Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 205/2025-T
Data da decisão: 2025-11-20  IRC  
Valor do pedido: € 59.601,99
Tema: IRC/EBF – Retenção na fonte incidente sobre dividendos distribuídos a Organismo de Investimento Colectivo não residente em Portugal; da desconformidade do art.º 22.º do EBF com o art.º 63.º do TFUE.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

 

O nº 1 do artigo 22º do EBF, na sua redacção à data dos factos, ao limitar o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, estabelece uma discriminação arbitrária, que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63º do TFUE.

 

I. RELATÓRIO:

 

1.     A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ... Frankfurt am Main, Alemanha, neste ato representado pela sua entidade gestora B... mbH (doravante “Requerente”). apresentou, em 03.03.2025, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e nos nºs 1 e 2 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira. 

2.     No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.

3.     Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

4.     Em 22.04.2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

5.     Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 14.05.2025 para apreciar e decidir o objeto do processo.

6.     Em 30 de julho de 2025, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “[C]onsiderando que: - Não foi pedida a produção de prova testemunhal; - Não descortina o Tribunal, na presente lide, a existência de factualidade relevante controvertida; - Não foram suscitadas exceções; - Verifica-se que o pedido de revisão oficiosa que antecedeu a presente ação arbitral foi apresentado em nome da Requerente, um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), constituído sob a forma de fundo de investimento contratual, sem personalidade jurídica. - Constata-se, igualmente, que no pedido de revisão oficiosa não foi identificada qualquer entidade gestora, nem foi por esta subscrito ou instruído. O mesmo sucede no Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), que não refere a entidade gestora da Requerente, ainda que tenha sido junta aos autos uma procuração forense emitida pela sociedade B... GmbH, subscrita como “representante legal” da Requerente. - O Considerando 6 da Directiva 2009/65/CE dispõe como segue: “Caso uma disposição da presente directiva preveja que um OICVM [Organismo de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários] pratique um determinado ato, essa obrigação deverá ser entendida como aplicando-se à sociedade gestora se o OICVM  tiver sido constituído como fundo comum por uma sociedade gestora e se esse fundo não tiver personalidade jurídica e não puder, consequentemente, agir por sua própria iniciativa.”. - Essa previsão tem expressão no n.º 3 do artigo 6.º do nosso Regime da Gestão de Ativos que refere: “3 - Salvo se outro sentido resultar da disposição em causa, quando no presente regime sejam constituídos deveres ou imputadas atuações a: a) Organismo de investimento coletivo, deve entender-se como sujeito do dever ou objeto de imputação a sociedade gestora (…)”.  - O artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos, anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de Abril, determina que: “Os organismos de investimento coletivo, consoante tenham ou não personalidade jurídica, assumem a forma: a) Societária, de sociedade de investimento coletivo; ou b) Contratual, de fundo de investimento.”. - Nos termos do artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos (RGA), anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, os fundos de investimento não têm personalidade jurídica. Como tal, não têm capacidade judiciária nem capacidade para intervir autonomamente em sede administrativa ou judicial. Tal entendimento encontra respaldo no acima transcrito n.º 3 do artigo 6.º do mesmo diploma, donde se intui igualmente que a sociedade gestora atua em nome próprio, mas por conta do fundo. - Nos termos do artigo 1.º da Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, e do seu considerando 6 (acima igualmente transcrito), resulta clara a opção do legislador europeu pela admissão de organismos de investimento coletivo de natureza contratual, cuja representação e gestão cabe exclusivamente à respetiva sociedade gestora. À luz do quadro normativo vindo de traçar, entende o tribunal que se deve colocar a questão da falta de legitimidade substantiva da Requerente, tanto no procedimento de revisão oficiosa como no presente processo arbitral, porquanto: i) O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em nome próprio pela Requerente, sem menção ou intervenção da sua sociedade gestora; ii) A sociedade gestora não figura como parte no PPA, nem consta como tal da petição inicial; iii) A atuação da gestora ficou limitada à emissão de procuração, não sendo claro se o fez no exercício do seu poder de representação do fundo. Nessa conformidade, DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de atos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.° do RJAT; ii) dispensar igualmente a apresentação de alegações finais; iii) Facultar às partes a possibilidade de, querendo, se pronunciarem sobre a questão da eventual falta de legitimidade substantiva da Requerente e sobre a regularidade do presente PPA, podendo a Requerente e Requerida fazê-lo no prazo de dez dias, contados da notificação do presente despacho. A decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo a Requerente, no mesmo prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD (Cfr. art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos processos de Arbitragem Tributária). NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 30 de Junho de 2025. (...).”

7.     Em 14.08.2025, o Requerente fez juntar ao SGP do CAAD requerimento onde se pronunciava sobre a questão da legitimidade e sobre a regularidade do PPA, juntando para o efeito o comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem subsequente. Não tendo a referida entidade gestora sido referida na p.i. por mero lapso de escrita, o Requerente requereu ainda, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º do Código de Processo Civil e 249.º do Código Civil, a correção de um mero lapso de escrita, uma vez que faltava a inclusão do nome da entidade gestora B... mbH, inclusão essa que requereu, juntando, para o efeito, cópia das duas primeiras páginas do pedido de constituição de Tribunal Arbitral retificadas.

8.     Em 05.09.2025, a Requerida pronunciou-se sobre a questão da eventual falta de legitimidade do Requerente suscitada no despacho de 30.07.2025, pugnando ali pela procedência da exceção dilatória de ilegitimidade do Requerente. 

9.     No despacho de 15.10.2025, o tribunal diz: “(...) Verifica-se, da análise da procuração junta aos autos, emitida em 30-04-2024, que os poderes conferidos aos mandatários da Requerente se limitam à prática de “atos considerados como necessários ou convenientes relacionados com retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios de 2019 a 2022”. Contudo, o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente abrange também o exercício de 2023, relativamente ao qual não se encontram conferidos poderes expressos na procuração junta. Tal circunstância configura insuficiência de poderes de representação quanto a esse exercício. Nos termos do artigo 40.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o Tribunal deve verificar se o mandatário tem poderes para representar a parte e, caso não os tenha, convidá-la a regularizar a representação. Assim, convida-se a Requerente a suprir a irregularidade identificada, mediante junção aos autos, no prazo de 10 dias, de procuração que confira poderes expressos aos mandatários para a prática de atos relacionados com retenções na fonte de IRC respeitantes ao exercício de 2023. Mais se adverte que, não sendo suprida a irregularidade no prazo fixado, poderá não ser conhecido o pedido arbitral na parte respeitante ao exercício de 2023, por falta de representação válida. Notifique-se. Lisboa, 15 de Outubro de 2025. O Árbitro, Ass. (...).”

10.  Em 31.10.2025, o Requerente pediu, através de requerimento entrado no SGP do CAAD, a prorrogação do prazo para juntar procuração que conferisse poderes expressos aos mandatários para a prática de actos relacionados com retenções na fonte de IRC respeitantes ao exercício de 2023, por um período adicional não inferior a 10 dias. Por despacho de 31.10.2025, o pedido foi parcialmente deferido, prorrogando-se o prazo por mais 5 dias, atendendo a que estava iminente o decurso do prazo previsto no n.º 1 do art.º 21.º do Decreto-lei n.º 10/2021 (RJAT).  

11.  Por despacho de 7.11.2025, o prazo para a prolação da decisão arbitral foi prorrogado por dois meses, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT. 

12.  Em 12.11.2025, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “(...) A Requerente veio peticionar seja admitida a procuração inicialmente junta aos autos como título bastante para a representação da mandante relativamente a todos os anos objeto do pedido arbitral, sustentando que a mesma confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, sem qualquer limitação. Em jeito de pedido subsidiário, requer a junção de cópia simples de nova procuração forense (que junta) e a concessão de prazo não inferior a 10 (dez) dias para junção da respetiva versão devidamente legalizada por apostilha, invocando dificuldades associadas à tramitação internacional do documento. A procuração inicialmente junta aos autos confere poderes específicos para impugnar retenções na fonte de IRC, respeitantes aos exercícios de 2019 a 2022, mencionando expressamente esses anos.  Entende este tribunal que a inclusão de tal enumeração, conjugada com a omissão do exercício de 2023, gera uma delimitação objetiva dos poderes conferidos, não se podendo presumir que os mesmos se estendem ao exercício de 2023. Se a intenção da mandante fosse conferir poderes forenses gerais e ilimitados, bastaria a referência genérica aos “mais amplos poderes forenses em direito permitidos”, sem qualquer especificação temporal. A opção pela delimitação expressa dos exercícios abrangidos revela uma vontade de restringir o mandato àqueles períodos, o que coloca em causa a regularidade da representação quanto ao exercício de 2023, objeto do presente processo arbitral. Nessa medida, indefere-se expressamente o pedido principal, por se não verificar a suficiência material da procuração anteriormente junta para efeitos de representação no presente processo arbitral quanto ao exercício de 2023. A nova procuração junta em cópia simples, embora ainda não apostilhada, confere os mais amplos poderes forenses, incluindo poderes especiais para intervir em processos relacionados com retenções na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e contém cláusula expressa de ratificação dos atos já praticados pelos mandatários. Nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), a decisão arbitral deve ser proferida no prazo de seis meses a contar da notificação da decisão de constituição do tribunal arbitral, prazo esse que, por despacho de 07.11.2025, inserido no SGP do CAAD, já foi prorrogado por mais dois meses. É bem certo que o processo arbitral tributário se caracteriza por uma tramitação célere e simplificada, orientada para a obtenção da decisão dentro de prazos legalmente fixados, o que exige das partes e do tribunal uma atuação diligente e eficaz.  Todavia, a aludida celeridade processual não dispensa o cumprimento das formalidades essenciais à regularidade da representação processual. Nessa conformidade, admite-se a junção da cópia simples da nova procuração apresentada e defere-se o pedido subsidiário, concedendo à Requerente o prazo adicional de 10 (dez) dias, contados a partir da notificação do presente despacho, para junção da procuração forense validamente apostilhada. Notifique-se.Lisboa, 12 de novembro de 2025. O Árbitro, Ass. (...).”

13.  Em 20.11.2025, o Requerente juntou aos autos procuração forense devidamente apostilhada. 

14.  A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa entretanto apresentado e dirigido aos actos tributários de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 e efetuadas ao abrigo do disposto no art.º 94.º do CIRC e 22 do EBF; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de retenção na fonte que totalizam o montante de 59.601,99 €, por estarem enfermados do vício de violação de lei e mais concretamente por violação do Direito Comunitário e ainda por violação da CRP; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles actos de retenção na fonte, na restituição à Requerente do valor pago em excesso, no montante de 59.601,99 €; iii) Em conformidade com o referido no art.º 66.º do PPA, no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT e ainda, face ao ponto IV) do petitório e com a procedência dos pedidos supra explicitados, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da taxa de arbitragem. 

15.  Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações do Requerente:

 

A)   No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa o Requerente por aduzir no sentido de que é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado por fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país. 

B)   Diz o Requerente que “(...) detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.”

C)   No artigo 4.º do PPA e no que diz respeito aos anos de 2020 a 2023, aduz o Requerente no sentido de que detinha participações sociais da sociedade residente em Portugal - “C... SGPS, S.A..

D)   E partindo da circunstância de estarmos perante entidade que detém a qualidade de accionista de sociedades residentes em Portugal, refere o Requerente, a dado passo do seu PPA, que recebeu, nos anos de 2020 a 2023, dividendos sujeitos a tributação em território nacional (por se tratar do Estado-fonte de obtenção dos mesmos), sendo que, nessa decorrência, os aludidos dividendos recebidos foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4 do CIRC, cifrando-se em 59.601,99€ o montante total das retenções na fonte empreendidas, tal como está no Quadro ínsito no artigo 7.º do PPA que aqui se deve considerar reiterado.

E)   Avançando com a violação do normativo comunitário nos seguintes termos: “Na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) -, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“EU”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”), conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).”

F)    De seguida, dá nota o Requerente de que, no dia 15.07.2024, “(...) apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020 a 2023, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (...).” Referindo ainda no sentido de que “(...) no passado dia 02.12.2024 (carta registada de 28.11), o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa (cfr. documento n.º 4 que se junta), fundada no entendimento de que “(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.” (cfr. § 4.4.6 da decisão final de indeferimento).” Trazendo ainda à colação, por transcrição, um trecho da decisão final de indeferimento que recaiu sobre o aludido pedido de revisão oficiosa e que aqui se entende adequado igualmente transcrever: “(…) no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal, sob pena de agravamento da tributação dos OIC residentes em relação aos não residentes. 4.4.9 Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. 4.4.10 Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC constituídos nos demais Estados membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. 4.4.11 Ora, no caso em apreço, conforme informado, embora o Requerente seja residente fiscal na Alemanha, não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.” (cfr. § 4.4.8 a 4.4.11 da decisão final de indeferimento acima junta como documento n.º 4).”

G)   E não se detendo, diz o Requerente que não pode conformar-se com a decisão de indeferimento expresso que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, (...)  não só porque esta se destitui do seu papel decisório, mas também porque, ao ensaiar uma interpretação “conforme ao direito europeu” (a qual, como se verá, não tem qualquer cabimento), acabou por decidir de forma desfavorável aos contribuintes, incorrendo em evidente vício de violação de lei, o que motiva a apresentação do presente pedido arbitral.”

H)   O Requerente contesta tal decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, invocando o acórdão do TJUE de 17 de março de 2022, proferido no processo C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), que considerou incompatível com o artigo 63.º do TFUE a legislação de um Estado-Membro que sujeita dividendos pagos a OIC não residentes a retenção na fonte, enquanto isenta os dividendos pagos a OIC residentes. O TJUE concluiu que tal diferença de tratamento constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, que não pode ser justificada por razões de coerência fiscal, uma vez que não existe uma relação direta entre o benefício fiscal concedido e uma imposição compensatória ao mesmo contribuinte.

I)     O Requerente argumenta que a situação factual e jurídica do seu caso é materialmente idêntica àquela que foi objeto do referido acórdão do TJUE, pelo que a jurisprudência comunitária deve ser aplicada diretamente, afastando o regime interno incompatível. 

J)    Invoca ainda o princípio do primado do Direito da União Europeia, consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual as normas emanadas das instituições da União Europeia prevalecem sobre o direito interno em caso de conflito.

K)   No sentido de consubstanciar melhor a referida violação do direito comunitário começa o Requerente por revisitar o quadro normativo em sede de tributação de dividendos. Traz à colação, desde logo, a alínea c) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, aduzindo no sentido de que nos termos daquele normativo, os dividendos são considerados rendimentos de natureza financeira, sendo que, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo também ele residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (ver artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4 do CIRC).

L)   Ainda assim e não obstante, traz o Requerente à colação o disposto nos nºs 1 e 3 do art.º 22º do EBF, sustentando que por força daquele último preceito, os OIC´s constituídos de acordo com a legislação nacional, estavam, à data dos factos, isentos de IRC sobre os dividendos obtidos.  

M)  Não devendo olvidar-se que nos “(...) termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro EM da UE beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF.”

N)   Enunciando ainda o Requerente no sentido de que “(...) a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC e para que um OIC se constitua de acordo com a legislação nacional (tal como definido no n.º 1 do artigo 22.º do EBF) necessita do cumprimento de múltiplos requisitos previstos no Regime Geral dos OIC, cuja verificação é supervisionada pela CMVM, o que não se pode verificar no caso de OIC constituídos ao abrigo de legislação estrangeira.”

O)   E isto dito, conclui o Requerente como segue: “[A]ssim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.”

P)    Trazendo o Requerente à discussão a apreciação da conformidade das normas supra citadas com os princípios comunitários da liberdade de circulação de capitais consignada no artigo 63.º do TFUE.

Q)   Nos artigos 39.º a 57.º do PPA, o Requerente desenvolve uma análise jurídica detalhada sobre a desconformidade entre o regime fiscal português aplicável aos organismos de investimento coletivo (OIC) não residentes e o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagra a liberdade de circulação de capitais. A argumentação estrutura-se em três grandes eixos: (i) a existência de uma diferença de tratamento; (ii) a comparabilidade das situações entre OIC residentes e não residentes; e (iii) a ausência de justificação válida para essa diferenciação.

R)   Em primeiro lugar, o Requerente identifica que a legislação portuguesa estabelece uma clara distinção entre OIC residentes e não residentes no que respeita à tributação de dividendos de fonte portuguesa. Os OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiam de isenção de IRC sobre dividendos, ao abrigo do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), enquanto os OIC não residentes, como o Requerente, estão sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25%, nos termos dos artigos 87.º e 94.º do Código do IRC (CIRC). Esta diferença de tratamento foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no acórdão proferido no processo C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), que considerou que tal discriminação constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

S)    Em segundo lugar, o Requerente aborda a questão da comparabilidade das situações entre OIC residentes e não residentes. Invocando jurisprudência consolidada do TJUE, sustenta que, a partir do momento em que um Estado-Membro decide exercer a sua soberania tributária sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes, essas entidades devem ser consideradas em situação objetivamente comparável às residentes. O TJUE confirmou que, no caso português, os OIC não residentes estão sujeitos ao mesmo risco de dupla tributação económica que os OIC residentes, pelo que não se justifica um tratamento fiscal desfavorável. A comparabilidade não depende da forma jurídica ou da residência do OIC, mas sim do facto de ambos receberem dividendos de sociedades residentes em Portugal e estarem sujeitos à tributação por esse Estado.

T)   Por fim, o Requerente analisa a possibilidade de justificar a restrição com base na coerência do sistema fiscal nacional. Embora o TJUE reconheça que a preservação da coerência fiscal pode, em certos casos, justificar restrições às liberdades fundamentais, exige que exista uma relação direta entre o benefício fiscal concedido e uma imposição compensatória ao mesmo contribuinte. No caso em apreço, essa relação não se verifica. O TJUE concluiu que a isenção concedida aos OIC residentes não está condicionada à redistribuição dos dividendos nem à sua tributação na esfera dos detentores de participações, o que inviabiliza a invocação da coerência fiscal como justificação válida. Assim, a legislação portuguesa não cumpre os requisitos de proporcionalidade e de justificação exigidos pelo Direito da União Europeia.

U)   Em conclusão, o Requerente sustenta que a legislação nacional que sujeita os OIC não residentes à retenção na fonte sobre dividendos, enquanto isenta os OIC residentes, é incompatível com o artigo 63.º do TFUE. A diferença de tratamento é discriminatória, incide sobre situações comparáveis e não encontra justificação legítima. Por força do princípio do primado do Direito da União Europeia, consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, impõe-se a não aplicação das normas internas contrárias ao TFUE e, consequentemente, a anulação dos atos de retenção na fonte objeto do pedido arbitral.

V)   Nos artigos 58.º a 65.º do PPA, o Requerente aprofunda a fundamentação jurídica do seu pedido, centrando-se no princípio do primado do Direito da União Europeia e nas suas implicações para a legalidade dos atos tributários praticados pela Autoridade Tributária portuguesa. A argumentação parte da constatação, já firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no acórdão proferido no processo C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), de que o regime fiscal português que sujeita os organismos de investimento coletivo (OIC) não residentes à retenção na fonte sobre dividendos, enquanto isenta os OIC residentes, é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagra a liberdade de circulação de capitais.

W) O Requerente invoca o princípio do primado do Direito da União Europeia, segundo o qual as normas comunitárias prevalecem sobre o direito interno dos Estados-Membros, independentemente de estas normas serem anteriores ou posteriores à legislação nacional. Este princípio foi consagrado jurisprudencialmente desde o célebre acórdão Costa vs Enel (C-65/64) e encontra respaldo explícito na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no artigo 8.º, n.º 4, que determina que as disposições dos tratados da União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União.

X)   A consequência jurídica deste princípio é clara: em caso de conflito entre normas internas e normas comunitárias, as primeiras devem ser afastadas, não podendo ser aplicadas pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas. O Requerente cita jurisprudência nacional, nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que reconhece esta hierarquia normativa e a obrigação de desaplicação das normas internas incompatíveis com o Direito da União Europeia.

Y)   Neste contexto, o Requerente conclui que, face à decisão do TJUE e ao princípio do primado, os atos de retenção na fonte de IRC praticados pela AT entre 2020 e 2023 são manifestamente ilegais e devem ser anulados. A AT, ao manter a aplicação de um regime fiscal declarado incompatível com o TFUE, incorre em violação do princípio da legalidade e da hierarquia normativa, razão pela qual se impõe a restituição do imposto indevidamente cobrado.

Z)   Em cumprimento do despacho de 30.07.2025, o Requerente apresentou requerimento superveniente em 14.08.2025 e que consta do SGP do CAAD onde refere: “[O] douto Tribunal suscita uma questão de legitimidade e regularidade do presente pedido de pronúncia arbitral. 2. No que respeita à questão da regularidade, o fundo, sendo desprovido de personalidade jurídica, é sempre representado pela sua entidade gestora, que o vincula perante terceiros. 3. Por esta razão, a procuração junta aos autos foi assinada pelas duas pessoas que representam a entidade gestora do fundo, conforme certificado na apostila que foi aposta à procuração:

 

 

 

4. Ademais, a procuração é outorgada pelo fundo, representado pela B... mbH, entidade gestora do fundo, e assinada em nome da entidade gestora:

 

 

 

 

B...

G...

F...

 

 

5. De onde resulta inequívoco que o Requerente está regularmente representado em juízo.

6. Não tendo a referida entidade gestora sido referida na p.i. por mero lapso de escrita, o Requerente vem requerer, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º do Código de Processo Civil e 249.º do Código Civil, a correção de um mero lapso de escrita, uma vez que faltava a inclusão do nome da entidade gestora B... mbH, inclusão essa que se requer (cf. cópia das duas primeiras páginas do pedido de constituição de Tribunal Arbitral retificadas, que se juntam). 7. Assim, onde se lê na primeira página do pedido de constituição de tribunal arbitral e na primeira página do pedido de pronúncia arbitral: “A...-FONDS, Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., com sede em..., ... Frankfurt am Main, Alemanha (doravante designado de “Requerente”)” 8. Deve ler-se: “A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., com sede em..., ... Frankfurt am Main, Alemanha, neste ato representado pela sua entidade gestora B... mbH (doravante designado de “Requerente”)”. 9. No que respeita à legitimidade, refira-se que os conceitos específicos aplicáveis ao contencioso tributário, relevantes para a verificação dos pressupostos processuais são os conceitos de personalidade judiciária tributária e a capacidade judiciária tributária, não sendo relevante para este efeito aferir se o fundo tem ou não personalidade jurídica (conceito com claro pendor jus-civilista, com relevância para outras matérias). 10. O Supremo Tribunal Administrativo já oportunamente distinguiu os conceitos, tendo concluído, num processo no qual a impugnante era uma sociedade extinta, que: “6) A douta sentença recorrida assenta o seu raciocínio nos conceitos jus-civilistas de personalidade judiciária e capacidade judiciária, quando deveria assentar nos conceitos privativos do Direito Tributário de personalidade judiciária tributária e capacidade judiciária tributária, conceitos dogmaticamente distintos e inconfundíveis. 7) No contencioso tributário, relevam como pressupostos processuais, a personalidade judiciária tributária e a capacidade judiciária tributária tal como vêm definidas no CPPT e LGT, razão pela qual são de afastar os conceitos jurídico-civis, por inexistir lacuna carecida de integração.” vd. acórdão do STA no processo n.º 01041/17.4BEBRG, de 01.07.2020). 11. Deste modo, para aferir da legitimidade e regularidade do presente pedido de pronúncia arbitral, importa aferir da personalidade judiciária tributária e da capacidade judiciária tributária do Requerente. 12. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do CPPT, “[a] personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária”. A personalidade tributária consiste, nos termos do artigo 15.º da LGT, na “suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias”. 14. Por força do disposto no artigo 16.º, n.º 2, da LGT, “tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária”. 15. Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, “têm também personalidade tributária entidades sem personalidade jurídica, como resulta do art.º 2.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, do CIRC, que contém uma fórmula ampla com potencialidade para abranger qualquer entidade que seja titular de rendimentos” (vd. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 73). 16. A este respeito, o Venerando Supremo Tribunal Administrativo já oportunamente clarificou que uma entidade tem personalidade tributária “[d]esde que possa ser considerada um centro de imputação de actividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respectivos sejam tributáveis. É o que resulta do artº.18, nº.3, da L.G.T., na parte em que inclui entre os sujeitos passivos de imposto as organizações de facto que, nos termos da lei (cfr.artº.2, nº.1, al.b), do C.I.R.C.), estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias” (vd. acórdão do STA no processo n.º 02587/18.2BEBRG, de 04.05.2022). 17. “Em resumo”, como conclui o Supremo Tribunal Administrativo no referido aresto, “a personalidade tributária independe da consideração de determinada entidade como pessoa civil, bastando apenas a verificação, em referência a esta, de um facto previsto na lei como obrigando ao pagamento de tributo (facto constitutivo da relação ou facto tributário). Se tal se verificar – a junção do facto e da lei - nasce uma obrigação tributária, e, consequentemente, está-se perante uma entidade com personalidade tributária (porque sujeito de uma relação desta natureza), seja uma pessoa propriamente dita, um simples património ou uma realidade de facto (cfr. Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, págs.67)” (idem). Em termos jurisprudenciais tem sido aceite com relevante unanimidade, que um organismo de investimento coletivo tem personalidade e capacidade judiciárias. 19. A título meramente exemplificativo, veja-se a decisão arbitral no processo n.º 728/2024-T, em que foi requerente um organismo de investimento coletivo constituído de acordo com o direito alemão, ou a decisão arbitral no processo n.º 983/2024-T, em que foi requerente um organismo de investimento constituído de acordo com o direito norte-americano, em que o Tribunal Arbitral concluiu que as partes “gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade” (no mesmo sentido encontram-se publicadas dezenas de decisões arbitrais, listando-se aqui apenas as mais recentes proferidas nos processos n.ºs 463/2024-T, 708/2024-T, 736/2024-T, 735/2024-T, 551/2024-T, 425/2024-T, 725/2024-T, 476/2024-T, 448/2024-T, 795/2024-T, 838/2024-T, 734/2024-T, 550/2024-T, 445/2024-T, 464/2024-T, 828/2024-T, 475/2024-T e 727/2024-T). 20. Por todo o acima exposto resulta que é inquestionável que (i) o fundo/Requerente pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias (artigo 15.º da LGT), (ii) é titular de direitos e obrigações tributárias, (iii) possui personalidade judiciária tributária (artigo 3.º do CPPT) e, assim, (iv) é suscetível de ser parte em processos judiciais tributários. Termos em que deve ser dado provimento ao pedido de pronúncia arbitral nos termos e com os fundamentos constantes da p.i. (...).”.

16.  A Requerida apresentou resposta, na qual, alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

A)    A Requerida começa por invocar jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente os acórdãos Schumacker (C-279/03), Truck Center (C-282/07) e Marks & Spencer (C-446/03), para sustentar que os sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram em situações objetivamente comparáveis. 

B)    A diferença de tratamento fiscal entre ambos é justificada por fatores como a capacidade contributiva, o enquadramento global do rendimento e a situação pessoal e familiar, sendo o Estado de residência o mais habilitado para aferir tais elementos. 

C)    Assim, defende a Requerida que a aplicação de regras distintas não configura, por si só, uma discriminação arbitrária, desde que respeite os princípios da coerência e da proporcionalidade.

D)    Neste contexto, a Requerida sublinha que o artigo 65.º do TFUE permite aos Estados-Membros aplicar disposições fiscais que estabeleçam distinções entre contribuintes com base no local de residência ou no lugar onde o capital é investido, desde que tais medidas não constituam uma restrição dissimulada à liberdade de circulação de capitais. 

E)    A Requerida reforça que não lhe compete avaliar a conformidade das normas internas com o direito europeu, estando vinculada ao princípio da legalidade e obrigada a aplicar as normas fiscais em vigor, conforme os artigos 2.º da LGT e 3.º do Código do Procedimento Administrativo.

F)     No que respeita ao regime fiscal aplicável aos OIC residentes, a Requerida detalha a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, que isenta estes organismos de IRC sobre rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, nos termos do artigo 22.º, n.º 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Adicionalmente, são isentos das derramas municipal e estadual (n.º 6 do mesmo artigo). Contudo, esta isenção é compensada por uma tributação em sede de Imposto do Selo, incidente sobre o valor líquido global dos ativos, conforme a Verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e por uma tributação autónoma à taxa de 23% sobre dividendos, nos casos em que não se verifique a detenção ininterrupta das ações por um período mínimo de um ano (artigo 88.º, n.º 11 do CIRC e artigo 22.º, n.º 8 do EBF).

G)    Por outro lado, sustenta a Requerida, os OIC não residentes, como o Requerente, não beneficiam deste regime específico e estão sujeitos à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas. 

H)    A Requerida argumenta que, para se aferir a existência de uma eventual discriminação, não basta comparar a retenção na fonte aplicada aos não residentes com a isenção concedida aos residentes. É necessário considerar a carga fiscal global, incluindo os impostos indiretos e autónomos que incidem sobre os OIC residentes. 

I)      Sendo que, advoga a Requerida, o Requerente não demonstrou que a carga fiscal que suporta seja superior à dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, nem que os seus investidores não possam beneficiar de crédito de imposto por dupla tributação internacional.

J)     A Requerida reconhece que a distribuição de dividendos a OIC não residentes constitui um movimento de capitais na aceção do artigo 63.º do TFUE e da Diretiva 88/361/CEE. No entanto, defende que a legislação nacional não impõe uma discriminação substancial, mas apenas uma diferença de tratamento justificada pela estrutura e coerência do sistema fiscal português. A AT cita o acórdão Comissão/Portugal (C-493/09), que reconhece a existência de uma restrição à liberdade de circulação de capitais quando há tratamento fiscal mais desfavorável para fundos de pensões não residentes. Contudo, sublinha que os fundos de pensões não estão sujeitos a outras formas de tributação, ao contrário dos OIC, o que inviabiliza uma comparação direta.

K)    A Requerida conclui que a análise da conformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE exige uma avaliação global da carga fiscal que incide sobre os dividendos e os ativos subjacentes, tanto para OIC residentes como não residentes. Só assim se poderá aferir se existe uma discriminação negativa que constitua uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais. 

L)     No caso concreto, a AT entende que não se verifica tal discriminação, pois os OIC residentes também suportam tributação relevante, e o Requerente não demonstrou que a sua situação seja comparável nem que sofreu uma desvantagem fiscal substancial. Por conseguinte, o pedido deve improceder, mantendo-se as retenções na fonte impugnadas.

M)  Em cumprimento do despacho de 30.07.2025, a Requerida apresentou requerimento superveniente, em 05.09.2025, onde refere: “[1.] A falta de identificação e menção da entidade gestora tanto no pedido de revisão oficiosa como no PPA, nos termos mencionados no douto despacho arbitral, designadamente da conjugação do artigo 1.º e Considerando 6, n.º 3, ambos da Diretiva 2009/65/CE com o artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos, anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, resulta numa situação de falta de legitimidade singular. 2. Ocorrendo ilegitimidade singular (in casu ativa), porque o identificado no PPA, sujeito da relação jurídica processual não é titular de qualquer dos interesses subjacentes à relação material controvertida, tal como por si configurada, em virtude da previsão contida no Considerando 6, n.º 3, alínea a) (… quando no presente regime sejam constituídos deveres ou imputadas atuações a Organismo de investimento coletivo, deve entender-se como sujeito do dever ou objeto de imputação a sociedade gestora…), é inadmissível a intervenção provocada (chamamento à lide) do real titular do interesse direto em demandar ou contradizer. 3. Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão de 28-01-2025, prolatado pelo STJ no processo n.º 232/23.3YRPRT.S1 no qual se sumariou: «I- A parte desfruta de legitimidade processual quando, admitindo-se, ab initio, na configuração dada pelo autor na petição, que existe a relação material controvertida, a parte for efetivamente o seu titular. II- Há ilegitimidade quando se verifica uma disparidade entre os titulares dos interesses em conflito, ou das posições na relação jurídica e as partes ou sujeitos da relação jurídica processual. III- As exceções dilatórias, obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (cfr. art.º 576, nº. 2 do CPC). IV- A perspetiva de sanação da falta de um pressuposto processual só pode colocar-se nos casos em que a falta seja objetivamente suprível. V- O princípio da adequação formal, a que se reporta o art.º 547º do CPC., atribui ao juiz o poder de gestão processual e de adequação formal, perante a concreta situação, providenciando pelo suprimento de falta de pressupostos suscetíveis de sanação, ou convidar as partes a suprir as falhas que dependam das mesmas. VI- Tal princípio comporta limites, tais como, a impossibilidade de adequação formal perante os casos insanáveis.» 4. Detetado o vício, não há lugar ao uso dos poderes de regularização formal, sanação ou aperfeiçoamento contemplados nos artigos 6.º e 590.º, n.º 2 e 3 do CPC. 5. A falta desse pressuposto processual constitui uma exceção dilatória, a qual, por natureza, é insanável/insuprível, devendo o juiz, in casu o(s) árbitro(s), mesmo ex-officio, absolver a Entidade Requerida da instância, cf. previsto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d) e 557.º, alínea e) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 6. Note-se ainda que, nos termos do artigo 261.º do CPC, não há lugar a qualquer modificação subjetiva da instância pela intervenção de novas partes.  Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser declarada a procedência da exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente. (...).”

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

17.  thema decidendum reporta-se a determinar a conformidade dos normativos internos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos, objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral, relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por Organismos de Investimento Coletivo (OIC´s), com os princípios estabelecidos no Direito da União Europeia, em particular com o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ou seja, está em causa saber se a retenção na fonte aplicada em sede de IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia e constituídos e a operarem segundo a legislação desses Estados-membros, in casu, a Alemanha e, simultaneamente, a não tributação (por não consideração do respectivo rendimento no lucro tributável respectivo) da distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal e se hajam constituído e se mostrem a operar de acordo com a legislação nacional, é ilegal por violação (ou não) do art.º 63.º do TFUE.

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. DECISÃO:

 

III.A) Factos que se consideram provados:

 

18.  Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respetiva decisão:

 

A)   O Requerente é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), constituído sob a forma contratual e não societária, comummente designado de fundo de investimento. (Cfr. Artigo 1.º da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral);

B)   O Requerente não sendo um OIC constituído sob a forma societária (sociedade de investimento), mas meramente contratual (fundo de investimento), não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial;

C)   O Requerente é sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), não residente, não tem estabelecimento estável, para efeitos fiscais, em Portugal e tem a sua residência fiscal na Alemanha. (Cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

D)   O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... mbH, com sede na Alemanha, sendo que tal entidade gestora não foi referida no pedido de pronúncia arbitral por mero lapso de escrita. (Cfr. pontos 3., 4. e 6. do requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 14.08.2025 e procuração forense junta aos autos);

E)   O Requerente é um OIC na forma de fundo de investimento, constituído de acordo com o direito alemão que se encontra inscrito junto da Bundesanstal fúr Finanzdienstleistungsaufsicht ("BaFin"), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação ("BaFin-ld”} 70139573 (cf. Informação disponível em https://portal.mvp.bafin.de/database/Fondslnfo/?locale=enGB ), (cfr. artigo 7. da Resposta e fls. 48 e 49 do PA);

F)    O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal. (Cfr. artigo 3.º do PPA);

G)   Nos anos de 2020 a 2023, o Requerente, na qualidade de acionista da sociedade C... SGPS, S.A., residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal. (Cfr. artigo 4.º da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral e artigo 2. da Resposta);

H)   Os dividendos recebidos pelo Requerente no decorrer dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4 do CIRC. (Cfr. artigo 6.º do PPA);

I)     Nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte que se cifrou em 59.601,99 €. (Cfr. artigo 7.º do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA e artigo 2. Da Resposta);

J)    O D... emitiu declarações de responsabilidade enquanto substituto tributário, ou seja, enquanto entidade que está obrigada a efetuar as retenções, atestando a data de distribuição dos dividendos, o montante bruto dos dividendos distribuídos ao Requerente e imposto retido na fonte em Portugal (conforme declarado na respetiva Modelo 30), bem como o número das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária. (Cfr. artigo 10.º do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA e artigo 5. Da Resposta);

K)   No dia 15 de julho de 2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da lei Geral Tributária, pedido de revisão oficiosa contra os atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 aqui sindicados, o qual correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2024... e onde solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. (Cfr. doc. n.º 3 junto ao PPA e artigo 1. da Resposta); 

L)   O Requerente rececionou o Ofício DF Lisboa..., de 23.09.2024, da Direção de Finanças de Lisboa, que lhe dava a conhecer o projeto de decisão que havia recaído sobre o pedido de revisão oficiosa (despacho do Exmº Senhor Diretor de Finanças Adjunto de 19.09.2024)  e onde se conferia àquele a possibilidade de, querendo, poder exercer o direito à participação na decisão que se projetava proferir, na modalidade da audição prévia, em conformidade com o disposto no art.º 60.º da LGT. (Cfr. fls. 38 a 46 do PA);

M)  Em 11.10.2024, o direito de audição foi exercido. (cfr. fls. 48 a 51 do PA);

N)   No dia 2 de Dezembro de 2024, o Requerente foi notificado, através do ofício DF Lisboa ..., de 28.11.2024, da Direção de Finanças de Lisboa, da decisão final, consubstanciada no despacho de 19.11.2024, do Exmº Senhor Diretor de Finanças Adjunto e que ia no sentido do indeferimento do pedido de revisão oficiosa identificado no ponto K) do probatório (cfr. artigo 13.º do PPA; Doc. n.º 4 junto ao PPA;  e ainda fls. 53 a 62 do PA);

O)   Constava da decisão final que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa e melhor identificado no ponto N)do probatório, o seguinte: Visto. Atendendo ao referido e proposto nos pareceres que antecedem, ao teor, conteúdo e fundamentos da informação prestada infra considero que o pedido não merece provimento – uma vez que segundo o informado não se verificam os pressupostos legais previstos para a Revisão solicitada e se trata de matéria de cuja apreciação resulta o indeferimento do pedido – convolando-se em definitivo a decisão. Diligências necessárias. Por subdelegação. Assinado eletronicamente, no sistema GPS, mediante autenticação com senha pessoal. (...).”  (cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 53 do PA);

P)    A decisão referida no ponto N) do probatório e que era de indeferimento do pedido de revisão oficiosa estava ancorada na informação de 12.11.2024 que dizia o seguinte: “II- Apreciação 1- Nos termos do art.º 65.º da LGT e n.º 1 do art.º 9.º do CPPT, o Requerente, com sede na Alemanha, conforme certificado de residência fiscal junto aos autos, sem representante fiscal em Portugal (...), tem legitimidade, sendo neste ato representado pela sua mandatária – Dra. E..., com procuração junta aos autos. 2- Não há conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial até à presente data. 3- O órgão é competente para a decisão ao abrigo da Subdelegação de competências da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária — IR. 4- Quanto à propriedade do meio e tempestividade para a promoção da revisão do ato, cumpre informar o seguinte: a)- O Requerente, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4.º, ambos do CIRC, às taxas de 25% ou 35% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.º do CIRC. b)- No entanto, atendendo o termo do prazo de entrega do imposto retido pelas guias do período 2020-07 – 2020/08/20, do período 2020-12 – 2021/01/20, do período 2021-05 – 2021/06/20, do período 2022-05 – 2022/06/20 e do período de 2023-05 – 2023/06/20 e, à data do pedido – 2024/07/15, sempre se dirá que, o prazo previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT para o pedido por iniciativa do requerente já se encontra ultrapassado para os anos de 2020, de 2021 e de 2022, na medida em que, tratando-se do (i) substituído tributário, (i) tendo a retenção na fonte sido efetuada a título definitivo e, (iii) tendo invocado retenção indevida de imposto, é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 137.º do CIRC (norma especial face ao art.º 132.º n.ºs 3 e 4 do CPPT). c)- Já quanto ao prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos Serviços, previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT in fine, de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, cumpre evidenciar que, tratando-se de retenções na fonte, efetuadas a título definitivo, nos termos da al. b) do n.º 10 do art.º 8.º do CIRC, o facto tributário ocorre na data em que ocorre a obrigação de efetuar tal retenção, i.e., na colocação à disposição dos rendimentos, nos termos do n.º 6 do art.º 94.ºdo CIRC e art.º 98.º do CIRS, pelo que, tendo em conta as datas de pagamento indicadas – 2020/07/15, 2020/12/16, 2021/05/06, 2022/05/18 e 2023/05/17, e a data do pedido – 2024/07/15, este prazo não se encontra ultrapassado, pelo que, sendo o meio o próprio, cumpre dizer o seguinte, 4.1- Relativamente à entrega do imposto retido nos Cofres do Estado pelo substituto tributário, foram identificadas as guias de retenção n.º ..., n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º ... . Porém, estas apresentam valores muito superiores ao reclamado. 4.2- Todavia, consultadas as Declarações Modelo 30 (2) dos respetivos períodos, verifica-se que, foi declarada pelo substituto tributário a distribuição de rendimentos ao Requerente e retenção na fonte à taxa de 25%: 

                                    Rendimento                  Retenção do imposto

2020-07                     €34.119,60                         €8.529,90 

2020-12                     €22.746,40                         €5.686,60

2021-05                     €47.470,75                        €11.867,69

2022-05                     €88.640,62                        €22.160,16

2023-05                     €45.430,55                        €11.357,64

Valores coincidentes com o invocado e documentos apresentados.

4.3- Há que referir o facto de não ter sido feita prova de que o Requerente detém efetivamente o estatuto de OIC nem que não logrou deduzir na Alemanha, estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, e, atendendo a que se trata de uma entidade estrangeira, a AT não tem conhecimento da sua natureza jurídica. Assim, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, cabe ao Requerente a sua prova, com a junção dos respetivos estatutos e apresentação da liquidação de imposto no sentido da não dedução no Estado da residência o imposto retido na fonte em PT, e se tiver uma isenção também tem de fazer prova, pois, se não provar que é um OIC, não lhe é, desde logo, de aplicar o art.º 22.º do EBF. 4.4- No entanto, no que diz respeito à alegada desconformidade do regime previsto no art.º 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, sempre cumpre dizer o seguinte, 4.4.1- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (3), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF (4), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (5), conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015. 4.4.2- Com a nova redação, o legislador estabeleceu que, para esses sujeitos passivos de IRC, (i) não são considerados, na determinação do lucro tributável, os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF, (ii) estão isentos das derramas municipal e estadual (n.º 6) e, (iii) estabeleceu ainda uma dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos por si obtidos (art.º 22.º n.º 10 do EBF). 4.4.3- Tal regime não é aplicável ao requerente - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação alemã -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, conforme entendimento sancionado superiormente. Vejamos, 4.4.4- Efetivamente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.º C – 545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que « O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.» 4.4.5- De notar que, o legislador prevê no n.º 10 do art.º 22.º do EBF uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional (n.º 1). 4.4.6- Todavia, não cabe à AT. invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável. 4.4.7- Evidenciando-se que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu. 4.4.8- E, uma vez que, existe um modelo de tributação dos OIC residentes coerente, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal, sob pena de agravamento da tributação dos OIC residentes em relação aos não residentes. 4.4.9- Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. 4.4.10- Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. 4.4.11- Ora, no caso em apreço, conforme informado, embora o Requerente seja residente fiscal na Alemanha, não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF. 4.4.12- Pelo exposto, é de indeferir o pedido. 4.4.13- Cumpre ainda referir que, nesta sede de procedimento de revisão do ato tributário, por não se verificarem in casu os pressupostos previstos no artigo 43.º da LGT, não assiste ao Requerente o direito a juros indemnizatórios. III. Conclusão Face ao exposto, sou do parecer que deve o pedido de Revisão do Ato Tributário ser indeferido, devendo notificar-se o interessado para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT. INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR IV. Audição Prévia Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 2024-09-19, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pelo Diretor de Finanças Adjunto, por subdelegação, o qual foi notificado ao Requerente, na pessoa do seu mandatário, Dra. E..., pelo ofício nº ...  de 2024-09-23, expedido através do registo CTT ... PT, datado de 2024-09-23, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT. O Requerente foi considerado notificado em 2024-09-26 e veio exercer o direito de audição prévia através de requerimento apresentado em 2024-10-11 (entrada GPS 2024...), dentro do prazo legal para o efeito. No exercício do direito de audição, o Requerente refere ser efetivamente um OIC na forma de fundo de investimento, constituído de acordo com o direito alemão que se encontra inscrito junto da Bundesanstal fúr Finanzdienstleistungsaufsicht ("BaFin"), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação ("BaFin-ld”} 70139573 (cfr. informação disponível em https://portal.mvp.bafin.de/database/Fondslnfo/?locale=en GB).  V. Análise e Parecer Iniciando-se a nossa análise pela consulta ao link indicado, não se pode aferir do estatuto de OIC do Requerente com toda a certeza, pelo que não se atesta suficiente para tal verificação. Quanto ao remanescente, reiteramos o entendimento vertido no projeto de decisão, pois, a AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art.º 266.º da CRP, art.º 55.º da LGT e n.º 1 do art.º 3.º do CPA, não fazendo parte das suas atribuições fiscalizar e formular juízos sobre a compatibilidade de uma norma com o Direito Europeu, invalidando-a ou desaplicando-a, mesmo em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além do que possa considerar-se uma interpretação razoável, devendo sim, por decorrência do referido princípio, atuar em conformidade com a lei. E, conforme foi informado no projeto de decisão, tendo em conta a referida decisão do TJUE e o regime previsto no art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, o qual se encontra em vigor sem que tenha sido objeto de alteração legislativa, parece-nos admissível a interpretação jurídica de que, no âmbito da dispensa de retenção prevista no n.º 10 do art.º 22.º do EBF estarão incluídos os OIC´s não residentes que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. Assim, uma vez que, o Requerente é não residente fiscal, sem estabelecimento estável em Portugal, não se encontra enquadrado no disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, nos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal. VI. Conclusão Face ao exposto, atendendo a que o Requerente não apresentou fundamentos suscetíveis de alterar o sentido da decisão projetada, propõe-se sua convolação em definitiva, no sentido do indeferimento do pedido. (...).” (cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 54 a 58 do PA);

Q)   O Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

R)   Em 03.03.2025, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

S)    O pedido foi aceite no SGP do CAAD em 05.03.2025, palas 13:36 horas. (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

III.B) Factos não provados:

 

19.  Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

III.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

20.  Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

21.  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

22.  A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pelo Requerente, já que, a  Requerida, não obstante na Resposta aludir à junção processo administrativo tributário previsto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não efetivou tal junção. 

 

III.D) Pressupostos Processuais:

 

III.D.1) Da (in)competência material do tribunal Arbitral para apreciar as pretensões formuladas pelo Requerente no PPA:

 

 

23.  Tendo em consideração que a exceção dilatória da incompetência material poderá obstar ao conhecimento do mérito da causa e/ou importar a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 89.º do CPTA e ainda do disposto no art.º 576.º do Código do Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT, será, a mesma, de imediato apreciada. Vejamos,

24.  O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

25.  Como ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em “Noções Elementares de Processo Civil” p.p. 88 e ss., a competência dos tribunais “[é] a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional”, sendo que a “Competência abstracta dum tribunal é a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam” e a “Competência concreta dum tribunal, trata-se (…) da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde.”

26.  A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.1.2015, Pº 117/14.4TTLMG.C1 que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ de 16/06/2015).

27.  A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é desde logo definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que dispõe: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (...)” - Revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

28.  A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

29.  Importa então começar por atentar no pedido formulado pelo Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “Nestes termos e nos melhores de direito, solicita-se respeitosamente a V. Exas. que se dignem conceder provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral, determinando, em consequência: (i) A anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado pelo ora Requerente; (ii) Em virtude da procedência do pedido acima, a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, nos termos acima melhor expostos; (iii) O reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 59.601,99, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT; (iv) Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.”

30.  Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que o Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal e incidentes sobre rendimentos distribuídos no ano de 2020, 2021, 2022 e 2023, cifrando-se em 59.601,99 €, por via da declaração de ilegalidade e anulação do ato que indeferiu o pedido de revisão oficiosa oportuna e previamente apresentado.

31.  Como visto, a pretensão de anulação daqueles actos de retenção na fonte de IRC tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT. 

32.  Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (Cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).

33.  Nessa medida, o pedido formulado pelo Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

34.  Há, assim, que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do citado art.º 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e ainda por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 12 de Março.

35.  Deste modo, considera-se o tribunal competente em razão da matéria com respaldo também em tudo quanto foi supra aduzido.

 

III.D.2.) Da eventual incompetência do tribunal arbitral por inidoneidade do meio processual: 

 

36.  Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é atualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do CAAD, na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um ato de liquidação de imposto - i.e., de um ato de primeiro grau.

37.  Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida inhttps://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num ato de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal ato.

38.  A AT no âmbito da apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado, pronunciou-se sobre a legalidade dos actos de autoliquidação entretanto controvertidos e aqui sindicados, tal como sobejamente se pode intuir da leitura do ponto P) do probatório, sendo que, ainda que assim se não entendesse, a decisão proferida no procedimento de revisão que fosse no sentido de não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a sua apresentação, concretamente pela não verificação de um “erro imputável aos serviços”, não podia deixar de comportar, por si só, a apreciação da legalidade dos actos tributários de retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal e incidentes sobre rendimentos distribuídos no ano de 2020, 2021, 2022 e 2023, respaldando-se tal hermenêutica no entendimento perfilhado na Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, prolatada no processo n.º 167/2022-T, onde expressamente se explicita o entendimento traçado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13, naquele mesmo sentido.

39.  Ainda que a AT não tivesse apreciado a legalidade dos actos de retenção na fonte de IRC aqui sindicados na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, ou seja, caso a decisão proferida no procedimento de revisão fosse, tão-só, no sentido de não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a sua apresentação, concretamente pela não verificação de um erro imputável aos serviços, não podia deixar tal decisão de comportar, por si só, a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação de IVA, com respaldo na Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, prolatada no processo n.º 167/2022-T, onde expressamente se explicita o entendimento traçado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13, naquele mesmo sentido.

40.  Isto dito se conclui no sentido de que na apreciação do pedido de revisão oficiosa, mesmo que a AT se houvesse limitado a analisar os aspetos processuais, ou seja, mesmo que não houvesse também entrado na apreciação da legalidade das autoliquidações ali controvertidas e aqui sindicadas e, nesse sentido, no mérito da questão apresentada, considera este tribunal que a ação arbitral constitui meio processual idóneo de reação, conforme confirmado pelas decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD acima melhor identificadas, não podendo proceder a exceção da incompetência do tribunal por inidoneidade do meio processual usado.

 

III.D.3) Da eventual inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte de IRC, reportados aos anos de 2020 a 2023: 

 

 

41.  Não estando preenchido um dos pressupostos de que depende a admissibilidade de um qualquer pedido gracioso (ou contencioso) – a sua tempestividade (pois, não havendo erro imputável aos serviços, não pode ser aplicado o prazo de 4 anos previsto no n.º 1, 2.ª parte, do artigo 78,º da LGT) –, tal determina a inimpugnabilidade das retenções na fonte contestadas, impedindo relativamente às mesmas o conhecimento do mérito da causa.

42.  O n.º 1 do artigo 78.º da LGT permite a revisão oficiosa com fundamento em qualquer ilegalidade dentro do prazo da reclamação administrativa (1.ª parte daquele n.º 1) e, se o tributo foi pago, no prazo de quatro anos, apenas com fundamento em erro imputável aos serviços (2.ª parte daquele n.º 1).

43.  No caso de atos de retenção na fonte, a lei exige a apresentação de reclamação graciosa necessária previamente à abertura da via contenciosa. 

44.  A questão que se pode trazer à colação é a de saber se a lei se basta com a submissão à apreciação da AT de pedido de revisão oficiosa ao invés de efetiva reclamação administrativa. No acórdão do STA de 12.6.2006, proferido no âmbito do Processo n.º 0402/06, entre outros, foi tirada decisão que equipara, para aquele efeito, o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa no que em concreto tange a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta.

45.  No que respeita à admissibilidade da apresentação, por parte do substituído, de pedido de revisão de ato tributário relativo a retenções na fonte, como alternativa à reclamação graciosa, a Professora Carla Castelo Trindade pronunciou-se nos seguintes termos: “[Q]uestão que se prende com esta é a de saber se onde a lei exige a reclamação graciosa necessária o intérprete se pode bastar com a submissão ao entendimento administrativo através de pedido de revisão oficiosa. Esta temática merece uma análise especial, na medida em que por longos anos, se discutiu na Doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários, quais os efeitos da sua interposição e subsequente indeferimento por, entre outras razões, o pedido de revisão oficiosa ter um prazo de apresentação deveras mais alargado do que a reclamação graciosa ou do que o recurso hierárquico. A questão colocava-se, em especial, quanto a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Faça-se, antes de mais, um enquadramento da questão, tal como ela foi abordada nos tribunais tributários. Ora, o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. (...) É de acompanhar esta jurisprudência corrente do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário — meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado que os restantes — um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária. Com efeito, e no seguimento do que se disse, as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP. E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.” Complementa o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no sentido de que: “[O] contribuinte que não tenha apresentado tempestivamente reclamação graciosa não está impedido de pedir a revisão do ato de retenção, ao abrigo do preceituado no art.º 78.º da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto (…) não se poderia justificar que, nos casos de retenção na fonte, não houvesse possibilidade de revisão oficiosa, no prazo alargado previsto no art.º 78.º, n.º 1, da LGT (…) pois o facto de na retenção se impor aos particulares, que não têm de possuir formação em direito tributário, a prática de atos de natureza tributária, até justificará que lhes seja proporcionada uma proteção mais intensa contra ilegalidades do que a que está prevista para a generalidade dos atos tributários praticados pela administração tributária.” No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0839/11, de 06-02-2013, relativo a pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de IRC por retenções na fonte efetuadas aquando da disponibilização de rendimentos a entidade não residente, ficou consignado: “O facto de não terem sido acionados os referidos mecanismos de efetivar a limitação ou exclusão do imposto [por força do acionamento de uma convenção para evitar a dupla tributação], nem terem sido impugnados (administrativa ou judicialmente) as respetivas liquidações nos termos e prazos previstos na lei (art.º 132.º do CPPT), não obsta à posterior dedução de pedido de revisão oficiosa dessas liquidações nos termos e prazos previstos no art.º 78.º da LGT, pois que o dever de a Administração Tributária efetuar a revisão existe em relação a todos os tributos e formas de liquidação.” Mais recentemente, no Acórdão de 11-09-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR, o STA decidiu: “Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T.. Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, sem natureza retroactiva). Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.” O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/2018, de 11-05-2018, decidiu pela “não inconstitucionalidade da norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”.

46.  Deste modo, a doutrina e jurisprudência nacionais reconhecem que a via administrativa prevista no artigo 132.º do CPPT pode ser suprida pela apresentação de pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação por retenção na fonte, interpretação que melhor se coaduna com os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

47.  E, nessa conformidade, o Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 15.07.2024, ou seja, em prazo inferior aos quatro anos após o pagamento das retenções na fonte de IRC impugnadas, concretizado, para as retenções de 2020 em 15.07.2020 e em 16.12.2020; para as retenções de 2021, em 06.05.2021; para as retenções na fonte de 2022, em 18.05.2022; e finalmente para as retenções na fonte de 2023, em 17.05.2023, pelo que a revisão não era admissível ao abrigo da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT.

48.  Assim sendo, a revisão oficiosa dos actos de retenção na fonte de IRC de 2020 a 2023, apenas seria admissível do ponto de vista do cumprimento das regras da tempestividade ao abrigo da sua 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços.

49.  Relativamente à apreciação da questão da verificação (ou não) de “erro imputável aos serviços a que se refere o n.º 1 do art.º 78.º da LGT, importa referir que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem uniformemente entendendo o conceito de “erro imputável aos serviços” de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração Tributária. Vejamos,

50.  O acórdão do STA de 13.01.2021, tirado no Processo n.º 0129/18.9BEAVR (e bem assim como o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27 de Outubro de 2021, tirado no Processo n.º 00175/21.5BECBR) pronuncia-se no sentido de que, sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do acto tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vicio que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão

51.  No sentido de melhor se dilucidar esta questão, adequado se mostra empreender a transcrição do seguinte trecho daquela decisão jurisprudencial do STA: “[A] impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. [sublinhado nosso]. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).”

52.  Volvendo agora para a delimitação do conceito de “erro imputável aos serviços”, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), diga-se que ele tem sido objeto de interpretação jurisprudencial consolidada, no sentido de que abrange não apenas erros materiais, mas também erros de facto e de direito, desde que não resultem de conduta negligente do contribuinte. Tal entendimento tem sido reiteradamente afirmado pelos tribunais superiores, que consideram que a imputabilidade aos serviços não exige demonstração da culpa dos funcionários envolvidos, bastando que o erro decorra de pressupostos jurídicos ou factuais incorretos da própria Administração Tributária. Neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul tirado no Processo n.º 09791/16, de 24/11/2016 que esclarece: “[N]o entanto, a revisão do acto tributário ao abrigo do regime previsto no citado artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., deve ter por fundamento erro imputável aos serviços da A. Fiscal, vector que é posto em causa na presente apelação, levando em consideração o regime das liquidações oficiosas objecto do processo e constante do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., conforme mencionado supra. Embora o conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o preceito não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial (cfr. ac. S.T.A.-2ª. Secção, 14/3/2012, rec. 1007/11; ac. S.T.A.-2ª. Secção, 4/5/2016, rec. 407/15; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos do IDEFF, nº.19, Almedina, 2015, pág. 232 e seg.)” O Supremo Tribunal Administrativo tem igualmente afirmado que: “[E]mbora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão-só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro — Cfr. a jurisprudência consolidada no STA e que se encontra plasmada, entre outros, nos Acórdãos de 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26.231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11.” 

53.  No que respeita especificamente aos atos de retenção na fonte praticados por substituto tributário, o Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022, considerou que tais erros podem ser imputáveis à Administração Tributária, mesmo quando esta não intervém diretamente na liquidação. O tribunal afirmou: “[A]ssim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal. Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág. 202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita. Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo. Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos. É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art.º 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial”. Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, II vol., 6ª edição, pág. 422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.” E ainda a Decisão Arbitral proferida em 23-05-2024, no processo n.º 940/2023-T, e que corrobora esta orientação jurisprudencial, reconhecendo que a ausência de intervenção direta da AT na liquidação por retenção na fonte não impede que os erros praticados pelo substituto tributário sejam juridicamente imputáveis à Administração. 

54.  Assim, para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, tais erros podem fundamentar pedidos de revisão oficiosa, desde que respeitado o prazo legal de quatro anos após a liquidação.

55.  Ainda sobre a questão do erro imputável aos serviços, é entendimento da doutrina e jurisprudência que a sua conceituação compreende qualquer ilegalidade, consubstanciada num erro de direito ou erro material, que seja imputável à conduta da Autoridade Tributária. 

56.  Neste sentido adequado se mostra trazer aqui à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,  de 14 de Março de 2012, tirado no Processo n.º 01007/11 e que a propósito do denominado “erro imputável aos serviços” diz a dado passo (estando perante jurisprudência uniforme e reiteradamente afirmada) o seguinte: “[...] o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro.”

57.  Estando nós aqui no domínio das retenções na fonte e não havendo previsão normativa que o prescreva ou presuma e mesmo não sendo fácil endereçar a imputabilidade do erro de direito que enfermasse a liquidação das correspondentes retenções à Autoridade Tributária, uma vez que estamos perante a invocada violação de normativo comunitário, concretamente o art.º 63.º do TFUE, na medida em que, no essencial, se aduz com a violação da proibição das restrições à liberdade de circulação de capitais, adequado se mostra trazer à discussão a decisão arbitral de 21.3.2022, tirada no processo n.º 133/2021-T e que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMjA0MjExMzU0NDQwLlAxMzNfMjAyMS1UIC0gMjAyMi0wMy0yMSAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3Donde se aduz, a este propósito, como segue: “[A] ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços» [nota de rodapé 2 - Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT. De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.], devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto [nota de rodapé 3 - CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum modo, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação». ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional»].”

58.  Assim sendo e atento o petitório do Requerente que elegeu como pedido principal a declaração de ilegalidade dos actos de retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, com respaldo na jurisprudência acima citada, respeitado o prazo de quatro anos, mostra-se absolutamente indiferente o teor (formal ou material) da decisão que haja recaído sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado. 

59.  Sendo pedida pronúncia sobre a (i)legalidade de actos de retenção na fonte de IRC, estamos no domínio típico da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, igualmente no domínio da ação arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade de actos de retenção na fonte, não devendo olvidar-se que a ação arbitral foi conformada pelo legislador como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como ressalta dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e do artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3‐B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que consagrou uma autorização legislativa ao Governo para a introdução da arbitragem tributária. 

60.  Na senda do entendimento firmado pelo STA no âmbito do acórdão de 13.01.2021, tirado no Processo n.º 0129/18.9BEAVR, com a apresentação do pedido de revisão oficiosa, a AT passou a ter conhecimento da alegada ilegalidade de que enfermavam os actos tributários de retenção na fonte de IRC aqui sindicados, tendo tomado posição quanto aos mesmos ao indeferir as pretensões anulatórias do Requerente e, mesmo que se fundasse, tal indeferimento, tão-só, em razões formais e tendo aquela decidido indeferir as aludidas pretensões anulatórias do Requerente, tal erro de que alegadamente enfermavam as retenções na fonte de IRC de 2020 a 2023, tornou-se-lhe imputável.

61.  E tendo a incorreta aplicação da lei decorrido de um “erro imputável aos serviços”, os actos de retenção na fonte de IRC de 2020 a 2023 aqui em causa são actos suscetíveis de serem anulados por este Tribunal, estando em tempo o Requerente para o fazer nos termos e em conformidade com o disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, donde, não podia deixar de improceder a exceção da inimpugnabilidade dos actos de retenção na fonte sindicados, ou seja, tal circunstancialismo, não impede ou compromete, entende este Tribunal,  a apreciação do objeto mediato da presente ação, identificado no petitório pelo Requerente, i.e., não impede a apreciação da (i)legalidade dos actos de retenção na fonte de IRC, respeitantes aos anos de 2020 a 2023. 

 

III.D.4) Da (In)tempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral:     

 

62.  Quanto à tempestividade da interposição do PPA, a ação é tempestiva se apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). 

  1. Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; ou, alternativamente, pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1, alínea a) do art.º 10.º do RJAT, no prazo de 90 dias, “(...) contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
  2. Concluindo-se, assim, no sentido de que o PPA era manifestamente tempestivo, porquanto, o prazo para apresentação do mesmo deve contar-se do conhecimento do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o que ocorreu em 02.12.2024, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, por remissão para a alínea d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, pelo que, o mesmo se revela efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 03.12.2024 e o seu dies ad quem ocorreria em 03.03.2025, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado nesse dia 03.03.2025, às 10:38 horas e aceite na plataforma do CAAD em 05.03.2025, pelas 13:36 horas, deve considerar-se tempestivamente interposto o PPA. 
  1. Nessa conformidade, o Tribunal decide-se pela não procedência da exceção peremptória da caducidade do direito de ação, desde logo, porquanto, o Pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado à AT em tempo e em face estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT e foi igualmente apresentado em tempo o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem aos presentes autos, pelo que, assim sendo e a este propósito, nada obsta a que o Tribunal Singular se pronuncie sobre o mérito da questão que lhe foi submetida para julgamento.

 

II.D.5) Da (I)legitimidade do Requerente para estar na presente lide como autor:  

 

  1. Ainda no que tange à matéria da verificação (ou não) dos pressupostos processuais, adequado se mostra ainda discorrer sobre a (i)legitimidade do Requerente para estar na presente lide. Vejamos,
  2. Intui-se do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT (aplicáveis ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) que “(...) têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” Por outro lado, diz-nos o n.º 4 do mesmo normativo que “[T]êm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério público e o representante da fazenda Pública.” 
  3. Prosseguindo na enunciação do quadro normativo que estritamente conforma o pressuposto processual da legitimidade ativa, adequado se mostra ainda trazer aqui à colação o disposto no art.º 30.º do CPC (também aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) que estatui como segue: “[1] - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
  4. Sobre a temática da legitimidade ativa na jurisprudência dos tribunais podem ver-se as seguintes decisões, apud, decisão arbitral proferida no Processo n.º 278/2017-T que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=30&id=3133 e onde se trazem à colação os seguintes arrestos: i) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 05/05/1999, no processo n.º 023105 e cujo sumário diz: “I – A legitimidade dos contribuintes para impugnarem atos tributários está dependente da existência de um interesse direto, pessoal e legítimo na anulação dos atos impugnados (…). II – O interesse relevante para tal efeito será o benefício que a anulação do ato, complementada pela subsequente execução do julgado, traz ao recorrente. (…) IV – (…) deverá entender-se só poderão ser relevantes para aquele efeito os erros desfavoráveis aos contribuintes.”ii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 15/10/2010, no processo n.º 00049/10.5BECBR e cujo sumário refere: “I. A legitimidade é o pressuposto processual pelo qual a lei seleciona os sujeitos de cada lide judicial, e o interesse em agir o pressuposto pelo qual a parte, legítima, justifica a carência da tutela judiciária; II. A legitimidade terá a ver com o interesse substantivo, que decorre da posição da parte relativamente à relação jurídica litigada, enquanto o interesse em agir terá a ver com um interesse adjetivo, que decorre da situação, objetivamente existente, de necessidade de proteção judicial daquele interesse substantivo;”iii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22/01/2015, no processo n.º 08203/14 e cujo sumário refere: “(...) 2. A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é o pressuposto processual que, traduzindo uma correta ligação entre as partes e o objeto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade direta), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr. art.º 30.º, n.º 3, do C.P.Civil, "ex vi" do art.º 2.º, al. e), do C.P.P.Tributário; art.º 9.º do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai diretamente produzir a sua eficácia. Da análise do art.º 30.º, n.º 3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objeto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura. 3. Se qualquer das partes carecer de legitimidade, o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr. arts. 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), todos do C.P. Civil, aplicáveis “ex vi” do art.º 2.º, al. e), do C.P.P. Tributário), sendo tal exceção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. art.º 578.º do C.P. Civil). 4. A legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma.”
  5. Mesmo que o OIC, sem personalidade jurídica, seja considerado sujeito passivo de um qualquer imposto como seja, v.g., in casu, o IRC, isso não implica que tenha personalidade jurídica para atuar sozinho em juízo, como também assim na jurisdição arbitral. 
  6. A legitimidade ativa na jurisdição arbitral do CAAD está condicionada não apenas à qualidade de sujeito passivo tributário, mas também à capacidade de ser parte processual. 
  7. Ora, conforme resulta do artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos (Decreto-Lei n.º 27/2023), os fundos de investimento (forma contratual) não têm personalidade jurídica, logo não têm capacidade judiciária autónoma. Consequentemente, a sociedade gestora deve figurar como parte demandante no processo arbitral, atuando por conta e representação do fundo. Caso contrário, pode colocar-se a questão da ilegitimidade ativa.
  8. A prática arbitral do CAAD tem vindo a reconhecer que, em nome de fundos sem personalidade jurídica, é a sociedade gestora quem deve interpor os pedidos. Há vários acórdãos onde isso é afirmado (ao menos implicitamente), nomeadamente em matéria de IMI, IRC, ou retenção na fonte, e a jurisprudência tende a: i) Não reconhecer personalidade judiciária ao fundo; ii) Exigir que a sociedade gestora seja claramente identificada como parte ativa, mesmo que o fundo seja o sujeito passivo tributário. 
  9. A questão que desde já se pode trazer à colação é a de saber se a irregularidade da ilegitimidade ou falta de representação adequada (por exemplo, quando um fundo sem personalidade jurídica intenta ação sem intervenção da sociedade gestora) pode ser suprida ao abrigo do artigo 590.º do CPC, aqui aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT? 
  10. A ilegitimidade substantiva (ativa ou passiva),  ou seja, quando a parte não é titular da relação jurídica controvertida  não é suprível. Leva normalmente à absolvição da instância (art.º 278.º, n.º 1, al. e), e 576.º, n.º 2 do CPC).
  11. Contudo, podem ser supríveis situações formais, como sejam: i) O autor atua em nome próprio quando devia atuar como representante de outrem; ii) A designação da parte está errada mas é possível corrigi-la; iii) A representação está insuficientemente documentada.
  12. In casu, o Requerente é um fundo sem personalidade jurídica que interpôs ação arbitral em nome próprio, sem mencionar a sociedade gestora. Sendo evidente que o erro é formal (ou seja, foi só omissa a menção à entidade gestora), pode haver possibilidade de suprimento dessa irregularidade desde que o Tribunal permita que este seja feito em prazo útil; já, por outro lado, se for uma ilegitimidade substantiva (a sociedade gestora não reconhece a ação), o tribunal deve julgar extinta a instância por ilegitimidade insuprível sem conhecer do mérito.
  13. Verifica-se que quer o pedido de revisão oficiosa, quer o pedido de pronúncia arbitral (PPA), foram apresentados em nome do Organismo de Investimento Coletivo (OIC), sem referência expressa à respetiva sociedade gestora. Todavia, resulta dos autos que, em ambos os casos, os pedidos foram subscritos por mandatários devidamente constituídos através de procuração outorgada pela entidade gestora do fundo, a qual, nos termos do artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, detém a representação legal do fundo e atua por sua conta e em seu nome. 
  14. Assim, é inequívoco que a vontade jurídica atuante foi sempre a da sociedade gestora, e não de uma entidade desprovida de personalidade jurídica ou capacidade judiciária.
  15. Nestas circunstâncias, o vício em causa consubstancia uma mera irregularidade formal relativa à designação da parte, e não uma situação de ilegitimidade substantiva. 
  16. Com efeito, a ilegitimidade substantiva - que ocorre quando a parte não é titular da relação jurídica material controvertida - é, em regra, insanável e conduz à absolvição da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do CPC). 
  17. Já os vícios formais, que não afetam a titularidade da relação material nem a vontade efetiva do sujeito legitimado, são suscetíveis de correção, em conformidade com o princípio da prevalência da substância sobre a forma e com o princípio do aproveitamento dos atos processuais.
  18. Nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), são aplicáveis, a título subsidiário, as disposições do Código de Processo Civil (CPC) em tudo o que não contrarie a natureza do processo arbitral tributário. O artigo 146.º, n.º 2, do CPC, expressamente prevê que “deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não se deva a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”. Este preceito, orientado por razões de economia processual e pela ideia de que o formalismo não deve prevalecer sobre a justiça material, tem sido aplicado pela jurisprudência arbitral e judicial para sanar lapsos de designação ou representação que não afetem a validade substancial do ato.
  19. Ora, no caso em apreço, não existe qualquer elemento que permita imputar a omissão da menção à sociedade gestora a dolo ou culpa grave, nem se vislumbra qualquer prejuízo para o regular andamento do processo. Acresce que, durante a tramitação administrativa, a Autoridade Tributária e Aduaneira apreciou e decidiu o pedido de revisão oficiosa, o que demonstra que reconheceu a atuação da sociedade gestora e aceitou implicitamente a validade formal do pedido apresentado. 
  20. Estas circunstâncias confirmam que a irregularidade é de natureza puramente formal e não afeta a legitimidade substancial da entidade, que, de facto, sempre representou o fundo.

86.  A questão que importa agora trazer à colação consiste em aferir se a eventual impossibilidade de suprimento da irregularidade verificada em fase antecedente, designadamente aquando da apresentação do pedido de revisão oficiosa, é suscetível de afetar a regularidade e validade do presente pedido de pronúncia arbitral?

87.  A eventual irregularidade que possa ter ocorrido na fase administrativa, designadamente a apresentação do pedido de revisão oficiosa em nome do fundo sem menção expressa à sociedade gestora, não tem, por si só, como consequência automática a invalidade do pedido de pronúncia arbitral, desde que se demonstre que, em substância, o ato administrativo foi promovido por quem detinha legitimidade material para o efeito - isto é, pela sociedade gestora - e que a Autoridade Tributária e Aduaneira conheceu e decidiu o pedido, o que, tal como resulta do ponto P) do probatório, efetivamente ocorreu .

88.  Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estabelece como condição de admissibilidade da ação arbitral a prévia abertura da via administrativa, com a apresentação de qualquer uma das reclamações previstas nonos artigos 131.º a 133.º do CPPT ou até mesmo a apresentação de um pedido de revisão oficiosa, mas não impõe a verificação de uma formal perfeição absoluta do respetivo pedido. O que a lei exige é que tenha havido uma efetiva provocação da administração tributária para reapreciar o ato de liquidação, o que ocorreu no caso concreto. E tendo o pedido sido instruído com procuração outorgada pela sociedade gestora do fundo, e tendo a Autoridade Tributária apreciado o seu mérito sem suscitar qualquer objeção quanto à legitimidade do Requerente, deve considerar-se que o requisito previsto no referido artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março se encontra materialmente cumprido.

89.  De outro modo, estaria a atribuir-se a uma falha meramente formal - a omissão da menção expressa à gestora - um efeito desproporcionado, conduzindo à inadmissibilidade do processo arbitral, quando a vontade e a atuação da entidade legitimada sempre estiveram presentes. Tal solução violaria o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, bem como o princípio da prevalência da substância sobre a forma, que inspira o artigo 146.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

90.  Assim, a circunstância de o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado formalmente em nome do fundo, sem referência à sociedade gestora, mas subscrito por mandatários constituídos por procuração emitida por essa mesma entidade gestora, não interfere com a regularidade nem com a admissibilidade do PPA. O vício ocorrido na fase prévia foi, desde logo, suprido pela atuação da sociedade gestora, e, em qualquer caso, a Administração Tributária aceitou e apreciou o pedido, o que equivale a uma convalidação tácita do ato administrativo inicial. 

91.  Consequentemente, o processo arbitral deve prosseguir, considerando-se sanada a irregularidade.

  1. Em face do exposto, entende-se que o pedido de retificação apresentado pelo Requerente deve ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, considerando-se sanada a irregularidade detetada. Consequentemente, o processo deve prosseguir com a designação corrigida, constando que o fundo é representado pela respetiva sociedade gestora.

III.D.6) Demais pressupostos processuais:

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 
  2. O processo não enferma de nulidades. 

 

III.D.7) Apreciação do mérito:

 

III.D.7.1) Da tributação agravada dos oic´s não residentes quando comparada com a que recai sobre os oic´s residentes em território nacional:

 

 

95.  O art.º 22º do EBF dispõe: “[1] - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro). 5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).”

96.  O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, não obstante o n.º 1 daquele normativo sujeitar a tributação em IRC os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos do disposto no n.º 3 e  para efeitos do apuramento do lucro tributável daqueles sujeitos, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. 

97.  Acresce que aqueles mesmos sujeitos estão isentos de derrama estadual e municipal em conformidade com o disposto no n.º 6 do art.º 22º do EBF.

98.  Resulta meridianamente claro que dos n.ºs 1 e 3 do art.º 22.º do EBF e do n.º 4 do art.º 87.º e da alínea c) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 4, todos, do art.º 94.º do CIRC (normas sobre taxa aplicável aos rendimentos aqui em causa e sobre retenções na fonte em sede de IRC relativamente a rendimentos obtidos em território português), resulta que os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto (e, diga-se como afirmação de princípio, menos favorável), pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes estão sujeitos a IRC mediante retenção na fonte, já que, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 10 do aludido art.º 22º do EBF, não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 daquele mesmo art.º 22.º do EBF, ou seja, os OIC´s constituídos e a operarem segundo a lei nacional.

99.  Em face do vindo de aduzir se constata que a legislação nacional concede aos OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem segundo a legislação portuguesa, a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receberem dividendos totalmente desonerados de imposto (os rendimentos de dividendos não concorrem para a formação do Lucro Tributável), bem ao invés do que se passa com os OIC´s não residentes (constituídos e a operaram segundo legislação de outro Estado da U.E.) que relativamente à percepção daquele mesmo rendimento o vêm onerado com retenção na fonte a título definitivo de 25% (que no caso do Requerente não consegue recuperar nem na Alemanha nem mesmo em Portugal).   

 

III.D.7.2) Da violação da proibição das restrições à liberdade de circulação de capitais decorrente do art.º 63.º do TFUE; Da ilegalidade que está a enfermar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e da ilegalidade que está a viciar as retenções na fonte sindicadas:

 

100.                A criação do Mercado Interno foi historicamente um dos fundamentos basilares da construção europeia.

101.                Com efeito, o Tratado de Roma já previa o estabelecimento de um «mercado comum» que assentava na livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais. 

102.                O TFUE fornece um conjunto de regras para o comércio e relações económicas entre os Estados-membros da U.E., visando a criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária (Cfr. art.º 2º do Tratado de Roma).

103.                Aquelas quatro liberdades foram reforçadas e em certa medida condicionadas com o decorrer do tempo e as sucessivas revisões dos tratados e da legislação europeia. 

104.                O Tratado de Lisboa manteve a ligação destas liberdades com o Mercado Interno ao defini-lo como "Um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados” (Cfr. art.º 26° TFUE).

105.                O art.º 18.º do TFUE prevê uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade.

106.                O TFUE, no seu artigo 63°, proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais (investimento), bem como todas as restrições aos pagamentos (pagamento de uma mercadoria ou de um serviço) entre Estados-Membros e entre Estados-membros e países terceiros. 

107.                Algumas limitações são no entanto aceites, nomeadamente, medidas nacionais para impedir infracções à sua própria legislação (por exemplo em matéria fiscal) ou justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. 

108.                Da mesma forma, os Estados-Membros também podem exigir a declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística. Todas estas medidas não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

109.                A distribuição de dividendos é passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção do art.º 63.º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988. A distribuição de dividendos efectuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes é, assim, passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção dos normativos acima enunciados

110.                Na medida em que ela se revela importante para a dilucidação da questão sub judice, invoca-se e transcreve-se aqui o ponto 36 da decisão arbitral tirada no Processo n.º 528/2019-T, disponível inhttps://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDA0MTMxNjQzMDMwLlA1MjhfMjAxOS1UIC0gMjAyMC0xMi0yNyAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3De onde a dado passo se aduz: “[E]xistem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. Tal como está na nota de rodapé n.º 7, a fls. 17 da aludida decisão arbitral: “Estes pontos são sublinhados pela Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, em litígio sobre matéria de facto e argumentação das Requerente e Requerida muito semelhantes aos constantes do presente processo, com reflexos na presente decisão.” 

111.                Esta matéria do tratamento discriminatório de não residentes em sede de tributação do rendimento já foi bastas vezes tratada pelo TJUE. 

112.                A este respeito, explicitam-se aqui as seguintes decisões do TJUE([1]): i) Acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2007, Processo C-379/05 – caso Amurta, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=72277&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=940587 ; ii) Acórdão do TJUE de 3 de Junho de 2010, Processo C-487/08 disponível in  http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf;jsessionid=9EFFDBDC9CA4CD5186C1385433921C12?docid=81084&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=DOC&pageIndex=0&cid=13503116 ; iii)Acórdão do TJUE de 10 de Maio de 2012, Processos C-338/11 e C-347/11, Caso Fidelity Funds, disponível inhttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203226&doclang=PT ; e iv)  Acórdão do TJUE de 21 de Junho de 2018, Processo C-480/16, Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A., disponível inhttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=122645&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=947849 , sendo que, relativamente a este último, vamos aqui reproduzir o seu segmento decisório que diz: Os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a tributação, através de uma retenção na fonte, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes noutro Estado, ao passo que tais dividendos são isentos do imposto a cargo dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes no primeiro Estado.”

113.                Para além daquelas, adequado se mostrando agora trazer à colação o acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=150785&doclang=PT que a dado passo diz: “36. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo da qual os dividendos pagos por sociedades estabelecidas nesse Estado‑Membro a um fundo de investimento situado num país terceiro não podem beneficiar de isenção fiscal[2]. 37. Em particular, nos termos da Lei do imposto sobre as sociedades, na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, ou seja, nos anos de 2005 e 2006 e até janeiro de 2011, os dividendos distribuídos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num país terceiro eram tributados, em princípio, à taxa de 19%, através de retenção na fonte, salvo se uma taxa diferente fosse aplicável por força de uma convenção preventiva da dupla tributação, ao passo que esses dividendos estavam isentos quando eram pagos a um fundo de investimento residente, desde que este último também cumprisse os requisitos estabelecidos pela Lei sobre os fundos de investimento. 38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, n.° 14 e jurisprudência referida). 39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C‑101/05, Colet., p. I‑11531, n.° 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08, Colet., p. I‑305, n.° 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15). 40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento. 41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. 42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado‑Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 17). 43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.”

114.                Da transcrição operada se infere que um quadro normativo interno que imponha a retenção de 25% incidente sobre dividendos distribuídos a OIC’s não residentes (por detenção de participações sociais em sociedades residentes no Estado fonte) e a correspectiva isenção aplicável aos OIC´s residentes que se hajam constituído e se encontrem a operar nesse mesmo estado fonte, fundando-se tal tratamento diferenciado, tão-somente, em função do lugar de residência dos OIC´s beneficiários, ou seja, na expressiva letra do arresto do TJUE, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos”, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação, não pode deixar de conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.

115.                Não devendo olvidar-se que está prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE, a admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros.

116.                Quanto à questão da comparabilidade para efeitos de análise do carácter discriminatório do regime fiscal interno de tributação dos OIC´s residentes e não residentes adequado se mostra trazer aqui à colação tudo quanto a tal propósito foi dilucidado na decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificada e onde nos pontos 47 e seguintes da sua fundamentação se diz:  47. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Quer dizer, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais[3]. Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável[4]. 48. No caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT[5], permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos. 49. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis. 50. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores[6]. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente[7]. 51. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados-Membros da União Europeia e de Estados terceiros. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente. 52. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indireto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais. 53. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes - e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF[8]. 54. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação[9]. 55. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management[10], quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento. O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores[11]. 56. Como se pôs em relevo acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem nas empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas. Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação[12].”

117.                Com a devida vénia, este Tribunal Arbitral Singular vai aqui acompanhar sem reservas tudo quanto a propósito da comparabilidade das situações acima se transcreveu, concluindo no sentido de que o OIC não residente (que é aqui Requerente) está efectivamente numa situação de comparabilidade com qualquer um OIC residente ainda que este último se encontre submetido em Portugal a outros efeitos impositivos tais como o respeitante à verba 29.2 da tabela Geral do Imposto do Selo ou até a tributação autónoma de IRC prevista no n.º 11 do art.º 88º do CIRC.  

118.                É certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta e tal como visto no ponto dedicado à explicitação da posição por aquela defendido, sustenta que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS); tal como é ainda compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.

119.                Adequado se mostrando, a este propósito, trazer ainda à colação o que é dito na decisão tirada no processo arbitral n.º 11/2020-T que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMTAxMTMyMzUzMzcwLlAxMV8yMDIwLVQgLSAyMDIwLTExLTA2IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRme onde se aduz: “[N]o que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional” (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes. Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre. É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%([13]), 300 vezes superior([14]).” Prossegue ainda o ilustre colectivo que prolatou o Acórdão arbitral tirado no processo arbitral n.º 11/2020-T, como segue: “[P]or outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes. Por outro lado, esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos OIC´s residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do n.º 6 do artigo 22.º do EBF.”

120.                Acompanhando a decisão arbitral tirada no processo 11/2020-T e louvado nela, o Tribunal Arbitral Singular entende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC que se hajam constituído e operem segundo a legislação nacional, não é compensada pela tributação trimestral daqueles em Imposto do Selo; tal como também não é compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes a aludida tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC. Com a agravante de que e para além da redução de taxa a que acima nos reportávamos por aplicação da CDT outorgada com a Alemanha, de 25% para 15% (que, aliás, parece não poder, sequer, ser aproveitada pelo aqui Requerente), cumprindo-se os requisitos formais impostos para que tal redução possa operar, a legislação nacional não prever qualquer outro mecanismo que possa atenuar ou eliminar a carga fiscal acrescida a que estão sujeitos os rendimentos auferidos por OIC´s não residentes. 

121.                Finalmente quanto à justificação da diferenciação mister é repristinar aqui o que a tal respeito diz a decisão arbitral prolatada no Processo n.º 528/2019-T acima melhor identificada e onde nos pontos 57 e seguintes da sua fundamentação se diz: 57. No âmbito das liberdades fundamentais do mercado interno assume a maior importância a problemática dos chamados limites dos limites. Cumpre, assim, indagar sobre se a diferenciação entre fundos residentes e não residentes, nos termos do artigo 22.º do EBF na redação relevante à data dos factos, pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras. A própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.º3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º([15])”. 58. No entender do presente colégio arbitral, dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação. Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente. Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença[16], adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão[17]. 59. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica[18]. A existência de alternativas menos restritivas de relativamente fácil concretização legislativa constitui evidência de que se está, no caso, perante uma diferenciação desproporcional e, portanto, ilegítima[19] . Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios[20]. Nas suas palavras, se os Estados-Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União[21]. 60. Acresce que, e este é um terceiro aspeto relevante em sede do artigo 65.º n.º1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial. 61. A aplicação trimestral do Imposto de Selo a fundos em diferentes condições (v.g. fundos com valorização súbita de ativos, seguida de alienação e distribuição de dividendos; fundos com perfil conservador de investimento e valor da carteira de investimentos relativamente constante), estando dependente da eventual capitalização dos rendimentos provenientes dos dividendos, pode gerar, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários fundos de investimento residentes e entre estes e os não residentes, com impacto evidente nos respetivos fundos de caixa. Esta realidade é tanto mais significativa quanto é certo que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a apreciação da existência de um eventual tratamento desvantajoso dos dividendos pagos a não residentes deve ser efetuada em relação a cada ano fiscal individualmente considerado[22]. 62. Por outro lado, a aplicação da taxa de tributação autónoma de 23% prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC – por força do artigo 22.º do EBF – está dependente do facto eventual da não permanência, de modo ininterrupto, das partes sociais a que correspondem os lucros na titularidade dos sujeitos passivos aí previstos durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e da sua não manutenção durante o tempo necessário para completar esse período, situações de ocorrência eventual e incerta. Ora, as disparidades de tratamento fiscal assim geradas não asseguram necessariamente a neutralização da desvantagem fiscal em que ficaram colocados os fundos não residentes, sujeitos a uma retenção de imposto suscetível de os dissuadir de investirem em Portugal e de dissuadir os residentes em Portugal de investirem em fundos de investimento de outros Estados-Membros[23]. 63. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do poder de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado-Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos[24]. Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública[25]. 64. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. Como efeito, se é certo que um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM, também o é que o TJUE já sustentou, num caso envolvendo o nosso país, a inadmissibilidade de uma regulamentação nacional que impeça de forma absoluta um determinado fundo de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção, nomeadamente fornecendo os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais nacionais verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional[26]. 65. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva[27]. É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa[28], ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites – da maior importância à luz da garantia de uniformidade de interpretação e aplicação do direito da União Europeia – torna inviável essa missão probatória no caso concreto. 66. O presente Tribunal Arbitral aceita como boa a noção, várias vezes sustentada pelo TJUE, de que o reconhecimento de uma ampla margem de conformação dos Estados-Membros em sede de regulação dos capitais tornaria a respetiva liberdade de circulação ilusória[29]. Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais. Esta é uma barreira significativa de difícil superação por parte do Estado português[30].(...).”

122.                Tudo ponderado sempre se dirá que à questão sub judicio não pode deixar de se aplicar a jurisprudência que vem emanando do TJUE acima sobejamente enunciadas[31], na medida em que, levando-se na devida conta o acima explicitado tratamento mais vantajoso decorrente da aplicação do art.º 22.º do EBF aos OIC´s residentes versus da aplicação do regime geral do IRC aos OIC´s não residentes, o tratamento privilegiado decorrente da aplicabilidade do art.º 22.º do EBF não pode ser utilizado pelo aqui Requerente (na qualidade de OIC não residente) exclusivamente por a sua constituição e funcionamento não ter sido feita segundo a legislação nacional.

123.                Inferindo-se daqui que o art.º 22º do EBF se mostra contrário ao Direito da U.E. se interpretado no sentido de que só os OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem de acordo com a legislação nacional podem beneficiar da não relevância dos rendimentos derivados de dividendos na determinação do lucro tributável, porquanto em manifesta violação do principio da não discriminação em razão da nacionalidade; em violação ainda de garantias associadas ao direito de estabelecimento; e ainda em violação das disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no art.º 63º do TFUE.   

124.                No processo n.º 93/2019-T, foi proferida decisão de reenvio prejudicial para análise de questões prejudiciais por parte do TJUE em tudo semelhantes às que se colocam nos presentes autos

125.                Tal decisão de reenvio correu termos no TJUE sob o processo n.º C-545/19, sendo que e tal como aduzido pelo Requerente, por Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, aquele areópago tomou posição sobre as questões prejudiciais colocadas, tendo, em síntese, declarado: O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.” O texto integral do aludido Acórdão pode ser consultado in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62019CJ0545&from=PT

126.                Sendo que, dada a total similitude entre a questão sub judicio e a tratada no Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, Processo n.º C-545/19 (caso AllianzGI-Fonds AEVN), transcreve-se doravante parte da fundamentação plasmada naquele arresto:   “37.  No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro EstadoMembro não podem beneficiar dessa isenção. 38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes. 39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida). 40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os EstadosMembros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. 41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do EstadoMembro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida]. 42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis 43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes. 44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos). 46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo. 47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha. 48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiuse de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %. 49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelhase à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida). 50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C282/07, EU:C:2008:762, n.° 41). 51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo. 52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida). 53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. 54 Além disso, como salientou a advogadageral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C252/14, EU:C:2016:402). 55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente. 56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes. 57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. 58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num EstadoMembro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro EstadoMembro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias. 59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do EstadoMembro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida). 60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida). 61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos. 62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC. 63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, KölnAktienfonds Deka, C156/17, EU:C:2020:51, n.° 79). 64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um EstadoMembro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida). 65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um EstadoMembro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelhase à das sociedades residentes. 66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro EstadoMembro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida). 67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontramse, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida). 68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 60). 69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este EstadoMembro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontrase numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 61). 70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 62). 71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem. 72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida). 73   Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. 74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral 75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida]. 76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois EstadosMembros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha. 77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes. 78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C641/17, EU:C:2019:960, n.° 87). 79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C190/12, EU:C:2014:249, n.° 93). 80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo. 81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal. 82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um EstadoMembro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C484/19, EU:C:2021:34, n.° 59). 83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um EstadoMembro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida). 84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros também não pode ser acolhida. 85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

127.                Partindo da decisão vinda de transcrever e tendo em conta a similitude da situação fáctica e do direito a aplicar in casu e naqueloutro dissídio, entende este tribunal que à data dos factos a legislação interna aplicável à tributação de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residente implicava uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, na medida em que impunha uma discriminação arbitrária, consubstanciada no tratamento menos favorável aos OIC não residentes, sem que existisse para o efeito um motivo válido e legítimo que justificasse essa diferença de tratamento.

128.                E assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular não pode deixar de acompanhar tal decisão do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido referido.

129.                Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia. 

130.                E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  . 

131.                E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE. 

132.                Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[32], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva. 

133.                Ademais, na sequência da já sobejamente referida decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso AllianzGI-Fonds AEVN, torna-se imperioso destacar o Acórdão n.º 7/2024, de 26 de fevereiro, do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que veio uniformizar jurisprudência sobre a matéria em causa. Este acórdão, proferido no âmbito do Processo n.º 93/19.7BALSB — Pleno da 2.ª Secção, assume particular relevância por consolidar a interpretação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) no contexto da tributação de dividendos distribuídos por sociedades residentes a organismos de investimento coletivo (OIC) não residentes.

134.                O sumário do referido acórdão uniformiza a jurisprudência como segue: “1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação; 2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção; 3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.» 

135.                Acolhendo, portanto, de forma expressa e inequívoca, a orientação firmada pelo TJUE na decisão proferida em 17 de março de 2022, no processo C-545/19 (caso AllianzGI-Fonds AEVN), o STA afasta qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto à consagração jurisprudencial dessa interpretação no ordenamento jurídico português. 

136.                Esta adesão clara à jurisprudência europeia não pode deixar de ter também implicações diretas e incontornáveis na apreciação do mérito da presente causa, influenciando decisivamente o juízo que este Tribunal não pode deixar de formular. 

137.                A incompatibilidade entre o regime nacional e o artigo 63.º do TFUE, tal como interpretado pelo TJUE e agora reafirmado pelo STA, impõe-se como elemento determinante na decisão a proferir.

138.                Concluindo-se com meridiana clareza no sentido de que é ilegal o n.º 1 e n.º 3 do art.º 22.º do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas e a operarem de acordo com a legislação nacional, com exclusão, não justificada, das sociedades constituídas segundo legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, retirando-se daqui que as retenções na fonte controvertidas e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, julgando-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de retenções na fonte de IRC, reportadas aos exercícios de 2020, 2021, 2022 e 2023, com a consequente restituição do imposto indevidamente pago.

 

III.D.7.3) Do Reembolso das quantias pagas e do pagamento de Juros Indemnizatórios:     

 

139.                No petitório que o Requerente apresentou a este Tribunal (concretamente explicitado, quanto aos juros indemnizatórios, também no art.º 66.º do PPA) solicita o reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

140.                Sendo efectuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do n. 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que “em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento”.

141.                Acrescendo dizer que se a retenção empreendida e entregue nos cofres do Estado não devia ter sido efectuada, porque ilegal, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido e deve ser restituído.

142.                In casu, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da ilegalidade também de que enferma a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

143.                Já no que tange aos juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

144.                Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

145.                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que dispõe: “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

146.                Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

147.                O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

148.                A ilegalidade da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa é imputável à Administração Tributária, que o indeferiu por sua iniciativa.

149.                No entanto, os erros que afectam as retenções na fonte podendo, à data da sua concretização, não ser imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas, não podem legitimar o direito a juros indemnizatórios em resultado da sua concretização, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.

150.                No entanto, o mesmo não sucede com a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado, pois, como visto, deveria ter sido deferida a pretensão do Requerente, sendo que, tal erro, não pode deixar de ser imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

151.                Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade das retenções na fonte aqui em equação, quando devia repô-la, deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido. 

152.                Ademais, o direito dos contribuintes ao reembolso de tributos indevidamente pagos, bem como à perceção de juros indemnizatórios, quando tais pagamentos resultam da aplicação de normas fiscais em desconformidade com o direito da União Europeia, decorre primacialmente desse mesmo ordenamento jurídico supranacional. 

153.                O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem reiteradamente afirmado este princípio, nomeadamente, no caso Mariana Irimie, decidido em 18 de abril de 2013, no processo C-565/11, onde se sublinhou que “o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União”. Esta afirmação vincula os Estados-Membros, dispensando qualquer indagação sobre a existência ou não de tal direito nas disposições de direito interno. 

154.                A resposta à questão da restituição e dos juros é, pois, uma resposta que emana do próprio direito da União Europeia.

155.                De acordo com a jurisprudência do TJUE, e também no âmbito do referido processo Mariana Irimie“quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto” (Cfr. parágrafo 20 do acórdão do TJUE de 18 de Abril de 2013, caso Mariana Irimie, Processo C-565/11). 

156.                O TJUE sublinha ainda que, na definição das condições em que tais juros devem ser pagos, os ordenamentos jurídicos internos dos Estados-Membros devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade. Isto significa que os regimes nacionais não podem estabelecer condições menos favoráveis para os pedidos de reembolso e juros fundados no direito da União do que aquelas aplicáveis a situações semelhantes reguladas pelo direito interno. Do mesmo modo, não podem organizar os procedimentos de forma a tornar, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União.

157.                Deste enquadramento resulta uma obrigação de interpretação conforme ao direito europeu no que respeita ao regime substantivo dos juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária e acima sobejamente explicitado.

158.                Neste sentido, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, em sede de uniformização de jurisprudência, decidiu especificamente para os casos de retenção na fonte seguidos de pedido de revisão (ou de outro meio administrativo de ataque à ilegalidade de que possa enfermar a liquidação do imposto) que “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para o cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da LGT.”

159.                Tratando-se de jurisprudência uniformizada, esta deve ser respeitada e aplicada. 

160.                Por conseguinte, é de concluir que o Requerente tem direito à perceção de juros indemnizatórios desde a data em que se verificou o aludido indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o que ocorreu por despacho de 19.11.2024, do Exm.º senhor Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa (Cfr. ponto N) do probatório).

161.                Assim, a partir de 20.11.2024, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às ilegais quantias retidas na fonte. 

162.                Os juros devem ser contados até ao momento do integral reembolso, à taxa legal supletiva, conforme estabelecido nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT, no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no artigo 559.º do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, devendo contar-se, como visto, desde 20.11.2024, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

IV. DECISÃO:

 

Face ao exposto, decide-se:

 

A)    Julgar improcedente a exceção da ilegitimidade do requerente para estar na presente lide, suscitada nos presentes autos, na medida em que o Tribunal entendeu que o pedido de retificação apresentado pelo Requerente deveria ser admitido ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, considerando sanada a irregularidade detetada;

B)    Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas e a operarem segundo legislação de Estados-Membros da União Europeia;

C)   Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte que se cifram em 59.601,99 €, referidas no ponto I) do probatório e efetuadas conforme documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral e entregues nos cofres do Estado mediante as guias ali referidas;

D)   Anular a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2024...;

E)   Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de 59.601,99 € e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar este montante à Requerente;

F)   Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT, contados desde 20.11.2024 até à data de emissão da nota de crédito respectiva, em conformidade com o referido no ponto IV.D.7.3) desta decisão e condenar a Administração Tributária a pagá-los ao Requerente.

 

V. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixo o valor do processo em 59.601,99 € em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 315 do CPC e n.º 1, do art.º 97.º-A do CPPT e ainda n.º 2 do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem tributária.

 

VI. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 2.142,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido, a cargo da Requerida, nos termos do art.º 4º, n.º 1 do mesmo Regulamento e dos art.ºs 6º, n.º 2 alínea a) e 22º, n.º 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de novembro de 2025.

O árbitro,

 

Fernando Marques Simões

 



[1] A decisão Arbitral tirada no processo 528/2019-T, acima melhor identificada, identifica de forma mais completa (ainda que não exaustiva) a jurisprudência que vem sendo firmada não só pelo TJUE mas também pelo Tribunal EFTA, sendo que, remetendo-se para ali a tal propósito, deve considerar-se aqui repristinada, para além da já acima explicitada, aquela mesma relevante jurisprudência.

[2] Ou seja, o processo C-190/12 tinha por objecto questão basicamente igual à que está a ser discutida nos presentes autos, excepto, quiçá, mas não relevante, a circunstância de estarmos ali perante a aplicabilidade de uma norma de isenção e aqui perante uma norma que afasta os rendimentos de dividendos obtidos por OIC´s residente da determinação do lucro tributável, não se aplicando, propriamente, uma norma de isenção aos rendimentos por aqueles obtidos. 

[3] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995.

[4] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[5] Lei 12/82 de 03 de Junho, Aviso publicado em 14.10.1982, em vigor desde 08.10.1982.

[6] William Dickson, “Keeping More of What's Ours: Withholding Refunds and Exemptions in European Union

Investments for Public Pension Funds”, 34 Wisconsin International Law Journal, 2016, 120 ss., 132 ss.

[7] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[8] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[9] Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 374.

[10] C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012.

[11] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[12] Case E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23.11.2004.

[13] Aplicável no caso dos autos, nos termos de alínea c) do n.º 1, alínea c) do n.º 3, ambos do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e a Irlanda. No caso sub judicio não vem abordada a questão da aplicabilidade da CDT outorgada com a Alemanha tendo em vista a limitação da taxa de retenção na fonte de 25% para 15%. O que se pretende enfocar com isto é que aquele relacional de 300 vezes superior era, in casu, ainda mais agravado.

[14] A título de exemplo, com alguma imprecisão, mas suficientemente elucidativo das diferenças de grandezas que estão em causa, poderá ter-se em conta que o dividend yield médio em Portugal andará por volta dos 5% (https://www.big.pt/pdf/An%C3%A1lises%20BiG/Imprensa/ECO_Dividendos%20PSI-20_05.03.18.pdf) e que, em, 2019, terá sido de menos de 10% o dividend yield mais elevado pago pelas empresas cotadas (https://www.jornaldenegocios.pt/mercados/bolsa/dividendos/detalhe/os-cinco-melhores-dividendos-da-bolsaportuguesa). À face deste dividend yield máximo de 10%, a um valor de acções de € 1.000.000 corresponderão € 100.000 de dividendos com tributação em IRC para os OIC´s não residentes de € 15.000, aplicando a taxa de 15% prevista em CDT. Os OIC´s residentes que detenham o valor líquido global de € 1.000.000 e obtenham o valor de € 100.000 dividendos serão tributados em Imposto do Selo à taxa anual acumulada de 0,05% sobre aquele valor líquido, o que corresponde ao valor anual de € 500.

[15] Haratsch, Koenig, Pechstein, Europarecht…, cit., 525 ss.

[16] C-463/00, Comissão v. Espanha, 13.05.2003, n. 37; C-163/94, Sanz de Lera, 14.12.1995.

[17]Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[18] Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 373 ss.

[19] C-203/80, Casati, 11.11.1981.

[20] C-18/15, Brisal e KBC Finance Ireland, 13.07,2016.

[21] C-18/15, Brisal e KBC Finance Ireland, 13.07,2016, n.º 36.

[22] C-252/14, Pensioenfonds Metaal en Techniek, 02.06.2016, n.º 41.

[23] C-252/14, Pensioenfonds Metaal en Techniek, 02.06.2016; C-10/14, C-14/14 e C-17/14, J. B. G. T. Miljoen,

17.09.2015.

[24] C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012.

[25] C-423/98, Alfredo Albore, 11-07-2000, sobre restrições à aquisição de imóveis por cidadãos de outros Estados-Membros em zonas de sensíveis de “importância militar”.

[26] C- 493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011.

[27] C-10/14, C-14/14 e C-17/14, J. B. G. T. Miljoen, 17.09.2015, n.º 63.

[28] C-423/98, Alfredo Albore, 11-07-2000.

[29] C-163/94, Sanz de Lera, 14-12-1995.

[30] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[31] Que grosso modo vai no sentido de dever considerar-se o diferenciado (e não justificado) tratamento fiscal conferido a residentes versus não residentes como discriminatório e violador da liberdade de circulação de capitais e até mesmo da liberdade de estabelecimento, ponto em causa o funcionamento do mercado interno.

[32] Cfr. acórdão Von Colson, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83.