Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1300/2024-T
Data da decisão: 2025-10-20  IRC  
Valor do pedido: € 924.773,92
Tema: IRC - Entidades financeiras sediadas na R.A. dos Açores - taxas reduzidas. Pedido de reenvio prejudicial para o TJUE.
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SUMÁRIO:

Resultando da análise da jurisprudência do TJUE posterior ao acórdão C-88/03, de 06/09/2006 (Ac. Açores) fundadas dúvidas quanto à conformidade da Decisão 2003/442/CE (que exclui a aplicação às entidades financeiras sediadas na RA dos Açores das taxas reduzidas de IRC vigentes na Região e da respetiva derrama regional) com os mais recentes entendimentos desse Tribunal, impõe-se a formulação de um pedido de decisão prejudicial.

 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

 

A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ... a ..., ...-... Ponta Delgada, veio, nos termos legais, solicitar a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I-               RELATÓRIO

 

A)    O Pedido

O Requerente peticiona a anulação parcial das liquidações de IRC n.º 2020..., n.º 2021..., n.º 2022 ... e n.º 2023 ... relativas, respetivamente, aos períodos de tributação de 2019, 2020, 2021 e 2022. 

Consequentemente, pede a anulação das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa n.º ...2024... e n.º ...2024... e das reclamações graciosas n.º ...2024... e n.º ...2024..., deduzidas relativamente às liquidações que ora impugna.

Pede ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

B) O litígio

 

O Requerente entende que deve aproveitar das taxas reduzidas de IRC aplicáveis aos sujeitos passivos sediados na Região Autónoma dos Açores e da tributação (mais reduzida) pela derrama regional.

 

A AT respondeu por exceção, invocando a incompetência em razão da matéria do tribunal arbitral relativamente às duas liquidações (exercícios de 2019 e de 2020) que foram objeto de pedidos de revisão oficiosa. Isto porque entende que a lei obriga a que a impugnação das (auto)liquidações em causa deve ser precedida de reclamação graciosa (feita no prazo em que é possível lançar mão deste recurso administrativo) e que o pedido de revisão oficiosa não pode ser entendido como “equivalendo” a uma reclamação graciosa.

Por impugnação, a AT entende que o Requerente, por ser uma instituição financeira, está excluído quer da aplicação das taxas reduzidas de IRC aplicáveis à generalidade dos sujeitos passivos sediados na RA dos Açores, quer da aplicação da respetiva derrama regional.

Para tal, louva-se na decisão da Comissão 2003/442, de 11 de dezembro de 2002 e no teor do acórdão do TJUE C-88/03, de 06/09/2006 (acórdão Açores), que “confirmou” tal decisão, não  a anulando.

O Requerente contrapõe salientando, por um lado, a evolução legislativa posteriormente ocorrida no direito interno em Portugal e, por outro lado, a evolução da jurisprudência do TJUE relativa a outras situações em que estavam em causa sujeitos passivos sediados em entidades territoriais infra-estaduais com poderes tributários próprios que decidiram estabelecer taxas de impostos sobre os lucros, de que aproveitam os seus residentes, inferiores às vigentes no restante espaço dos países a que pertencem.

 

C) Tramitação processual

 

O pedido foi aceite em 09/12/2024.

O Requerente exerceu a opção de nomear árbitro, designando o Sr. Prof. Doutor Miguel Poiares Maduro.

A Requerida exerceu igual faculdade, designando o Sr. Dr. Fernando Marques Simões.

Estes árbitros designaram, por consenso, o árbitro-presidente. 

O tribunal arbitral ficou constituído em 17/03/2025

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

O Requerente respondeu à exceção deduzida na resposta.

Em 3/09/2025 foi prorrogado o prazo para ser proferida decisão.

Em 29/09/2025 foram as partes notificadas do projeto de pedido ao TJUE de decisão prejudicial (com o texto abaixo). 

O Requerente respondeu, manifestando o seu acordo com a consulta ao TJUE e sugerindo a unificação das duas questões numa só, na qual seria diretamente perguntado se o regime fiscal da RAA em questão deve ser entendido como envolvendo um auxílio de Estado.

Este tribunal arbitral entendeu não adotar tal sugestão por duas razões:

-   no âmbito de um reenvio prejudicial, o TJUE não se pronuncia sobre as normas nacionais, antes interpreta o DUE, competindo depois ao órgão de reenvio proceder a essa análise da legislação nacional face à interpretação do DUE fornecida pelo Tribunal.

- O TJUE não está vinculado à forma como a (ou as) questões prejudiciais são apresentadas pelos tribunais nacionais. O mais frequente é o TJUE reformular (incluindo juntar ou dividir) essas questões. Desta forma, o facto de não se tratar de uma única questão não é decisivo. 

 

A Requerida veio   defender que não se justifica colocar em causa que a Decisão da Comissão de 2003 permanece como aplicável e vinculativa para o Estado português. Além de não ter em consideração a existência dos desenvolvimentos jurisprudenciais posteriores, esta posição resulta objetivamente incompreensível na medida em que, na altura, Portugal se opôs a tal Decisão, intentando um processo junto do TJUE visando a sua anulação, no qual não logrou obter êxito.

 

 

D)   Saneamento

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

A seguir se apreciará a exceção de incompetência material invocada pela AT. Não existem outras questões que devam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

 

Da exceção

 

Como já referido, a AT invocou, por exceção, a incompetência em razão da matéria do tribunal arbitral relativamente às duas liquidações (exercícios de 2019 e de 2020) que foram objeto de pedido de revisão oficiosa. Isto porque entende que a lei obriga a que a impugnação das (auto)liquidações em causa deve ser precedida de reclamação graciosa (feita no prazo em que é possível lançar mão deste recurso administrativo) e que o pedido de revisão oficiosa não pode ser entendido como “equivalendo” a uma reclamação graciosa.

Apreciando:

Começa-se por assinalar que a invocação desta exceção era corrente até há alguns anos. Porém, a partir do momento em que o TCAS (tribunal que julga em última instância as questões relativas à competência dos tribunais arbitrais) passou a decidir no sentido da “equivalência”, para efeito de acesso ao processo arbitral em casos de autoliquidação, entre reclamação graciosa e pedido de revisão oficiosa, caiu em desuso – e bem - a AT invocar esta exceção. O que não é o caso deste processo!

 

Dado esta ser hoje uma questão pacífica, este tribunal arbitral limita-se a fazer suas palavras do TCAS (processo n.º 96/17, de 26/05/2022:  O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15).

Entendeu o TCAS: Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do STA, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…).

 

Na realidade, a razão de ser da exigência de reclamação necessária nos casos de autoliquidação, previamente à ação de impugnação, é dar oportunidade à AT de se pronunciar sobre atos tributários que não foram por ela praticados (mas que a lei faz equivaler aos por ela praticados), revogando-os ou alterando-os quando conclua pela sua ilegalidade, desiderato que é atingido, de forma equivalente, quando o pedido de apreciação administrativa é formulado pela via do pedido de revisão.

Improcede, pois, esta exceção.

 

II - PROVA

 

II.1 - Factos provados

 

a)     O Requerente é um sujeito passivo de IRC que atua no setor financeiro, tendo sede em Ponta Delgada, Região Autónoma dos Açores.

b)    Todo o volume de negócios do Requerente é gerado na Região Autónoma dos Açores.

c)     Relativamente aos exercícios em causa, nos quais obteve lucro tributável, tanto a coleta de IRC como o montante de derrama estadual foram apurados pelo Requerente considerando, respetivamente, as taxas previstas nos artigos 87.º e 87.º-A do Código do IRC. 

d)    O procedimento adotado pelo Requerente resultou do modelo oficial da declaração Modelo 22, bem como das respetivas instruções de preenchimento.

e)     As quais estabelecem que as instituições financeiras sediadas na RA dos Açores deverão preencher o Anexo C do quadro 06 da Modelo 22 com o título de “Regime Geral Sem Aplicação das Taxas Regionais”. 

f)      Em concreto, as instruções de preenchimento do quadro 06 da declaração Modelo 22 estabelecem que [e]ste quadro é preenchido pelos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial, quer sejam ou não qualificados como PME, nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, mas que não beneficiem das taxas regionais, nomeadamente, as empresas que exerçam atividades financeiras, bem como do tipo ‘serviços intragrupo’ (centros de coordenação, de tesouraria ou de distribuição) e as entidades enquadradas no regime especial de tributação de grupos de sociedades, as quais são tributadas à taxa geral em vigor para a circunscrição fiscal do continente.” 

g)     O Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa, por referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, e reclamações graciosas, por referência aos períodos de tributação de 2021 e 2022, as quais foram expressamente indeferidas, por a AT considerar que a Requerente, enquanto entidade financeira, está abrangida pela exceção resultante da decisão da Decisão da Comissão 2003/442/CE[1] e do decidido pelo TJUE no ac. C-88/03, de 06/09/2006 (Acórdão Açores).

 

Estes factos resultam da documentação junta aos autos, não se tendo suscitado quaisquer divergências entre as partes.

 

II. 2- Factos não provados

Não existem com relevância para a decisão da causa.

 

III - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

 

A questão essencial a decidir é saber se a Decisão da Comissão 2023/442/CE se deve considerar ou não tacitamente revogada atenta a evolução da jurisprudência do TJUE posterior ao referido acórdão Açores.

Como a questão é manifestamente duvidosa, entende este Tribunal Arbitral ser de efetuar, junto do TJUE, o seguinte

 

Pedido de Decisão Prejudicial 

 

Apresentação Sucinta do Objeto do Litígio no Processo Principal

 

Em causa no processo principal está a impugnação de atos tributários de autoliquidação na parte respeitante à eventual aplicação da taxa reduzida do IRC vigente na Região Autónoma dos Açores (RAA) e da derrama regional a entidades financeiras localizadas na RAA. 

O A... (requerente no processo principal) contesta a sua sujeição (com base nas instruções da Autoridade Tributária) à taxa nacional de IRC e à derrama nacional, entendendo que devia estar sujeito à derrama regional, invocando a autonomia fiscal regional. 

A Autoridade Tributária (AT), requerida no processo principal, entende que a exclusão das entidades financeiras das taxas reduzidas da RAA e da derrama regional decorre da Decisão da Comissão Europeia 2003/442/CE, que considerou que as mesmas constituíam um auxílio de Estado incompatível como mercado interno (Decisão confirmada pelo Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia no Processo C-88/03, Portugal Contra Comissão, conhecido como Acórdão Açores).[2]

Enquanto o Requerente (A...) no processo principal entende que essa Decisão já não é aplicável, na sequência quer de alterações legislativas nacionais, quer de desenvolvimentos na jurisprudência do TJUE, a Requerida (a Autoridade Tributária) considera que o Estado português se encontra ainda vinculado a essa Decisão, que produz efeitos diretos na ordem jurídica portuguesa e, em consequência, impede a aplicação da taxa reduzida de IRC e da derrama regional às entidades financeiras. 

 

Acórdão do Tribunal de Justiça no Processo C-88/03 e Jurisprudência Subsequente

Neste acórdão, Portugal contra Comissão (“Acórdão Açores”), o TJUE negou provimento ao recurso apresentado por Portugal contra a Decisão 2003/442/CE da Comissão, de 11 de dezembro de 2002, relativa à parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores. Em causa neste processo estava a consideração desse regime como um auxílio de Estado, ao abrigo do Artigo 87º .1º, em particular à luz do requisito de seletividade. 

O Tribunal não acolheu, em boa medida, a interpretação feita pela Comissão Europeia desse requisito, entendendo que não se podia excluir que entidades infra-estaduais (como regiões autónomas) disponham de um estatuto de direito e de facto suficientemente autónomo, de tal forma que é o território em que essas entidades exercem a sua competência, e não o território nacional no seu conjunto, que constitui o contexto pertinente para apurar esse requisito de seletividade (para. 58 desse Acórdão). Acrescentou o Tribunal que para se poder considerar que uma decisão de uma entidade infra-estadual tenha sido adotada no exercício de poderes suficientemente autónomos era necessário que se verificassem três requisitos: 

em primeiro lugar (...) que essa decisão tenha sido adotada por uma autoridade local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do Governo central. Em seguida, deve ter sido adotada sem que o Governo central possa intervir diretamente no seu conteúdo. Finalmente, as consequências financeiras de uma redução da taxa de imposto nacional aplicável às empresas presentes na região não devem ser compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do Governo central” (para. 67).

O critério fundamental que parece guiar o TJUE neste acórdão é o de garantir, nas palavras do próprio Tribunal, que a entidade infra-estadual assuma “as consequências políticas e financeiras” dessas decisões (para. 68). 

Apesar desta análise e de não ter aceite a interpretação do Artigo 87º n.º 1º adotada pela Comissão Europeia, o TJUE entendeu não dar provimento ao recurso apresentado pelo Estado português por entender que se estava, ainda assim, perante um auxílio de Estado, uma vez que as normas regionais dos Açores, em causa no Acórdão, não tinham sido adotadas, de acordo com o TJUE, no exercício de poderes suficientemente autónomos. Para tal apreciação, parece ter sido decisivo para o TJUE, a circunstância de:

“o Governo português, em resposta à argumentação da Comissão relativa à falta de autonomia da Região Autónoma dos Açores em razão da existência de transferências financeiras compensatórias provenientes do Estado central, limitou‑se a sublinhar que a Comissão não tinha provado a razão de ser desta argumentação, mas ele próprio não demonstrou que a Região Autónoma dos Açores não recebe nenhum financiamento do Estado para compensar a redução de receitas fiscais eventualmente decorrente das reduções das taxas de imposto.” (para. 71). 

Para o TJUE a existência de transferências orçamentais do Estado Central para a Região Autónoma dos Açores, efetuadas ao abrigo de um princípio de solidariedade, compensava financeiramente as decisões da Região Autónoma conduzindo assim, naquelas circunstâncias pelo menos, a que não se tratasse de um exercício de poder suficientemente autónomo (pelo menos do ponto de vista económico-financeiro).

Em processos subsequentes o TJUE veio desenvolver e densificar os critérios enunciados no Processo Açores. Estes desenvolvimentos suscitam, com particular relevância para o processo principal, a questão de saber quais as circunstâncias em que a existência de transferências orçamentais do Estado central coloca efetivamente em causa esse poder suficientemente autónomo, em particular no domínio económico-financeiro (o que foi determinante no Processo Açores).

No Processo C-428/06, UGT-La Rioja, em que estavam em causa medidas adotadas pela Região Autónoma do Pais Basco em Espanha,[3] o TJUE afirma que a mera existência de transferências do Estado central para uma região autónoma não é suficiente para colocar em causa a autonomia financeira da Região para efeitos do critério da seletividade. Citando as Conclusões da Advogada Geral nesse processo, o Tribunal refere que “contrariamente ao que a Comissão parece sustentar, o simples facto de resultar de uma apreciação global das relações financeiras entre o Estado central e as suas entidades infra‑estatais que há transferências financeiras desse Estado para essas entidades não basta, enquanto tal, para demonstrar que essas entidades não assumem as consequências financeiras das medidas fiscais que adotam e, assim, que as mesmas não gozam de autonomia financeira, uma vez que essas transferências podem ser explicadas por motivos que não apresentam nenhuma ligação com as referidas medidas fiscais.” (para. 135).

O Tribunal Geral veio, subsequentemente, aplicar esta mesma interpretação do princípio da autonomia económico-financeira nos Processos T‑211/04 e T‑215/04, Gibraltar contra Comissão.[4] Neste acórdão o Tribunal Geral contraria a interpretação feita pela Comissão do Acórdão do TJUE no Processo relativo aos Açores, de acordo com a qual a existência de diferentes transferências (por razões distintas, incluindo de solidariedade) do governo central para uma entidade infra-estadual autónoma é suficiente para determinar a inexistência de autonomia financeira ou económica (paras. 102 e 103). Pelo contrário, para o Tribunal Geral “o emprego do verbo «compensar» pelo Tribunal de Justiça, no n.° 67 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, (...) implica a necessidade da existência de um nexo de causa e efeito entre a medida fiscal controvertida adotada pela entidade infra‑estatal e os apoios financeiros provenientes de outras regiões ou do governo central do Estado‑Membro em causa. A interpretação proposta pela Comissão transforma em letra‑morta o terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores (...) visto que é muito difícil conceber uma entidade infra‑estatal que não receba nenhum apoio financeiro, seja de que forma for, por parte do governo central.”  

 

Legislação Nacional Relevante

Artigos 6º, 225º, 227º n. 1 al i) e 231º da CRP

 Lei das Finanças das Regiões Autónomas de 2013 (Lei n.º 2/2013), Art 24º a 32 º e , 48º, 59º

 (Decretos Legislativos Regionais n.º 2/2014/A e 15-A/2021/A) 

Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2014/A e 15-A/2021/A), 

 

Argumentos das Partes

O A..., Requerente no Processo Principal, entende que lhe deve ser aplicada a taxa reduzida de IRC decorrente da legislação regional, bem como a derrama regional, como acontece com as outras entidades económicas na Região Autónoma dos Açores. Entende que a justificação, assente na Decisão da Comissão 2003/442/CE, que obrigaria a excluir as entidades financeiras deste regime fiscal mais vantajoso, já não é suportada pelo Direito da União Europeia. 

Por um lado, a legislação que deu origem a tal Decisão já não se encontra em vigor. Os novos diplomas regionais (DLR 2/2014/A e 15-A/2021/A) e a nova Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 2/2013) criaram uma situação jurídica “nova” e é esta que tem de ser apreciada à luz da jurisprudência do TJUE, tendo em conta o Acórdão Açores e a jurisprudência subsequente que densificou os critérios nele estabelecidos. 

O A... considera que os Acórdãos do TJ no Processo C-428/06, UGT-La Rioja e do TG nos Processos T‑211/04 e T‑215/04, Gibraltar contra Comissão,[5] vieram densificar e clarificar os critérios de autonomia institucional, processual e económica e financeira, de tal forma que a Região Autónoma dos Açores, e as suas decisões fiscais de uma taxa reduzida de IRC e de derrama regional, os preenchem. Em particular, a jurisprudência tornou claro a necessidade de existir um nexo causa-efeito entre as reduções de taxas de IRC e derrama regional e as transferências financeiras do Estado central que, atendendo aos critérios fixados na Lei nº2/2013, não existe no caso da Região Autónoma dos Açores.  

A Autoridade Tributária, a recorrida no processo principal, entende que é a Decisão da Comissão Europeia (2003/442/CE) que impõe a exclusão de empresas financeiras da taxa reduzida de IRC e derrama regional dos Açores. Recorda que essa Decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Para a AT essa Decisão continua a vincular o Estado português, mesmo após as alterações legislativas ocorridas.

Para a Autoridade Tributária, a jurisprudência do TJUE, subsequente ao Processo relativo aos Açores, invocada pela Requerente, não é relevante para o caso dos Açores uma vez que as regiões em causa nesses outros processos não partilham da mesma caracterização da região açoriana e da sua qualificação jurídica como região ultraperiférica da UE. 

 

Fundamentos para o Reenvio Prejudicial 

De acordo com artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) as decisões da Comissão Europeia são obrigatórias para os seus destinatários. A Decisão 2003/442/CE, vincula diretamente Portugal e tem efeito direto, independentemente de qualquer ato de transposição para o direito interno, obrigando, portanto, o Estado português a excluir as entidades financeiras da aplicação da taxa reduzida de IRC e da derrama regional na Região Autónoma dos Açores.

A legislação que deu origem à Decisão 2003/442/CE foi alterada pelos diplomas regionais (DLR 2/2014/A e 15-A/2021/A) e a nova Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 2/2013), permanecendo, no entanto, o regime jurídico em causa, nos seus aspetos fundamentais, idêntico ao que estava em vigor aquando da Decisão 2003/442/CE. O TJUE tem exigido que para que uma alteração legislativa constitua um novo auxílio (sujeita à obrigação de notificação prevista nos Tratados) é necessário que essa alteração comporte uma alteração substancial face ao regime anteriormente apreciado pela Comissão.[6] Não é o caso das alterações legislativas ocorridas a nível nacional e regional após a Decisão da Comissão e o Acórdão do TJUE relativas aos Açores. Esta jurisprudência (também refletida no Regulamento CE nº 2015/1589), tem sido, no entanto, aplicada para determinar quando existe uma nova obrigação de notificação de um auxílio de Estado por parte de um Estado Membro. As circunstâncias neste processo são distintas. Trata-se de determinar se continua ou não a existir um auxílio de Estado tendo em conta as alterações legislativas nacionais e os desenvolvimentos ocorridos na jurisprudência do TJUE.

Se, por um lado, não existem diferenças significativas entre as normas atualmente em vigor e as que foram objeto da Decisão 2003/442/CE, por outro lado, uma apreciação das normas atualmente em vigor, à luz da jurisprudência europeia sucessiva ao Acórdão Açores, colocam sérias dúvidas de que se verifique o critério de seletividade necessário à existência de um auxílio de Estado densificado nessa jurisprudência, em particular em termos de autonomia económico-financeira. Note-se que, a confirmar-se que o regime atual dos Açores é semelhante a outros que foram, entretanto. considerados como não constituindo auxílios de Estado, continuar a aplicar a Decisão 2003/442/CE à legislação atual sujeitaria, na prática, a Região Autónoma dos Açores a um tratamento diferente face a outras regiões com idêntica autonomia institucional, processual e económica-financeira.

A fórmula através da qual a LFRA estabelece, no seu Artigo 48º, os critérios de transferência financeira, ao abrigo do princípio constitucional da solidariedade, para as Regiões Autónomas  (incluindo os Açores) parece independente de qualquer decisão que estas tomem em matéria fiscal. Pelo menos, não existe seguramente uma relação de causa e efeito entre a adoção de regimes fiscais mais favoráveis pelas Regiões Autónomas e as transferências financeiras que recebem de acordo com a LFRA. Não parece assim possível dizer que uma decisão da Região Autónoma dos Açores que implica a perda de receita fiscal será compensada por uma transferência financeira do Estado central.

Sendo assim, e à luz da jurisprudência recente do TJUE em matéria de seletividade dos auxílios de Estado, coloca-se a dúvida de saber se o Estado português ainda se encontra obrigado a excluir as entidades financeiras da aplicação da taxa reduzida de IRC e derrama regional da Região Autónoma dos Açores. 

 

Questões Prejudiciais

1 - A Decisão 2003/442/CE obriga o Estado português a tratar como um auxílio de Estado as taxas reduzidas de IRC e derrama da Região Autónoma dos Açores resultantes de legislação posterior a essa Decisão, na medida em que esta alteração legislativa não envolva uma alteração substancial, ou é possível reapreciar a qualificação como auxílio de Estado desse regime se existirem fundadas dúvidas de que essa legislação, tendo em conta a jurisprudência mais recente do TJUE, configure um auxílio de Estado?

 

2 – Caso o TJUE considere que pode ou deve ser apreciada a qualificação como auxílio de Estado da nova legislação, a aplicação de uma taxa reduzida de IRC e de uma derrama regional, em circunstâncias como aquelas descritas no processo principal, constitui um auxílio de Estado, tendo em conta, designadamente, a existência de transferências do Estado central para a Região Autónoma que, no entanto, não dependem (nem variam) de acordo com essas decisões fiscais da Região Autónoma?

 

 

 

Cumprirá aos Serviços do CAAD diligenciar no necessário à tramitação deste pedido.

 

O Presente processo arbitral fica, necessariamente, suspenso até comunicação da decisão do TJUE.

 

 

20 de Outubro de 2025

 

 

Os árbitros

 

 

Rui Duarte Morais 

 

 


Luís Miguel Poiares Maduro

 

 


Fernando Marques Simões 

 

 



[1] De tal decisão releva o seguinte: 

Artigo 1.º 

A parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores a que se refere a vertente relativa às reduções das taxas do imposto sobre o rendimento, posta em execução com base nos artigos 4.º e 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro de 1999, é compatível com o mercado comum, sob reserva do disposto no artigo 2.º 

Artigo 2.º A parte do regime de auxílios referida no Art.º 1 é incompatível com o mercado comum desde que seja aplicável a empresas que exerçam as actividades financeiras previstas na Secção J (CÓDIGOS 65, 66 E 67) da nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade europeia (NACE REV. 1.1), bem como a empresas que exerçam as actividades previstas na secção K, código 74, da mesma nomenclatura, cujo fundamento económico é prestar serviços a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo, como centros de coordenação, de tesouraria ou de distribuição. 

 

[2] ECLI:EU:C:2006:511.

[3] ECLI:EU:C:2008:488.

 

[4] ECLI:EU:T:2008:595.

[5] Jurisprudência esta que a Comissão terá, finalmente, adotado na sua  Decisão C(2014) 5309.

[6] Ainda recentemente confirmado no Processo C-736/22 P, Portugal contra Comissão ou, do Tribunal Geral, no Processo T‑72/22, Interneto žiniasklaidos asociacija, Julgamento de 21 de Maio de 2025.