SUMÁRIO
I. O legislador faz depender a aplicação ex novo do estatuto de RNH, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, CIRS. A lei não exige um pedido de cessação do mesmo regime, quando preteritamente atribuído.
II. A hipótese normativa do artigo 16.º, 12, CIRS, circunscreve-se apenas aos casos em que, tendo sido atribuído ao sujeito passivo, retoma o gozo do mesmo dentro do período dos dez anos. Mas, nada dispõe relativamente às situações em que esse período já terminou, assim como não estabelece qualquer período intercalar mínimo entre o termo de um período de vigência e o início de um outro período, quando os requisitos legais se verificam.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Rui Duarte Morais (presidente), Pedro Guerra Alves e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 5 de Agosto de 2025, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., doravante “Requerente”, com o número de identificação fiscal português ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... Oeiras, veio, em 26 de Maio de 2025, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2023, no valor total de imposto de 3.855,90 €, peticionando a declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso do montante indevidamente pago, 138.713,69€. Peticiona ainda juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).
O Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
a) Preenche os requisitos materiais para o reconhecimento do estatuto de RNH — o que foi, aliás, confirmado pela decisão arbitral do CAAD, de 25 de setembro de 2024, proferida no âmbito do processo n.º 161/2024, transitada em julgado, pelo que tem direito a ser tributado enquanto tal.
b) Tornou-se residente fiscal em Portugal no ano de 2010, tendo, previamente, residido durante vários anos fora do território português.
c) Aquando da sua instalação em Portugal, em 2010, motivada pelo desempenho do cargo de Project Manager da C..., S.A., o Requerente requereu a sua inscrição como RNH, pedido que foi deferido pela AT.
d) Assim, foi-lhe atribuído o estatuto de RNH para o período de 2010 a 2019.
e) Todavia, a partir de 01.07.2011, passou a exercer a sua atividade junto de diversas entidades sedeadas ou com escritório em Londres, Reino Unido.
f) Por conseguinte, deslocou-se em permanência para o Reino Unido e, consequentemente, alterou o seu estatuto de residência, a meio do ano de 2011, para não residente fiscal em território português, motivo pelo qual apenas beneficiou do estatuto de RNH entre 2010 e 2011..
g) Assim, de 2011 em diante, o Requerente foi residente fiscal no Reino Unido, tendo aí mantido a sua habitação própria e permanente, passando a esmagadora maioria do seu tempo no Reino Unido.
h) Já no ano de 2021 (praticamente dez anos depois), o Requerente, por via de uma nova proposta profissional, deslocou de novo a sua residência permanente para Portugal.
i) Assim, o Requerente não beneficiou do seu estatuto de RNH (inicial) entre 2011 e 2019, tendo perdido a possibilidade de, mesmo em teoria, vir a beneficiar do seu estatuto de RNH, que lhe havia sido concedido em 2010, depois de 2019.
j) Paralelamente, ainda num momento prévio à sua deslocação definitiva para Portugal em 2021, o Requerente, pretendendo acautelar a sua situação fiscal, e procurando diligentemente perceber o seu enquadramento jurídico-fiscal aquando do seu regresso, pediu um esclarecimento à AT via E-balcão (Portal das Finanças) acerca do seu estatuto como RNH.
k) No seguimento desse pedido, o Requerente recebeu resposta da AT por essa mesma via, no sentido de que “[o] estatuto [de RNH] não existia nos anos que identifica”, mais concretamente, os anos de 2011 a 2019.
l) Uma vez chegado a Portugal, no ano de 2021, o Requerente inscreveu-se prontamente como residente fiscal em território português.
m) Tendo submetido novo pedido de inscrição (via E-balcão) para que pudesse beneficiar do regime de RNH (2.º período).
n) No entanto, o Requerente, com surpresa, viu esse pedido ser rejeitado pela AT com o seguinte aviso no portal E-balcão: “[n]ão é possível efetuar o pedido de inscrição como Residente Não Habitual. Como já esteve inscrito no regime pretendido, só após ter decorrido o prazo de cinco anos em que tenha sido considerado residente no estrangeiro é que poderá voltar a solicitar a inscrição”.
o) O Requerente, perante tão inaudita e inesperada resposta e na tentativa de sanar qualquer questão existente, enviou nova questão via E-balcão, solicitando esclarecimentos acerca da sua situação fiscal e do porquê de lhe ter sido vedada a possibilidade de inscrição como RNH em 2021.
p) À qual obteve resposta por parte da AT, por essa mesma via, no sentido de dever endereçar um requerimento à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC), tendo o Requerente assim procedido, através de requerimento submetido a 08.09.2021.
q) No entanto, a AT, em sede de Projeto de Decisão desse requerimento, de que o Requerente foi notificado para exercer direito de audição prévia em 20.06.2022, considerou que “[a]tendendo às normas aplicáveis ao regime dos residentes não habituais, só se pode concluir que o legislador considerou que não há lugar à renovação do regime fiscal dos residentes não habituais e a eventual aquisição de novo direito não pode ocorrer no período imediatamente subsequente ao período em que lhe foi concedido o direito ao gozo do regime (10 anos consecutivos), ainda que se verifique a sua suspensão na sequência de uma opção que lhe é imputável” (realce nosso) — cfr. doc. n.º 7, que se junta em anexo.
r) Mais, acrescentou a AT no Projeto de Decisão: “o pressuposto [do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS] relativo à não residência em território português em qualquer dos cinco anos anteriores relativamente ao qual o sujeito passivo se torna fiscalmente residente neste território, exige como condição “sine qua non” que o sujeito passivo não detenha nesse período qualquer estatuto fiscal de exceção” (realce nosso) — cfr. doc. n.º 7, já em anexo.
s) Uma vez notificado do Projeto de Decisão e discordando do sentido do mesmo, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia em 01.07.2022 — cfr. doc. n.º 8, que se junta e dá por reproduzido.
t) Porém, ignorando gritantemente tudo quanto se expôs, a AT decidiu a final pelo indeferimento do pedido de inscrição como RNH do Requerente, assente justamente nos mesmo argumentos previstos no Projeto de Decisão, e que acima se referiram — cfr. doc. n.º 9, que se junta e dá por reproduzido.
u) Dado o indeferimento do pedido de inscrição de RNH, o Requerente viu-se obrigado a submeter a sua Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2023, como residente em território português e sem qualquer estatuto de exceção (não poderia declarar outra coisa, pois até ver nenhum outro estatuto lhe houvera sido atribuído) — cfr. doc. n.º 3, já em anexo.
v) Não obstante discordar profundamente com o enquadramento jurídico-tributário operado pela AT em relação à sua situação fiscal, refletido na liquidação de IRS já junta como doc.n.º 4, da qual resultou o valor a pagar de 3.855,90 €, - cfr. doc n.º 4, já em anexo – o Requerente procedeu ao pagamento do montante exigido de forma pronta, integral e pontual - cfr. comprovativo de pagamento que se junta como doc. n.º 10 em anexo.
w) Tendo, em paralelo, apresentado reclamação graciosa contra a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2023, peticionando que lhe fosse reconhecido o direito a ser tributado como RNH, visto que os pressupostos materiais se encontram integralmente cumpridos.
x) A AT veio indeferir a dita reclamação graciosa (cf. doc. n.º 1 já em anexo), decisão que ora se impugna de forma imediata, contestando-se de forma mediata a liquidação de IRS que lhe subjaz, respeitante ao ano de 2023.
y) A Requerente apresentou no passado uma reclamação graciosa em termos praticamente idênticos aos presentes, pretendendo a anulação da liquidação de IRS referente ao ano de 2022, de cujo indeferimento apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral junto do CAAD.
z) Por força da Decisão Arbitral n.º 161/2024-T, foi o estatuto de RNH reconhecido ao Requerente, tendo a sua liquidação de IRS referente a 2022 sido anulada e tendo a AT sido condenada à restituição do total do montante indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios (cfr. doc. n.º 5, já junto em nexo).
aa)Pugnando pela verdadeira justiça do caso concreto e aplicação das regras materiais já avaliadas por um Tribunal Arbitral, requer-se desde já que este douto Tribunal defira o presente pedido de pronúncia arbitral, no mesmo sentido da referida Decisão já transitada em julgado, permitindo, assim, que o Requerente possa obter a justa composição do tema em causa e ser tributado, nos termos da lei, de acordo com o estatuto que lhe foi reconhecido.
bb) Sustenta que a tributação do Requerente ao abrigo do RNH — conforme se impõe — teria implicado um resultado da liquidação de IRS de 2023 completamente diferente, que inclusive lhe conferiria o direito a um reembolso, ao invés de uma obrigação de imposto,
cc)Devendo o ato de liquidação ser anulado e substituído por um outro ato de liquidação de IRS para o ano de 2023 que contemple, em termos materiais, uma tributação dos rendimentos auferidos em 2023 consentânea com os normativos aplicáveis ao abrigo do estatuto de RNH, como se descreve de seguida.
dd) O Requerente continuou a trabalhar em Portugal no de 2023 e a auferir rendimentos, enquadrados na sua atividade de elevado valor acrescentado.
ee)Neste sentido, o ato de liquidação em crise incidiu sobre os rendimentos que o Requerente auferiu durante o ano de 2023.
ff) Rendimentos esses que foram exclusivamente auferidos a título de remuneração pelo trabalho dependente prestado pelo Requerente e sujeito à retenção na fonte
gg) As funções desempenhadas pelo Requerente consistem no exercício de funções de gestor executivo da empresa B..., S.A. (cf. declaração da empresa que se junta em anexo como doc. n.º 11),
hh) Funções essas que o Requerente exerceu até meados do ano de 2024, a partir do território português.
ii) Lamentavelmente, como sucedeu no ano anterior, e se introduziu nos capítulos introdutórios desta peça processual, a AT efetuou a liquidação de IRS de 2023 do Requerente sem considerar a aplicação do seu estatuto de residente não habitual.
jj) A Requerente sustenta a existência de caso julgado, por força da decisão transitada em julgado n.º 161/2024-T, em que se discutia, relativamente à liquidação de IRS do Requerente referente ao ano de 2022 , sobre as circunstâncias de facto e de direito em tudo semelhantes às do presente pedido de pronúncia arbitral, concluiu-se que «a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação dos requisitos por parte do sujeito passivo na data em que solicita essa inscrição, independentemente de anteriormente lhe ter sido atribuído esse estatuto».
kk) E, ainda, que: «apesar de ter visto o seu estatuto de RNH [inicialmente atribuído para vigorar a partir de 2011] terminado em 2019 (...) [Em] 2021 [o Requerente] cumpre os pressupostos legais para ser considerado como RNH, pois encontra-se fiscalmente residente em território português desde essa data e não residência fiscal em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, conforme foi dado como assente dos factos provados».
ll) Ora, a anulação do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2022 determinada por Decisão Arbitral teve por fundamento a verificação dos requisitos necessários ao enquadramento do Requerente no regime do RNH, razão pela qual deveria ter sido tributado como tal, e não como a generalidade dos trabalhadores dependentes, como foi ocaso.
mm) Assim, onde o Tribunal Arbitral já disse que as liquidações de IRS do Requerente devem ser calculadas à luz do regime do RNH, não pode agora, no mesmo exato quadro normativo, concluir em sentido contrário.
nn) “Assim, e porque o ato de liquidação aqui impugnado tributa o Requerente como se este não se enquadrasse no regime do RNH, entendimento que já foi confirmado por Decisão Arbitral transitada em julgado, é forçosa a conclusão de que o mesmo viola a autoridade de caso julgado desta Decisão, pelo que é nulo, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, al. i) do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, al. c) da LGT.
oo) Termos em que deverá ser declarado nulo/anulado o ato de liquidação de IRS ora impugnado, com todas as consequências legais.
pp) Sobre o preenchimento dos pressupostos para a atribuição do estatuto de RNH, a Requerente alega, que é inequívoco que o Requerente cumpriu, em 2021, todos os requisitos para se considerar residente fiscal em território português, nunca tendo sido este facto disputado pela AT.
qq) O mesmo sucede quanto ao segundo requisito, sendo incontestado que o Requerente não havia residido em Portugal entre 2016 e 2020, i.e., em qualquer dos 5 anos anteriores a este último.
rr) Essa circunstância foi, aliás, expressamente confessada pela AT no Projecto de Decisão, onde se lê que «o contribuinte passou a estar registado no cadastro da AT como não residente em território português desde 2011.07.11» (cfr. ponto 6. do Projecto de Decisão).
ss) Finalmente, no que respeita à solicitação da inscrição como RNH, também é claro que o Requerente a realizou no prazo legal, in casu, a 8 de setembro de 2021, ano em que se tornou residente e, portanto, muito antes da data-limite para o efeito (i.e., até 31 de março de 2022).
tt) É assim evidente — e, aliás, como se referiu, aceite pela AT —, que os requisitos legais para a atribuição do estatuto de RNH ao Requerente se encontravam integralmente preenchidos à data do pedido, pelo que apenas cabia aos Serviços deferi-lo, reconhecendo o estatuto de RNH do Requerente com efeitos a partir de 2021,
uu) Conferindo-lhe o direito a ser tributado enquanto tal durante o período de 10 anos, abrangendo pois, necessariamente, o ano de 2023.
vv) Conforme resulta da factualidade explicitada supra e da declaração de rendimentos junta como doc. n.º 3, no exercício em causa, o Requerente auferiu rendimentos enquanto administrador de uma empresa, enquadrados na categoria A de rendimentos.
ww) Assente que está a qualificação das funções exercidas pelo Requerente como atividade de EVA, no seguimento do acima exposto, e o decorrente direito a ser tributado à taxa especial de 20% sobre os rendimentos de Categoria A, verifica-se que, apesar de o Requerente se ter visto obrigado, por obra da liquidação contestada, a pagar um montante de 3.855,90 € a título de IRS, a correta aplicação das normas jurídicas ditaria um cenário bem distinto deste.
xx) Com efeito, houvesse a AT deferido (como a lei o exige) o requerimento do Requerente e atribuído o (devido) estatuto de RNH, o Requerente não veria os seus rendimentos de Assente que está a qualificação das funções exercidas pelo Requerente como atividade de EVA, no seguimento do acima exposto, e o decorrente direito a ser tributado à taxa especial de 20% sobre os rendimentos de Categoria A, verifica-se que, apesar de o Requerente se ter visto obrigado, por obra da liquidação contestada, a pagar um montante de 3.855,90 € a título de IRS, a correta aplicação das normas jurídicas ditaria um cenário bem distinto deste.
yy) Com efeito, houvesse a AT deferido (como a lei o exige) o requerimento do Requerente e atribuído o (devido) estatuto de RNH, o Requerente não veria os seus rendimentos de Categoria A tributados ao abrigo das taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS — e inserido no escalão máximo destas,
zz)Antes veria a taxa especial de 20% aplicada ao seu rendimento líquido coletável, e, com a dedução dos montantes retidos na fonte em 2023 e a consequente perda do direito de deduzir à coleta as despesas previstas nos artigos 78.º e ss. do Código do IRS, resultaria num montante final a reembolsar pela AT de 134.857,79 €.
aaa) Ora, entenda-se bem o grave prejuízo que foi causado ao Requerente, porquanto este (i) cumpre todos os requisitos materiais para a atribuição do estatuto de RNH, (ii) cumpre o requisito de exercício de uma atividade de EVA que lhe permite beneficiar de uma taxa especial de 20% sobre os rendimentos de categoria A, mas (iii) ao invés de ser tributado neste cenário, no qual teria direito a um reembolso de IRS, ainda se vê obrigado a pagar mais de 3.800 € de imposto a final.
bbb) Por tudo isto, resulta claro que a liquidação contestada deve ser anulada, devendo ser emitido novo ato de liquidação de IRS para 2023 que contemple a aplicação das regras de tributação resultantes do RNH, que são aplicáveis in casu, mas que não foram respeitadas pela AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 28 de maio de 2025, e subsequentemente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17 de julho de 2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 5 de agosto de 2025, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
A Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 30 de Setembro de 2025, alegando, em síntese, o seguinte:
a) Da incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, susenta:
b) Importa, primeiramente, abordar a questão da propriedade do meio escolhido pelo Requerente para fazer valer a sua pretensão, porquanto, não obstante ser solicitada a anulação da liquidação em crise, referente ao ano de 2023, a causa de pedir que suporta tal pedido centra-se no suposto estatuto de residente não habitual de que o Requerente beneficiaria.
c) Conforme decorre da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente ao pedido de pronuncia arbitral (ppa), resulta manifesto que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual.
d) Assim, resulta que a matéria controvertida nos presentes autos respeita à não aplicação ao Requerente do regime previsto para os residentes não habituais.
e) Não obstante o Requerente solicitar a anulação da liquidação de IRS do ano de 2023, importa sublinhar e reiterar que a causa de pedir dos presentes autos centra-se no suposto estatuto de residente não habitual do mesmo e, consequentemente, o suposto “direito” à tributação dos rendimentos auferidos nos termos do n.º 10 do artigo 72.º do Código do IRS, na redação aplicável à data.
f) A única causa de pedir subjacente ao articulado apresentado respeita à não inscrição do Requerente como residente não habitual.
g) Não existem dúvidas que o pedido do Requerentes se circunscreve ao reconhecimento do estatuto dos residentes não habituais e à sua consequente aplicação na liquidação em causa.
h) Porém, o julgamento dessa questão prévia não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto.
i) Assim, o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais.
j) A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedidor espetivo, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.
k) Da Inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de residente não habitual, sustenta a Requerida:
l) O reconhecimento da condição de residente não habitual, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos.
m) Face ao exposto, conclui-se que ocorre a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação, com o fundamento no suposto estatuto de RNH de que o Requerente se arroga para se conhecer o pedido arbitral apresentado, o que se invoca, com as devidas consequências legais, designadamente, a absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.
n) Caso assim não se entenda, e atendendo a que só após ser decidida a suprarreferida ação (questão prejudicial) é que este Tribunal Arbitral poderá apreciar a legalidade da liquidação aqui impugnada com fundamento na violação do estatuído no n.º 10 do artigo 16.º, deve a presente instância ser suspensa, nos termos do disposto no artigo 272.º do CPC, até que seja decidida a ação administrativa que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. 540/23.3BESNT) e cuja conclusão será determinante para decisão do mérito do aqui requerido, porquanto apreciará e decidirá o aí pedido pelo A. «(…) deve a Autoridade Tributária ser condenada à prática de ato que reconheça o direito do Autor a beneficiar do regime fiscal aplicável a Residentes Não Habituais, e, consequentemente, ser anulado o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual, tudo com as demais consequências legais».
o) Por Impugnação, sustenta a Requerida que a causa de pedir em apreço nos presentes autos centrase no (pretendido) estatuto de residente não habitual do Requerente (finda a vigência do primeiro estatuto que lhe foi atribuído e dados os anos em que se ausentou/não foi residente no país).
p) A norma do artigo 16.º, n.º 9 do CIRS não postula qualquer possibilidade de renovação do estatuto para contribuintes que tenham beneficiado do regime em causa, durante os dez anos precedentes.
q) Com efeito, atendendo às normas aplicáveis ao regime dos residentes não habituais, só se pode concluir que o legislador considerou que não há lugar à renovação do direito ao regime fiscal dos residentes não habituais, e a eventual aquisição de novo direito não pode ocorrer no período imediatamente subsequente ao período em que foi concedido o direito ao gozo do regime, 10 anos consecutivos, ainda que se verifique que não houve o gozo do direito – que existia na esfera jurídica do beneficiário – em um ou mais anos, na sequência de uma opção que lhe é imputável.
r) Nos termos do citado normativo, podem requerer o estatuto de residente não habitual os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes em território português, não tenham neste sido residentes em qualquer dos cinco anos anteriores.
s) Assim, para que possam ter acesso à aquisição de novo direito ao estatuto de residente não habitual, devem os sujeitos passivos reunir os pressupostos a que alude o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS (cinco anos de residência no estrangeiro e voltar a tornar-se residente em território português), após cinco anos de residência no estrangeiro contados a partir do término do período em que esse direito lhe foi concedido.
t) Preconiza o Requerente a possibilidade de aderir ao regime supradito antes de perfazer os cincos anos previstos na norma do artigo 16.º, n.º 8 do CIRS, alegando que, em função de uma alegada suspensão do estatuto de residente não habitual, que beneficiaria desde 2010 a 2019, já teria cumprido o dito hiato temporal, fora do território português.
u) Porém, o pressuposto relativo à não residência em território português em qualquer dos cinco anos anteriores relativamente ao qual o sujeito passivo se torna fiscalmente residente neste território, exige como condição “sine qua non” que o sujeito passivo não detenha nesse período qualquer direito a um estatuto fiscal de exceção, o qual é inegável, in casu, que se encontrava na esfera jurídica do Requerente.
v) Com efeito, o legislador tutelou o direito aos benefícios fiscais temporários a usufruir no período de 10 anos consecutivos e afastou a expetativa do direito a manter esse benefício por mais 10 anos, sem que estejam reunidas as condições exigidas na lei, da qual não faz parte a usufruição de direito anterior.
w) Ora, na situação em apreciação, pretende-se a inscrição no período subsequente ao término do regime, pelo que face ao que precede, se considera que essa situação não tem
x) enquadramento legal, ou seja, para que haja renovação após o período previsto dos dez anos, será necessário um período de cinco anos de ausência de residência fiscal em Portugal após o término do direito ao regime anterior.
y) In casu, não estão reunidos os requisitos para que o Requerente possa beneficiar do estatuto de RNH, pois no ano em que voltou a ser considerado residente em Portugal, e pretendeu usufruir do estatuto de residente não habitual, o período que lhe fora concedido (2010 a 2019) já tinha terminado, não existindo quaisquer anos remanescentes dentro daquele período temporal;
z) Não podendo, pois, usufruir de novo período de 10 anos, porquanto não detinha residência no estrangeiro por 5 anos (após o fim do estatuto concedido).
aa) Tendo caducado, em 31/12/2019, o período em que esteve inscrito como residente não habitual, o Requerente não reúne, pois, os requisitos para se inscrever novamente (verificados a partir dessa data).
bb) Nem, tão pouco, é possível objetar, que, à data de inicio da condição de residente não habitual, em 2010, o sobredito regime admitia uma eventual renovação.
cc) Quando o Requerente pretendeu usufruir novamente do estatuto de residente não habitual, o período que lhe tinha sido concedido já tinha terminado, não existindo, pois, quaisquer anos remanescentes, havendo que aferir se pode usufruir de novo período de 10 anos.
dd) Nesses casos, o requisito de residência no estrangeiro em qualquer dos cinco anos anteriores, só pode ser contado a partir do término do período anteriormente concedido, sob pena de violação da lei, a qual não permite a concessão de períodos de 10 anos sucessivos.
ee) O regime de residente não habitual foi-lhe concedido por 10 anos, como a todos os contribuintes que assim o requerem e detêm os requisitos para tal, pois o objetivo do regime é, efetivamente, atrair para manter, em Portugal, profissionais altamente qualificados, daí o prazo bastante alargado de concessão deste benefício.
ff) Relativamente à verificação da atividade de elevado valor acrescentado, o Requerente exibe uma declaração da entidade B... SA, que assevera que o sujeito passivo exerce funções de administrador e presidente da comissão executiva, e que, na estrutura interna da sociedade, se qualifica como diretor-geral e gestor executivo da empresa, conforme contrato celebrado a 8 de março de 2022.
gg) São asserções subsumíveis ao código 112 — Diretor-geral e gestor executivo, de empresas, da Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
hh) Contudo, conforme previamente elucidado, a desadequação do presente meio contencioso, bem como a incompletude dos pressupostos para a verificação da residência não habitual, impossibilitam o deferimento do pedido peticionado
ii) Neste ponto, é mister ressalvar que o sobredito entendimento, não contende com a decisão arbitral, proferida no Processo CAAD n.º 161/2024-T.
jj) Com efeito, a aludida decisão versou sobre a anulação da liquidação de IRS, relativa ao ano de 2022.
kk) Ou seja, a decisão anulatória limita, naturalmente, os respetivos efeitos e a obrigatoriedade de reconstituir a situação que existira, se o ato anulado não tivesse sido praticado, à liquidação e ao período de tributação de 2022.
ll) O objeto dos presentes autos, aponta ao reconhecimento da condição de residente não habitual do Requerente.
mm)Enquanto que o alinhamento precedente evidencia a desadequação da presente forma de processo, demonstrando que a tutela jurisdicional da pretensão da autora, deverá ser obtida por meio da ação administrativa.
nn) Finalmente, no que tange aos juros indemnizatórios peticionados, perante a legalidade da liquidação, não emergem motivos que justifiquem o respetivo pagamento.
oo) Por tudo o exposto, resta concluir pela improcedência total da argumentação expendida pelo Requerente, concluindo-se pela legalidade do ato impugnado, o qual, não padecendo de qualquer vício, deve manter-se na ordem jurídica.
pp) Termina a Requerida peticionado, que devem proceder as exceções invocadas e a Requerida ser absolvida da instância, ou caso assim não se entenda, deve ser deferido o pedido de suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272.º do CPC, e na hipótese de assim não se entender, o que não se concede, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, por não provado, e a Requerida absolvida de todos os pedidos.
Por despacho de 14 de Outubro de 2025, as partes foram notificadas da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em virtude de inexistir pedido para a audição de prova testemunhal e para, querendo, apresentar resposta quanto às exceções invocadas pela requerida, assim como para a apresentação querendo de alegações finais escritas no prazo (simultâneo) de 15 dias, e por fim notificada a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.° 3 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria, e comunicar o pagamento ao CAAD.
Em 5 de Novembro de 2025, a Requerente apresentou resposta às exceções invocadas pela Requerida, sobre as quais sustentou:
Em 6 de Novembro de 2025 a Requerente apresentou as suas alegações escritas.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRS e juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da presunção da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida, ocorrido em 30 de Abril de 2025, tendo a ação arbitral dado entrada em 25 de maio de 2025 (v. artigo 279.º do Código Civil, por remissão dos artigos 20.º, n.º 1 do CPPT e 3.º-A do RJAT).
Atendendo à matéria de exceção suscitada pela Requerente e Requerida, cujo conhecimento pelo tribunal tem carácter prioritário, procede-se à fixação da matéria de facto relevante, com vista à subsequente apreciação da matéria de exceção.
III. Matéria De Facto
§3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
A. O Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal no ano de 2010, tendo, previamente, residido durante vários anos fora do território português. Cfr. Por acordo.
B. O Requerente encontrou-se inscrito como Residente não habitual pelo período de 10 anos, entre os anos 2010 a 2019, inclusive. Cfr. Por acordo.
C. No ano de 2011, deslocou-se em permanência para o Reino Unido, e tornou-se aí residente fiscal. cf. Comprovativo de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Reino, Unido, doc. n.º 6.
D. Em 30 de Abril de 2012, a Requerente alterou o seu estatuto de residência, para não residente fiscal em território português, ficando assim o seu estatuto de RHN suspenso, e não foi utilizado pela Requerente em nenhum do período atribuído entre 2010 e 2019. Cfr. Por acordo.
E. No ano de 2021, o Requerente, por via de uma proposta profissional, passou a residir em Portugal, tendo alterado em 13 de Fevereiro de 2021 o seu estatuto de residência, para residente fiscal em território português. Cfr. Por acordo.
F. Em 2021, antes de regressar a Portugal, o Requerente solicitou esclarecimento junto da AT sobre o seu estatuto fiscal, via E-balcão. Cfr. Doc 3 a 5 do PPA..
G. A AT respondeu a esse pedido informando que “[o] estatuto [de RNH] não existia nos anos que identifica”, mais concretamente, os anos de 2011 a 2019. Cfr. Cfr. Doc 3 a 5 do PPA.
H. Em 8 de setembro de 2021, o Requerente submeteu o pedido de inscrição no regime de Residente não habitual, pedido que foi indeferido em 13 de Julho de 2022, a Requerente apresentou recurso hierárquico sobre o indeferimento, o qual foi igualmente indeferido, e a Requerente submeteu impugnação judicial na qual corre a ação administrativa que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul (Proc.540/23.3BESNT). Cfr. Doc 1 e 2 juntos pela AT.
I. O Requerente apresentou ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a que foi atribuído o n.º 540/23.3BESNT, onde peticiona que seja reconhecido o seu direito a beneficiar do regime fiscal aplicável a Residentes Não Habituais, e, consequentemente, ser anulado o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual. Cfr. Por acordo.
J. O Requerente é administrador da sociedade B..., S.A., e na qual exerce a função de diretor-geral e gestor executivo, de empresas, integrando, por referência à Classificação Portuguesa de Profissões, o Grande Grupo 1, Sub-Grande Grupo 12, Sub-Grupo 112, Grupo Base 1120. Cfr. Doc 11 do PPA - declaração emitida pela B..., S.A
K. O Requerente para o ano de 2023, submeteu a sua Declaração Modelo 3, como residente em território português e sem o estatuto de RNH ou outro estatuto de excepção. cfr. doc. n.º 3 do PPA.
L. Com base nessa submissão, foi emitida a liquidação de IRS no qual resultou o valor a pagar de 3.855,90€, imposto que o Requerente liquidou, e resultou um imposto pago em excesso de 138.713,69€ pela não aplicação do regime do RNH. Cfr. Doc 4 e 10.
M. A Requerente apresentou a reclamação graciosa, que precedeu o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, contra a liquidação de IRS n.º 2024..., a qual foi atribuído numero ...2024... . cfr. PA.
N. Em 1 de Abril de 2025, a Requerente foi notificada do projeto de decisão e foi notificada para vir exercer o seu direito de audição, a qual a Requerente exerceu. cfr. PA.
O. A Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação expressa, por meio do ofício n.º ... de 30-04-2025. cfr. PA.
P. O Requerente interpôs o pedido arbitral quanto a sua autoliquidação de IRS do ano de 2022, no âmbito do processo 161/2024T cuja decisão foi emitida em 25 de Setembro de 2024, tendo já transitado em julgado. cfr. Doc 2 do PPA.
Q. Inconformado com o ato tributário de IRS e juros compensatórios acima identificado, o Requerente apresentou no CAAD, em 26 de maio de 2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da referida liquidação de IRS.– cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
§3.2. Factos não provados
Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
§3.3. Fundamentação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Matéria de Direito
§4.1. Delimitação das questões a decidir:
Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
a) Da exceção suscitada pela requerida de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação à Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, e da exceção por inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de residente não habitual;
b) Da suspensão do processo até ao transito em julgado da ação administrativa que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 540/23.3BESNT.
c) Da exceção de autoridade de caso julgado;
d) Da ilegalidade da liquidação de IRS impugnada, por não considerar o Estatuto de Residente não Habitual e da aplicação da taxa especial de 20% prevista no disposto no art. 72.º, 10, CIRS ao rendimento líquido coletável do Requerente por força do estatuto RNH aplicável
e) E do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
§4.2. Da Exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação à Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, e da exceção por inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de residente não habitual.
A requerida defendeu-se por exceção invocando a incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, alegando, em suma, que o que está em causa é um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2019, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa. Entende que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais aos rendimentos auferidos pela Requerente. E, no mesmo sentido e usando os mesmos argumentos, a requerida sustenta existir erro na forma do processo/impropriedade do meio processual por entender que o reconhecimento do regime jurídico de RNH só pode ser peticionado junto do tribunal tributário através da propositura de uma ação administrativa.
A Requerente, respondeu, alegando, em suma, não haver dúvidas de que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciar a legalidade das liquidações de IRS, sendo esse o verdadeiro objeto da presente ação. Ora, foi precisamente esse o pedido deduzido pelo Requerente, sendo que a determinação da competência do tribunal terá de se delimitar pela análise do pedido do autor e pela causa de pedir em que este se apoia no requerimento inicial. Mais sustenta quanto a inimpugnabilidade que não está, pois, aqui em causa uma qualquer situação em que o REQUERENTE não tenha reagido contra o ato de indeferimento do regime de RNH e pretenda agora fazê-lo em sede arbitral contra o ato de liquidação, a fim de — nas palavas da Fazenda Pública —«instrumentalizar a presente impugnação» (cf. artigo 48.º da resposta). A inscrição cadastral como Residente Não Habitual do REQUERENTE — como, de resto, de qualquer outro sujeito passivo de imposto — não constitui sequer ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, o que mais uma vez afasta a aplicabilidade da jurisprudência do TC.
Apreciando:
As questões de incompetência são de conhecimento prioritário, nos termos do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Efetivamente, tratando-se a questão em apreço de uma alegada exceção dilatória (artigo 89.º, n.º 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89.º, n.º 2, do CPTA e 278.º, n.º 1, do CPC), é de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim vejamos,
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).
Neste sentido, refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo que o processo arbitral tributário constituísse “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando uma competência alternativa à da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
Pelo exposto, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes à face das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade das liquidações de IRS, inclusive as que não são precedidas de impugnação administrativa.
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.
Assim, retomando os autos, a questão colocada ao tribunal para apreciação versa sobre a impugnação do ato de liquidação de IRS de 2023, com o fundamento de que não foi permitida a aplicação do RNH.
Pese embora, a Requerente tenha também impugnado o indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual (RNH), efetuado em 13 de Julho de 2022, é matéria que não cabe a este tribunal analisar nesta instância.
Neste sentido, já se pronunciou a jurisprudência proferida no CAAD, sobre situações similares à dos presentes autos, designadamente nos processos arbitrais: 262/2018-T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, onde foi decidido no sentido de que Tribunais Arbitrais são competentes para se pronunciar sobre os atos de liquidação de IRS quando é suscitada a aplicação do RHN, mesmo nas situações em que existe igualmente uma impugnação do indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual.
E, sobre a aplicabilidade do regime do residente não habitual nos atos de liquidação, mesmo quando se encontra a decorrer uma ação contra o pedido de indeferimento do pedido de RHN, os Tribunais Arbitrais, que funcionam no CAAD têm vindo a entender que se podem pronunciar quanto à sua aplicabilidade, designadamente, vejam-se as decisões proferidas nos processos 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T.
De referir, o que se fez notar no processo 777/2020-T, e que parcialmente se transcreve:
“Que o Requerente não se encontra registado como “residente não habitual” é um facto provado. E se foi legal ou ilegal o indeferimento do pedido do Requerente para ser registado como “residente não habitual” é matéria que não cabe analisar nesta instância.
Assim, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.
Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.
Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 6 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Assim, no caso que nos une, apesar de existir uma conexão entre os dois pedidos, não se afigura prejudicial em relação à aplicação do regime do “residente não habitual” em cada ano fiscal, pois não há identidade entre os dois pedidos a que se refere o nº 1 do art.º 581º CPC, nem sequer uma interdependência tal que obste ao julgamento da presente causa.
Questão diversa são os vícios e os fundamentos apontados pela Requerente para sustentar a ilegalidade do ato tributário, que podem merecer ou não decisão de mérito, e que será oportunamente apreciada.
Como já se referiu, o Requerente impugna o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2024..., e não, como refere a AT, o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente não Habitual pela Requerente junto da AT, embora seja feita referência a esse ato.
Nessa medida, o Requerente, à luz da sua interpretação, considera reunir requisitos para tributação segundo o regime dos RNH, o que implicaria uma tributação mais reduzida.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Requerida (Acórdão n.º 718/2017) não tem aplicação para este caso, porque o Acórdão versava sobre um caso de indeferimento de um pedido de reconhecimento do estatuto de RNH, conforme passagem que se cita:
“12. O artigo 54.º do CPPT preceito do qual o Tribunal a quo extraiu a preclusão da possibilidade de contestação da legalidade do ato de liquidação do imposto mediante a invocação de vícios atribuídos ao ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual em Portugal consagra o chamado princípio da impugnação unitária.
Conforme referido já, ali se estabelece que, [s]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
Do artigo 54.º do CPPT decorre, assim, a regra segundo a qual a impugnação judicial deverá recair sobre a decisão final do procedimento tributário e não, de imediato, também sobre os chamados atos preparatórios ou interlocutórios; estes apenas são impugnáveis de modo indireto, mediante impugnação da correspondente decisão final.
A justificação para a tal regra é simples: os atos preparatórios dos atos tributários, por via de regra, limitam os seus efeitos ao procedimento em que são praticados, repercutindo-os, todavia, para a frente na decisão final, sendo esta e apenas esta a que, por afetar diretamente a esfera dos destinatários do ato, pode lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos destes (cf. José Casalta Nabais, A impugnação, cit., pp. 19 e 20).
Excecionalmente, contudo, sob condição de os atos preparatórios ou interlocutórios daquelas decisões se afigurarem imediatamente lesivos ou visarem produzir efeitos jurídicos externos nas situações individuais e concretas caso em que estaremos perante atos destacáveis (sejam atos destacáveis por natureza ou atos destacáveis por força da lei) , a sua impugnação direta e autónoma encontra-se assegurada (cf. primeira parte do artigo 54.º do CPPT).
Ora, configurando o ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, como se viu, um ato administrativo autónomo, com efeitos próprios e que se estendem para além do ato de liquidação do imposto que imediatamente se lhe segue, nada parece haver de anómalo, do ponto de vista da ratio subjacente a um tal regime, que a sua impugnação autónoma constitua para o contribuinte um ónus e não uma mera faculdade; ou, numa formulação mais próxima da seguida pela recorrente nas suas alegações, na regra segundo a qual, se aquele ato não for judicialmente impugnado, no prazo legalmente fixado para o efeito, não mais o poderá ser, excluindo-se a possibilidade de impugnação do ato consequente como o de liquidação do tributo , com fundamento em vícios que atinjam aquele seu ato pressuposto.
Em matéria de impugnação dos atos que indefiram o reconhecimento de benefícios fiscais, é também esse o sentido para que apontam tanto a doutrina como a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
No âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, é prevalecente o entendimento segundo o qual, sempre que estejam em causa benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, a impugnação do ato que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do ato de liquidação, precludindo a possibilidade de discutir a questão do direito ao benefício no âmbito do processo de impugnação.”
O que está em julgamento no presente processo é saber se a liquidação em causa, ao não ter considerado o regime legal em IRS previsto para RNH, violou o disposto no 16.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IRS, e não está em causa qualquer reação ou discussão quanto ao registo como RNH.
Assim, o objeto do pedido, é a anulação, por ilegalidade, de um ato tributário: a liquidação de IRS do ano de 2023, não é o reconhecimento do estatuto de residente não habitual.
Quanto a exceção de inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de residente não habitual, suscitado pela Requerente, conforme já tudo o exposto cerca da incompetência material do esse tribunal arbitral, o que esta em causa é saber se a liquidação em causa, ao não ter considerado o regime legal em IRS previsto para RNH, violou o disposto no 16.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IRS.
Com efeito o ato tributário em analise é o ato de liquidação de IRS n.º 2024..., é plena e autonomamente impugnável sendo a ação arbitral o meio processual adequado para efeitos de apreciação da respetiva legalidade.
Pelo anteriormente exposto, considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como vem exposto pela Requerente, a impugnação de ato de liquidação de imposto, é matéria que se encontra expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, o que leva este Tribunal a decidir pela improcedência das exceções invocadas pela AT, de incompetência material e pela inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de residente não habitual.
§4.3 Da suspensão do processo até ao transito em julgado da ação administrativa que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 540/23.3BESNT.
A AT peticiona a suspensão do processo até ao transito em julgado da ação administrativa que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 540/23.3BESNT
Esse processo, conforme já referido nos factos, consiste numa ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a que foi atribuído o n.º 540/23.3BESNT, onde peticiona que seja reconhecido o seu direito a beneficiar do regime fiscal aplicável a Residentes Não Habituais, e, consequentemente, ser anulado o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual.
Considerando tudo já exposto quanto as anteriores exceções, o caso que nos une, é a impugnação do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2024..., e não, como refere a AT, o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente não Habitual pela Requerente junto da AT, embora seja feita referência a esse ato.
Apesar de existir uma conexão entre os dois pedidos, não se afigura prejudicial em relação à aplicação do regime do “residente não habitual” em cada ano fiscal, pois não há identidade entre os dois pedidos a que se refere o nº 1 do art.º 581º CPC, nem sequer uma interdependência tal que obste ao julgamento da presente causa.
O artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz pode ordenar a suspensão de um processo quando a decisão deste dependa do resultado de outro.
Portanto, se os dois processos têm pedidos e causas de pedir distintos, normalmente não se justifica a suspensão com base no artigo 279.º, n.º 1 do CPC.
O regime de residente não habitual (RNH) em Portugal não depende de um ato de reconhecimento pela Fazenda Pública para a sua aplicação. O ato de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem uma natureza meramente declarativa. Ac. do STA de 15.01.2025, proc. n.º 01750/22.6BEPRT Assim, a inscrição como residente não habitual não gera, por si só, uma causa prejudicial à liquidação de impostos.
Face ao exposto, indefere-se, por falta de fundamento legal, o pedido de suspensão da instância.
Improcede assim o pedido de suspensão do processo até ao transito em julgado da ação administrativa que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 540/23.3BESNT.
§4.4 Exceção de Autoridade caso julgado
A Requerente suscita ao tribunal a apreciação do Autoridade caso julgado, por força da decisão já transitada em julgado no processo Arbitral n.º 161/2024T, a qual julgou anular a autoliquidação de IRS da Requerente do ano de 2022.
A Requerente, em suma, alega, que por força da decisão arbitral proferida no processo 161/2024-T, já transitada em julgada, referente à declaração de IRS de 2022 de Requerente, no qual se decidiu aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação dos requisitos por parte do sujeito passivo na data em que solicita essa inscrição, independentemente de anteriormente lhe ter sido atribuído esse estatuto, tendo se formado caso julgado sobre esta questão na ordem jurídica.
O objeto da douta decisão consistiu em :
“(…)anulada a liquidação n.º 2023..., relativa ao Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do período tributário de 2022, no montante de € 1.575,27, e efetuada a restituição do imposto indevidamente pago bem como o reembolso de IRS devido em resultado da emissão de novo ato de liquidação, acrescido dos juros indemnizatórios.”
Tendo identificado como thema decidendum, o seguinte:
A questão que constitui o thema decidendum centra-se em saber quais os requisitos materiais para obter a qualidade de residente não habitual, bem como a necessidade, enquanto pressuposto específico da aplicabilidade do regime legal correspondente, da necessidade de residir no estrangeiro pelo menos cinco anos após o termo do estatuto que anteriormente lhe tinha sido atribuído, embora este se encontrasse suspenso.
E nela ficou o seguinte decidido o seguinte:
“Portanto, o Requerente, apesar de ter visto o seu estatuto de RNH terminado em 2019, em 2021 cumpre os pressupostos legais para ser considerado como RNH, pois encontra-se fiscalmente residente em território português desde essa data e não residência fiscal em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, conforme foi dado como assente dos factos provados.
Desta forma, ao não ter aplicado ao Requerente o regime dos RNH, a liquidação de IRS melhor identificada é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito, originando a sua anulação nos termos do art. 163.º, 1, CPA.
Ainda, considerando conforme decidido a anulação da liquidação de IRS impugnada, deve ser o Requerente reembolsado do montante pago, de € 1.575,27, considerando o teor dos arts. 24.º, 1, b), RJAT e 100.º, LGT, de modo a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da anulação ora decretada não tivesse sido praticado.
E mais decidiu, quanto a tributação dos rendimentos considerando a qualificação das atividades:
“Por sua vez, a AT admite que, face à declaração junta pela B..., o sujeito passivo exerce funções de administrador e presidente da comissão executiva e que, na estrutura interna da sociedade, qualifica-se como diretor-geral e gestor executivo da empresa, conforme contrato celebrado a 8 de março de 2022, pelo que são asserções subsumíveis ao código 112 — Diretor -geral e gestor executivo, de empresas, da Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
Vejamos.
Com efeito, sem grandes delongas, importa dar razão ao Requerente.
Como resulta dos factos dados por provados, o Requerente é administrador da B..., SA, e é qualificado como diretor-geral e gestor executivo, de empresas, integrando, por referência à Classificação Portuguesa de Profissões, o Grande Grupo 1, Sub-Grande Grupo 12, Sub-Grupo 112, Grupo Base 1120.
Atentas às funções que desempenha, considerando a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, e o Código da Classificação Portuguesa das Profissões, o Requerente tem direito a ver tributados os seus rendimentos da categoria A de acordo com o disposto no art. 72.º, 10, CIRS.
Face ao exposto, vejamos se estamos perante uma situação de caso julgado.
A este respeito, há que ter presente que o artigo 577.º, alínea i), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o qual prescreve como exceção dilatória – ie. exceções que “obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal” (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do CPC) – o “caso julgado”.
Correspondendo a exceção do caso julgado à “repetição de uma causa”, essa repetição verifica-se “depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário”, sendo que a finalidade dessa exceção é a de “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” (cfr. artigo 580.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Para se apurar se há uma repetição de uma causa, o artigo 581.º, n.ºs 1 a 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina que a mesma ocorre “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, correspondendo a “identidade de sujeitos” quando “as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, a “identidade de pedido” quando “numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e a “identidade de causa de pedir” quando “a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.
De acordo com o artigo 619.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “[t]ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º”.
Em complemento – e reforçando – a relevância desta ideia de “força obrigatória dentro do processo e fora dele”, o artigo 625.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina que “[h]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
A este respeito, prescreve a decisão arbitral de 28.02.2025, proferida no processo n.º 798/2024-T, que:
“[a] garantia de imodificabilidade da decisão transitada em julgado opera não apenas através da exceção do caso julgado a que se refere o artigo 577.º, alínea i), do CPC, mas também através da prevalência da primeira decisão que transitou em julgado (artigos 619.º e 621.º do CPC). E mesmo que chegue a ser proferida nova decisão contraditória com aquela que transitou em julgado em primeiro lugar, esta é a que prevalece (artigo 625.º, n.º 1, do CPC).
Pela exceção de caso julgado visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, pág. 599; quanto ao âmbito subjetivo do caso julgado, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 2.ª edição, 1997, pág. 589)” (com negrito nosso).
Acrescenta-se nesta mesma decisão arbitral o seguinte:
“Por outro lado, entende-se que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, a que alude o artigo 581º do CPC, tendo como pressuposto, não a identidade entre relações jurídicas - que visa impedir que uma mesma relação jurídica seja submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional -, mas uma relação de prejudicialidade que opera quando a decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior (cfr. acórdãos do STJ de 23 de novembro de 2011, Processo n.º 644/08, de 6 de março de 2008, Processo n.º 08B402, e de 13 de dezembro de 2007, Processo n.º 07A3739, e, mais recentemente, o acórdão de 15 de dezembro de 2022, Processo n.º 2222/20 ).
Ou seja, a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581.º do CPC, mas pressupõe que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, impedindo que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos (cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, págs. 43-44).
(…)
E, assim, para que se verifique a autoridade do caso julgado, não releva a identidade de sujeitos ou a identidade de causa pedir, e, por conseguinte, não é impeditivo da declaração de caso julgado que, no presente processo arbitral, tenham sido colocadas questões que não foram alegadas nem conhecidas anteriormente.
(…)
Em tal circunstância, parece claro que se verifica a relação de prejudicialidade entre os dois processos, que justifica o efeito positivo da autoridade do caso julgado, e que a jurisprudência tem apontado como sendo uma exigência da segurança jurídica e da coerência e dignidade das decisões judiciais (cfr., entre muitos outros, o acórdão do STJ de 15 de dezembro de 2022, Processo n.º 2222/20)” (com negritos nossos).
Numa outra decisão arbitral - de 02.02.2024, proferida no processo n.º 75/2024-T – a relevância da autoridade do caso julgado é melhor detalhada, mediante recurso a referências doutrinais e jurisprudenciais, nos seguintes termos:
“Referiu Rodrigues Bastos - “Notas ao Código de Processo Civil", Volume III, páginas 60 e 61 -, que "(...) enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.
(…)
E José Lebres de Freitas, afirma in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 354: (…) “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito”.
(…)
9. De salientar que a autoridade do caso julgado não se limita aos contornos definidos nos artigos 580.º e ss. do CPC para a exceção do caso julgado, estendendo-se às situações em que, apesar da ausência formal da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento do caso julgado esteja notoriamente presente, como acorre nestes autos
(…).
10. Também se refere à autoridade do caso julgado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023, proferido no Processo n.º 141/21.0YHLSB-A.L1.S1: “1. Para que uma decisão possa valer com força e autoridade de caso julgado em processo diverso daquele no qual foi proferida, não se exige a repetição em simultâneo dos três elementos de identificação de uma acção, que permitem concluir pela repetição de causas: sujeitos, pedido e causa de pedir.
2. O que fundamenta a especial protecção da força e autoridade de uma decisão transitada, para além do prestígio dos tribunais, é a certeza e segurança na definição dos direitos sobre os quais incide.
3. O relevo deste valor explica os mecanismos que a lei processual prevê para a sua defesa”.
(…)
12. No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ, de 09-03-2021, proferido no Proc. 1242/05.8TBBCL-Y.G1.S1, que refere: “VI - Autoridade do caso julgado que não depende da verificação da tríplice identidade prevista no art. 581.º, n.º 1, do CPC, não prescindindo, porém, da identidade de sujeitos e que, em termos de objetos processuais, haja conexão entre o objeto decidido e o a decidir e que o resultado favorável do segundo processo represente uma decisão que contraste com a decisão da antes proferida”.
13. Assim, a determinação do âmbito do caso julgado postula a interpretação prévia da decisão, isto é, a determinação exata do seu conteúdo (rectius, dos seus “precisos limites e termos”).
14. O caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo tribunal, ou outro tribunal, possa decidir de modo diferente sobre a mesma pretensão (artigo 619.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 29.º, n.º1, e) do RJAT)” (com negritos nossos).
Neste mesmo sentido, o STA, num acórdão de 28.04.2021, proferido no processo n.º 0266/20.0BEFUN (igualmente citado na decisão arbitral supra mencionada) determina que “[a] sentença de mérito proferida por um tribunal tributário (estadual ou arbitral) e transitada em julgado só vincula as partes que intervieram no processo (cf. art. 619.º, n.º 1 do CPC, onde se refere que, após o trânsito, «a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º», sendo um desses limites o subjectivo, nos termos do qual o caso julgado apenas se impõe aos sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objecto da decisão)” (com negrito nosso).
Acrescenta o Tribunal da Relação de Coimbra, num acórdão de 12.12.2017, proferido no processo n.º 3435/16.3T8VIS-A.C (igualmente citado na decisão arbitral supra mencionada) que “[o] instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda de manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica. Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade.” (com negrito nosso).
O tribunal é chamado a decidir se a liquidação de IRS impugnada, ao não ter considerado a aplicação do regime legal previsto para os residentes não habituais, previsto no artigo 16.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IRS, incorreu em ilegalidade. Assim, a matéria a ser apreciada limita-se à análise da conformidade da liquidação de 2023 com o regime aplicável aos RNH, não estando em causa qualquer outra discussão relativa ao estatuto ou ao processo de inscrição como residente não habitual.
Neste sentido, a presente decisão face a decisão 161/2024-T, que existe uma “identidade de sujeitos” entre os presentes autos, porem julga-se não existir uma “identidade do pedido” porquanto, ainda que o efeito jurídico seja idêntico (a anulação de um ato de liquidação de um mesmo tributo), a liquidação concreta que é objeto dos presentes autos a liquidação de 2023 é distinta da 2022, embora se admita estar a analisar questões de direito idênticas, mas que se aplicam a períodos tributários distintos, concretamente a apreciação disposto no 16.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IRS para o ano de 2023.
Improcede assim o vício de nulidade alegado pela Requerente.
§4.5 Sobre a ilegalidade das liquidações de IRS impugnadas, por não considerar o Estatuto de Residente não Habitual e da aplicação da taxa especial de 20% prevista no disposto no art. 72.º, 10, CIRS ao rendimento líquido coletável do Requerente por força do estatuto RNH aplicável
Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal a apreciação do vício de forma referente à aplicabilidade do regime do residente não habitual aos rendimentos da Requerente para o ano de 2023.
Neste âmbito estamos perante duas questões sobre as quais nos cumpre debruçar, a primeira, em identificar os requisitos materiais da condição de residente não habitual, e se o Requerente os preenche. E a segunda questão, a legalidade da aplicação da taxa especial de 20% prevista no disposto no art. 72.º, 10, CIRS ao rendimento líquido coletável do Requerente por força do estatuto RNH aplicável.
Ora, quanto a primeira questão, iniciemos pela análise da legislação relevante, estabelece o artigo 16.º, 8.º, ss., CIRS, sob a epígrafe "Residência":
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.
12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.
Considerando o normativo aplicável e a posição das partes, a questão central consiste em determinar se o período de cinco anos de não residência em Portugal, previsto no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, deve ser contabilizado a partir do termo do anterior regime de RNH — isto é, desde 2019 segundo a interpretação da AT — ou desde 2012, último ano em que o Requerente foi residente fiscal em Portugal.
A matéria em questão já foi objeto de decisão arbitral no Processo nº 161/2024-T, do qual a Requerente foi parte, conforme anteriormente mencionado, cumpre ressaltar que os fatos relevantes para o presente tema são os mesmos.
A decisão arbitral referida dispõe o seguinte:
“ O que por ora importa reter, parece-nos, é a conclusão, independentemente de ser possível renovar o regime do RNH, como se previa inicialmente pelo art. 16.º, 7, CIRS, versão de 2009, de o citado n.º 12 ter mantido a possibilidade de o SP poder suspender o seu regime de exceção e de o retomar posteriormente, desde que o termo desse regime ainda não se tenha verificado. Dito de outra forma: este direito de suspensão e de retoma do regime de RNH do SP sempre existiu independentemente de existir ou não o direito de renovação.
Daqui resulta que o legislador nunca pretendeu, portanto, fazer depender a suspensão e a retoma do regime de RNH de um direito de renovação desse mesmo regime, e vice-versa. São direitos, entre si, distintos. No entanto, como vimos, curiosamente, os requisitos para aderir a este regime de exceção mantiveram-se, substancialmente, sempre os mesmos.
Estando correta esta interpretação, então podemos também concluir que são realidades jurídicas distintas: i) os pressupostos de adesão; ii) a suspensão e posterior retoma; e a iii) renovação; cada um com os seus operatórios quadros normativos. E realidades jurídicas distintas, mas que pretendem concretizar o mesmo interesse subjacente ao regime: atrair SP's que, de outra forma, não residiriam em Portugal, de modo a aumentar a receita fiscal.”
Mais refere a referida decisão:
“Quanto aos segundo e terceiro quadros operatórios.
Como já vimos, o legislador nunca fez depender a suspensão e a retoma do regime de RNH de um direito ou de uma ausência de um direito de renovação desse mesmo regime, e vice-versa (a renovação, no normativo vigente à data de 2021, tinha-se evaporado, com a alteração que entrou em vigor em 2012, como já mencionámos).
Na verdade, procurando ir à essência do preceito, o SP não pode renovar o regime de RNH logo após o seu termo, porque não preenche o segundo dos requisitos: o de não ser considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH. Se isso é correto, também uma consequência contrária (em sentido positivo) é correta, considerando os pressupostos que cimentamos quando os abordamos supra: se o SP não for considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH, e cumprindo o primeiro dos requisitos (que o SP se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.s 1 ou 2 do artigo 16.º, CIRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH), nada impede que esse regime lhe seja atribuído.
Ora, a AT tem leitura diferente do normativo, que não olvidamos. Esgrima que no caso de suspensão do estatuto de RNH, os contribuintes apenas podem beneficiar do período remanescente durante esse mesmo período, ou seja, no caso concreto, a retoma do estatuto teria de ocorrer necessariamente até 2019, terminando nessa mesma data.
Além disso acrescenta ainda quanto "à questão dos cinco anos de residência no estrangeiro, resulta das normas estabelecidas no número oito ao número 12 do artigo 16º, C RS, que a exigência dos cinco anos em que o contribuinte não é residente em Portugal para efeitos de atribuição do estatuto de RNH é um requisito essencial verificável quando da solicitação de inscrição no regime. Assim, o contribuinte só poderá ter acesso a aquisição de novo direito ao regime de RMH após cinco anos de residência no estrangeiro contados a partir do término do período em que lhe foi concedido (2019)."
Revisitando os factos dados como provados verificamos que ao SP foi atribuído o estatuto de RNH de 2010 a 2019, sendo que esse estatuto foi suspenso nos termos do n.º 12 do art. 16.º, CIRS, a partir de 2012. Além disso, o SP fixou a sua residência fiscal em Portugal em 2021, quando já se encontrava terminado o período para o qual o estatuto de RNH lhe tinha sido atribuído.
Com a suspensão em 2012, na prática, significava que, regressando a Portugal nesse período, manteria o direito ao regime de exceção que o RNH lhe conferia, bastando, para o efeito, fazer cessar essa mesma suspensão.
Terminado o período de exceção, ao SP restava ou pedir um novo regime de exceção ou não o fazer. O SP entendeu fazê-lo porque considerava que preenchia os dois requisitos em cima identificados: i) era fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.s 1 ou 2 do artigo 16.º, CIRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH; ii) não era residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretendia que tivesse início a tributação como RNH.
Quando ao primeiro requisito, o SP preenche-o, pois, como vimos, desde 13 de fevereiro de 2021 que o Requerente passou a estar inscrito como residente fiscal em Portugal (alínea G dos factos provados). Do mesmo modo preenche o segundo requisito, pois, como resulta de declaração datada de 24 de março de 2023, a Administração Fiscal e Aduaneira do Reino Unido declarou ter o Requerente residido no Reino Unido no período de 21 de maio de 2011 a 28 de fevereiro de 2021 (cf. alínea C dos factos dados como provados).
Como vemos o caso, os dois argumentos da AT não colhem: quanto ao primeiro, porque o SP obtém a residência em Portugal em 2021 e não em 2019 (antes do termo do regime de RNH que se encontrava suspenso); quanto ao segundo (o contribuinte só poderá ter acesso a aquisição de novo direito ao regime de RMH após cinco anos de residência no estrangeiro contados a partir do término do período em que lhe foi concedido (2019)) pura e simplesmente não tem qualquer respaldo legal. A lei, o que positiva, é a obrigatoriedade de não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores. Mas não "contados a partir do término do período em que lhe foi concedido".
Pensamos ser claro que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, CIRS, e não de o pedido de cessação da suspensão do regime que preteritamente já lhe tinha sido atribuído ser efetuado dentro do período desse mesmo regime.
Aliás, o teor da norma – art.16.º, 12, CIRS – é, a este propósito, esclarecedor, pois, a sua hipótese circunscreve-se apenas aos casos em que ao SP foi atribuído esse estatuto de RNH e que a retoma do gozo do mesmo ocorra dentro do período dos dez anos. Mas, nada refere quando esse período já terminou assim como não estabelece qualquer período intercalar mínimo entre o termo de um período de exceção e o início de um outro período, quando os requisitos se verificam.
Além disso, tal como os dois requisitos estão definidos, como já referimos, o SP não pode usufruir de um continuum de estatuto de RNH, pois para o efeito, não pode residir fiscalmente em Portugal nos últimos cinco anos. Se usufruiu desse regime num primeiro período é porque residia fiscalmente em Portugal.
Significa isto, então, que pretendendo o legislador atrair sujeitos passivos, tanto atrai os que não residiram em Portugal há mais de cinco anos como os que, tendo já cá tido residência, não usufruíram desse estatuto pois, entretanto, passaram a residir no estrangeiro. Para o legislador, tal como está positivado o disposto no art. 16.º, CIRS, isso é indiferente, pois o objetivo que materialmente se pretende atingir satisfaz-se em ambos os casos.
Por outras palavras, não residir em Portugal desde 2012 a 2021 na prática isto significa que o Requerente não beneficiou de qualquer regime fiscal de exceção em Portugal. Suspender a inscrição como residente não habitual desde 2012 ou não residir em Portugal desde 2012, exigindo a lei que a pessoa não reside nos últimos cinco anos desde a data em que solicita a aplicação do regime é, materialmente, situação idêntica.
Na mesma linha de entendimento parece-nos que vai Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, “O Novo Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais”, ISG, Business & Economics School, p. 18, disponível em https://www.isg.pt/wp-content/uploads/2021/03/40_1_rborges_rna_f40.pdf
Embora considerando o enquadramento legal em vigor em 2010, os AA referem que "o direito ao regime de tributação dos residentes não habituais adquire-se, nos termos do n.º 7, “com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI”, e vigora por um prazo de dez anos, “renovável” nas palavras da lei.
Esta referência à possibilidade de renovação do estatuto de residente não habitual decorrido o primeiro período de dez anos não pode, em nossa opinião, ser interpretada de forma contrária aos requisitos de acesso ao regime. Assim, para que haja “renovação” e, deste modo, volte a surgir na esfera de um sujeito passivo o direito a ser tributado como residente não habitual, será necessário um hiato de 5 anos de ausência de residência fiscal em Portugal. “Renovável”, na nossa leitura, equivale a “Usufruível mais do que uma vez, verificados os requisitos de acesso ao regime”, e não a “Extensível automaticamente no final do prazo, à margem dos requisitos de acesso ao regime”. A referência expressa a este carácter do regime apresenta-se aliás, a nosso ver, como redundante.
Concluímos, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação dos requisitos por parte do sujeito passivo na data em que solicita essa inscrição, independentemente de anteriormente lhe ter sido atribuído esse estatuto, desde que não tivesse usufruído dele, pois não se encontrava a residir fiscalmente em Portugal há mais de cinco anos além de que esse período pretérito já tinha atingido o seu termo..
Portanto, o Requerente, apesar de ter visto o seu estatuto de RNH terminado em 2019, em 2021 cumpre os pressupostos legais para ser considerado como RNH, pois encontra-se fiscalmente residente em território português desde essa data e não residência fiscal em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, conforme foi dado como assente dos factos provados.
Desta forma, ao não ter aplicado ao Requerente o regime dos RNH, a liquidação de IRS melhor identificada é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito, originando a sua anulação nos termos do art. 163.º, 1, CPA.”
Não identificamos razões para discordar da fundamentação apresentada, bem como da decisão proferida, considerando que não há limitação legal à renovação do estatuto de Residente Não Habitual (RNH). Além disso, o início do período de renovação não esta apenas vinculado ao termo do prazo de 10 anos, mas sim ao critério previsto no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, segundo o qual o requerente não deve ter sido residente em território português em nenhum dos cinco anos anterior.
Neste contexto, verifica-se que o requerente, embora tenha perdido o estatuto de RNH em 2019, preenche, em 2021, os requisitos legais para voltar a ser considerado como tal, pois é, desde então, residente fiscal em território português e, conforme provado, não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores, sendo sua última residência em 2012.
Deste modo, cumpre apenas analisar se o requerente satisfaz os demais requisitos previstos no artigo 16.º, n.º 8 e seguintes do CIRS, para usufruir do regime de RNH.
O Requerente procedeu ao pedido de registo de RNH em 2021, uma vez que, conforme alega, nessa data cumpria os requisitos legais para o efeito, tendo esse pedido sido rejeitado pela AT.
Ora, esta questão já foi tratada pelo Supremo Tribunal Administrativo, sendo conhecidas duas decisões de teor semelhante.
Cita-se e transcreve-se o sumário do Acórdão do STA proferido no processo 0842/23.9BESNT, de 29/05/2024:
“I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de ato de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o ato de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.
III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018”.
No mesmo sentido, transcreve-se uma passagem do Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01750/22.6BEPRT, de 15/01/2025:
“Atento o mencionado, a questão que ora se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória [a de registo como RNH] e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período fiscal anual, que não a exclusão do regime em geral, contrariamente ao defendido pelo apelante. Nesta sede, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no artigo 16, nº. 8, do C.I.R.S., os quais, conforme aludido supra, são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2020 -cfr.nºs.1, 2 e 4 do probatório supra), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual (cfr.artº.12, do C. Civil)”.
Do exposto, o STA entende, que a fruição do benefício fiscal não está dependente do reconhecimento por parte da AT.
Inclusivamente a questão em apreciação foi amplamente debatida na jurisprudência arbitral, tem-se pronunciado, ao defender que o cumprimento do referido prazo não constitui um pressuposto adicional para a sua aplicação, referindo expressamente que a inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.
Porém, o STA considera que, só a partir do registo como RNH, podem os sujeitos passivos aplicar o respetivo regime fiscal.
A Requerente apresentou pedido de registo como Residente Não Habitual (RNH) em 2021. Em conformidade com a jurisprudência do tribunal superior e aplicando-se o regime fiscal vigente para o ano de 2023, é-lhe atribuído o correspondente enquadramento, uma vez que preenche os requisitos legais para ser considerada RNH. Especificamente, encontra-se fiscalmente residente em território português desde 2021 e não obteve residência fiscal em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores, conforme estabelecido nos factos provados.
Segundo o princípio contido no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
Desta forma, considerando a jurisprudência citada do STA, este Tribunal Arbitral segue a orientação aí fixada, pelo que deve proceder pedido da Requente, a liquidação de IRS melhor identificada é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito, originando a sua anulação nos termos do art. 163.º, 1, CPA.
Da aplicação da taxa especial de 20% prevista no disposto no art. 72.º, 10, CIRS ao rendimento líquido coletável do Requerente por força do estatuto RNH aplicável
Analisemos agora a segunda questão supra identificada, tendo sido reconhecido o direito do Requerente a esse estatuto, importa agora verificar se estão reunidos os requisitos necessários para a aplicação da taxa especial de 20% prevista no disposto no art. 72.º, 10, CIRS ao rendimento líquido coletável do Requerente.
Estabelece o art. 72.º, 10, CIRS o seguinte:
“10 - Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %”
Vejamos o que estabelece a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada em 2019 pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, que o normativo citado remete.
Consideram-se de EVA as atividades correspondentes a uma série de Códigos da Classificação Portuguesa das Profissões, designadamente:
«112 - Diretor-geral e gestor executivo, de empresas, 12 - Diretores de serviços administrativos e comerciais, 13 - Diretores de produção e de serviços especializados, 14 - Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços».
De acordo com o Código de Classificação Portuguesa das Profissões (CPP), na categoria 11 — Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes superiores da Administração Pública, de organizações especializadas, diretores e gestores de empresas, encontra-se a subcategoria 1112 — Diretor-geral e gestor executivo de empresas. Esta função compreende, em termos gerais, a planificação, direção e coordenação das atividades da empresa, bem como a revisão de operações e resultados, com reporte ao conselho de administração ou direção. Inclui ainda a definição de objetivos, estratégias, políticas e programas empresariais, a elaboração e gestão de orçamentos, o controlo de despesas e a garantia de uma utilização eficiente dos recursos, a monitorização do desempenho organizacional, e a representação institucional da empresa em reuniões, convenções e outros eventos oficiais. Compete igualmente a estes profissionais selecionar ou aprovar a contratação de quadros de direção e assegurar o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis.
O mesmo Código especifica que esta categoria abrange, entre outros, presidentes do conselho de administração — incluindo os das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) —, diretores-gerais executivos, administradores hospitalares, o governador do Banco de Portugal, bem como vogais e outros membros, executivos ou não executivos, dos conselhos de administração das entidades aí enquadradas.
Como resulta dos factos dados por provados, o Requerente é administrador da da B..., SA, e é qualificado como diretor-geral e gestor executivo, de empresas, integrando, por referência à Classificação Portuguesa de Profissões, o Grande Grupo 1, Sub-Grande Grupo 12, Sub-Grupo 112, Grupo Base 1120.
Atentas às funções que desempenha, considerando o imposto pelo n.º 10 do art. 72.ºdo, CIRS, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, e o Código da Classificação Portuguesa das Profissões, as funções do Requerente estão enquadradas no conceito de atividades de elevado valor acrescentado.
Neste sentido, o Requerente tem direito a ver tributados os seus rendimentos da categoria A de acordo com o disposto no n.º 10 do art. 72.ºdo, CIRS,
Sobre este enquadramento, não podemos deixar de referir, que a matéria em questão já foi objeto de decisão arbitral no Processo nº 161/2024-T, qual em suma decidiu:
“Como resulta dos factos dados por provados, o Requerente é administrador da B..., SA, e é qualificado como diretor-geral e gestor executivo, de empresas, integrando, por referência à Classificação Portuguesa de Profissões, o Grande Grupo 1, Sub-Grande Grupo 12, Sub-Grupo 112, Grupo Base 1120.
Atentas às funções que desempenha, considerando a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, e o Código da Classificação Portuguesa das Profissões, o Requerente tem direito a ver tributados os seus rendimentos da categoria A de acordo com o disposto no art. 72.º, 10, CIRS.”
Não identificamos motivo para adotar entendimento diverso, razão pela qual consideramos que as atividades desempenhadas pelo Requerente se enquadram em uma profissão de elevado valor acrescentado. Dessa forma, aos rendimentos líquidos da categoria A obtidos nesse ano em território português deve ser aplicada a taxa especial de 20% prevista no atual artigo 72.º, n.º 10, do CIRS.
Termos em que deve ser julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação, por erro de direito, da liquidação de IRS, bem como a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que as manteve, com a consequente restituição do imposto pago em excesso (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
§4.6. Dos Juros indemnizatórios
Peticiona ainda a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios —nos termos do artigo 43.ºn.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso do imposto pago indevidamente seja efetivamente efetuado.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação do IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação e, em consequência:
a) Julgar improcedentes as exceções invocadas pela AT.
b) Julgar procedente o pedido de anulação (parcial) da liquidação de IRS impugnada, e anulando-se parcialmente esse ato, o qual deverá ser reformulado tributando-se os rendimentos da categoria A obtidos pelo Requerente enquanto administrador da B..., SA em conformidade com o que então dispunha o n.º 10 do art. 72.ºdo CIRS.
c) Consequentemente, anula-se a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2024...;
d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos.
VI. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 138.713,69, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
VII. Custas Arbitrais
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, atendendo à procedência do pedido
Registe e notifique-se.
24 de novembro de 2025
Os Árbitros,
Rui Duarte Morais (Presidente)
Pedro Guerra Alves,
Árbitro Adjunto, Relator
José Coutinho Pires
Árbitro Adjunto