Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 408/2022-A
Data da decisão: 2023-10-30  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação jurídica de emprego público
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DECISÃO ARBITRAL 

 

I.       Das partes, do tribunal arbitral, do objeto e saneamento processual

 

DemandanteA... (“A...”), com o NIPC ..., sede na Rua ... n.º ... -..., ..., ...-... Porto, em representação dos seus associados (elencados na petição inicial de 1 a 94 e que por economia processual se dão por integralmente aqui identificados[1]),  

 

apresentou o pedido de constituição de tribunal mediante requerimento nos termos do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (““Regulamento do CAAD”), dele fazendo constar a sua p. i 

 

contra, os Demandados, 

 

Ministério da Justiça, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa; e Instituto de Registos e Notariado, I.P., com sede na Av. D. João II, n.º 1.08.01 - Edifício H, Parque das Nações, 1990-097 Lisboa.

 

A presente arbitragem integra a área administrativa e a matéria de relações jurídicas de emprego público conforme registo #9964 da plataforma utilizada por este Centro de Arbitragem[2]. Não oferece qualquer hesitação quanto à legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada[3] conforme decorre do Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de fevereiro de 2009, nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição, in casu, administrativa.

 

De acordo com o disposto do artigo 187.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) a vinculação de cada Ministério à jurisdição deste CAAD depende da Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça[4] e daquele competente em razão da matéria, para estabelecer o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

Nessa medida, por decorrência da referida portaria, tanto o Demandante Ministério da Justiça, como o Instituto de Registos e Notariado, I.P estão vinculados a esta jurisdição[5], porquanto:

 

a composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto: questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (negrito nosso). 

 

Assim, seja pelo valor da presente ação, seja pelo objeto do litígio, é este Tribunal competente, cuja aceitação do pedido e constituição do Tribunal ocorreu de acordo com o Regulamento de Arbitragem Administrativa a 19/12/2022 [6].

 

Atenta a orientação do direito constituído, a signatária irá proferir decisão em consonância com o vertido no art. 26.º do Regulamento CAAD, tendo por base, desde logo, o primeiro Despacho Arbitral proferido a 03/04/2023.

 

Entendeu aí o tribunal conceder prazo às partes para pronúncia, respetivamente: 

 

●      ao Demandante para concretizar o número total de documentos juntos e relacionar os documentos com a respetiva data de junção numeração e associado a que se reportava e concretizar os factos da petição inicial a que se reportava cada testemunha e o tempo estimado para a tomada das declarações.

●      aos Demandados para “juntar aos autos os mapas de pessoal dos serviços, de onde conste a descrição do conteúdo funcional dos oficiais de registo e a lista de receita Emolumentar do IRN por serviços e áreas de registo de 2010 a 2022”.

●      em geral, às partes, querendo, juntar novos elementos de prova (documental), eventuais correções e esclarecimentos de questões suscitadas nas peças processuais e exercer o contraditório quanto aos documentos juntos pelas partes, pronunciar-se pelo oportunidade e/ou utilidade de realização de tentativa de conciliação, também para informar se pretendiam a gravação da audiência de prova.

 

Foi requerido pela Demandante e pelo Demandado IRN prorrogação de prazo, o qual foi concedido pelo Tribunal, com a advertência aí exarada, tendo vindo aos autos a 28/04/2023 o Demandante vindo informar que os seus associados K... J... desistiram da ação.

 

Demandante juntou prova documental (num total de 317 documentos) e a 02/05/2023 fez juntar ainda outros (num total de 16) e indicou os pontos da petição inicial e os factos a que cada testemunha iria prestar o seu depoimento e a previsão temporal.

 

Por sua vez, o Demandado IRN juntou os elementos que lhe havia solicitado este Tribunal, o que fez pela via We Transfer junto da secretaria.

Sem prejuízo do requerido, nomeadamente quanto à prova documental junta pelo Demandante a 17/05/2023, o Demandado IRN veio ainda manifestar a desnecessidade de realização da tentativa de conciliação e a pretensão de ver a audiência de julgamento gravada. 

 

Já o Demandante, por requerimento de 22/05/2023, pronunciou-se quanto aos documentos juntos pelo IRN e manifestou a abertura à realização de tentativa de conciliação e a intenção de ver gravada a audiência.

 

Importa ainda relevar o seguinte: a 10/07/2023, por despacho do Tribunal, foi designada data e hora para a diligência de inquirição das testemunhas, dando-se expressão ao disposto no artigo 151.º do CPC e solicitou-se às partes a indicação do modo de realização das inquirições das testemunhas arroladas.

 

Da longa tramitação deste processo e mediante despacho datado de 28/08/2023, este Tribunal decidiu dar sem efeito a data inicialmente proposta e relegar para data posterior determinando a notificação às partes informem o Tribunal se pretendem manter o rol de testemunhas ou requerer a sua alteração, indicando ao abrigo da cooperação, qual a matéria de facto em que assentará cada depoimento.”   

 

Posto isto, trespassada a fase instrumental, em apelo à alínea b) do art.º 5.º do Regulamento CAAD compete-nos a “Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis”.

 

Em consonância com o artigo 30.º, n.º 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (“LAV”) quando não sejam definidas regras processuais aplicáveis à presente arbitragem, supletivamente, serão aplicadas os conceitos e regras decorrentes, em primeira linha, do CPTA e depois do Código de Processo Civil (CPC) em consonância com o art. 206.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Chegados aqui, saneado o processo, cumpre decidir: 

o Tribunal é competente e foi validamente constituído;

as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas;

a representação das partes por mandatários está conforme;

inexiste matéria a decidir quanto ao âmbito acima indicado;

não subsistem nulidades processuais ou de outra natureza.

 

Atribui-se à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

 

Como predecessora à decisão a consignar, resulta da tramitação o entendimento quanto ao objeto do litígio e de questão decidenda, não obstante se reportar na sua extensão, à matéria de direito. Releva-se e foi valorado os meios de provas, designadamente a (vasta) prova documental junta pelas partes durante a fase dos articulados e a prova testemunhal arrolada (pelo Demandante). 

 

A tentativa de conciliação foi dispensada tendo-se realizado a audiência e produzido alegações   orais finais, dando-se como reproduzidas, no ficheiro constante na plataforma, diligência ocorrida a 09/10/2023

 

O tribunal entende existir nos autos e de forma comprovada factos que justificam que a presente decisão não tenha sido proferida nos 6 (seis) meses a contar da data da constituição do tribunal, ocorrida com a comunicação às partes da sua composição, nos termos do artigo 25.º do Regulamento CAAD.

 

Inexiste novos elementos documentais, correções ou esclarecimentos suscitados.   

 

II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes:

 

Demandante A..., em representação dos seus associados identificados intentou “ação administrativa com vista ao reconhecimento do direito ao recebimento de abono para falhas e à condenação à prática do ato devido”, cujo petitório incide, a final, (sic):

 

a)     “ser reconhecido por parte do IRN o direito aos associados do Autor acima identificados com a categoria de assistente técnico ao abono para falhas desde 2009 (desde a alteração da lei do abono para falhas) até 2020 (altura em que entrou em vigor a deliberação do Réu IRN), com a condenação á prática do ato devido e consequências da emissão do mesmo, nomeadamente o cálculo e pagamento;”

b)     “ser reconhecido por parte do IRN e Ministério da Justiça o direito aos associados do Autor acima identificados com a categoria de oficias de registo e conservadores de registo ao abono para falhas desde 2009 (desde a alteração da lei do abono para falhas) até hoje e a condenação á prática dos atos legalmente devidos (despachos e deliberações) e consequências da emissão dos mesmos, nomeadamente o cálculo e pagamento por parte do IRN;” ou caso não se entenda suficiente o peticionado em b)

c)     ser reconhecido por parte do IRN e Ministério da  Justiça o direito aos associados do Autor acima identificados com a categoria de oficiais de registo e conservadores de registo ao abono para falhas desde 2009 (desde a alteração da lei do abono para falhas) até hoje e a condenação á prática dos atos legalmente devidos, nomeadamente o MJ encetar todas as  diligencias necessárias á obtenção do acordo junto de outras entidades para que seja viabilizada a pretensão do Autor em representação dos associados ou seja, para que sejam emitidos os atos legalmente previstos e sejam dali retiradas as  consequências da emissão dos mesmos, nomeadamente o calculo e pagamento por parte do IRN.”

 

O Demandante invoca para o efeito que os associados (Assistentes Técnicos, Oficiais de Registo e Conservadores), solicitaram junto do Demandado IRN “por exercerem funções de caixa, ou seja, por atenderem o público na Conservatória onde exercem funções ou Loja do Cidadão ou Arquivo Central e ficarem responsáveis pela receção, manuseamento e guarda do dinheiro recebido, deviam auferir pagamento correspondente a abono para falhas.”

 

Em resposta, o IRN revelou ser do entendimento que “no sentido de não se mostrarem reunidas as condições legais para a atribuição do suplemento remuneratório abono para falhas aos oficiais de registo, pois, face ao disposto no n.º 5 do art. 6.º do Decreto-lei n.º 145/2019 de 23 de setembro, a atribuição do abono para falhas aos oficiais de registo está condicionada á respetiva previsão e regulamentação na Tabela Única de Suplementos da Administração Pública (cuja revisão está prevista, mas todavia, ainda não sobreveio)” ou, noutros casos, o enviou um flash informativo aos associados, ainda outros, nem resposta obtiveram e outros, nem solicitaram àquele IRN.

 

Em síntese, o Demandante alega que: 

 

a)    Os associados do Demandante, Assistentes Técnicos, Oficiais de Registo e Conservadores, todos eles identificados na petição inicial, “atendem público nas Conservatórias, Arquivos Centrais e Lojas do Cidadão e nessa medida recebem dinheiro pela emissão de certidões, cartões do cidadão, atos de registo, entre outros”, de maneira que, “tal função de cobrança implica o manuseamento e guarda de dinheiros e valores públicos, pelos quais os associados do Autor são responsáveis.”

b)    O entendimento sufragado pelo Demandante assenta no facto de “Os associados do Autor no âmbito das suas funções procedem de forma efetiva, regular e continuada á cobrança de valores respeitantes á emissão dos documentos solicitados pelo público e fixados em tabela, ficando com as quantias cobradas á sua guarda”,”Quantias estas das quais aqueles são responsáveis, sendo que em caso de perda, engano, extravio, furto ou roubo, eles têm de restituir os valores cobrados.”

c)     Motivo pelo qual, entende a Demandante, os seus associados “(…) deviam auferir pagamento correspondente a abono para falhas.”

d)    Daí que pretenda, “na presente ação em representação dos associados o reconhecimento do direito ao recebimento desse abono para falhas aos seus associados, a condenação na prática do ato devido e as consequências que dali derivam: pagamento do valor correspondente ao abono para falhas desde 2009 (e até 1 de junho de 2020 para o caso dos assistentes técnicos associados do Autor dado que os mesmos auferem esse suplemento desde esse dia), em valor a calcular pelo IRN, por confronto com os mapas de assiduidade de cada um dos associados, dado que o abono apenas é pago quando o funcionário está em exercício de funções efetivo e não em períodos de férias e ausências de outro tipo (doença, ou outra).”

 

A esta factualidade, o Demandado, alegou e por economia processual reconduz-se ao seguinte núcleo essencial da posição da Demandante:

 

a)     “O abono para falhas aparece regulado, de forma uniforme, pelo Decreto-lei n.º 4/89 de 6 de janeiro.” 

b)     Na sua versão atual, “alterado pelo art. 24.º da LOE para 2009, ou seja, pela Lei n.º 64-A/2008, passando a constar do mesmo que: 

“art. 1.º

O presente diploma é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado (…) “

c)     Já no seu artigo 2.º, encontramos a seguinte redação: 

“1 – Têm direito a um suplemento remuneratório designado abono para falhas os trabalhadores que manuseiem ou tenham á sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores numerários, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis. 

2 – As carreiras e ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito a abono para falhas, são determinadas por despacho conjunto do respetivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

3 – O direito a abono para falhas pode ser reconhecido a mais de um trabalhador por cada órgão ou serviço, quando a atividade de manuseamento ou guarda referida no n.º 1 abranja diferentes postos de trabalho.”

d)     Por sua vez, apresenta-se o artigo 4.º da seguinte forma: “O montante pecuniário do abono para falhas é fixado na portaria referida no n.º 2 do art. 68.º da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro”.

e)     Depois, do conjunto de normas aplicável ao caso vertido na presente ação, é de relevar o Despacho n.º 15409/2009 de 30 de junho, pelo Ministro do Estado e das Finanças, dia 8 de julho de 2009 foi publicado na 2.º série do Diário da República, que, nos seu n.º 1, 5 e 6, nos diz: 

“Nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, determina-se o seguinte: 1 - Têm direito ao suplemento designado «abono para falhas», regulado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.

5 - O reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores integrados noutras carreiras, ou titulares de outras categorias, efectua-se mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública. 

6 - O presente despacho produz efeitos a 1 de Janeiro de 2009, relativamente aos trabalhadores que nessa data se encontrassem nas condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas.”

f)      Ao abrigo de tal despacho, “apenas por deliberação do Conselho Diretivo do IRN de 1 de junho de 2020, foi concedido tal abono aos assistentes técnicos, nomeadamente aos aqui associados no IRN, embora isso tenha ocorrido 11 anos depois da alteração da lei e do despacho que autoriza tal reconhecimento.”

g)     Na perspetiva do Demandante, tal deliberação deveria ter sido adotada, logo, em 2009, razão pela qual, peticione “o pagamento dos abonos para falhas aos assistentes técnicos associados do Autor identificados supra desde 2009 até 2020.”

h)     Quanto aos demais associados do Demandante, “os conservadores de registo e os oficiais de registo acima identificados, por exercerem as mesmas funções que os assistentes técnicos no tocante ao recebimento, manuseamento e guarda de quantias entregues pelo público em Conservatórias, Lojas do Cidadão, Arquivos Centrais, e eventual desaparecimento, também se justifica a atribuição desse mesmo abono para falhas.”

i)      Alega o Demandante, “verificam-se os requisitos para atribuição do abono para falhas aos oficiais de registo e aos conservadores de registo associados do Autor e acima identificados.”

j)      Sendo este ato devido e a ser praticado no caso concreto dos associados do Demandado.

k)     Vem ainda acrescentar que “de acordo com o Decreto-Lei n.º 145/2019 o conservador de registos e o oficial de registos beneficiam dos suplementos previstos no presente decreto-lei e demais legislação que lhe seja aplicável.”

l)      E, “de acordo com a informação colhida, o IRN e o Ministério da Justiça são as entidades que têm indeferido os pedidos, e por isso se pretende que os mesmos sejam condenados a reconhecer o direito dos associados do Autor e a concretizá-lo.”

 

Regularmente citados, os Demandados deduziram as suas contestações, apresentaram defesa por impugnação de (alguma) da factualidade invocada pelo Demandante e da interpretação da matéria de direito convocada para o litígio. 

 

Da emergente factualidade enunciada Demandando IRN traz à colação, em síntese que: 

 

a)     Quanto aos associados do Demandante, a exercer funções na Loja de Cidadão de ... (associados n.º 4, 6, 9, 46 e 93), integrantes da carreira e categoria de assistente técnico, trabalham, em grande parte, em modo de front office e, esporadicamente, em back office;

b)     Nas tarefas de back office, não se incluem a cobrança de emolumentos, apenas se verificando quando em modo de front office, quando com acesso à respetiva funcionalidade do programa informático;

c)     Tais postos de trabalhos são caraterizados no Mapa de Pessoal da Loja do Cidadão de ... a ocupar por Assistentes Técnicos, os quais, exercem funções de manuseamento, guarda de dinheiro e valores[7];

d)     Alude ainda o IRN, aos Associados n.º 42 e 91, ambas Conservadores de Registo, sendo os demais, integrantes da carreira e categoria de Oficial de Registo;

e)     Por referência ao Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro[8], refere-se o IRN ao perfil profissional e conteúdo funcional do Conservador e do Oficial de Registos, quanto ao 1.º, conclui, não se enquadra nas suas funções o manuseamento de valores e, já quanto ao 2.º, nas suas funções, integra-se o atendimento ao publico e, como tal, o manuseamento de dinheiro.

f)      Antes da revisão das carreiras operada por tal Decreto-Lei, os Oficiais de Registo, associados do Demandante, integravam as carreiras de escriturário e de ajudante dos registos e notariado, já a carreira de Conservador, integrava 3 vertentes distintas, sendo que, as suas funções eram registais, de assessoria jurídica, de chefia e direção da Conservatória[9], de onde, concluiu o IRN, por regra e salvo “imperiosas razoes de serviço”, não exerciam funções de manuseamento e guarda de valores.

g)     Por sua vez, os Oficiais de Registo, integravam as carreiras de escriturário e de ajudante dos registos e notariado, aqui, já se incluía nas suas funções o atendimento ao público e, por conseguinte, a cobrança de emolumentos.

h)     Refere o IRN, desde 2020, os Mapas de Pessoal de cada serviço, existem postos de trabalho a ocupar por conservadores, oficiais de registo e assistentes técnicos, de todo o modo, para os oficiais de registo, alguns destes postos estão caraterizados com funções de cobrança e manuseamento de dinheiro[10].

i)       Em todo o caso, para os Conservadores, nenhum posto de trabalho está caraterizado com tais funções.

j)      Quanto ao regime remuneratório, rege o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, no qual nos define em que consiste remuneração base, quais os suplementos previstos (e outros previstos em legislação especial), precavendo-se a previsão de novos suplementos, “aquando da revisão da tabela única de suplementos da Administração Pública.”

k)     Não finaliza o IRN, sem antes mencionar o Despacho n.º 15409/2009 e os requerimentos submetidos por trabalhadores a exercer funções em Lojas do Cidadão, a solicitar o reconhecimento do direito ao abono para falhas e o respetivo pagamento, com efeitos retroativos a 01/01/2009.

l)      Tais requerimentos foram objeto de analise (Informação PC n.º 94/2009-SAJRH), na qual se concluiu não existir o direito invocado pelos Requerentes, sendo que, foram intentadas as ações administrativas identificadas;

m)   Já no ano de 2019, o STRN, por requerimento, solicitou o reconhecimento do direito ao abono para falhas e o respetivo pagamento, depois de analisado (Informação PC n.º 144/DRH/2020), o Conselho Diretivo do IRN deliberou aprovou e, por sua vez, remeteu ao Gabinete do Secretário de Estado da Justiça (Oficio n.º 1103/DRH-SAJPR/2020, de 10/07/2020), para este, por sua vez, solicitando-se, caso merecedor de concordância, iniciadas as diligencias tendentes à emissão do despacho conjunto mencionado no Despacho n.º 15409/2009;

n)    “Por via do flash informativo n.º 307/2020, de15/07, foi divulgado pelos trabalhadores do aqui co-demandado que, por deliberação do Conselho Diretivo de 01/06/2020 – e ao abrigo do n.º 1 do Despacho n.º 15409/2009 – foi reconhecido o direito à perceção de “abono para falha” aos assistentes técnicos que ocupem um dos posto de trabalho que se encontre caraterizado no mapa de pessoal do IRN, IP como integrando a “responsabilidade, no âmbito da cobrança, de manuseamento, e/ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos similares”, desde que tais atividades lhes estejam concretamente atribuídas e seja prestado trabalho efetivo ou se verifique equiparação legal à prestação desserviço efetivo. Tendo simultaneamente, sido esclarecidos os procedimentos a seguir ara o pagamento do aludido suplemento remuneratório.”

o)    Depois, quanto aos Oficiais de Registo, recaiu a Informação n.º 1 SEJ/2020, com a concordância da Secretária de Estado da Justiça, proferida por despacho, a 26/11/2020: “não se encontram reunidas as condições para a atribuição do suplemento remuneratório abono para falhas aos oficiais de registo.”

p)    Finalmente, acrescentou o IRN, tendo a maioria dos associados solicitado o pagamento do abono para falhas no ano de 2022, tal pretensão veio indeferido, por “não se encontrarem reunidas as condições legais para a atribuição do suplemento remuneratório”, isto face ao disposto no Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.

a)     No essencial o enquadramento é o mesmo do Demandante, ressalvando a matéria em que as partes se afastam quanto às seguintes alegações: A possibilidade de atribuição de abono para falhas pressupõe 3 condições cumulativas: a ocupação de posto de trabalho caraterizado com atividade de tesouraria ou cobrança de valores, a descrição de tais funções no mapa de pessoal e a atribuição efetiva de tais funções ao trabalhador; e, já não, em contraponto com a interpretação do Demandante, a mera integração na carreira de assistente técnico. 

b)     Dai que, apenas a partir de 2020, com a inscrição dos postos de trabalho de assistente técnico nos mapas de pessoal inerentes ao manuseamento de dinheiro passaram a estar reunidos todos os pressupostos para o reconhecimento do suplemento – deliberação do Conselho Diretivo de 01/06/2020;

c)     Da mesma forma, não se podendo retroagir os efeitos a 2009, já que, nessa data, nenhum dos postos de trabalho ocupados por assistentes técnicos estava caraterizado, no mapa de pessoal, como manuseamento de dinheiro – daqui retira o IRN a falta de fundamento para o pedido de condenação a reconhecer o direito ao abono para falhas – para os assistentes técnicos.

d)     Já quanto aos demais Associados do Demandante integrados nas carreiras especiais de registo, ainda que estejam caraterizados nos respetivos mapas de pessoal como manuseamento de dinheiro, por não serem titulares de categoria e carreira de assistente técnico, “por si só” afasta o direito a auferir o abono para falhas, pois o despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública “não sobreveio”, muito menos, a revisão da tabela única de suplementos da Administração Pública.

e)     Nem mesmo o facto de, segundo o Demandante, estes trabalhadores exercerem funções idênticas aqueloutras dos assistentes técnicos seria relevante para a atribuição do abono.

f)      Mas, mais, entende o IRN, os trabalhadores da categoria e carreira especial dos registos “integram uma carreira de regime especial, com um grau de complexidade superior ao da carreira de assistente técnico e à qual está associado um regime remuneratório próprio” e, das disposições estatutárias aplicáveis, “resulta que, acessoriamente, mas por inerência, os atos que os oficiais de registo e conservadores de registos praticam são suscetíveis de determinar a cobrança de emolumentos e/ou taxas.”

g)     Por outra perspetiva, aduz o IRN, “este suplemento remuneratório (como, de resto, todos os outros), é devido “pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentem condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caraterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria” , está referenciado “ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos”, sendo exclusivamente atribuído a quem os ocupe e é apenas devido “enquanto perdurarem as condições de trabalho que determinam a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.”

h)     E, assim, nenhum mapa de pessoal dos serviços do IRN, em especial nos serviços a que pertencem as associadas Conservadoras, contêm postos de trabalho de Conservador de Registos com tais funções.

i)      Considerando o antecedente, ainda haverá a considerar o concreto montante a abonar, que poderá não se reportar ao mês, mas, como preceituado no Decreto-Lei n.º 4/89, a dias e proporcional do tempo de serviço prestado no exercício de tais funções e de acordo com a fórmula plasmada no n.º 2 do artigo 5.º, tal significa que existe a reversibilidade diária deste suplemento.

j)      A reverter ta consideração para os associados do Demandante, o montante a atribuir a cada um deles “só pode ocorrer mediante a aferição e comprovação da data em que realmente, cada um terá ocupado um posto de trabalho caraterizado no mapa de pessoal com integrando a responsabilidade, no âmbito de cobrança, de manuseamento e/ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos similares, bem como em que, efetivamente, terá desempenhado tais funções. 

k)     Concluindo, face à afirmação, o Demandante não cumpriu o ónus inscrito no artigo 342.º do CC.

l)      E, mais, aduz o IRN, caso fosse reconhecido o direito ao abono por faltas aos associados do Demandante, tal ato administrativo, apenas poderia produzir efeitos para o futuro, desde a data que fosse praticado.

 

Por conta da contestação apresentada pelo co-demandado MJ, a qual, resume, em grande conta, a sua posição pelo recurso à matéria de direito, este Tribunal destaca: 

 

a)     Da conjugação do artigo 2.º, n.º 2 e 3 e artigo 2.º-A, do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06 de janeiro e pontos 2 e 5 do Despacho n.º 15409/2009, de 08 de julho, é essencial “o efetivo exercício de uma função particularmente relacionada (“inerente”) com a guarda ou manuseamento e enquanto perdurarem as condições que determinaram a sua atribuição – fundamentando tal proposta na circunstância de tais trabalhadores movimentarem elevados montantes – relativos às taxas e emolumentos cobrados – quantias que ficam à sua guarda e pelos quais são responsáveis no caso de se verificarem falhas contabilísticas e/ou erros na arrecadação da receita, e leia-se: no cálculo ou cobrança de taxas ou emolumento, a que está associado de risco de movimentação de valores e das condições específicas em que é praticado determinado trabalho.”

b)     Entende o MJ, face a tal exigência e por referência ao alegado pelo Demandado, não foi alegado que os associados do Demandado preenchem tal condição, “embora digam, genericamente, que preenchem essa condição, por cobrar dinheiro aos utentes, próprio, das funções do respetivo atendimento ao público.”

c)     Mas, maior motivo de discórdia face à posição do Demandante, é o entendimento relativamente à “cobrança que a lei e o consequente despacho ministerial se reportam.”

d)     Prossegue o MJ: ”o direito ao abono de que os Autores são sujeitos, ainda que constituindo um complemento remuneratório, só existe em função do equilíbrio entre um risco e uma responsabilidade “acrescidos”, em concreto, aos Autores. Sendo assim, circunstancial.”

e)     Esta responsabilidade acrescida, faz ultrapassar o risco comum, “ou seja, o legislador quis tutelar apenas o grau de risco acrescido, severo e fora do comum com consequências eventualmente violentas em sede de responsabilidade dos trabalhadores, como será o caso da “área de cobrança e tesouraria”, como indica também a expressão “condições de trabalho mais exigentes” – vide, para o efeito, o artigo 73.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro.”

f)      Só assim se compreende a articulação com o disposto no “artigo 2.º-A, aditado, ao Decreto-Lei n.º 4/89, de 06 de janeiro, tivesse vindo exigir que o «reconhecimento do direito» depende de que tal proposta tenha de ser, sempre, «devidamente» fundamentada, pelo menos, por referência, não apenas à ou às carreiras abrangidas; mas também aos riscos efetivos; às responsabilidades que impendem sobre os funcionários e ou agentes sujeitos do abono e aos montantes anuais envolvidos.”

g)     Daqui se inferindo, o abono para falhas não é um direito automático.

h)     Ainda para mais, “o Decreto-Lei n.º 25/2015, de 06 de fevereiro, que veio explicitar as obrigações ou condições específicas que podem fundamentar a atribuição de suplementos remuneratórios aos trabalhadores abrangidos pela LTFP, bem como a forma da sua integração na Tabela Única de Suplementos (TUS)4, prevê no seu artigo 2.º, n.º 1 que a atribuição de suplementos remuneratórios só é devida quando as condições específicas ou mais exigentes não tenham sido consideradas, expressamente, na fixação de remuneração base da carreira ou cargo e enquanto perdurarem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.”

i)      Por mais, a inserção do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, “desta norma no diploma que estabelece o regime remuneratório das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, identificando o número de posições remuneratórias e os respetivos níveis da tabela remuneratória, pretende afirmar que a tal estava subjacente a intenção do legislador em afastar a aplicação do regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 4/89, de 06 de janeiro, relativamente aos trabalhadores integrados nas carreiras especiais de conservador de registo e de oficial de registos e, outrossim, a possibilidade de – com observância do disposto no artigo 2.º-A e ao abrigo do artigo 2.º, n.º 2, ambos desse mesmo Decreto-Lei, conjugado com o n.º 5 do Despacho do Ministro do Estado e das Finanças n.º 15409/2009 (que tem por norma habilitante o artigo 2.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei), de, através de despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública – lhes ser reconhecido o direito à atribuição de abono para falhas.”

j)      Tal foi intenção claro do Legislador neste dispositivo especial - o artigo 6.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro - quando pretende afirmar, que não tendo afastado a possibilidade de se prever a atribuição de outros abonos a estes trabalhadores, para além dos já previstos neste diploma, remeteu uma tal decisão para momento ulterior, a saber, o da revisão da Tabela Única de Suplementos da Administração Pública.”

k)     E ainda que a Tabela única de Suplementos não tenha sido aprovada, a atribuição de abono para falhas aos oficiais de registo está condicionada àquela tabela.

l)      Daqui se concluindo, face a este enquadramento inexiste fundamento legal para ser atribuído o abono para falhas.

 

Com estas alegações, terminam e concluem os Demandados que deve a ação ser julgada absolutamente improcedente, devendo o tribunal, absolvê-los do pedido.

 

Ainda durante a fase dos articulados, o Demandante fez juntar, pelo menos em cinco impulsos, extensa prova documental, nomeadamente, a 12/10/2022, 20/10/2022, 24/11/2022, 02/12/2022 e 02/05/2023 e ainda a prova testemunhal. 

 

Tiveram as partes oportunidade de esgrimir argumentos da pertinência da junção e exercer o contraditório e, não obstante da admissibilidade ser regulada pelo art. 423.º do CPC, decidiu o Tribunal admitir a prova, ainda que, não se pronunciasse por escrito, antes, resultando da própria audiência e que não foi contestada pelas partes, ocorrida a 09/10/2023. 

 

Confrontados os requerimentos probatórios, na mesma medida, as posteriores junções de documentos, como indicado pela Demandante e Demandado nas respetivas peças processuais (cfr. art. 20.º, n.º 1 do “Regulamento CAAD”), verifica-se que as partes indicaram prova documental, tanto Demandante e Demandados e testemunhal, pela parte do Demandante.

 

Quanto à prova documental do Demandante, aproveita-se a discriminação efetuada por esta parte no seu requerimento de 02/05/2023 – para onde se remete, atenta a quantidade de prova documental junta, pelo qual, datou e identificou os documentos juntos por data e associado [11].

 

Já pelo Demandado IRN, com o seu articulado, ao abrigo do disposto no artigo 12.º do Regulamento do CAAD, foram juntos 14 (catorze) documentos, mas, quanto ao processo administrativo, o mesmo inexiste[12].

 

Quanto ao Demandando MJ, ainda requereu a junção de 2 (documentos): 

●    Informação n.º 1/SEJ/2020 – Documento n.º 1.

●    Informação n.º 1418/DRJE/DGAEP/2020 – Documento n.º 2.

 

Posteriormente, em resposta ao ordenado em sede de despacho arbitral, datado de 03/04/2023, nomeadamente à junção dos “mapas de pessoal dos serviços, de onde conste a descrição do conteúdo funcional dos oficiais de registo e a lista de receita Emolumentar do IRN por serviços e áreas de registo de 2010 a 2022”, veio o IRN fazer juntar 69 documentos. 

 

Chegados aqui, considera-se produzida a prova testemunhal através dos 7 (sete) depoimentos prestados pelas testemunhas do Demandante: L..., M..., N..., O..., P..., Q... e R...[13].

 

Assente as considerações anteriores, cumpre apreciar e decidir ao abrigo do art. 25.º do Regulamento CAAD “descrição concisa da base factual, probatória e jurídica que a fundamenta.”

 

III - Da Fundamentação de Facto:

 

O Tribunal dá como provada a seguinte factualidade: 

 

A – factos provados:

 

  1. As carreiras e categorias dos associados do Demandante, por economia processual remete-se para o indicado por aquele na Petição Inicial (artigo 27.º a 120.º):
  2. Para os assistentes técnicos B..., C..., D..., E..., V... (artigos 32, 35, 72, 84.º e 118.º da PI);
  3. Para os Conservadores G... e H... (artigos 68.º e 117.º da PI); e
  4. Os demais, Oficias de Registo (artigos 27.º a 32.º, 33.º, 34.º, 36.º a 67.º, 69.º a 83.º, 85.º a 116.º e 118.º a 120.º);   
  5. Os assistentes técnicos e os oficiais de registo associados do Demandante, no exercício das funções, asseguram o atendimento ao público e, por isso, eram responsáveis pelo manuseamento ou por terem à sua guarda valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis;
  6. Os assistentes técnicos associados do Demandante, já exerciam as suas funções na Loja de Cidadão de ... à data de publicação do Despacho n.º 15409/2009, exercendo as mesmas funções até à data presente;
  7. A maioria dos associados do Demandante, melhor identificados na PI, solicitaram ao IRN, o pagamento de abono para falhas por exercerem funções de caixa, ou seja, por atenderem o público na Conservatória onde exercem funções ou Loja do Cidadão ou Arquivo Central e ficarem responsáveis pela receção, manuseamento e guarda do dinheiro recebido;
  8. O requerimento dos associados do Demandante foi sujeito a resposta, pela qual, o IRN, veio dar conhecimento que não tinha direito ao pagamento do abono, por não se mostrarem satisfeitas as condições legalmente impostas para tal;
  9. Ou, com os mesmos fundamentos, o IRN enviou um flash informativo a dar-lhes nota disso mesmo;
  10. Os associados do Demandante, com a ressalva dos Conservadores, os quais, apenas residualmente exercem tais funções, fazem atendimento ao público, o que inclui o recebimento e manuseamento de quantias em dinheiro e inclui, entre outros, o manuseamento e guarda de dinheiros e valores públicos, pelos quais os associados do Autorsão responsáveis;
  11. Estas tarefas de atendimento ao público inserem-se no front office, sendo que, quando as necessidades assim o determinam desempenham tarefas de back office;
  12. Tais tarefas, concretize-se, atendimento ao público, quanto aos assistentes técnicos e oficias de registo, inserem-se no conteúdo funcional da categoria e carreira, segundo o disposto no respetivo estatuto;
  13. Desde 2020, nos mapas de pessoal do IRN estão caraterizados postos a ocupar por assistentes técnicos e oficiais de registo com funções de cobrança, da responsabilidade pelo manuseamento e/ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.
  14. Nos referidos mapas de pessoal não vêm qualificados postos de trabalho de Conservadores de Registo com tais funções;
  15. Logo após a publicação do Despacho n.º 15409/2009, por trabalhadores a exercer funções junto de Lojas do Cidadão de Aveiro, Braga, Lisboa, Porto, Setúbal, Viseu e do Departamento do Cartão de Cidadão, foi solicitado abono para falhas, com efeitos retroativos a 01/01/2009,
  16. Tal pretensão foi negada, de acordo a fundamentação da Informação PC n.º 94/2009-SAJRH, de 16/12/2009;
  17. Tal decisão foi contestada pelas vias judicias, depois de decorridos os seus trâmites foram proferidas sentenças, já transitadas em julgado, na sua maioria a indeferir as pretensões dos referidos trabalhadores;
  18. Em 16/07/2019, o Demandado apresentou requerimento a solicitar o reconhecimento à atribuição do abono para falhas para os Assistentes Técnicos a exercer tais competências e respetivo pagamento; 
  19. Por via da Informação PC n.º 144/DRH/2020, do Conselho Diretivo do IRN, remetida, pelo Oficio n.º 1103/DRH-SAJRH/2020, de 10/07/2020, ao Secretário de Estado Justiça, deliberou-se o reconhecimento do direito ao abono para falhas aos assistentes técnicos a ocupar postos de trabalhos previstos nos mapas de pessoal com responsabilidade na área de cobrança e o respetivo pagamento (nos termos melhor descritos nos referidos documentos) e, ainda, quanto aos oficiais de registo identificados no mapa de pessoal como ocupando tais postos de trabalho, a atribuição deste abono, para tanto, sendo solicitado o despacho previsto no Despacho n.º 15409/2009;
  20. A decisão foi transmitida por via do flash informativo n.º 307/2020, pelo qual, foi reconhecido o direito a receber o abono aos assistentes técnicos nas condições ali descritas e, quanto aos oficiais de registos, pelo ofício n.º ... de 26/11/2020, dando conhecimento da Informação n.º 1/SEJ/2020, conclui-se não estarem reunidas as condições para a atribuição do abono ;
  21. A DGAEP, após analise e concordância do Diretor Geral – Informação n.º 1418/DRJE/DGAEP/2020 e despacho de 09/12/2020 – acompanhou o entendimento vertido na Informação n.º 1/SEJ/2020.

 

B – factos não provados:

 

  1. As Conservadores G... e H... eram responsáveis pelos dinheiros e valores recebidos no atendimento ao público.
  2. Os concretos períodos ou datas concretas em que foram prestadas as funções de cobrança pelos associados do Demandante.

 

C – fundamentação da matéria dada como provada e não provada:

 

Para a fixação da matéria de facto, tanto a dada como provada, como a não provada, concorreu a invocação factual das partes (por acordo), a prova documental junta, sem descurar a prova testemunhal, aquela indicada pelo Demandante. 

 

Neste campo, cumpre destacar o depoimento prestado por L..., testemunha dos associados B..., C..., D..., E... e F..., todos assistentes técnicos na Loja do Cidadão de ... que,  resumidamente, confirma que trabalham juntos há 23 anos, todos exerciam funções no atendimento ao público e no manuseamento de dinheiro e valores, os dinheiros recebidos eram registados nas folhas de caixa de cada trabalhador e, para além disto, exerciam mais abrangentes.

 

M..., sumariamente afirmou que o associado exerce funções de coordenador, manuseia dinheiro e valores e conferência de dinheiro cobrado pelos demais assistentes técnicos no exercício das respetivas funções.

 

N..., testemunha do associado W..., asseverou que o trabalhador exerce funções de atendimento ao público, desde 2009, manuseia dinheiro e valores, ocasionalmente, efetuando serviço de backoffice. Mais, afirmou que nenhum dos funcionários da Conservatória de ... recebe abono para falhas e ter existido situações de reposição de dinheiro em falta.

 

O..., testemunha da associada X..., afirmou que o trabalhador efetua trabalho de back front office, no exercício de tais funções recebe quantias proveniente de cobrança de impostos, regista os recebimentos de valores cobrados nas folhas de caixa e, em caso de extravio de valores cobrados, o trabalhador tem de repor as quantias em falta.

 

P..., testemunha da associada Y..., Z... e AA..., no seu depoimento afirmou ser atendida, pelo menos há 15 anos pela associada Y..., Z... e AA..., sendo atendida por estas, não notando diferenças no atendimento e quanto ao procedimento em caso de falta de valores, informou serem os funcionários a repor. 

 

Q..., testemunha dos associados Y..., Z... e BB..., afirmou que os associados recebem pagamentos em dinheiro, sendo de seu conhecimento, em caso de desaparecimento de valores, os associados têm de repor tais quantias.

 

R..., testemunha da associada CC..., afirmou conhecer há mais 10 anos, efetua atendimento ao público e recebe valores.    

 

IV – Da fundamentação de direito:

 

Fixados os factos relevantes da questão a decidir, importa agora aplicar o Direito, não, sem antes, deixar uns breves apontamentos sobre o enquadramento jurídico dos factos.  As partes agitaram os respetivos articulados no essencial respeitante à matéria de direito.

 

Em matéria de abono para falhas, regula o disposto no Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, no qual, no seu preâmbulo, anotou o legislador: 

 

“Se relativamente aos funcionários integrados na carreira de tesoureiro não se levantam dúvidas sobre o direito ao abono, inerente ao seu conteúdo funcional, o mesmo não sucede quanto a outros funcionários ou agentes que, também situados nas áreas de tesouraria e cobrança, deverão igualmente ver acautelado o risco que o exercício das suas funções envolve. O presente diploma visa, em suma, compensar os riscos inerentes ao exercício das funções referidas e uniformizar o montante atribuído a título de abono para falhas.”

 

Este diploma, na sua versão original, era “aplicável aos funcionários e agentes da administração central e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.”

 

Este diploma, na sua versão original apresentava os seguintes corpos normativos: 

Artigo 1.º O presente diploma é aplicável aos funcionários e agentes da administração central e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.

Art. 2.º - 1 - Têm direito a abono para falhas:

a) Os funcionários integrados na carreira de tesoureiro e os portageiros da Junta Autónoma de Estradas;

b) Os funcionários ou agentes que, não se encontrando integrados na carreira de tesoureiro, manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.

2 - No caso da alínea b) do número anterior, as categorias que em cada departamento ministerial têm direito ao abono para falhas são determinadas por despacho conjunto do respectivo ministro e do Ministro das Finanças.

 

A alteração ao Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de setembro, anotou no seu preâmbulo o seguinte trecho que consideramos ser de relevar: “(…) mostra-se assim conveniente esclarecer que o reconhecimento do direito ao abono para falhas ao abrigo da aludida disposição legal pode ser feito relativamente a qualquer trabalhador não integrado na carreira de tesoureiro que seja responsável direto pelo manuseamento e guarda de dinheiros ou valores públicos. Considerou-se, entretanto, que, atenta a diversidade de situações existentes nos serviços e as diferentes formas de organização interna das responsabilidades pelo manuseamento e guarda de dinheiros públicos, era desejável flexibilizar os critérios de atribuição do abono para falhas, sem prejuízo da indispensável equidade entre o risco e a responsabilidade.”

 

Por sua vez, “a mais recente” alteração foi introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (artigo 29.º da LOE de 2009), passando este a dispor o seguinte:

 

“Artigo 1.º

O presente diploma é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como, com as adaptações respeitantes às competências dos correspondentes órgãos das autarquias locais, aos serviços das administrações autárquicas.

Artigo 2.º

1 - Têm direito a um suplemento remuneratório designado 'abono para falhas' os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.

2 - As carreiras e ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito a 'abono para falhas', são determinadas por despacho conjunto do respectivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

3 - O direito a 'abono para falhas' pode ser reconhecido a mais de um trabalhador por cada órgão ou serviço, quando a actividade de manuseamento ou guarda referida no n.º 1 abranja diferentes postos de trabalho.”

 

Importará consignar com maior atenção o seguinte a propósito da natureza do abono para falhas. O abono para falhas é um suplemento, de carater excecional, já que pressupõe uma atividade maioritariamente ligada ao manuseamento de dinheiro. 

 

Desta curta referência, conseguimos, assim, caraterizar o abono para falhas como um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho, que se traduz no manuseamento de dinheiro, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é suscetível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria[14][15].

 

Da conjugação do acima exposto, com o disposto na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (Lei de Geral do Trabalho em Funções Públicas), anotamos o seguinte:

Artigo 159.º

Condições de atribuição dos suplementos remuneratórios: 

 1 - São suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.

2 - Os suplementos remuneratórios estão referenciados ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos na primeira parte do número anterior, sendo apenas devidos a quem os ocupe.

3 - São devidos suplementos remuneratórios quando trabalhadores, em postos de trabalho determinados nos termos do n.º 1, sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes:

a) De forma anormal e transitória, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho suplementar, noturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho; ou b) De forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direção.

4 - Os suplementos remuneratórios são apenas devidos enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.

 

Ora, o montante a abonar aos colaboradores é o resultante do ponto 9.º da Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro, por remissão do artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/89, na sua versão mais recente, fixado, atualmente, nos € 86,29.

 

No enquadramento anterior radica o Despacho n.º 15409/2009 do Ministro das Finanças e da Administração Pública, de 30 de junho, publicado no Diário da República, II Série, n.º 130, de 08.07.2009: “Nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, determina-se o seguinte: 1 - Têm direito ao suplemento designado «abono para falhas», regulado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos. 2 - Nas autarquias locais, têm ainda direito ao suplemento a que se refere o número anterior os trabalhadores titulares da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro-chefe. 3 - O montante pecuniário do abono para falhas é o que se encontra fixado na portaria a que se refere o n.º 2 do artigo 68.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro. 4 - Nos termos dos n.os 4 e 5 do artigo 73.º da Lei n.º 12-A/2008, o abono para falhas é apenas devido quando haja efetivo exercício de funções e enquanto perdurarem as condições que determinaram a sua atribuição. 5 - O reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores integrados noutras carreiras, ou titulares de outras categorias, efetua-se mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública. 6 - O presente despacho produz efeitos a 1 de janeiro de 2009, relativamente aos trabalhadores que nessa data se encontrassem nas condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas.”

 

No que respeita à interpretação do supracitado Despacho, manifesta-se necessário pelos colaboradores a ocupação de postos de trabalho, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportassem às áreas de tesouraria ou cobrança, ou, por outro lado, tenham o direito a abono para falhas reconhecido por despacho dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública. 

 

Revertendo, por ora, para os Oficiais de Registo e Conservadores, resulta do regime legal que regula aquelas carreiras (Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro), para os Conservadores não resulta o exercício de funções de atendimento ao público e/ou manuseamento de dinheiro e valores e, quanto ao Oficiais de Registo, o seguinte: 

 

Artigo 21.º

Conteúdo funcional do oficial de registos

O oficial de registos desenvolve as funções inerentes às qualificações e competências da respetiva carreira, incumbindo-lhe, designadamente:

(…)

b) Assegurar o atendimento ao público, nomeadamente em ambiente integrado e de balcão único, e com recurso às bases de dados disponíveis para o efeito;

 

Já, no respetivo regime remuneratório (Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro), apontamos o seguinte:

Artigo 6.º
Abonos

1 - O conservador de registos e o oficial de registos mantêm o direito ao abono dos emolumentos pessoais previstos no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, na sua redação atual, e na Portaria n.º 996/98, de 25 de novembro.

2 - O conservador de registos e o oficial de registos em exercício de funções na Região Autónoma dos Açores que, à data da ocupação do posto de trabalho, tenham residência há mais de um ano fora da referida região autónoma, ou em ilha diferente, têm direito a um subsídio mensal de insularidade, de montante a fixar por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

3 - O direito ao subsídio referido no número anterior mantém-se enquanto o conservador de registos e o oficial de registos ocuparem posto de trabalho nos serviços de registo situados na referida região autónoma.

4 - O subsídio previsto no n.º 2 substitui os subsídios de compensação e de fixação a abonar, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 247/2003, de 8 de outubro, aos trabalhadores que ocupam posto de trabalho nos serviços de registo da Região Autónoma da Madeira.
5 - O disposto no presente artigo não prejudica a previsão de novos abonos, designadamente o abono para falhas ou similares, aquando da revisão da tabela única de suplementos da Administração Pública.

 

Ora, compulsadas as bases de dados da DGSI - e, com as devidas ressalvas – temos já  diversa e variada jurisprudência, consideramos até pacifica, a respeito do abono para falhas, com a natureza de suplemento destinado a compensar dos riscos decorrentes do manuseamento de dinheiro e outros valores e das respetivas condições para a sua atribuição. 

 

Retomando as considerações já aduzidas quanto às condições para a atribuição do abono para falhas, previstas no Decreto-Lei n.º 4/89, de 06 de janeiro, na sua versão mais recente e o Despacho n.º 15409/2009, estes dispositivos parecem claros quanto a tais condições. Na opinião deste Tribunal são as seguintes:

 

ü  Terá o funcionário de manusear ou ter à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, com isso assumindo o risco e a responsabilidade de tal tarefa;

ü  Terá de ser titular da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico e terá de ocupar posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança[16]; já relativamente a trabalhadores integrados noutras carreiras ou titulares de outras categorias, o reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores, decorre de despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública;

ü  Terá as indicadas funções de manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos de estar descritas no mapa de pessoal.

 

Importará, por ora reverter estas considerações de direito para a questão a resolver nestes autos, o que faremos por partes:

 

      i.         Para os Assistentes Técnicos indicados na PI:

 

Na sua PI, quanto aos assistentes técnicos, peticionou o Demandante “o reconhecimento do direito e a condenação do 2.º Réu na prática de ato a conferir esse direito desde 2009 até 2020

aos associados do Autor e a retirar-se daí as conclusões necessárias, nomeadamente o pagamento dos abonos para falhas aos assistentes técnicos associados do Autor identificados supra desde 2009 até 2020.”

 

Pois que, na perspetiva do Demandante “Não se justificando esse atraso, uma vez que as funções exercidas em 2009 eram as mesmas que as exercidas em 2020 e existia despacho prévio a conceder esse direito”, daí que “se justificava que essa medida tivesse sido adotada logo em 2009 em relação aos assistentes técnicos.”

 

Como resulta da matéria dada como provada, todos estes associados do Demandado, à data de publicação do Despacho n.º 15409/2009, já exerciam funções na Loja de Cidadão de  ..., mais, entre as funções exercidas incluía-se o atendimento ao público e o manuseamento de dinheiro e valores.

 

Como referido acima, anotamos como 3 os requisitos para a atribuição de abono para falhas, por decorrência do Despacho n.º 15409/2009. Ora, será exigido “que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.”

 

Nesta senda, entende o tribunal, estarem reunidas, quanto aos assistentes técnicos, todas as condições para a procedência do pedido, pelo menos nesta parte, “nomeadamente o pagamento dos abonos para falhas aos assistentes técnicos associados do Autor identificados supra desde 2009 até 2020.”

 

Vejamos, prevê-se no Despacho n.º 15409/2009, a exigência de os assistentes técnicos “ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos”, o que, manifestamente, ficou provado nestes autos.

 

Salvo o devido respeito, a posição expressa pelos Demandados não merece acolhimento, especialmente:” nessa data (2009) e até à data de aprovação dos mapas de pessoal referentes a  2020, não se encontravam verificados os pressupostos justificativos dos efeitos a produzir por tal deliberação; pois, designadamente, nenhum dos postos de trabalho ocupados pelos aqui identificados associados do Demandante com a categoria de assistentes técnicos  estava caraterizado, no mapa de pessoal, como envolvendo a responsabilidade inerente a manuseamento ou guarda de valores ou numerário.”

 

Para esta discordância, importará, por ora, fazer uma breve incursão, novamente, à LTFP[17]:

Artigo 29.º

Mapas de pessoal

1 - Os órgãos e serviços preveem anualmente o respetivo mapa de pessoal, tendo em conta as atividades, de natureza permanente ou temporária, a desenvolver durante a sua execução.

2 - O mapa de pessoal contém a indicação do número de postos de trabalho de que o órgão ou serviço carece para o desenvolvimento das respetivas atividades, caracterizados em função:

a) Da atribuição, competência ou atividade que o seu ocupante se destina a cumprir ou a executar;

b) Do cargo ou da carreira e categoria que lhes correspondam;

c) Dentro de cada carreira e, ou, categoria, quando imprescindível, da área de formação académica ou profissional de que o seu ocupante deva ser titular;

d) Do perfil de competências transversais da respetiva carreira ou categoria, regulamentado por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública e complementado com as competências associadas à especificidade do posto de trabalho.

3 - Nos órgãos e serviços desconcentrados, o mapa de pessoal é desdobrado em tantos mapas quantas as unidades orgânicas desconcentradas.

4 - O mapa de pessoal é aprovado pela entidade competente para a aprovação da proposta de orçamento, sendo afixado no órgão ou serviço e inserido em página eletrónica.

5 - As alterações aos mapas de pessoal que impliquem um aumento de postos de trabalho carecem de autorização prévia do membro do Governo de que dependa o órgão ou o serviço, de cabimento orçamental e do reconhecimento da sua sustentabilidade futura pelo membro do Governo responsável pela área das finanças.

6 - O disposto no número anterior não é aplicável à alteração do mapa de pessoal que decorra do direito de ocupação de posto de trabalho no órgão ou serviço pelo trabalhador que, nos termos legais, a este deva regressar.

7 - A alteração dos mapas de pessoal que implique redução de postos de trabalho fundamenta-se em reorganização do órgão ou serviço nos termos legalmente previstos, devendo cessar, em primeiro lugar, os vínculos de emprego público a termo.

(sublinhado e negrito nosso).

 

Note-se que incumbe aos órgãos e serviços dos Entes Públicos elaborar o respetivo mapa de pessoal e, até 2020, os mapas de pessoal do IRN, nenhum posto de trabalho estava caraterizado, como envolvendo a responsabilidade inerente a manuseamento ou guarda de valores ou numerário[18]não sendo imputável aos associados do Demandante que tais mapas não prevejam tais atividades.

 

Isto porque, podemos ser forçados a concluir – indevidamente, crê-se - que até 2020, nas Lojas de Cidadão, nenhum emolumento foi cobrado, à conta de nenhum posto de trabalho estar caraterizado com tais funções.

 

Por tudo isto, por, nomeadamente, o Despacho 15409/2009 prever os seus “efeitos a 1 de janeiro de 2009, relativamente aos trabalhadores que nessa data se encontrassem nas condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas”, mais, por os assistentes técnicos, como provado nestes autos, se encontrarem “nas condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas”, vai, nesta parte, o pedido do Demandante procedente e condena-se o IRN ao pagamento dos abonos para falhas aos assistentes técnicos associados do Demandante identificados supra desde 2009 até 2020.

 

      i.         Para os Oficiais de Registo indicados na PI:

 

Não obstante o acima exposto, importará agora reverter para os demais associados do Demandante, pois, invoca-se “os conservadores de registo e os oficiais de registo acima identificados, por exercerem as mesmas funções que os assistentes técnicos no tocante ao recebimento, manuseamento e guarda de quantias entregues pelo público em Conservatórias, Lojas do Cidadão, Arquivos Centrais, e eventual desaparecimento, também se justifica a atribuição desse mesmo abono para falhas.” 

 

Neste caso, já não acompanhamos a posição do Demandante. 

Ao contrário dos assistentes técnicos associados do Demandante (e, nas autarquias locais, os trabalhadores titulares da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro-chefe), aos Oficiais de Registo e Conservadores será aplicável o n.º 5 do Despacho 15409/2009: “O reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores integrados noutras carreiras, ou titulares de outras categorias, efectua-se mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.”

 

No caso vertente, o reconhecimento o direito ao abono para falhas não é decorrência da lei, sem necessidade discricionária da Administração, mas, antes, exige-se decisão administrativa expressa e fundamentada (artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de setembro), um “despacho conjunto”, no qual se “reconheça de forma fundamentada, designadamente por referência à carreira abrangida, aos riscos efetivos, aos montantes anuais movimentados e às responsabilidades que impendem sobre os funcionários ou agentes para os quais o mesmo é solicitado.“[19]

 

Pelos fundamentos antepostos, a pretensão do Demandante, quanto aos Oficiais de Registo e Conservadores, “ser reconhecido por parte do IRN e Ministério da Justiça o direito aos associados do Autor acima identificados com a categoria de oficias de registo e conservadores de registo ao abono para falhas desde 2009 (desde a alteração da lei do abono para falhas) até hoje e a condenação á prática dos atos legalmente devidos (despachos e deliberações) e consequências da emissão dos mesmos, nomeadamente o calculo e pagamento por parte do IRN”, terá, forçosamente, de improceder.

 

Mas mais, inexiste despacho expresso e fundamentado a atribuir tal abono e, embora. os associados do Demandante, à luz do respetivo conteúdo funcional tenham responsabilidade de manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos, a título predominante, o demais peticionado pelo Demandante: “caso se entenda necessário, o Autor requer que se não bastar o reconhecimento desse direito por parte dos Réus e a sua condenação á prática de ato devido, que o Ministério da Justiça, além dos pedidos formulados anteriormente, seja também condenado a encetar todas as diligencias necessárias á obtenção do acordo junto de outras entidades para que seja viabilizada a pretensão do Autor (em representação dos associados), também terá de improceder.

 

O despacho conjunto citado é o resultado do exercício de poderes discricionários da Administração, os quais, este Tribunal não pode sobrepor-se, sob pena de, fazendo-o, atentar contra o principio da separação dos poderes. 

 

Assim sendo, decide este Tribunal:

 

A.   julgar procedente o pedido formulado pelo Demandante em a), condenando o 2.º Réu a reconhecer o direito aos associados do Demandante com a categoria e carreira de assistentes técnicos ao abono para falhas, desde 01/01/2009 até 2020, condenando-se o 2.º Réu a calcular os valores daí decorrentes e a proceder ao respetivo pagamento;

B.    julgar improcedente o pedido formulado pelo Demandante em b) e c); e, como tal,

C.   absolver o 2.º Réu do peticionado em b) e c) e o 1.º Réu do peticionado em c).

 

V – Responsabilidade pelos Encargos processuais:

 

Por aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do “Regulamento do CAAD”, tendo a presente arbitragem por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, não haverá lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, sendo estes pagos por ambas as partes em função do valor fixado na tabela de encargos processuais.

 

VI – Decisão:

 

Nestes termos, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, o que, ao abrigo do artigo 66.º do CPTA, determina-se e condena-se o 2.º Réu a reconhecer o direito aos associados do Demandante com a categoria e carreira de assistentes técnicos (acima identificados) ao abono para falhas, desde 01/01/2009 até 2020 e a calcular os valores daí decorrentes e ao seu pagamento, absolvendo-se os Réus de tudo o mais de que lhe vem peticionado.

 

Considerando o valor fixado à causa, atento o disposto no n.º 5 do artigo 29.º do “Regulamento do CAAD”, fixo os encargos processuais em € 1.500,00 a cada parte, imputando-se a este valor os eventuais pagamentos já efetuados.

 

Registe, notifique e publique.

 

30 de outubro de 2023.

 

 

 

A Árbitra,

 

_______________________

 

Angelina Teixeira

 

 

 

 

 

 

 



[1] Em síntese e para efeitos de enquadramento da decisão e do perfil dos associados reflete: 5 Assistentes Técnicos (B..., C..., D..., E... e F...); 2 Conservadores (G... e H...) e 85 Oficiais de Registo (porquanto, os associados I... e J... desistiram da qualidade de autores). 

[2] caad.org.pt.

[3] Cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD, disponíveis em www.caad.org.pt/.

[4] Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.

[5] Art. 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria.

[6] Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa, em especial, os arts. 15.º n.º 2 e n.º 3 e 16.º n.º 1 e do Código Deontológico aprovado pela lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro.  

[7] O mesmo se diga para o ano de 2023, com 23 postos de trabalho a ocupar por Assistentes Técnicos.

[8] Estabelece o regime das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, procedendo à revisão das atuais carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado.

[9] Cfr. Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro e Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro.

[10] Consta no mapa a seguinte descrição: “(d) - Funções no âmbito da cobrança, da responsabilidade pelo manuseamento e/ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos similares.”

[11] São estes: 289 documentos juntos com a petição inicial, 4 documentos juntos a 12/10/2022, 3 documentos a 20/10/2022, 20 documentos a 24/11/2022, 1 documento a 02/12/2022 e 16 documentos no seu requerimento de 02/05/2023. 

[12]  Cfr. artigo 12.º n.º 4 do Regulamento do CAAD e artigo 84.º do CPTA.

 

[13]Registou-se três ausências: S..., T... e U... . 

[14] Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 123/96, DR II Série, de 24/03/1998 ) e Lexionário DRE. 

[15] Acessível pelo seguinte link: https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario.

[16] Não será relevante á discussão destes autos, mas, no caso de um trabalhador da administração local, deverá ser titular da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico ou da categoria de tesoureiro-chefe.

[17] Antes da LTFP, o artigo 5.º da Lei n.º 23/98, de 26 de maio apresentava similar formulação.

[18] Isto é resultante da consulta dos mapas de pessoal juntos pelo IRN e da consulta do sitio da internet deste. 

[19] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1307/13.2BESNT, de 13/04/2023, disponível em www.dgsi.pt.