SUMÁRIO
1. Para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), enquadram-se na definição de “investimento inicial”, quaisquer investimentos relacionados com o aumento da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento, ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
2. O enquadramento na tipologia “diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não fabricados anteriormente no estabelecimento” requer o cumprimento de condições adicionais contempladas no artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015, designadamente, que “as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento”.
3. Nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabe ao sujeito passivo o ónus de provar a verificação dos pressupostos do RFAI, incluindo as condições adicionais contempladas no artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dr. José António Machado Pinto e Dr. Arlindo José Francisco (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
RELATÓRIO
A..., S.A., NIPC..., registada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial, com sede na ..., ...-... ..., ... (“Requerente”), veio, em 10-03-2025, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 3, alínea b), no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, com designação de coletivo pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT” ou “Requerida”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2024..., referente ao exercício de 2021, e n.º 2024..., referente ao exercício de 2022.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 12-03-2025, e automaticamente notificado à Requerida.
As partes foram devidamente notificadas da nomeação do coletivo arbitral, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 20-05-2025.
Por ter sido requerida e ter sido considerada necessária, a audiência prevista no artigo 18.º do RJAT teve lugar no dia 09-09-2025, tendo o Tribunal proferido despacho concedendo às partes oportunidade para esclarecerem questões prévias e juntar documentos aos autos, bem como para, subsequentemente, produzirem alegações finais escritas.
Em 11-09-2025, a Requerente apresentou requerimento de resposta à exceção de falta parcial de objeto (suscitada pela AT na resposta ao PPA), juntando 7 documentos.
Em 19-09-2025, a Requerida apresentou requerimento com o intuito de juntar as liquidações de IRC relevantes (em falta) e documentos conexos, como seja demonstrações de acerto de contas e notas de cobrança.
A Requerente e a Requerida apresentaram alegações em 29-09-2025.
SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (cf. artigos 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b), e 11.º, nºs 2 a 7, do RJAT), e é materialmente competente (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O PPA é tempestivo porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
As exceções de falta parcial de objeto (exercício de 2022) e de intempestividade do PPA (suscitada pela AT na resposta ao PPA) serão apreciadas após elencada a matéria de facto relevante.
QUESTÕES DECIDENDAS
Considerando a posição das partes, expressas nos respetivos articulados, são várias as questões a que importa dar resposta, a saber:
Questões prévias:
a) Se se verificam as exceções de falta parcial de objeto (exercício de 2022) e de intempestividade do PPA (suscitada pela AT na resposta ao PPA)?
Quanto ao benefício Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) dos anos de 2021 e 2022:
b) Se as aquisições realizadas se enquadram no conceito de “investimento inicial”?
c) Se as aplicações relevantes excederam, em pelo menos 200%, o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados?
d) Se os ativos adquiridos consubstanciam ativos de substituição?
e) Se os investimentos realizados no período de 2021 correspondem a adiantamentos por conta do fornecimento futuro de equipamentos?
Outras questões:
f) Se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios?
MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
Com base nos documentos trazidos aos autos pelas partes e na prova testemunhal produzida na audiência de 09-09-2025, são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
A. A Requerente insere-se no setor industrial cuja atividade consiste no fabrico de filmes de embalagem flexível, com CAE Principal 22210 (Fabricação de chapas, folhas, tubos e perfis de plástico), especializada na transformação de polímeros através da tecnologia de extrusão de filme biorientado com duplo balão "double bubble" (cf. alegado no artigo 11.º do PPA e nos artigos 6.º e 44.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).
B. Esta tecnologia permite a produção de filmes POF (poliolefinas) utilizados em embalagens devido às suas propriedades mecânicas e óticas, designadamente em embalagens de caixas, velas, co-packing, papel de embrulho, perfis de alumínio/madeira, prateleiras, mobiliário, peixe congelado, garrafas, panificação, envelopes, revistas, brinquedos (cf. alegado nos artigos 12.º e 13.º do PPA).
C. Em 2021 e 2022, a Requerente executou um projeto de investimento, no montante total de € 6.270.390,00, com vista à diversificação da respetiva produção, projeto esse que se traduziu na aquisição de novos equipamentos (cf. Documento 3 junto ao PPA).
D. Os investimentos realizados em 2021 e 2022 permitiram a produção de um novo tipo de filme/película, um produto inovador consistindo numa "pelicula" altamente resistente, de baixa espessura (7 a 9 microns), com origem não fóssil, direcionada para o embalamento de produtos alimentares frescos (como sejam os queijos, frango, pizzas, refeições prontas), diferente do produto anteriormente produzido pela Requerente, direcionado para o embalamento de objetos (como sejam as prateleiras da marca IKEA) (cf. depoimentos das testemunhas B..., e C...).
E. A Requerente foi alvo de dois procedimentos de inspeção tributária (credenciados pelas Ordens de Serviço n.ºs 0I2022... e 0I2024...), respeitantes aos anos de 2021 e 2022 (cf. RITs juntos ao PPA como Documento 2 - facto não controvertido).
F. No seguimento das duas referidas ações inspetivas, foram efetuadas correções aos montantes das dotações de RFAI determinadas pela Requerente nos exercícios de 2021 (€ 426.656,95) e 2022 (€ 200.382,05), no montante total de € 627.039,00 (cf. RITs juntos aos autos como Documento 2 - facto não controvertido).
G. No que concerne ao exercício de 2021, foi emitida a liquidação n.º 2024..., com data de 20-11-2024 (cf. Documento 1 junto aos autos - facto não controvertido).
H. Em 20-11-2024 teve lugar uma reunião de regularização nos termos do artigo 58.º-A do RCPIT com referência ao exercício de 2022, tendo a Requerente aceite as correções propostas em sede de SIFIDE e procedido à correspondente regularização (cf. RIT junto aos autos como Documento 2, informação a fls. 947 do PA, e alegado no artigo 10.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).
I. No âmbito do processo inspetivo realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 0I2024... (2022) foi emitido o RIT com data de 10-12-2024, que determinou a correção da totalidade da dotação de RFAI do ano 2022, no montante de € 200.382,05 (cf. RIT junto aos autos como Documento 2).
J. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2024..., com data de 10-12-2024, que decorreu da regularização efetuada nos termos do artigo 58.º-A do RCPIT, referente ao exercício de 2022, da qual resultou um reembolso no valor de € 512.004,96, encontrando-se a mesma fundada nos seguintes termos:

(cf. Documento 1 junto ao PPA).
K. Em 10-03-2025, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos peticionando a anulação das liquidações de IRC n.ºs ... (2021) e 2024 ... (2022).
L. No que concerne ao exercício de 2022, foi emitida a liquidação n.º 2024..., com data de 20-03-2025, notificada em 23-01-2025, da qual resultou um imposto a reembolsar no montante de € 300.467,41 (cf. documentos 4 e 5 juntos com o requerimento da Requerente de 11-09-2025 - facto não controvertido)
M. No que concerne ao exercício de 2022, foi emitida a liquidação n.º 2025..., datada de 25-04-2025, com o valor a reembolsar de € 506.881,73 (cf. documento 6 junto com o requerimento da Requerente de 11-09-2025 - facto não controvertido)
Factos não provados
Com relevo para a decisão do caso, considera-se como facto não provado:
- “Em 2021 e 2022, a Requerente realizou aplicações relevantes que excederam em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que foram reutilizados, conforme exigido no artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015”.
Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e no n.º 1 do artigo 596.º, vem como no n.º 3 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Na audiência que teve lugar no dia 09-09-2025, foram ouvidas as seguintes testemunhas: D..., Inspetora tributária; B..., consultor financeiro; e C..., Diretor de Engenharia e Projetos da Requerente. O Tribunal Arbitral considerou os respetivos depoimentos isentos, não encontrando motivo fundado para questionar a veracidade dos mesmos.
Quanto à matéria de facto dada como provada, o Tribunal Arbitral formou a sua íntima e prudente convicção através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos.
Quanto ao facto não provado (Em 2021 e 2022, a Requerente realizou aplicações relevantes que excederam em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que foram reutilizados, conforme exigido no artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015”), note-se que, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabia à Requerente o ónus de provar a verificação dos pressupostos do benefício fiscal proveniente do RFAI, incluindo o requisito previsto no artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015 (veja-se, entre outros, a Decisão Arbitral de 05-01-2024, processo n.º 210/2023T. No contexto do presente processo arbitral, a Requerente limitou-se a juntar um quadro indicando o valor contabilístico dos ativos realizados e o valor dos ativos adquiridos (cf. Documento 6 junto ao PPA), não tendo junto quaisquer documentos contabilísticos certificados nos termos legais que comprovassem os referidos valores, nem tendo incluído qualquer documentação de suporte relevante no seu dossier fiscal. Ora, era essencial que a Requerente evidenciasse através de prova inequívoca que os bens que selecionou no âmbito do referido Documento 6 foram efetivamente reutilizados, designadamente através de uma descrição cabal desses bens, da explicação da sua utilização e da medida em que os mesmos se encontram em conexão com os produtos que foram alvo de investimento – o que a Requerente não fez nem em sede de procedimento inspetivo, nem em sede de processo arbitral. Assim sendo, não se revela possível validar o cumprimento da condição prevista no artigo 3.º n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
MATÉRIA DE DIREITO
a) Das exceções de falta parcial de objeto (exercício de 2022) e de intempestividade do PPA
Posição das partes
Na resposta ao PPA, a Requerida peticiona que a liquidação de IRC n.º 2024 ...(exercício de 2022) resultou da regularização voluntária parcial efetuada no decurso do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2024..., estando, por esse motivo, vedada a sua impugnação nos termos do artigo 58.ºA, n.º 8, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeçção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”). Acrescenta a Requerida que, pretendendo a Requerente atacar as correções efetuadas pelos SIT em sede de RFAI (e não SIFIDE), deveria a Requerente ter apresentado o PPA contra a liquidação n.º 2024 ... de 20-03-2025, que contempla as correções de RFAI e que não existia ainda na ordem jurídica, nem havia sido notificada à Requerente, na data em que a Requerente apresentou o PPA (10-03-2025). Por estes motivos, a Requerida defende a existência de falta parcial de objeto (exercício de 2022) e que o PPA é intempestivo (porquanto foi apresentado prematuramente), peticionando a sua absolvição da instância.
Em resposta, a Requerente veio salientar que (1) no PPA apresentado contra a liquidação n.º 2024 ..., datada de 10-12-2024, a Requerente não sindicou as correções que foram objeto de regularização parcial (SIDEFF de 2022), e (2) aquando da apresentação do PPA, apenas a liquidação n.º 2024..., datada de 10-12-2024, existia na ordem jurídica com referência ao IRC de 2022.
Apreciação do Tribunal Arbitral
Quanto à exceção de falta parcial de objeto (exercício de 2022), o Tribunal Arbitral está manifestamente de acordo com a Requerente, porquanto a liquidação de IRC n.º 2024 ... (exercício de 2022), com data de 10-12-2024, contra a qual a Requerente apresentou o PPA (em 10-03-2025), foi emitida com base em correções ao benefícios fiscais RFAI e ao SIDEFF (efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2024...), e a regularização ocorrida nos termos do artigo 58.º-A do RCPIT apenas abrangeu as correções propostas em sede de SIFIDE. Assim sendo, o artigo 58.º-A do RCPIT não impede que a Requerente conteste, por via arbitral, as correções ao benefício fiscal RFAI do ano de 2022 (dado que estas não foram objeto de regularização nos termos do referido artigo).
Importa, neste contexto, relembrar que o artigo 58.ºA do RCPITA, sob a epígrafe “Reunião de regularização”, aditado pela Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro, dispunha o seguinte (na versão em vigor no exercício de 2022):
“1 - Na sequência da apresentação do requerimento previsto no n.º 2 do artigo anterior, é agendada uma reunião entre a entidade inspecionada, ou mandatário com poderes especiais para os efeitos previstos no presente artigo, o inspetor tributário e o dirigente do serviço competente para o procedimento de inspeção, com o objetivo de definir os exatos termos em que a regularização pretendida se deve concretizar, designadamente quais as obrigações declarativas a cumprir para o efeito pela entidade inspecionada, com detalhe do respetivo teor.
2 - A referida reunião deve realizar-se no prazo máximo de 15 dias após a entrada do requerimento, devendo a entidade inspecionada indicar duas datas alternativas, compreendidas nesse período, e o meio de contacto preferencial.
3 - Recebido o requerimento, a administração tributária contacta a entidade inspecionada ou o representante indicado, de forma a fixar a data da reunião, valendo como desistência do pedido de reunião a não comparência da entidade inspecionada ou de quem a legalmente represente.
4 - Os termos da regularização são reduzidos a escrito num documento a assinar conjuntamente pelo dirigente do serviço competente para o procedimento de inspeção e pela entidade inspecionada ou por quem a legalmente represente, devendo esta proceder voluntariamente ao cumprimento das obrigações dele constantes no prazo de 15 dias após a realização da reunião.
5 - Caso a entidade inspecionada não proceda à regularização no prazo referido no número anterior, ou apenas proceda à regularização parcial, desse facto é feita menção no relatório final.
6 - A assinatura pela entidade inspecionada ou por quem a legalmente represente do documento de regularização preclude o direito desta de sindicar a legalidade das correções projetadas objeto do documento assinado, caso a entidade inspecionada proceda à regularização no prazo previsto no n.º 4.
7 - No documento de regularização deve expressamente constar informação do efeito preclusivo previsto no número anterior, bem como do benefício decorrente do pedido de pagamento voluntário das coimas e dos requisitos legais de que depende a sua efetivação”. (sublinhado nosso).
Sublinhe-se que o n.º 6 deste preceito prevê uma preclusão do direito a sindicar a ilegalidade das correções regularizadas, mas já não das correções não regularizadas pela entidade inspecionada.
Pelo exposto, improcede a exceção de falta parcial de objeto (exercício de 2022).
Quanto à intempestividade do PPA, note-se que, quando a Requerente apresentou o PPA (em 10-03-2025), a AT apenas tinha emitido uma liquidação com referência ao exercício de 2022, a liquidação n.º 2024... (exercício de 2022), com data de 10-12-2024. As liquidações n.ºs 2024..., datada de 20-03-2025, e 2025..., datada de 25-04-2025, também referentes ao exercício de 2022, e que substituíram a liquidação n.º 2024..., foram emitidas em data posterior à da apresentação do PPA (em 10-03-2025). Dado que a liquidação n.º 2024... refletia já as correções ao benefício RFAI do exercício de 2022, andou bem a Requerente em impugnar a mesma.
Com este fundamento, improcede também a exceção de intempestividade do PPA.
Por último, note-se que o artigo 20.º do RJAT prevê a modificação objetiva da instância por ocasião da substituição na pendência do processo dos atos objeto do PPA, devendo o processo prosseguir quanto ao novo ato, e aplicando-se o disposto no artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”). In casu, temos que as liquidações n.ºs 2024 ... e 2025 ... não constituem verdadeiras liquidações substitutivas, na medida em que não produziram quaisquer efeitos jurídico-tributários inovadores relativamente à liquidação n.º 2024 ..., mas apenas efeitos corretivos, ou seja, de reforma da liquidação inicial (veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-02-2010, proferido no processo n.º 01195/09, e a Decisão Arbitral de 04-12-2023, processo n.º 539/2023T).
Ora, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 64.º do CPTA, e considerando que a liquidação n.º 2024 ... foi “substituída” / “corrigida” por liquidações posteriores à apresentação do PPA, o Tribunal Arbitral admite a alteração objetiva da instância e determina que o presente processo prossiga contra a liquidação que atualmente existe na ordem jurídica com referência ao exercício de 2022, a liquidação n.º 2025..., datada de 25-04-2025, sendo, no entanto, a respetiva legalidade apreciada à luz dos vícios imputados à liquidação n.º 2024... .
b) Quanto ao benefício RFAI dos anos de 2021 e 2022: Se as aquisições realizadas se enquadram no conceito de “investimento inicial”?
Legislação relevante
O RFAI, criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que vigorou, com algumas alterações, entre 2009 e 2013, bem como o mesmo regime incluído no Código Fiscal do Investimento (“CFI”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto (2007-2013), e do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho (2014-2020), que criou o Regime Geral de Isenção por Categoria (“RGIC”), respetivamente.
Segundo o § 31 do preâmbulo RGIC, os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União Europeia no seu conjunto e destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável. O mesmo parágrafo § 31 acrescenta, ainda, que nas regiões que satisfazem as condições previstas na alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), os auxílios com finalidade regional podem ser concedidos para promover:
a) criação de novos estabelecimentos;
b) extensão da capacidade de um estabelecimento existente;
c) diversificação da produção de um estabelecimento ou
d) mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
Por sua vez, o n.º 49 do artigo 2.º do RGIC, define, no âmbito dos auxílios com finalidade regional, um “investimento inicial” nos seguintes termos:
“Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com: 1. criação de um novo estabelecimento, 2. aumento da capacidade de um estabelecimento existente, 3. diversificação da produção de um estabelecimento, para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou 4. mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; b) Uma aquisição de ativos pertencentes a um estabelecimento que tenha fechado ou teria fechado se não tivesse sido adquirido, desde que seja adquirido por um investidor não vinculado ao vendedor e exclua a mera aquisição das ações de uma empresa.”
No ordenamento jurídico nacional, o RFAI, regulado no CFI, é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exercem uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, tendo em conta os códigos de atividade definidos na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro. O regime RFAI permite aos sujeitos passivos efetuar uma dedução à coleta correspondente a uma percentagem do investimento realizado em ativos fixos tangíveis e intangíveis, quando considerados em aplicações relevantes, e cumpridos requisitos estabelecidos para o efeito, conforme o disposto no artigo 22.º do CFI.
A Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, procede à regulamentação do RFAI. Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da desta Portaria, os benefícios fiscais apenas são aplicáveis a “investimentos iniciais”, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
Posição das partes
Considera a AT que os investimentos realizados pela Requerente não se enquadram no conceito de “investimento inicial”, nos termos definidos na alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, e na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro, porquanto o novo produto produzido pela Requerente (filme) se traduziu, meramente, numa nova gama do produto anteriormente produzido pela Requerente, não ocorrendo uma diversificação da produção de um estabelecimento.
Por seu turno, a Requerente defende que os investimentos realizados em 2021 e 2022 permitam produzir filmes com características técnicas e de fabrico distintas, enquadrando-se na tipologia de “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente”, conforme a alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro.
Apreciação do Tribunal Arbitral
Tal como resulta da matéria de facto dada como provada, os investimentos realizados em 2021 e 2022 permitiram a produção de um novo tipo de filme/película, um produto inovador diferente do produto anteriormente produzido pela Requerente. Assim sendo, conclui-se que os investimentos realizados em 2021 e 2022 enquadram-se na tipologia de “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente”, conforme a alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro.
c) Quanto ao benefício RFAI dos anos de 2021 e 2022: Se as aplicações relevantes excederam, em pelo menos 200%, o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados?
Legislação relevante
O enquadramento na tipologia “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente” requer o cumprimento de condições adicionais, contempladas no artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015, segundo o qual:
“2 - Nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento”.
Posição das partes
No PPA, a Requerente alega que ocorreu um incremento total de 748% face ao valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados, dos quais 430% correspondem ao período de 2021, e 318% corresponde ao período de 2022, calculados segundo o quadro contido no Documento 6 junto ao PPA:

Na resposta ao PPA, a Requerida defende que, em face do artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015, é necessário identificar os produtos novos que foram introduzidos e a conexão destes com os ativos que indicou como sendo os que foram reutilizados (ou seja, ativos que já se encontravam em funcionamento na empresa em 2020 e foram agora alegadamente afetos à produção de novos produtos). E alega que, no caso sub judice, não se encontra demonstrado que o investimento elegível superou em 200 % os ativos reutilizados, porquanto não é possível validar quais os ativos que foram reutilizados. Salienta ainda a Requerida que a demonstração do cumprimento da condição adicional prevista n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 297/2015 não foi demonstrado pela Requerente, nem tal demonstração constava sequer no dossier fiscal, conforme se exige nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do CFI conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma legal e artigo 130.º do CIRC.
Apreciação do Tribunal Arbitral
Tal como referido supra, como base no Documento 6 junto ao PPA, não é possível validar o cumprimento da condição prevista no artigo 3.º n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, razão pela qual o PPA terá de improceder por falta de prova.
Esta condição é essencial para os projetos de investimentos enquadrados pelos sujeitos passivos na tipologia “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente”, não podendo os sujeitos passivos evadir-se de cumprir a mesma enquadrando os projetos de investimentos em tipologias subsidiárias (e.g., “Aumento da capacidade de um estabelecimento existente”) que não prevejam a mesma condição, como parece pretender a Requerente fazer.
Verificando-se impossível validar o cumprimento da condição prevista no artigo 3.º n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invalidantes invocados pela Requerente, assim como o seu direito a juros indemnizatórios.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar o pedido de pronúncia arbitral totalmente improcedente, absolvendo-se a Requerida no pedido.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 627.039,00, conforme indicado pela Requerente no PPA.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 9.486,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento, nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
CAAD, 17 de novembro de 2025
O Tribunal Arbitral,
Rita Correia da Cunha
José António Machado Pinto
Arlindo José Francisco