Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 68/2024-A
Data da decisão: 2025-01-10  Contratos 
Valor do pedido: € 104.200,80
Tema: Contratação Pública
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ACÓRDÃO

1.   Enquadramento da lide arbitral

 

Por via do presente processo, a Demandante, A..., Lda., peticiona a anulação do ato de exclusão da proposta que apresentou no quadro do concurso público, espoletado pela B... (doravante, “Demandada”), para a “Fiscalização e Coordenação de Segurança da Empreitada de Construção da Nova Central de ...”, bem como o ato de adjudicação à concorrente C..., S.A. (doravante, “Contrainteressada”), praticados pelo Conselho de Administração da Demandada e objeto de notificação a 23.08.2024.

Na petição arbitral, a Demandante começa por identificar a convenção de arbitragem (cf. os artigos 1.º a 6.º), seguindo-se a alegação factual da lide (cf. os artigos 7.º a 15.º) e algumas considerações iniciais de índole jurídica: “(...) a exclusão da Demandante é ostensivamente ilegal, pelos motivos que explicitaremos infra, cominando derivada e consequentemente de ilegalidade todos os subsequentes termos do procedimento, mormente a avaliação das propostas admitidas ao concurso e a adjudicação do contrato à sobredita Contrainteressada. (...) Não podendo a Demandante, jamais, conformar-se com este resultado.” (cf. os artigos 16.º e 17.º).

Ato contínuo, foi promovida a explanação referente ao aspeto jurídico da causa. Depois de transcrever o teor da cláusula 3.ª do caderno de encargos (cf. o artigo 19.º), a Demandante afirma que “o prazo de execução do contrato é fixado em dias, única e exclusivamente em dias, que são 396 (trezentos e noventa e seis) dias!” (cf. o artigo 20.º). 

Segue-se a reprodução do artigo 10.º do programa do procedimento e as seguintes asserções: 

 

Isto é, o programa de procedimento impõe que os comummente designados de plano de pagamentos e de plano de mão-de-obra sejam apresentados e representados em meses, não determinando, contudo, quantos meses – nem podia determinar, pois é do caderno de encargos que resulta o prazo de execução do contrato e o mesmo é, inequivocamente, de 396 (trezentos e noventa e seis) dias.” (cf. o artigo 22.º).

 

            “Ora, o que o Júri do concurso entende é que os 396 (trezentos e noventa e seis) dias correspondem invariável e irrefragavelmente a 13 (treze) meses, logo e no seu entendimento, os cronogramas que, segundo o programa de procedimento, têm que ser apresentados em meses, têm que contemplar e só podem contemplar 13 (treze) meses certos, sem mais nem menos um dia…” (cf. o artigo 23.º).

 

A Demandante discorda desse entendimento, referindo, antes de mais, que as peças do procedimento não fazem equivaler os 396 dias em 13 meses, “pelo que, sendo o prazo de execução fixado em dias no caderno de encargos, é essa a única vinculação, os 396 (trezentos e noventa e seis) dias, que tem que ser respeitada quanto ao prazo de execução; (...) Inexistindo, pura e simplesmente, qualquer termo ou condição no sentido de o prazo de execução ser de 13 (treze) meses.” (cf. o artigo 25.º e 26.º).

No mais, a Demandante acrescenta que 396 (trezentos e noventa e seis) dias não correspondem a “13 (treze) mesescertos”, podendo abranger mais do que isso (cf. os artigos 28.º e 29.º), relevando, para o efeito, a data concreta do início da execução contratual.

A Demandante apresentou exemplificações (cf. os artigos 30.º a 39.º) e afasta-se do entendimento adotado pelo júri do concurso (cf. os artigos 40.º e 41.º), para imediatamente acrescentar o que se transcreve no imediato: 

Não estando a data de início da execução do contrato fixada no procedimento, como é evidente, nem o Júri ou sequer o Contraente Público podem conhecê-la desde já, dependente que está do início da empreitada que será objeto da fiscalização que aqui se contrata, a execução do contrato pode abranger mais de 13 (treze) meses – é mesmo o cenário mais provável, conforme resulta das simulações enunciadas supra. (...) Daí a representação, pela Demandante, de um 14.º mês no cronograma mensal de pagamento e no cronograma de mobilização de meios humanos, bem como a referência a 13,2 meses neste último e noutros documentos referentes à equipa a alocar à prestação de serviços; (...) Traduzindo não um 14.º mês completo de execução do contrato, mas antes os dias sobrantes, após o 13.º mês, para completar os 396 (trezentos e noventa e seis) dias de prazo de execução do contrato, (...) bastando ver, para assim se concluir, que o valor inserto no Mês 14, no cronograma mensal de pagamento, é residual relativamente aos demais meses, precisamente por não se contemplar um mês inteiro mas apenas os dias sobrantes até completar aquele prazo, o que decorre também da sobredita referência a 13,2 meses no âmbito da mão-de-obra. (...) Prazo esse, repise-se, de 396 (trezentos e noventa e seis) dias, que é o único que resulta das peças do procedimento e ao qual a Demandante inequivocamente se vinculou, de forma expressa e entre o mais, na “Memória Descritiva dos Serviços a Prestar” que integra a proposta” (cf. os artigos 42.º a 46.º).

O teor do articulado apresentado pela Demandante não se fica por aqui. Após sintetizar, do prisma jurídico, a sua posição (cf. os artigos 48.º a 51.º), adita que, “(...) se dúvidas existissem acerca do prazo de execução do contrato constante da proposta da Demandante, o que se impunha era que o Júri solicitasse os devidos esclarecimentos a esse propósito, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art. 72.º do CCP; (...) Os esclarecimentos que, assim, seriam prestados, fariam parte integrante da proposta e, assim, limitando-se a explicitar, tornar inteligível ou aclarar o sentido daqueles elementos, concluindo-se necessariamente que os mesmos conformam-se com os termos e condições do procedimento (em concreto, com o prazo de execução fixado no caderno de encargos), não há evidentemente qualquer alteração da proposta nem qualquer beliscar do princípio da intangibilidade das propostas ou qualquer outro invocado pelo Júri do concurso.” (cf. os artigos 54.º e 58.º). 

Neste contexto, na perspetiva da Demandante, a preterição do artigo 72.º, n.os 1 e 2 do CCP, pela Demandada, é também uma realidade (cf. o artigo 60.º), salientando, praticamente a finalizar, o princípio do favor participationis, “[o] que significa que, no caso, se dúvidas houvesse a propósito da convolação do prazo de execução do contrato de 396 (trezentos e noventa e seis) dias para meses – isto sempre sem jamais conceder quanto a tudo o que vimos de expor – e, assim, sobre o art. 10.º, n.º 2, als. c) e f.2) do programa de procedimento, sempre as mesmas teriam que ser resolvidas a favor da admissão do maior número de propostas e, claro está, da proposta da Demandante, entre o mais em prol do princípio da concorrência (cfr. art. 1.º-A, n.º 1 do CCP)” (cf. o artigo 64.º).

Realce-se, por fim, os exatos termos do pedido formulado pela Demandante: 

 

Termos em que,

deve o presente processo ser julgado totalmente procedente, por provado, anulando-se os atos impugnados e condenando-se a Demandada à inclusão da proposta da Demandante no procedimento, seguindo-se os demais termos concursais, desde a avaliação das propostas, para todos os efeitos e com todas as legais consequências.”

 

***

Por seu turno, a Demandada apresentou contestação, na qual sufragou a improcedência da ação arbitral, referindo, em momento inicial, que “[o] que se contesta é que a causa de exclusão invocada no relatório final do concurso relativamente à proposta da Autora não se verifique” (cf. o artigo 3.º).

Depois de aludir ao artigo 10.º do programa do procedimento e ao artigo 3.º, n.º 1, do caderno de encargos (cf. os artigos 6.º e 7.º), a Demandada assevera o seguinte: “(...) se 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias equivalem a 12 (doze) meses, 396 (trezentos e noventa e seis) dias equivalem a 13 (treze) meses, já que este último total de dias resulta da soma do maior número possível de dias que um mês pode ter (trinta e um dias) àquele primeiro total de dias existentes num ano (i.e. 31 + 365 = 396).” (cf. o artigo 8.º).

Mais refere que, no caso do concurso em alusão, o prazo não foi submetido à concorrência (cf. o artigo 13.º), ou seja, está-se diante de “uma verdadeira “condição” de adjudicação da proposta, imposta a todos aqueles que pretendam ser adjudicatário” (cf. o artigo 16.º), o que tem como consequência a exclusão das propostas desrespeitadoras da “vontade contratual da entidade adjudicante na parte não submetida à concorrência” (cf. o artigo 18.º).

Para a Demandada, a Autora apresentou uma proposta desalinhada com a determinação expressa concursalmente, “fazendo constar dos seus documentos prazos diferentes, em lugar de se limitar a aderir ou manifestar concordância com o prazo já fixado na cláusula 3ª do CE.” (cf. o artigo 20.º).

A Demandada concretiza a sua linha argumentativa nos seguintes termos:

 

Com efeito, (1) no cronograma mensal de pagamentos, a Autora prevê pagamentos a

realizar pela Ré num 14.º mês; (2) no cronograma de mobilização de meios humanos, não só prevê um 14.º mês para alocação de pessoal, como seis dos nove elementos de pessoal surgem associados a um prazo de afetação de 13,2 meses; e (3) na memória descritiva, seis dos nove elementos de pessoal surgem novamente associados a um prazo de afetação de 13,2 meses (...)” (cf. o artigo 22.º).

 

Estas condições contratuais (afetação de pessoal durante 13,2 meses e a existência de

um 14.º mês no desdobramento dos pagamentos a efetuar pela Ré) traduz a continuação do contrato para lá do prazo de 396 (trezentos e noventa e seis) dias previsto no CE, que podemos equivaler, como se referiu, a 13 (treze) meses.” (cf. o artigo 23.º).

 

É esta a única interpretação possível face à forma como a Autora apresentou a sua proposta.” (cf. o artigo 24.º).

 

Para a Demandada, a sua vontade, em matéria de prazo de execução contratual, foi desrespeitada pela Autora (cf. o artigo 29.º), existindo contradições na proposta apresentada, devendo prevalecer o teor do cronograma mensal de pagamentos, do cronograma de mobilização de meios humanos e da memória descritiva, por comparação com “uma declaração genérica de concordância com o CE ou com aquela cláusula em específico, pois revelam a concreta forma como a Autora prefigura a execução do contrato nesses aspetos, com evidente reflexo na sua duração” (cf. o artigo 32.º).

Num quadro como o descrito, a Demandada não vê como relevante ou útil a promoção de um pedido de prestação de esclarecimentos à Autora, antecipando que, “a serem prestados (...) seriam sempre no sentido de que o prazo da sua proposta era de 396 (trezentos e noventa e seis) dias e não mais, o que evidentemente contraria as referidas indicações da sua proposta (13,2 meses de afetação de pessoal e pagamentos ao 14.º mês)” (cf. o artigo 38.º). Aliás, esse pedido seria inadmissível, porque os esclarecimentos “redundariam numa tentativa de a Autora remover ou dar por não escritas aquelas referências a prazo superior” (cf. o artigo 40.º), não ocorrendo seque qualquer dúvida carecida de esclarecimento (cf. o artigo 41.º). Para a Demandada, a situação é bem diferente: “O que existe é uma proposta com elementos diferentes para o mesmo aspeto – bastante unívoco, diga-se – de vinculação obrigatória, que não respeitam as condições do CE.” (cf. o artigo 42.º).

Ainda em sede de contestação, enfatiza-se que “os 396 (trezentos e noventa e seis) dias equivalem a 13 (treze) meses por ser o resultado da soma do número de dias num ano civil ao número máximo de dias que um mês pode ter” (cf. o artigo 51.º e, ainda, o artigo 57.º) e que “nenhum dos restantes concorrentes teve interpretação semelhante à da Autora!” (cf. o artigo 52.º). Acresce que “os exemplos “justificativos” da Autora nada justificam, mostrando apenas que, em nosso entender e salvo o devido respeito, a Autora labora em erro quanto à contagem do prazo, tendo permitido que isso influenciasse a elaboração dos documentos da sua proposta. (...) Laboração essa que não pode ser imputável à Ré.” (cf. os artigos 62.º e 63.º).

O articulado de defesa em presença, termina nos seguintes termos:

 

Face ao exposto, confrontada com as circunstâncias acima descritas no tocante à proposta da Autora, andou bem o júri ao propor a exclusão da sua proposta em relatório final de 16-08-2024, como andou bem a Ré ao acolher esse entendimento e excluí-la, com base no disposto no art. 70.º, n.º 2, al. b), do CCP. (...) Tal decisão não padece, pois, de nenhum erro ou vício devendo ser por V. Exas. mantido tal como foi praticado.” (cf. os artigos 78.º e 79.º).

 

Nestes termos e nos melhores de Direito, 

deverão V. Exas. julgar a presente ação improcedente,

mantendo na ordem jurídica o ato de 23-08-2024 da Ré

que excluiu a proposta da Autora e adjudicou o contrato

dos autos à concorrente “C...

, S.A.”.” (cf. o pedido final).

 

***

A Contrainteressada não apresentou contestação e a Autora e a Demandada prescindiram da apresentação de alagações.

 

 

2.   Do objeto e do valor da causa

 

Em face do exposto, importa referir que, nos presentes autos, está em causa um pedido impugnatório, mas também de cariz condenatório: pretende-se obter a anulação do ato de exclusão (ou de não admissão) da proposta da Autora e do ato de adjudicação e, ainda, a condenação da Demandada “à inclusão da proposta da Demandante no procedimento, seguindo-se os demais termos concursais, desde a avaliação das propostas”. É este o objeto dos presentes autos, o que é de assinalar.

 

Quanto ao valor causa – cuja apreciação foi relegada, no Despacho n.º 2, para a presente sede –, fixa-se o mesmo, na falta de outros elementos, em € 104.200, 80 (cento e quatro mil, duzentos euros e oitenta cêntimos), em face do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que aqui releva a título subsidiário.

Tal valor correspondente ao preço global apresentado pela Autora na proposta que apresentou no concurso público em causa nestes autos (cf. a fls. 85 do processo administrativo), e consta do final da petição arbitral, não tendo contado com a oposição da Demandada, o que também é de assinalar.

 

3. Fundamentação

3.1. Fundamentação fáctica

 

Factos provados (com relevância para o decisório a proferir):

 

A) Por deliberação tomada a 21.05.2024, a Demandada procedeu à abertura de concurso público, tendente à celebração de um contrato para a “Fiscalização e coordenação de segurança da construção da nova central de...”, tendo sido aprovadas as peças concursais (cf. as pp. 1 a 81 do processo administrativo).

 

B) O teor da cláusula 3.ª do caderno de encargos (“Prazo”) é o seguinte (cf. as pp. 30 e 69 do processo administrativo):

 

 

C) O teor do artigo 10.º do programa do procedimento é o seguinte (cf. as pp. 51e 52 do processo administrativo, relevando ainda o Documento n.º 2, junto à petição arbitral):

 

 

D) A 24.06.2024, a Autora apresentou proposta (cf. as fls. 83 a 138 do processo administrativo), constando (i) do Anexo I, (ii) do Anexo II, (iii) do cronograma mensal de pagamento, (iv) da memória descritiva dos serviços a prestar e (v) do cronograma de mobilização dos meios humanos (cf. as fls. 83, 85, 86, 91, 95 e 133 do processo administrativo) o seguinte:

 

 

(...)

(...)

 

(...)

(...)

 

(...)

 

E) A 12.07.2024, foi emitido relatório preliminar (cf. as fls. 2320 a 2328), no qual foi deliberado, por relação à proposta da Autora, o seguinte (cf. a fls. 2324 e 2328):

 

(...)

 

F) Por pronúncia datada de 26.07.2024, a Autora expressou o seguinte (cf. a fls. 2332 do processo administrativo):

 

 

 

G) A 31.07.2024 foi emitido o 1.º relatório final (cf. as fls. 2367 a 2371), no qual foi deliberado, por relação à proposta da Autora, a manutenção da exclusão, embora com fundamento diferente (cf. as fls. 2369 e 2370):

 

 

H)Por pronúncia datada de 07.08.2024 (cf. as fls. 2355 a 2358 do processo administrativo), a Autora expressou, em síntese, o seguinte (cf. a fls. 2357 do processo administrativo):

 

I)   A 16.08.2024, foi emitido o 2.º relatório final (cf. as fls. 2361 a 2366 do processo administrativo), no qual foi deliberado, por relação à proposta da Autora, a manutenção da exclusão (cf. as fls. 2363 a 2365 do processo administrativo):

 

 

J)  Seguiu-a a prática do ato de não admissão da proposta da Autora e do ato de adjudicação propriamente dito e, a 23.08.2024, ocorreu a respetiva notificação (cf. o Documento n.º 1, junto à petição arbitral).

 

***

       Não se provaram outros factos tidos como relevantes para o decisório arbitral (de mérito) a proferir.

 

       Os factos elencados foram dados como provados com suporte em documentos que integram os autos e que se encontram expressamente referidos supra.

 

 

3.2. Fundamentação jurídica

 

Estando em causa, antes de mais, uma pretensão impugnatória (do ato de exclusão da proposta da Demandante e do ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada), há que apurar se tais decisões administrativas se encontram em conformidade com o ordenamento jurídico. Avança-se, desde já, com o decisório do Tribunal: tais atos administrativos são inválidos.

Efetivamente, revela-se preterido o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP: a proposta da Autora não apresenta termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos. Concretizando, no caso dos autos, o prazo para a execução contratual encontra-se fixado em dias (cf. a cláusula 3.ª do caderno de encargos: cf. a alínea B) da matéria de facto dada como provada) e, quanto a essa matéria, o que se assiste é a uma vinculação da Autora, como se pode ver paradigmaticamente do teor da memória descritiva dos serviços a prestar [cf. a alínea D) da matéria de facto dada como provada].

 No mais, lê-se no 2.º relatório final [cf. a alínea I) da matéria de facto dada como provada] – cujo teor releva para a fundamentação do ato de adjudicação (enquanto ato complexo) – que a Autora “apresenta um cronograma de pagamento com um 14.º mês, um cronograma de mobilização de meios humanos igualmente com um 14.º mês e em que 6 dos 9 elementos surgem com um prazo de afetação de 13,2 meses, e uma memória descritiva em que replica isso mesmo (6 dos 9 elementos terão um prazo de afetação de 13,2 meses), ainda que a final afirme que “[o] prazo total para a realização da prestação de serviços é de 396 (trezentos e noventa e seis) dias a contar da data da assinatura””. 

Aqui residiria a fonte de invalidade da proposta da Autora. Mas não é assim, pois a representação em meses apenas foi efetuada porque a Demandada, em sede de programa de procedimento [cf. a alíneas A) e C) da matéria de facto dada como provada], impôs referências mensais, sem que tenha promovido a correspondência que sufraga nos autos: 396 dias corresponderem, inevitavelmente, a 13 meses. E não o terá feito porque, na verdade, essa correspondência não pode ser promovida, atenta a variação de número de dias que compõem os diversos meses que integram um ano civil, havendo ainda que ter presente que a concreta data do início da execução contratual não é, naturalmente, irrelevante, a este nível.

Realce-se o ponto essencial: o prazo para a prestação dos serviços objeto do contrato foi fixado, no caderno de encargos, única e exclusivamente, em dias e o seu início foi remetido para a data de assinatura do contrato (cf. o exato teor da cláusula 3.ª do caderno de encargos: cf. a alínea B) da matéria de facto dada como provada), ou seja, para uma data incerta no tempo. Neste quadro, e atendendo à vinculação promovida na respetiva proposta especificamente em matéria de prazo para a execução contratual (cf. os Anexos I e II, mas também a memória descritiva dos serviços a prestar: cf. a alínea D) da matéria de facto dada como provada), a conclusão a retirar é a de que a Autora não apresentou termos ou condições que violem tal aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência. 

As referências mensais, que figuram na proposta apresentada pela Autora, derivam do disposto, em matéria de documentos da proposta, no artigo 10.2., alíneas c) (“cronograma mensal de pagamento”) e f.2. (“cronograma de mobilização de cada elemento da equipa”) do programa de procedimento (cf. a alínea B) da matéria de facto dada como provada) – onde se alude, de modo expresso, a uma unidade temporal mensal (e não diária), não tendo – e este aspeto é relevante – tido sido promovida, nessa sede, qualquer correspondência, direta e absoluta, entre 396 dias e 13 (treze) meses. 

E se é certo que os termos da proposta em apreço são da responsabilidade da Autora, não é menos certo que é imputável à Demandada a falta de sintonia entre a unidade de contagem do prazo de execução contratual (em dias) e a que determinou (em meses) no artigo 10.2., alíneas c) e f.2 do programa de procedimento, por relação a pagamentos e à mobilização de cada elemento da equipa. 

O que fica dito é quanto basta para que se invalide – em concreto, para que se anule – (i) o ato de exclusão da proposta da Autora, que assentou na causa de exclusão constante do artigo 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, quando os pressupostos aplicativos dessa disposição legal não estão, in casu, verificados, e, ainda, (ii) conexa e consequencialmente, o ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada. 

Por fim, releva mencionar o alegado no artigo 53.º e seguintes da petição arbitral, em matéria de “esclarecimentos ao abrigo do artigo 72.º do CCP”. Para a Autora, a exclusão da respetiva proposta “é ilegal por violação de lei, desta feita por violação do artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 do CCP, a ditar a respetiva anulação” (cf. o artigo 60.º).

Ora, quanto ao disposto no artigo 72.º, n.º 2, do CCP, tal normatividade não se mostra preterida pela simples razão de que não foi pedida a prestação de esclarecimentos à Autora (cf. resulta, por exclusão, da matéria de facto dada como provada), o que equivale a dizer que o pressuposto fáctico basilar de que depende a aplicação da norma em alusão não está verificado, in casu. Já quanto ao estabelecido no n.º 1 do mesmo preceito legal, o Tribunal vê como fonte de invalidade dos atos impugnados a preterição do artigo 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, e não, propriamente, da disposição que se limita a habilitar o júri do procedimento a solicitar “aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito de análise e avaliação das mesmas”. Eis o que se também deixa expresso, em termos de fundamentação decisória de índole jurídica.

Como decorrência da invalidação dos atos impugnados, deve a tramitação do procedimento pré-contratual em apreço ser retomada, com admissão da proposta da Autora e promoção dos demais trâmites concursais.

 

 

 

4. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos supra expostos, julga-se procedente a presente ação arbitral, anulando-se os atos impugnados e condenando-se a Demandada a integrar a proposta da Autora no procedimento em apreço, seguindo-se os ulteriores termos procedimentais.

 

Os encargos processuais devem ser suportados, inteiramente, pela Demandada, dado que os atos anulados foram por si praticados, tendo a pretensão arbitral da Autora sido julgada totalmente procedente (cf. o artigo 29.º, n.º 6, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa).

 

Notifique-se e publique-se, após o trânsito em julgado, nos termos do disposto no artigo 185.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 5.º, n.º 3, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa.

 

 

***

 

Lisboa (consistindo este o lugar da arbitragem), 10 de janeiro de 2025. 

                                                       Os Árbitros

     

        Tiago Serrão

              (Presidente e Relator)

 

 

 

 

 

 

  Diogo Duarte Campos

 

 

 

                Pedro Vaz Mendes