS, deve, em consequência ser anulada.
4.3. Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do artigo 10.º, n.º 5 e n.º 6, do Código do IRS, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento do outro vício que lhe é imputado, ou seja, o vício de falta de fundamentação.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Com efeito, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados ao ato tributário seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.
5. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de IRS n.º 2025..., no valor de € 39.884,56 e respetiva nota de cobrança n.º 2025..., na qual se apurou imposto em falta no valor de € 38.902,59, referente a 2022, com a consequente restituição do imposto pago;
b) Condenar a Requerida nas custas.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 299.º e no n.º 2 do artigo 306.º, ambos do CPC, no artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 38.902,59 (trinta e oito mil novecentos e dois euros e cinquenta e nove cêntimos).
7. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12 e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 24 de Novembro de 2025
O Árbitro,
Hélder Faustino