Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 65/2015-A
Data da decisão: 2015-11-26  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Suspensão do vínculo de emprego público; efeitos sobre o direito a férias; doença
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DECISÃO ARBITRAL

 

Demandante: A...

Demandado: Ministério da …

 

I.                   RELATÓRIO

 

A.    Partes e objeto do litígio

 

A..., com o NIF..., residente na Rua..., ..., ...-..., Especialista Auxiliar da B..., demandou o Ministério da …, com sede na Praça …, … Lisboa, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

 

Peticiona o Demandante que seja declarado nulo ou anulado, por contrário à lei, o ato, de 10 de fevereiro de 2015, da Diretora da … da B..., que determinou a aplicação ao Demandante dos artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.º s 1 e 2, e 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (“LGTFP”) – aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (“Lei 35/2014”) –, sobre suspensão do vínculo de emprego público e efeitos sobre o direito a férias, em virtude de este se encontrar a faltar ao trabalho, por doença, desde 01.09.2014 (cfr. ato impugnado contido no Doc. n.º 1 junto com a petição inicial).

 

Alega, em suma, o Demandante que tais preceitos da LGTFP são inaplicáveis in casu, porquanto, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da Lei 35/2014, a falta por motivo de doença devidamente comprovada dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente – que é o seu caso por ser funcionário público desde 1997 – não afeta o direito a férias, sendo, assim, expressamente afastado o regime constante da LGTFP no que respeita aos efeitos das faltas sobre o direito a férias. Por conseguinte, ao aplicar ao caso do Demandante os artigos 278.º, 129.º e 127.º, n.º 3, da LGTFP, o ato impugnado teria afetado o seu direito a férias em violação do disposto no artigo 15.º da Lei 35/2014.

 

O Demandado apresentou contestação propugnando pela improcedência da ação. Defende, em síntese, que, sem prejuízo da aplicação do artigo 15.º da Lei 35/2014 ao Demandante, para efeitos de suspensão do vínculo não revela o nele disposto, uma vez que o artigo 15.º da lei preambular apenas estabelece o regime das faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, nada dispondo sobre suspensão do vínculo de emprego público. Sobre a suspensão do vínculo de emprego público e seus efeitos no direito a férias em resultado do impedimento do trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente por doença, regem os artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP, os quais são aplicáveis a todos os trabalhadores em funções públicas, independentemente do regime de proteção social e da modalidade de vínculo de emprego público. Junta ofícios da Diretora Geral da C… datados de 24.11.2014, de 19.02.2015 e de 30.04.2015 (cfr. Docs. n.º 2, 3 e 5 juntos com a Contestação) e email, de 05.02.2015, da Chefe de Divisão de … da D… (cfr. Doc. n.º 4), que apoiam o entendimento sufragado pelo Demandado.

 

B.     Processo administrativo

 

O Demandado não enviou processo administrativo “em virtude de este não existir” (cfr. mensagem de correio eletrónico do Demandando de 17.07.2015, através da qual remeteu contestação).

 

C.    Tribunal Arbitral

 

A B..., serviço central do Ministério da …, encontra-se vinculada à jurisdição do CAAD no que respeita à composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (cfr. artigos 1.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro).

 

O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único designado pelo CAAD (cfr. artigo 7.º, n.ºs 3 e 8, do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

Por correio eletrónico de 15.07.2015, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD comunicou à signatária a designação como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual foi aceite pela signatária por correio eletrónico de 22.07.2015.

 

D.    Tramitação e despachos

 

Por despacho de 27.08.2015, o Tribunal notificou as partes, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, para se pronunciarem, querendo, no prazo de 5 dias úteis, sobre a intenção do Tribunal conduzir o processo apenas com base na prova documental junta com os articulados. Mais as notificou para, no mesmo prazo, informarem se pretendiam apresentar alegações escritas.

 

Na sequência desse despacho, o Demandando informou da sua não oposição à condução do processo pelo Tribunal com base na prova documental junta aos articulados e prescindiu da apresentação de alegações escritas (cfr. mensagem de correio eletrónico de 04.09.2015). O Demandante não se pronunciou.

 

Por despacho de 29.09.2015, face à não oposição das partes, foi determinado que o processo seria decidido apenas com base na prova documental junta com os articulados. No mesmo despacho, e porque apenas o Demandado prescindiu de alegações escritas, foram as partes notificadas para apresentarem alegações escritas, querendo, no prazo sucessivo de 10 dias úteis, primeiro o Demandante e depois o Demandando. Nenhuma das partes apresentou alegações escritas.

 

E.     Saneamento

 

O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades ou questões prévias que cumpra apreciar.

 

F.     Questão decidenda

 

A questão que a este Tribunal cabe resolver é de Direito e prende-se com saber se a um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP, com a consequente suspensão do vínculo de emprego público e efeitos no direito a férias, ou se a aplicação de tais preceitos é afastada pelo artigo 15.º da Lei 35/2014. A resposta à questão permitirá concluir se é inválido o ato que aplicou tais preceitos da LGTFP ao Demandante na referida situação.

 

 

II.                FUNDAMENTAÇÃO

 

A.    Factos

 

Os factos relevantes para a decisão da causa afiguram-se não controvertidos, não existindo factos não provados relevantes para a decisão. Designadamente, não se afigura relevante para a decisão da causa saber se o Demandante interpôs recurso gracioso do ato, como alega no artigo 16.º da sua petição inicial. Nos artigos 3.º e 4.º da sua Contestação, o Demandado alega que a invocação de tal facto pelo Demandante deve tratar-se de um lapso, pois que não houve qualquer impugnação administrativa do ato. O Tribunal, no despacho de 27.08.2015, convidou o Demandante a vir esclarecer se efetivamente se tratava de um lapso; esclarecimento que o Demandante não prestou. Neste contexto, face ao ónus da prova, teria de ser considerar tal facto não provado. No entanto, considera-se esse facto irrelevante para a decisão do litígio, porque não há, no caso, lugar a impugnação administrativa necessária e a ação deu entrada tempestivamente. Também não se afigura relevante para a decisão da causa saber a data exata em que o Demandante regressou ao serviço e que o Demandante alega, mas não prova, ser o dia 4 de março de 2015 (cfr. artigo 10.º da petição inicial), sendo certo que a ausência foi superior a 1 mês e foi pelo menos de 01.09.2014 a 10.02.2015 – data do ato impugnado –, como resulta do Doc. n.º 1 junto com a petição inicial e com a contestação.

 

Assim, com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados, face ao Documento n.º 1 (junto como tal pelo Demandante e pelo Demandado respetivamente na petição inicial e na contestação) e à posição concordante das partes manifestada nos respetivos articulados, os seguintes factos:

 

1)       O Demandante é Especialista Auxiliar da B...;

 

2)      O Demandante é funcionário público desde 1997;

 

3)      O Demandante faltou ao serviço por motivo de doença desde 01.09.2014 até, pelo menos, 10.02.2015;

 

4)      O Demandante, por referência ao ano civil de 2014, tinha 4 dias de férias não gozados;

 

5)      Por correio eletrónico de 10.02.2015, dirigido ao Diretor da … da B..., com o Assunto “REFª. .../SP/AH_LICENÇA PARA FÉRIAS_A...”, foi enviada a seguinte comunicação da Diretora da … da B...(“URHRP”):

 

«Exmº. Senhor

Dr. ...

Diretor na …

 

O n.º 1 do artigo 278.º da Lei n.º 36/2014, de 30 de junho, (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.

 

O art.º 129.º do diploma legal atrás mencionado, que tem como epígrafe “Efeitos da suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado”, dispõe o seguinte:

“1 – No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador, verificando-se a impossibilidade total ou parcial do gozo de férias já vencido, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio.

2 – No ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º”

 

As disposições legais mencionadas são aplicáveis ao especialista auxiliar, Sr A..., que se encontra a faltar ao serviço por motivo de doença desde 01.09.2014, sendo que os 04 dias de férias não gozados não poderá ser acumulados, indo ser pagos 1 dia, uma vez que o mesmo tem a descontar 3 dias nas férias do corrente ano.

 

Assim e considerando que o referido trabalhador só adquire o direito a férias aquando do seu regresso ao serviço e após seis meses de serviço, solicito a V. Ex.ª se digne mandar informar por esta via quando tal situação ocorrer

 

Com os melhores cumprimentos e consideração.

 

A Diretora da …

...».

 

6)      Por correio eletrónico de 10.02.2015, do Serviço de … da Diretoria … da B..., enviado ao S… Porto, foi reencaminhada a mensagem de correio eletrónico referida em 5) e enviada a seguinte comunicação:

 

«Incumbe-me o Exmo. Senhor Diretor, Dr..., de remeter o presente e-mail, onde exarou o seguinte despacho:

 

“Ao S... para cumprimento oportuno, com conhecimento à respetiva Chefia.

*

O Diretor

...”

 

Com os melhores cumprimentos,

...»

 

7)      Por correio eletrónico de 04.03.2015, do Chefe do Setor do S… Porto, foram reencaminhadas ao Demandante as mensagens de correio eletrónico referidas em 5) e 6) com a seguinte comunicação:

«Exmo. Senhor

...

Para conhecimento, reencaminha-se o presente mail.

 

Com os melhores cumprimentos,

 

O Chefe de Setor

...»

 

8)      O Demandante apresentou a sua petição inicial no CAAD por correio eletrónico de 28.05.2015.

 

B.     Direito

 

Põe-se a questão de saber se a um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP e, se, por conseguinte, é inválido o ato que aplicou tais preceitos na referida situação ao Demandante.

O artigo 278.º da LGTFP dispõe:

«1- Determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.

2- O vínculo de emprego público considera-se suspenso, mesmo antes de decorrido o prazo de um mês, a partir do momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo.

3- O vínculo de emprego público extingue-se no momento em que se torne certo que o impedimento é definitivo.

4- O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do vínculo de emprego público nos casos previstos na lei.»

Portanto, para que ora interessa, o n.º 1 do artigo 278.º da LGTFP determina que suspende-se o vínculo de emprego público se um trabalhador faltar ao serviço por mais de 1 mês por motivo de doença.

Por seu turno, o artigo 129.º da LGTFP estipula:

«1- No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador, verificando-se a impossibilidade total ou parcial do gozo do direito a férias já vencido, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio.

2- No ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º

3- No caso de sobrevir o termo do ano civil antes de decorrido o prazo referido no número anterior ou antes de gozado o direito a férias, pode o trabalhador usufruí-lo até 30 de abril do ano civil subsequente.

4- Cessando o contrato após impedimento prolongado respeitante ao trabalhador, este tem direito à remuneração e ao subsídio de férias correspondentes ao tempo de serviço prestado no ano de início da suspensão.»

Resulta claro da redação do n.º 1 deste preceito - “No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador” – que a aplicação do artigo 129.º da LGTFP pressupõe que ocorreu a suspensão do vínculo de emprego público nos termos do artigo 278.º do mesmo diploma, já que é este o preceito que determina a suspensão do vínculo de emprego público por força do impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês. O artigo 129.º regula, então, os efeitos dessa suspensão do vínculo sobre o direito a férias do trabalhador, para o que ora nos ocupa, nos seguintes termos:

a)      No ano do início da suspensão do vínculo, se o trabalhador não gozou, total ou parcialmente, o período de férias que se venceu a 1 de janeiro desse ano, tem direito a receber a remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio (cfr. n.º 1);

b)      No ano da cessação da suspensão do vínculo (pressupondo-se, aqui, que o início e o termo da suspensão do vínculo ocorreram em anos civis diferentes), o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º da LGTFP (ex vi do n.º 2).

O artigo 127.º da LGTFP, aplicável aqui por remissão expressa do n.º 2 do artigo 129.º, refere-se ao direito a férias no caso de vínculos de duração inferior a 6 meses e determina:

«1- O trabalhador cuja duração total do vínculo não atinja seis meses tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato.

2- Para efeitos da determinação do mês completo, devem contar-se todos os dias, seguidos ou interpolados, em que foi prestado trabalho.

3- Nos vínculos cuja duração total não atinja seis meses, o gozo das férias tem lugar no momento imediatamente anterior ao da cessação, salvo acordo das partes.»

Assim, por força da remissão operada pelo artigo 129.º, n.º 2, para o artigo 127.º, no ano da cessação da suspensão do vínculo o trabalhador tem direito a 2 dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho que preste até ao final desse ano.

Feito o enquadramento sobre o regime constante dos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP e aplicável a um trabalhador em funções públicas que falte ao trabalho por motivo de doença por período superior a 1 mês, importa verificar se esse regime é aplicável a um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente na mesma situação, uma vez que aos trabalhadores integrados nesse regime são aplicáveis algumas normas especiais constantes dos artigos 15.º a 41.º da Lei 35/2014, como expressamente determina o artigo 14.º da mesma lei. Sendo que, não oferece dúvida que o Demandante, provido em lugar do Mapa de Pessoal da B... e funcionário público desde 1997, se integra no regime da proteção social convergente, nos termos dos artigos 11.º e 7.º, al. b), da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, que define a proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas[1].

Relativamente aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, a referida Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, remeteu para decretos-leis posteriores a regulamentação de cada uma das eventualidades previstas no sistema previdencial, nomeadamente doença, mantendo até à entrada em vigor da nova regulamentação os regimes legais e regulamentares que regulavam as várias eventualidades do regime de proteção social convergente (cfr. artigos 13.º, 29.º e 32.º, n.º 2).

Sucede que, como nota MIGUEL LUCAS PIRES, nem toda essa regulamentação setorial foi aprovada e, “nomeadamente, não entrou ainda em vigor a respeitante à eventualidade de doença[2]. Por esse motivo, o legislador veio a consagrar normas especiais aplicáveis a esses trabalhadores no âmbito dos diplomas referentes ao trabalho em funções públicas, nomeadamente na eventualidade de doença.

Assim, no âmbito da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, diploma antecessor da Lei 35/2014, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), estabelecia-se no artigo 19.º da versão original, com relevo para o presente caso, que os trabalhadores a integrar no regime de proteção social convergente, até à regulamentação do regime de proteção social convergente, mantinham-se sujeitos às normas que lhes eram aplicáveis até então, designadamente as relativas aos efeitos das faltas por doença (cfr. n.º 3), remetendo-se, por conseguinte, para o disposto no Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março. Mais se dispunha que o disposto no n.º 1 do artigo 232.º do RCTFP – suspensão do contrato por impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença –, quando a suspensão resultar de doença, só se aplicaria com a entrada em vigor dos diplomas de regulamentação do regime de proteção social convergente (cfr. n.º 4).

Com a alteração a esse artigo 19.º introduzida pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro, passou a dispor-se no n.º 6 que, até à regulamentação do regime de proteção social convergente na eventualidade de doença, no caso de faltas por doença, se o impedimento se prolongasse efetiva ou previsivelmente para além de um mês, aplicar-se-iam aos trabalhadores a integrar no regime de proteção social convergente os efeitos no direito a férias estabelecidos no artigo 179.º do RCTFP para os trabalhadores com contrato suspenso por motivo de doença. Artigo 179.º do RCTFP esse que, no essencial, corresponde ao atual 129.º da LGTFP. Por conseguinte, por expressa determinação legal, as faltas por doença que se prolongasse por mais de 1 mês teriam efeitos no direito a férias.

Ao contrário do que sucedia no regime legal anterior, a Lei 35/2014, embora consagrando regras especiais para os trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente (artigos 15.º a 41.º ex vi do artigo 14.º), nomeadamente na eventualidade de doença, não se refere expressamente ao artigo 278.º da LGTFP sobre a suspensão do vínculo de emprego público em decorrência de doença que se prolongue por mais de 1 mês nem aos efeitos dessa situação no direito a férias previstos nos artigos 129.º e 127.º da LGTFP.

Com efeito, relativamente aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, no que se refere a “Faltas por doença”, determina o artigo 15.º da Lei 35/2014:

«1- A falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes.

2- Sem prejuízo de outras disposições legais, a falta por motivo de doença devidamente comprovada determina:

a) A perda da totalidade da remuneração diária nos primeiro, segundo e terceiro dias de incapacidade temporária, nas situações de faltas seguidas ou interpoladas;

b) A perda de 10 % da remuneração diária, a partir do quarto dia e até ao trigésimo dia de incapacidade temporária.

3- A contagem dos períodos de três e 27 dias a que se referem, respetivamente, as alíneas a) e b) do número anterior é interrompida sempre que se verifique a retoma da prestação de trabalho.

4- A aplicação da alínea b) do n.º 2 depende da prévia ocorrência de três dias sucessivos e não interpolados de faltas por incapacidade temporária nos termos da alínea a) do mesmo número.

5- A falta por motivo de doença nas situações a que se refere a alínea a) do n.º 2 não implica a perda da remuneração base diária nos casos de internamento hospitalar, faltas por motivo de cirurgia ambulatória, doença por tuberculose e doença com início no decurso do período de atribuição do subsídio parental que ultrapasse o termo deste período.

6- As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil.

7- O disposto nos n.os 2 a 6 não se aplica às faltas por doença dadas por pessoas com deficiência, quando decorrentes da própria deficiência.

8- As faltas por doença implicam sempre a perda do subsídio de refeição.

9- O disposto nos números anteriores não prejudica o recurso a faltas por conta do período de férias.»

Nem no artigo 15.º nem no conjunto das demais normas especiais aplicáveis aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente (artigos 16.º a 41.º da lei preambular) encontramos qualquer norma similar à que constava do artigo 19.º da Lei n.º 59/2008, alterado pela Lei n.º 66/2012, a determinar a aplicação do preceito sobre suspensão do contrato no caso de faltas por doença superior a 1 mês (ainda que só após a entrada em vigor da regulamentação específica a aprovar) ou sobre a aplicação do preceito relativo aos efeitos no direito a férias.

A ausência de uma norma com tal conteúdo em conjugação com o disposto no artigo 15.º, preceito especificamente dedicado às faltas por doença, que determina de forma categórica, no seu n.º 1, que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, leva-nos a concluir que as faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias, pois que esse não é um dos direitos do trabalhador afetado nos termos dos números 2 a 9 do artigo 15.º. Sendo apenas afetados, nos termos previstos nos n.º 2 a 8 do referido artigo 15.º, o direito à remuneração, a antiguidade e o direito ao subsídio de refeição. Pelo que, por força do artigo 15.º, n.º 1, da Lei 35/2014, aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, em caso de falta por doença prolongada (isto é, superior a 1 mês), não se aplica o disposto nos artigos 129.º e 127.º da LGTFP, preceitos que afetam o direito a férias, nomeadamente prevendo que no ano do regresso ao trabalho o trabalhador apenas terá direito a 2 dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho, não se vencendo férias a 1 de janeiro desse ano.

Como refere CLÁUDIA SOFIA HENRIQUES NUNES[3], que crê que se tratou de um lapso do legislador, «Com efeito, atendendo ao preceituado no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que determina que as faltas por doença não afectam qualquer direito dos trabalhadores abrangidos pelo regime de protecção social convergente, salvo o disposto nos números seguintes, que não contemplam qualquer estatuição relativamente aos efeitos das faltas por doenças sobre as férias, conduz-nos à conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores, quando superiores a 30 dias e se iniciem e terminem em anos civis distintos, não determinam quaisquer efeitos sobre as férias».

Esta conclusão sai reforçada pelo disposto no n.º 6 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014 de que as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos (podem, aliás, ir até aos 18 meses ou 36 meses nos termos dos artigos 25.º e 36.º), o que significa que o vínculo de emprego público do trabalhador integrado no regime de proteção social convergente não se suspendeu nos termos do artigo 278.º, n.º 1, da LGTFP. Com efeito, nos termos desta norma, as faltas por doença não podem ultrapassar os 30 dias seguidos, suspendendo-se o vínculo de emprego logo que decorrido o prazo de 1 mês (ou até antes, a partir do momento em que seja previsível que se vai prolongar por mais de 1 mês). Ora, no caso dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, resulta do n.º 6 do artigo 15.º (e de outros preceitos, como os artigos 25º e 36º) que as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos, o que significa que o vínculo de emprego público não se suspende em resultado do impedimento por doença superior a 1 mês nos termos do artigo 278.º, n.º 1, da LGTFP, pois que se assim fosse, isto é, havendo suspensão do vínculo, não continuariam a contar dias de faltas por doença; o vínculo estaria pura e simplesmente suspenso.

Como sublinham PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR[4], «(...) se as faltas podem exceder os trinta dias seguidos (embora com perda de antiguidade), é porque para os trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente o vínculo de emprego não se suspende quando incorram em mais de trinta dias seguidos de faltas, ao contrário do que determina o artigo 278.º para os trabalhadores integrados no regime geral».

Ora, não havendo suspensão do vínculo nos termos do artigo 278.º da LGTFP, não se aplica, por essa via, o disposto nos artigos 129.º e 127.º sobre os efeitos dessa suspensão no direito a férias, sendo que, em qualquer caso, os efeitos sobre o direito a férias estariam liminarmente afastados por força do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei 35/2014. Dito de outra forma, ainda que houvesse suspensão do vínculo – que, a nosso ver, não há –, ainda assim, face ao disposto no n.º 1 do artigo 15.º da lei preambular, estaria afastada a aplicação dos artigos 129.º e 127.º da LGTFP, os quais afetam o direito a férias por motivo de faltas por doença que exceda 1 mês.

A nosso ver, não vale em sentido contrário o argumento avançado pelo Demandado de que o artigo 15.º da lei preambular apenas estabelece o regime das faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime da proteção social convergente, nada dispondo sobre suspensão do vínculo de emprego público por impedimento não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de 1 mês, regendo esta suspensão o artigo 278.º da LGTFP e regendo os seus efeitos no direito a férias o artigo 129.º da LGTFP (que por seu turno remete para o artigo 127.º). É que, além de se poder dizer que a suspensão do vínculo como resultado de faltas por doença que excedam 1 mês se insere ainda no campo do “regime das faltas por doença”, resulta implícito do n.º 6 do artigo 15.º da lei preambular que, quanto a esses trabalhadores, o vínculo de emprego público não se suspende. Acresce que, admitir a aplicação dos artigos 129.º e 127.º por força da suspensão do vínculo de emprego público determinada pelo artigo 278.º da LGTFP é admitir que seja afetado o direito a férias, pelo que interpretação do Demandado levaria a que se deixasse entrar pela janela (pela aplicação dos artigos 129.º e 127.º ex vi do artigo 278.º da LGTFP) aquilo a que se fechou a porta (através da prescrição constante do n.º 1 do artigo 15.º da LGTFP de que as faltas por doença não afetam qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, nos quais não se inclui o direito a férias).

Considerando o supra exposto e respondendo à questão decidenda, à situação de um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês, por força do disposto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, não é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP. Por conseguinte, ao aplicar os artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.ºs 1 e 2, e 127.º da LGTFP à situação do Demandante, trabalhador integrado no regime de proteção social convergente, por o mesmo ter faltado ao serviço por motivo de doença por período superior a 1 mês, o ato impugnado padece de erro nos pressupostos de Direito, por errada interpretação e aplicação daqueles preceitos da LGTFP, e viola o disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Lei 35/2014.

Em suma, o ato impugnado é inválido, na modalidade de anulabilidade (cfr. artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo), por vício de violação de lei.

 

 

III.             DECISÃO

 

Atento o exposto, considera-se a ação procedente e, em consequência, anula-se o ato impugnado, por errada interpretação e aplicação dos artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.ºs 1 e 2, e 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e violação do disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

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Fixa-se o valor da ação em 30.000,01€, por o valor da causa ser indeterminável (cfr. artigo 34.º do CPTA ex vi do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CCAD).

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Notifique-se a decisão por cópia e deposite-se o original no Centro (cfr. artigo 23.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

 

Lisboa, 26 de novembro de 2015

 

O Árbitro

 

(Marisa Mirador)

 

 

 

 



[1] Foi a Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, a prever pela primeira vez, no artigo 104.º, a convergência dos regimes da função pública com os regimes do sistema de segurança social.

[2] Cfr. Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas Anotada e Comentada, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 21.

[3] V. O Contrato de Trabalho em Funções Públicas face à Lei Geral do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 208 e 209.

[4] Cfr. Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Volume, Artigos 1.º a 240.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 31.