Sumário:
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A AT não se encontra vinculada à arbitragem tributária por força do regime de delimitação negativa da vinculação relativamente aos atos de determinação da matéria coletável ou tributável por métodos indiretos, incluindo a decisão do respetivo procedimento de revisão, conforme dispõe a alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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Incindindo o pedido da Requerente na anulação da liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2020, determinada nos termos do artigo 90.º, n.º 1, b), do CIRC, que configura um método de avaliação indireta nos termos dos artigos 81.º, n.º 2, 83.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1 da LGT, conclui-se que a jurisdição arbitral é materialmente incompetente para apreciar o mérito da causa, constituindo tal situação uma exceção dilatória, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea a), do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Decisão Arbitral
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Prof. Doutor João Zambujal de Oliveira e Dr. Ricardo Marques Candeias (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I — RELATÓRIO
A. Dinâmica processual
A..., LDA., NIF..., com sede na Rua ..., n.°..., ...-... Lisboa, doravante designado como “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de IRC relativa ao ano de 2020, com o n.° 2022..., bem como a respetiva liquidação de juros compensatórios e outros atos conexos, no montante global a pagar de € 60.147,17 (€ 59 276,70 de IRC e € 870,47 de juros), e subsequentes consequências legais.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22 de maio de 2025 e automaticamente notificado à AT.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10 de julho de 2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 29 de julho de 2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, excecionou a incompetência material absoluta do tribunal arbitral e impugnou o peticionado, concluindo, a final, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 29 de setembro de 2025 foi notificada a Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada, o que fez, por articulado apresentado a 8 de outubro de 2025.
Notificada da citada peça, veio a Requerida a 14 de outubro de 2025 pedir a desconsideração de todos os artigos que extravasem a resposta à invocada exceção, que deverão ter-se por não escritos.
Por requerimento datado de 22 de outubro de 2025, veio a Requerente contraditar o posicionado pela AT, devendo ser admitido o requerimento apresentado pela Requerente na sua integralidade.
Pronunciando-se por despacho de 24 de outubro de 2025, o Tribunal Arbitral deferiu o requerido pela AT, podendo, no entanto, a Requerente pronunciar-se sobre as matérias que fossem além do âmbito das exceções em fase de alegações.
Por despacho de 31 de outubro de 2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, admitindo este Tribunal, preliminarmente, que a exceção suscitada pela AT teria fundamento, pelo que a dita se revelaria inútil. Além disso, foi fixado o prazo de 10 dias para as Partes, querendo, apresentarem alegações simultâneas, direito que ambas exerceram, e no mesmo dia: 13 de novembro de 2025. Mantiveram, no essencial, o que já tinham dito.
B. Posição das partes
Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a AT desconsiderou totalmente a sua contabilidade relativa ao ano fiscal de 2020, apresentada através do Mod. 22, preenchido e submetido em novembro de 2022, e de novo apresentada com o pedido de revisão do ato tributário, em 2024, só possível naquela primeira data devido a grave doença de que o marido da gerente do SP foi acometido, de tal modo que daí resultou, em agosto de 2022, a sua morte.
Por isto, a AT não apurou corretamente o lucro tributável para efeitos de IRC relativo ao período tributário de 2020, aplicando presunções legais de forma automática, sem cumprir o dever de apreciação da contabilidade e da prova apresentada, o que configura erro nos pressupostos de facto e de direito, falta de fundamentação e violação dos princípios da legalidade e tributação pelo rendimento real.
Por estas razões, deve a Requerida anular a liquidação em causa.
Por sua vez, na sua Resposta, excepcionando, alega a Requerida que estamos perante uma incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral.
Sustenta que os atos de determinação da matéria coletável por métodos indiretos se encontram excluídos da jurisdição arbitral, nos termos do artigo 2.º, b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que regula a vinculação da AT ao regime de arbitragem tributária.
A AT cita jurisprudência arbitral e doutrina para reforçar que as liquidações baseadas em métodos indiretos não podem ser objeto de apreciação arbitral, por configurarem matérias reservadas à Administração Tributária, concluindo, portanto, que verifica-se, in casu, a mencionada exceção, pelo que, consequentemente, deve absolver-se a Requerida da instância.
Além disso, impugnando, esgrima não se verificar a violação do direito de audição prévia, uma vez que a liquidação foi efetuada oficiosamente após notificação para entrega da declaração em falta, conforme prescreve o artigo 60.º, n.º 2, alínea b), da LGT, ao dispensar expressamente a audição.
Contradita também a alegada falta de fundamentação do ato, afirmando que tanto o aviso prévio como a liquidação contêm a exposição dos fundamentos de facto e de direito — nomeadamente a falta da declaração e a aplicação da norma do artigo 90.º — cumprindo assim os requisitos do artigo 77.º da LGT e dos artigos 124.° e 125.° do CPA.
Sustenta ainda a AT que a liquidação oficiosa encontra-se ausente de qualquer vício pois resulta do cumprimento de um dever vinculado: liquidar o imposto quando o contribuinte não entrega a declaração dentro do prazo.
Considera que este mecanismo não infringe o princípio da tributação pelo rendimento real, dado que o artigo 104.º, n.º 2, da CRP, permite exceções baseadas em presunções ilidíveis, ou seja, presunções que o contribuinte pode contrariar mediante prova.
A AT reforça este entendimento com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD, que reconhece a conformidade constitucional das liquidações oficiosas e esclarece que as declarações extemporâneas não beneficiam da presunção de veracidade prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, sendo avaliadas livremente pela Administração.
Relativamente à revisão oficiosa pedida pela contribuinte, a AT justifica o indeferimento com base no artigo 78.º da LGT, afirmando que não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços e que existiu negligência do sujeito passivo ao não cumprir as suas obrigações declarativas.
C. Thema decidendum
Centrado o litígio na determinação da matéria coletável fixada nos termos do art. 90.º, n.º 1, b), do CIRC, importa saber se resulta ou não uma incompetência material do tribunal arbitral considerando o disposto na alínea b) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
II — Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, RJAT.
Suscita a Requerida a exceção de incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral.
Por razões de lógica discursiva importa positivar a matéria de facto dada por provada e por não provada para, de seguida, aferir da alegada exceção de incompetência material absoluta do tribunal arbitral e, indeferida, apreciar o mérito da questão.
Com efeito, a apreciação jurisdicional deve, por imperativo processual, iniciar-se pelo exame das questões prévias ou exceções dilatórias suscetíveis de conduzir à absolvição da instância, observando a ordem que decorre da sua precedência lógica e jurídica, conforme dispõe o artigo 608.º, n.º 1, do CPC, aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim, caso venha a ser julgada procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, ficará necessariamente prejudicada a apreciação sobre o mérito da causa.
III — FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade por quotas, com um capital social de €5.000,00, dividido por duas quotas, uma com o valor nominal de € 4.000,00 e a outra com o valor nominal de € 1.000,00, exercendo no período em análise a atividade principal com o CAE 070200 de “Atividades de consultoria para os negócios e outra consultoria para a gestão”, enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC;
B) Para o período fiscal de 2020 as funções de contabilista eram exercidas por B..., titular do número de identificação fiscal n.º ... .
C) A Requerente não submeteu até ao dia 16 de julho de 2021 o modelo 22 de IRC relativo ao período de exercício de 2020, na sequência do prazo que foi prorrogado por despacho do SEAF n.º 240/2021-XXII, de 14 de julho;
D) A Requerida remeteu à Requerente, via CTT, o aviso n.º..., emitido a 16 de novembro de 2021, relativa ao período do exercício de 2020, do qual consta:

E) A AT informou a Requerente, por via da referida comunicação, de um prazo suplementar de 15 dias para a apresentação da declaração em falta;
F) A Requerente não apresentou a citada declaração, relativa aos rendimentos modelo 22 do IRC referente ao período de 2020;
G) A Requerida procedeu à elaboração do documento n.º ...2021..., que deu origem à liquidação oficiosa n.º 2022..., datada de 05 de janeiro de 2022, do qual resultou um valor a pagar de € 60.147,17, até ao dia 23 de março de 2023;
H) Esta liquidação foi remetida à Requerente por ViaCTT, a 04 de fevereiro de 2022, considerando-se a destinatária notificada no dia 22 de fevereiro de 2022;
I) A Requerente não efetuou o pagamento do valor liquidado pelo que, consequentemente, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2022...;
J) A Requerente submeteu em 23 de novembro de 2022 a declaração mod. 22 (ID ...-2022-...) relativa ao período de 2020, que ficou na situação “Documento não liquidável”, e que apurava um Resultado Líquido do Exercício (RLE) no montante de € - 4.794,82, e um prejuízo fiscal no montante de € 4.356,53;
K) Na mesma data a Requerente também submeteu a declaração da Informação Empresarial Simplificada, referente ao mesmo período de exercício;
L) Em 27 de dezembro de 2024 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato tributário da liquidação aqui impugnado, a que foi atribuído o n.º ...2024..., tendo juntado, relativamente ao período fiscal de 2020, os balancetes analíticos, as demonstrações financeiras, e os extratos de conta corrente, juntamente com o ficheiro SAFT da contabilidade, o Mod. 22 apresentado em 2022 e comprovativo de entrega da declaração IES;
M) Em 21 de fevereiro de 2025, na pendência do procedimento de revisão oficiosa, a Requerente apresentou à Requerida o Diário de Vendas, Diário de Compras, Diário de Bancos Débitos e Caixa, Diário de Bancos a Haver e Diário Operações Diversas;
N) Após a apresentação do Mod. 22 por parte da Requerente, a Requerida nunca solicitou a esta a apresentação dos documentos da sua contabilidade;
O) Com data de 02 de maio de 2025, o Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu o seguinte despacho: “Visto. Atendendo aos pareceres e propostas que antecedem, ao teor, conteúdo e fundamentos da informação prestada infra considero que o pedido não merece provimento uma vez que, segundo o informado, não se verificam os pressupostos legais previstos para o deferimento da Revisão solicitada.
Notifique-se para o exercício do direito de audição prévia nos termos da alínea b) do n.º 1 e n.º 5 do art.º 60.º da LGT”.
P) Da informação que sustenta o despacho resulta o seguinte:







Q) Por ofício datado de 05 de maio de 2025, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação previsto no artigo 60.º da LGT, não o tendo feito;
R) Em 20 de maio de 2025, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não foram identificados factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, CPPT, e art. 607.º, n.º 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, n.º 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, e), RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, n.º 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
Na verdade, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o n.º 5 do art. 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º, CCiv.) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. Matéria de direito
§. Exceção de incompetência absoluta do tribunal arbitral para as questões relativas a atos de liquidação provenientes da aplicação por métodos indiretos
Como vimos, por força das regras processuais, o tribunal deve começar a sua análise pelas questões preliminares ou exceções dilatórias que possam determinar a absolvição da instância, seguindo a ordem lógica e jurídica imposta pela lei. Tal princípio resulta do artigo 608.º, n.º 1, do CPC, o qual é aplicável aos processos arbitrais tributários nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A AT veio dizer, na sua Resposta, que o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar o pedido, uma vez que a liquidação oficiosa em causa foi efetuada com base em métodos indiretos de determinação da matéria coletável, ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC.
A AT considera, segundo jurisprudência consolidada do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo, este tipo de liquidação configuradora de uma tributação através da aplicação de métodos indiretos, baseada em presunções e indícios, e que resulta, por um lado, pelo incumprimento do contribuinte, e por outro lado, pelo princípio da legalidade – ao qual a Requerida, enquanto órgão da Administração Pública, se encontra estritamente vinculada, o que se enquadra nas situações expressamente excluídas da jurisdição arbitral.
Tal exclusão decorre da alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, que fixa os limites da vinculação prévia da AT à arbitragem tributária, e que exclui as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável ou tributável por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
Esta delimitação decorre do princípio da indisponibilidade do interesse público, que impõe que a AT apenas se submeta à arbitragem nos termos definidos pela lei e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Assim, como as competências do tribunal arbitral devem ser aferidas em conformidade com o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e com a referida Portaria, é-lhe vedado o conhecimento de matérias que extravasem esse âmbito
Deste modo, a AT conclui que o presente tribunal deve declarar-se materialmente incompetente, absolvendo a Requerida da instância, nos termos dos artigos 4.º do RJAT, 2.º, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e 576.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Por sua vez, tomando posição sobre a exceção invocada, a Requerente sustenta que o pedido não versa sobre a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, mas sim sobre a legalidade da liquidação oficiosa de IRC e do indeferimento tácito da revisão oficiosa, ambos expressamente incluídos no âmbito da arbitragem tributária pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
Na sua perspetiva, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que delimita a vinculação da AT à arbitragem, deve ser interpretada restritivamente, excluindo apenas os atos de determinação da matéria coletável por métodos indiretos e a decisão do respetivo procedimento de revisão.
Não se trata, no caso, de um ato de quantificação por métodos indiretos, mas de uma liquidação automática e vinculada, efetuada com base em presunções legais objetivas, previstas no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, sem qualquer margem de discricionariedade.
Distingue entre métodos indiretos de avaliação da matéria coletável e presunções legais de tributação, salientando que a liquidação oficiosa em apreço não resultou de uma avaliação indireta baseada em indícios ou estimativas (método indireto), mas de uma presunção normativa expressa na lei. Assim, o ato impugnado não se enquadra na exceção prevista na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, razão pela qual não há fundamento para afastar a jurisdição arbitral.
Vejamos.
A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.
No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.
Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».
No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redação inicial, que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que se incluiu a norma invocada pela AT, que reza assim:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
[…]
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;”
Ora a primeira questão que importa resolver consiste em determinar se o tribunal arbitral possui competência material para apreciar o pedido de pronúncia formulado nesta ação.
Conforme salientado na decisão arbitral n.º 76/2012-T, de 29 de outubro de 2012, é entendimento pacífico que o tribunal arbitral tem poderes para apreciar e decidir sobre a sua própria competência, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), aplicável por analogia ao regime da arbitragem tributária (RJAT) sempre que este não disponha de norma expressa sobre a matéria.
Depois, a competência dos tribunais arbitrais que operam no âmbito do CAAD encontra-se, em primeiro lugar, delimitada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
Este normativo define o tipo de pretensões que podem ser apreciadas nesta jurisdição especializada.
Este preceito abrange, por um lado, a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta (alínea a)) e, por outro, a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável que não resultem diretamente em liquidação, bem como de atos de determinação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais (alínea b)).
Assim, dentro deste enquadramento normativo, os pedidos de anulação de atos tributários abrangem tanto os que resultam de avaliação direta como aqueles decorrentes da determinação da base de incidência através de métodos indiretos, conferindo ao tribunal arbitral competência para apreciar a validade de ambos os tipos de atos.
No entanto, importa considerar um segundo nível de aferição das suas competências, segundo nível este que é negativamente delimitativo.
Este segundo nível considera especificamente os atos de determinação da matéria coletável/tributável por métodos indiretos, incluindo a respetiva decisão do procedimento de revisão (vide a citada alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Nesta linha, a decisão arbitral n.º 76/2012-T, positiva que “nem foi o legislador que excluiu a determinação da matéria colectável por métodos indirectos do âmbito da jurisdição arbitral, mas sim a própria Administração, através de Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois esta não é um acto legislativo, mas sim de um acto de natureza regulamentar, praticado por membros do Governo ao abrigo da sua competência administrativa, no caso a prevista na alínea c) do art. 199.º da CRP, e não da competência
legislativa, indicada no artigo anterior.”
Ora, numa primeira abordagem, a posição jurisprudencial maioritária do CAAD é a de que a exclusão ínsita na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março abrange os atos tributários (de liquidação) e não apenas aos atos de determinação da matéria coletável/tributável com recurso a métodos indiretos (vejam-se as decisões 310/2014-T; 324/2016-T; 359/2017-T; 544/2018-T; 112/2020; e 15/2021-T, entre outras).
Mas, como refere a decisão do CAAD proc 108/2023-T, merecedora do nosso acolhimento, “salvo em caso de manifesta violação das competências legais, a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos determina o conteúdo da subsequente liquidação, fazendo sentido submeter ao mesmo regime processual os atos de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, propriamente ditos e os atos tributários de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, uma vez que o essencial da matéria sobre que vai incidir a pronúncia arbitral é, em ambos os casos, idêntica.”
Com efeito, o dissenso epistemológico encontra-se aqui.
Para a Requerente, conforme resposta ao excecionado pela Requerida, como já foi dito, para efeitos de interpretação do disposto no art. 2.º, b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, importa distinguir a determinação da matéria colectável/tributária por métodos indiretos e a determinação da matéria colectável/tributária por avaliação indireta (para o que aqui interessa, que abrange a aplicação dos métodos indiretos e as presunções ope legis). Ora, como a norma citada especificamente refere a excepcionalidade para os casos de determinação da matéria colectável/tributária por métodos indiretos, então seria da competência do tribunal arbitral o que dele sobeja, isto é, a determinação da matéria colectável/tributária por avaliação indireta que não seja a por métodos indiretos. Isto porque, no primeiro caso, a matéria coletável tem por base indícios e estimativas técnico-cientificamente suportadas, enquanto no segundo caso estaríamos perante presunções assentes na contabilidade da Requerente (de aplicação vinculada).
Daí a Requerente concluir que “a Requerida não praticou qualquer ato de determinação da matéria coletável ou tributável por métodos indiretos”. Sendo assim, não será de aplicar o disposto no citado art. 2.º, b), da referida Portaria, excecionando a competência deste tribunal arbitral.
Por sua vez, a AT tem posição diametralmente oposta, citando jurisprudência do CAAD, ao concluir que a liquidação oficiosa nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, tem natureza presuntiva, abrangendo tanto a determinação do valor dos rendimentos por métodos indiretos, stricto sensu, como por avaliação indireta.
Curiosamente, para sustentar as suas posições, ambas as partes chamam à colação o acórdão prolatado no processo 78/2022-T (Carlos Fernandes Cadilha, Martins Alfaro, Clotilde Celorico Palma).
A AT fundamenta a sua posição quando transcreve que “a liquidação oficiosa nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código de IRC corresponde a uma forma de determinação do lucro tributável por métodos indiretos, que assume natureza presuntiva, visando a determinação do valor dos rendimentos a partir de indícios, presunções ou outros elementos disponíveis” (o negrito é nosso).
Por sua vez, a Requerente chama à demanda o sumário do dito, liturgicamente sentenciando “I – Quando haja lugar a liquidação oficiosa, nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, por falta de apresentação das declarações de rendimentos, a Administração fica vinculada a realizar diligências instrutórias e inspetivas no sentido de apurar a matéria tributável do período em causa e proceder às correções que se mostrem pertinentes e à consequente liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa;
II - Tendo o sujeito passivo apresentado as declarações de rendimentos em falta, bem como a informação empresarial simplificada, no exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, a Autoridade Tributária não podia deixar de realizar, no decurso do procedimento, as diligências necessárias para a confirmação dos valores declarados, em vista a fixação do lucro tributável, tendo em consideração que a liquidação oficiosa tem natureza meramente presuntiva e provisória.”
Antes de mais, importa referir que, no caso citado, se por um lado o tribunal declarou-se, tabularmente, materialmente competente (|”O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro”), por outro lado, fê-lo como requisito/pressuposto processual, mas sem discussão, pois foi, na verdade, um não thema decidendum.
Daí que, a centralidade do dissídio nesse processo não incidiu sobre a interpretação do disposto no art. 2.º, b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (avaliação indireta vs. métodos indiretos), mas sim de recair sobre a AT o dever de realizar quaisquer diligências de verificação que permitissem confirmar a veracidade das informações e dos documentos apresentados pelo SP, incluindo os elementos contabilísticos e a prova produzida em sede arbitral. Isto é, em vez de proceder a uma verificação efetiva, designadamente através de um procedimento de inspeção, a AT limitou-se a invocar o princípio da repartição do ónus da prova, previsto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, escusando-se à averiguação dos factos e atribuindo ao contribuinte a responsabilidade de demonstrar os elementos em que baseava a sua pretensão.
Consequentemente, temos por certo ter a Requerente ido longe de mais quando chama a seu favor o citado aresto, pois dele não resulta qualquer posição que sustente o que ora clama — em lado algum se defende uma interpretação restritiva do artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Antes pelo contrário, o citado aresto dá razão à AT, no segmento já citado, porquanto não deixa de admitir que a determinação do lucro tributável por métodos indiretos assume (tal como a da avaliação indireta) natureza presuntiva.
De acordo com o citado art. 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, em vigor à altura dos factos, “Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o maior dos seguintes montantes: 1) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; 2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; 3) O valor anual da retribuição mínima mensal.“
Para Diogo Leite de Campos, Benjamin Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária — Anotado e comentada, 4.ª edição, 2012, p. 739, em comentário ao artigo 83.º, LGT, a avaliação indireta ocorre quando não existem elementos fiáveis suficientes para demonstrar exatamente o valor daqueles rendimentos ou bens tributáveis. Consequentemente, por essa razão, a avaliação dos bens ou rendimentos sujeitos a tributação é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que administração tributária dispuser, inclusivamente alguns que poderiam ser utilizados na avaliação direta. Apenas se procede a avaliação indireta em casos em que não seja viável determinar a matéria tributável através de avaliação direta, quer por falta de elementos para esta ser levado a cabo, quer por haver razões para suspeitar que o valor que conduz a aplicação dos métodos de avaliação direta não é a matéria tributável real (arts. 87, n.º 1, c), e 89.º, LGT).
Isto que foi dito — a razão de ser da figura jurídica — vale mutatis mutandis para a determinação do lucro tributável por métodos indiretos, além de que, também em sede de LGT, a figura do método indireto ser um minus da avaliação indireta — cf. o art. 87.º LGT e o tratamento paritário que o legislador a elas reservou.
Ser a figura do método indireto um minus da figura avaliação indireta não resulta numa intenção do legislador de com elas procurar finalidades distintas para efeitos do disposto no art. 2.º, b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Antes pelo contrário.
Com efeito, o art. 90.º, n.º 1, b), CIRC, estabelece que, na ausência de declaração de rendimentos, a liquidação é efetuada com base no maior de três valores presuntivos (coeficiente aplicado ao regime simplificado, matéria coletável do período anterior ou retribuição mínima mensal). Trata-se, inquestionavelmente, de uma forma de avaliação indireta da matéria coletável, já que substitui a verificação do lucro efetivo — obtido através de contabilidade — por critérios legais de estimativa.
Esta operação é conceptualmente idêntica à determinação por métodos indiretos, uma vez que o resultado fiscal não decorre de prova direta dos rendimentos, mas sim de presunções objetivas impostas pela lei, embora pressupondo diferentes critérios. A diferença é apenas de técnica legislativa, não de substância.
Portanto, de acordo com o regime vigente, tanto a determinação do lucro tributável por métodos indiretos como a determinação do lucro tributável por avaliação indireta (cf. para o efeito, o art. 83.º, n.º 2, CIRC) é, na sua substância, como já referimos, presuntiva.
A primeira resulta de indícios, presunções ou outros elementos disponíveis, sustentados em indícios técnicos de base factual típica. A segunda resulta de presunções legais, em particular, nomeadamente quando consideramos o disposto no citado art. 90.º, n.º 1, b), CIRC, e que justificou o ato de liquidação emitido pela AT e ora contestado. Mas, repetimos, na verdade, são substancialmente idênticas.
Com efeito, o legislador, ao referir-se genericamente a “métodos indiretos”, para efeitos do disposto no art. 2.º, b), da Portaria, quis abranger todas as formas de apuramento presuntivo da matéria coletável — incluindo as fundadas em presunções legais expressas, como as do artigo 90.º, n.º 1, b) —, por se tratar de situações em que a AT substitui a iniciativa declarativa do contribuinte por uma determinação objetiva e unilateral do rendimento tributável.
Assim, a liquidação efetuada ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, b), do CIRC, partilha a mesma natureza e ratio dos atos de determinação da matéria coletável por métodos indiretos, uma vez que ambos assentam na substituição dos elementos declarativos e contabilísticos do contribuinte por valores presumidos definidos legalmente. A distinção entre “métodos indiretos” e “avaliação indireta”, para os efeitos que consideramos — competência ou não do tribunal arbitral em se pronunciar materialmente sobre o thema decidendum peticionado pelo SP—, é meramente terminológica, já que em ambos os casos ocorre a utilização de critérios presuntivos e substitutivos da contabilidade, afastando-se da determinação direta do rendimento efetivo.
A natureza presuntiva, estimativa e unilateral dos atos de determinação da matéria coletável cuja revisão e controlo jurisdicional exigem elevada especialização técnica e um escrutínio judicial mais intenso, forçam a uma reserva a favor da jurisdição tributária estatal.
Ora, as liquidações oficiosas previstas no artigo 90.º, n.º 1, b), do CIRC, partilham integralmente essas características: assentam em presunções legais e em valores substitutivos da contabilidade real, apurados com base em elementos externos ao contribuinte, precisamente porque este não cumpriu o dever declarativo que permitiria a determinação direta do lucro tributável.
Além disso, a liquidação oficiosa do artigo 90.º, n.º 1, b), do CIRC, é, na prática, a concretização de uma determinação presuntiva da matéria coletável. A sua apreciação tem como ponto de partida a mesma análise técnico-jurídica que a dos atos de fixação por métodos indiretos: utilizar critérios presuntivos e da correspondência com a realidade contabilístico-económica do SP (como pode acontecer com a determinação da matéria colectável por métodos indiretos — veja-se o disposto no art. 90.º, n.º 1, alínea g), da LGT, substancialmente idêntico ao critério previsto no art. 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC).
Submeter umas situações (métodos indiretos) ao regime judicial e outras (avaliação indireta, nos termos do art. 90.º, n.º 1, b), do CIRC) à arbitragem tributária quebraria a coerência interna do sistema e comprometeria a unidade de controlo sobre atos de natureza idêntica.
Posto isto, entendemos que a matéria em litígio se encontra abrangida pela exclusão prevista no art. 2.º, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pois, conforme resulta do probatório, embora a Requerente pretenda a anulação do ato de liquidação de IRC relativa ao ano de 2020, ele decorre da determinação da matéria tributável por via da avaliação indireta, por aplicação do art. 90.º, n.º 1, b), do CIRC, e dos arts. 81.º, n.º 2, 83.º, n.º 2 e 87.º da LGT.
Acresce ainda referir que o ato de liquidação de imposto que materializa a decisão aqui em causa não pode ser apreciado isoladamente, uma vez que carece de autonomia própria, estando intrinsecamente ligado e dependente da decisão de determinação da matéria tributável que lhe serve de fundamento.
Deste modo, e pelos fundamentos anteriormente expostos, conclui-se que a Autoridade Tributária não se encontra vinculada à jurisdição arbitral, o que implica que qualquer decisão proferida por este tribunal sobre matérias excluídas da vinculação careceria de eficácia subjetiva, por inexistência de jurisdição. Tal situação configura, portanto, uma incompetência absoluta do tribunal arbitral, delimitada em razão da matéria, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, do RJAT, em conjugação com a alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Nestes termos, julga-se verificada a exceção de incompetência material, a qual constitui uma exceção dilatória, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea a), do CPTA, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. Sendo assim, esta exceção obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância, conforme previsto no artigo 576.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Sem prejuízo do exposto, mantém-se a possibilidade de a Requerente exercer o seu direito de ação junto da jurisdição tributária comum, podendo, caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais, deduzir impugnação judicial ao abrigo do artigo 24.º, n.º 3, do RJAT.
IV. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral, em razão da matéria;
b) Absolver a Requerida da instância, ficando, assim, prejudicada a apreciação do
mérito da causa;
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 60.147,17, indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VI. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 24 de novembro de 2025
Os Árbitros
(Dra. Alexandra Coelho Martins)
(Prof. Doutor João Zambujal de Oliveira)
(Dr. Ricardo Marques Candeias, Relator)