Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 41/2023-A
Data da decisão: 2023-11-19  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 27.411,96
Tema: Relações jurídicas de emprego público – Suplemento de risco. Danos patrimoniais. Danos não patrimoniais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

A... veio intentar a presente acção arbitral contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, pedindo: i) a anulação do acto administrativo praticado pelo Exmo. Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, em 27-05-2023, de molde a que o Demandante mantenha o direito ao suplemento de risco; ii) a declaração de nulidade, do acto administrativo praticado pelo Exmo. Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, em 22-11-2021, de molde a manter o Demandante no LPC, nos termos em que requereu, ficando sem qualquer efeito a colocação na UIC, operada desde 06-12-2021; o reconhecimento do direito do Demandante ao ressarcimento de danos patrimoniais e indemnização compensatória de danos não patrimoniais, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos; e iv) a condenação do Demandado em sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 76,00 (setenta e seis euros), por cada dia de atraso no cumprimento efectivo e integral da decisão, após o termo do prazo de execução espontânea, conforme disposto no n.º 2 do artigo 169.º do CPTA, conjugado com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85-A/2022, de 22 de Dezembro.

 

O Demandante alega, no essencial que, o acto administrativo praticado pelo Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, em 27-05-2023, com fundamento no não exercício de “funções de inspecção judiciária e recolha de prova”, determinou, de forma tácita e ilicitamente, a aplicação, a partir de Junho de 2023, do suplemento de risco calculado nos termos do n.º 5 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, para as carreiras subsistentes, concretizando uma redução de cerca de 70% do valor actual, ao afastar a aplicação do n.º 4 do referido artigo 99.º, o que lhe causou graves danos patrimoniais.

 

E que o choque emocional e o sofrimento interior intenso, provocados pela notificação de movimento de colocação, por imposição na UIC, sem qualquer identidade com o exercício de funções e da formação profissional inicial e contínua do Demandante, nos últimos 24 anos, foi a causa principal que veio a provocar sintomas nefastos, que culminaram num estado depressivo.

 

Considera que “(...) a interpretação literal se afigura escassa, tendo de soçobrar face à necessária interpretação extensiva do n.º 5 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, no sentido de os trabalhadores das carreiras subsistentes, nas áreas funcionais de criminalística e telecomunicações (em que o Demandante se integra), à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 138/2019, i.e., a 1 de janeiro de 2020, manterem o regime remuneratório e suplementos que lhe caberiam, nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, independentemente do ónus de função hodierno.”.

 

Pois, “só se logrará impedir que a situação profissional, patrimonial e, até, pessoal do Demandante fique substancialmente agravada, decretando-se a anulabilidade da decisão, tida por iníqua e ilegal, que determinou (...) que o suplemento de risco, a atribuir ao Demandante fosse o previsto no n.º 5 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 e não o que deveria ser, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo e normativo legal, atentos, designadamente, os n.º 2 e 5.º, in fine (interpretado extensivamente, como se pugna), do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, sublinhando-se que toda esta situação se deveu à colocação por imposição.”.

 

Alega que a Administração praticou um ato ilícito, em violação do artigo 121.º do CPA.

 

Alega também, a violação do dever de fundamentação e um vício de violação de lei, por preterição do princípio da proporcionalidade, declarando que “(...) pela ilegalidade do ato suspendendo, ficar manifestamente lesado, a partir de junho de 2023, com a consequente ablação de cerca de 70% do valor do suplemento de risco, e, também, ainda que retrospetivamente, com a colocação, por imposição, em unidade central de apoio técnico à investigação criminal.”.

 

E que, o acto em crise viola o princípio da boa-fé, por ter sido praticado somente em 05-06-2023 quando deveria ter sido praticado em 06-12-2021, data do movimento, não obstante a manifesta ilegalidade do mesmo.

 

Considera verificada a violação do princípio da proteção de confiança, pois a Polícia Judiciária criou expectativas legítimas ao Demandante, tendo este feito planos para a vida, não havendo razões, designadamente de interesse público, “justificativas para uma frustração dessas mesmas expetativas, designadamente, a alteração das “regras do jogo”, operando, intolerável e ilicitamente, um corte de cerca de 70% no valor do suplemento de risco percebido nos últimos 24 anos”.

 

Requer, igualmente, declaração de nulidade de acto administrativo, na dependência do acto de que se requer a anulabilidade, praticado pelo Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, em 22-11-2021, de que foi notificado em 23-11-2021, a ordenar o seu movimento de colocação, por imposição para a UIC, com efeitos a 06-12-2021, em oposição à pretensão por si manifestada e reiterada, por preterição dos mesmos princípios – legalidade, falta de audiência de interessados, falta de fundamentação, preterição do princípio da proporcionalidade, da preterição do princípio da boa-fé e do princípio da proteção da confiança.

 

Concluindo que “sendo a preservação da integridade moral dos trabalhadores uma decorrência (...) não apenas na CRP, no artigo 1.º, como, também, da carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (...), nos artigos 1.º e 3.o, n.º 1, e da Declaração Universal dos Direitos do Homem (...), defende-se que o ato praticado, que ordena o movimento do Demandante e o coloca, desde 6 de dezembro de 2021, na UIC, se tem como arbitrário e punitivo, enquadrando-se num comportamento que visa a humilhação, lesando a sua personalidade, atento o percurso e qualificações profissionais, e que culmina, por isso, numa ofensa a conteúdo essencial do direito fundamental à dignidade pessoal e profissional,(...) numa clara restrição ao exercício da profissão”.

 

“(...) somente se logrará impedir (...) que a sua situação profissional, patrimonial e, (...) pessoal (...) fique substancialmente agravada, através da declaração de nulidade do ato, nos termos do artigo 161.º, nºs 1 e 2, alínea d), do CPA, que no exercício de poderes jurídico-administrativos, visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (...) ao determinar,(...) a colocação na UIC, atenta a formação profissional e desempenho efetivo de funções do Demandante na área funcional de criminalística desde o seu ingresso na Polícia Judiciária (...)”.

 

E por via incidental, a condenação à reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais, atenta a ilicitude do Despacho sobre movimento de colocação, designadamente, por preterição de forma legal, violação do direito à audiência dos interessados, à igualdade no trabalho, restrição ao exercício de profissão e prática de assédio.

 

No caso de “improcedência do vicio que se pugna para o despacho do Ex.mo Diretor Nacional–Adjunto (...) de 23 de novembro de 2021, isto é a nulidade absoluta, importa suscitar o princípio emergente do artigo 38.º do CPTA, isto é, a responsabilidade pela reparação de danos decorrentes de atos administrativos ilegais, nomeadamente no domínio da responsabilidade civil da administração por atos administrativos ilegais, que não cessa nas situações em que o ato administrativo em causa já não possa ser impugnado, podendo o Tribunal conhecer a título incidental da ilegalidade desse ato.”.

 

Está “em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado relativamente aos danos provocados ao demandante, designadamente, pelo facto do demandado ter praticado um ato administrativo que se tem por nulo (por falta da fundamentação e preterição do princípio da legalidade entre outros), que motivou um movimento ilícito de colocação do Demandante na UIC, e, consequentemente, provocou danos patrimoniais e não patrimoniais, por via do ato derivado, violando o direito de exercício da profissão de perito de criminalística.”.

 

Considera provados os pressupostos da responsabilidade civil constantes da Lei n.º 67/2007, nomeadamente que os atos ilícitos praticados causaram, danos patrimoniais correspondentes aos valores de subsídio de alimentação que teria recebido no caso de estar em efetividade de serviço e, incidentalmente, a redução do suplemento de risco.

 

Pretende o Demandante, nos termos do artigo 28.º do CT, quanto a danos patrimoniais, que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento do valor de subsídios de alimentação que deixou de auferir durante o período em que se encontrou em incapacidade temporária (02-12-2021 a 22-07-2023), parte substancial do seu rendimento mensal e consequência directa de óbvios constrangimentos, consequentemente dos respectivos juros de mora, à taxa legal em vigor, de 4%, com o apuramento dos valores à data de 30 de junho de 2023, computado em € 2.066,63.

 

E que “lhe sejam repostos os diferenciais ilicitamente retirados do suplemento de risco desde junho de 2023, no valor mensal de 344,49€ (478,08€ - 133,59€), também com os respetivos juros de mora, á taxa legal em vigor, vencidos e vincendos)”.

 

Requer ainda, que lhe seja fixada uma indemnização dos danos não patrimoniais, a atribuir no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, nos termos da Lei n.º 67/2007, “atenta a factualidade apurada e provada ser suficiente para atestar que os danos sofridos integram uma lesão grave (...) entende-se como adequado computar a compensação devida ao Demandante no valor de 25.000,00€ (...) sublinhado (...) que nenhuma quantia será (...) apta a compensar todo o sofrimento a que (...) esteve sujeito e as sequelas que sempre persistirão, bem como os dezoito meses em que, em virtude do estado psicológico em que se encontrava, esteve alheado da sua família, designadamente, do seu filho menor.”.

 

Juntou documentos.

Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação.

 

O Demandado alega, no essencial, que, o acto administrativo em crise em nada infringe o princípio da legalidade, já que foi proferido no quadro e ao abrigo dos normativos legais aplicáveis.

 

Alega o Demandante que, deveria ter havido lugar à audiência dos interessados, no entanto, o Despacho, limitou-se a aplicar o regime de atribuição do suplemento de risco estabelecido para os trabalhadores da carreira de apoio à investigação criminal, de acordo com o regime legal que, se encontra plasmado no n.º 5 do artigo 99.º da LOPJ/90.

 

Pelo que, não se vislumbra a existência de um procedimento administrativo que obrigue à realização de audiência prévia, porquanto o teor do Despacho se traduz em mero acto de execução da aplicação ex lege do normativo aplicável no caso concreto.

 

Mais, é de considerar suficiente a fundamentação quando esta permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

 

Pois que os fundamentos do acto foram compreendidos pelo Demandante.

 

Quanto à alegada violação do princípio da proteção da confiança e da boa-fé, entende o Demandado que a Administração jamais criou expectativas (legítimas ou não) ao Demandante, relativamente ao montante do suplemente de risco a auferir, ou sobre a sua colocação.

 

Já a alegada violação do princípio da proporcionalidade, não se representa em que dimensão a aplicação do critério para atribuição do suplemento de risco (previsto no n.º 5 do artigo 99.º da LOPJ/90), possa violá-lo.

Não padecendo assim, o acto em crise, de qualquer dos vícios apontados pelo Demandante, para arguir a anulabilidade do mesmo, conforme demonstrado, uma vez que o Despacho em crise, foi decidido em conformidade com as disposições legais aplicáveis ao caso, tendo em conta as funções exercidas pelo Demandante, conforme se encontra previsto no n.º 5, do artigo 99.º, da LOPJ/90.

 

Relativamente ao pedido de nulidade do Despacho proferido, em 22-11-2021, o Demandante limita-se a invocar a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental à dignidade pessoal e profissional, sem, no entanto, invocar qualquer norma que o sustente, nem de que forma o mesmo se verificou.

 

Sendo que já não está em tempo para invocar a anulabilidade deste Despacho, e o mesmo não padece de nulidade.

 

No que respeita à condenação à reparação dos danos causados, não se encontram verificados os pressupostos, cumulativos, da invocada responsabilidade civil extracontratual do Estado, previstos na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano).

 

Pelo que devem improceder todos os pedidos do Demandante.

 

Por despacho arbitral de 16 de Outubro de 2023, determinou-se que o processo prosseguisse com alegações finais.  

 

Por requerimento de 18 de Outubro de 2023, o Demandado manteve tudo o que aduziu na contestação, oportunamente, apresentada, bem como no requerimento sobre alteração do pedido, pugnando pela improcedência da presente acção, com a consequente absolvição dos pedidos.

 

Por requerimento de 30 de Outubro de 2023, o Demandante veio remeter para o anteriormente apresentado.

 

Por despacho arbitral de 6 de Novembro de 2023, determinou-se o indeferimento da prestação de declarações de parte, requerida pelo Demandante, sobre a matéria dos artigos 44.º, 76.º, 131.º, 132.º e 190.º da PI. Entendeu o Tribunal Arbitral que a matéria de facto está provada documentalmente e não revela qualquer complexidade que justifique a realização de audiência, nem tão-pouco o depoimento de parte poderá contrariar a prova documental existente. Por outro lado, estão em causa questões de direito – a ser interpretadas e avaliadas pelo Tribunal Arbitral – e não de factualidade controvertida a ser provada em audiência.

 

Foi, igualmente, indeferido o pedido de notificação do Demandando, para junção aos autos do Despacho n.º 40/2022-GADN, de 1 de Junho de 2022 (conforme indicado pelo Demandante), relativo à avaliação de desempenho de 2020, que não tem relevância para o processo em apreço, uma vez, o Demandante impugnou este acto junto do CAAD, que corre termos no âmbito do processo n.º 20/2023-A, sob pena de litispendência.

 

O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 20 de Junho de 2023, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).

 

 

II – Saneamento

 

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade ad causam, e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.

 

O Demandante declarou, ainda, não prescindir do direito de interpor recurso para o tribunal competente da decisão arbitral a proferir, caso não obtenha vencimento de causa, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.

 

III – Do mérito da causa

 

A.   Questão a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos, decorrentes da causa de pedir e dos pedidos formulados, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e outras peças processuais são as seguintes:

 

a)     A anulação, à luz do artigo 163.º do CPA, do acto administrativo praticado pelo Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, em 27-05-2023, (o Demandante indica erradamente a data do acto impugnado, trata-se de acto praticado em 29-05-2023) de molde a que o Demandante mantenha o direito ao suplemento de risco, ao abrigo dos n.º 1 e 5, in fine, do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 138/2019 (interpretado extensivamente), conjugado com o n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90;

 

b)    A declaração de nulidade, a coberto do artigo 161.º n.º 1 e 2, alínea d), do CPA, do acto administrativo praticado pelo Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, em 22-11-2021, destruindo os seus efeitos, de molde a manter o Demandante no Laboratório de Polícia Científica (LPC), nos termos em que requereu, ficando sem qualquer efeito a colocação na Unidade de Informação Criminal (UIC), operada desde 06-12-2021;

 

c)     O reconhecimento do direito do Demandante ao ressarcimento de danos patrimoniais e indemnização compensatória de danos não patrimoniais, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, designadamente, nos termos dos artigos 3.º, 7.º e 8.º, da Lei n.º 67/2007, e artigo 28.º do CT, computando-se o valor, face à sua natureza, em:

 

a.     € 1.836,51 (mil oitocentos e trinta e seis euros e cinquenta e um cêntimo), a título de danos patrimoniais, com juros de mora vencidos a 30-06-2023, no valor de € 57,94 (cinquenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos) e vincendos, até ao efectivo e integral pagamento;

 

b.     € 344,49 (trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, com juros de mora vencidos a 30-06-2023, no valor de € 0,34 (trinta e quatro cêntimos), relativos ao diferencial do suplemento de risco de Junho de 2023, calculado nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, em harmonia com as respectivas atualizações salariais conferidas pelo Decreto-Lei n.º 26-B/2023, de 18 de Abril, e juros vincendos, até ao efectivo e integral pagamento;

 

c.     € 162,81 (cento e sessenta e dois euros oitenta e um cêntimos), a título de danos patrimoniais, com juros de mora vencidos a 30-06-2023, no valor de € 9,37 (nove euros e trinta e sete cêntimos), referentes a 10% da remuneração diária, a partir do quarto dia e até ao trigésimo dia de incapacidade temporária, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 35/2014, e vincendos, até ao efectivo e integral pagamento; e,

 

d.     € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, com os respetivos juros de mora vencidos e vincendos, contados da data da propositura da presente acção, até ao efectivo e integral pagamento.

 

d)    A condenação do Demandado em sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 76,00 (setenta e seis euros), por cada dia de atraso no cumprimento efectivo e integral da decisão, após o termo do prazo de execução espontânea, conforme disposto no n.º 2 do artigo 169.º do CPTA, conjugado com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85-A/2022, de 22 de Dezembro.

B.    Fundamentação

 

Passemos ao conhecimento dos pedidos formulados pelo Demandante.

 

(i)             Factualidade

 

Face ao alegado por ambas as partes e, bem assim, aos documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão.

 

a)     O Demandante iniciou funções na Polícia Judiciária em 01-09-1999, ingressando na carreira de especialista adjunto, conforme consta na respetiva ficha biográfica (cfr. fls. 9 e 10 do PA).

 

b)    Sendo a carreira de especialista adjunto, uma carreira subsistente, nos termos do disposto no artigo 97.º, do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, que estabeleceu o Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ), bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal.

 

c)     O Demandante não manifestou intenção de transitar para a carreira de Especialista de Polícia Científica (EPC), ao abrigo do disposto no artigo 94.º do EPPJ, encontrando-se integrado numa carreira subsistente.

 

d)    O Demandante prestou serviço na Comissão para Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, na modalidade de cedência de interesse público, no período compreendido entre 01-04-2016 a 31-01-2019.

 

e)     Quando regressou à PJ, em 01-02-2019, o Demandante foi colocado na Unidade Orgânica onde se encontrava aquando da referida cedência de interesse público - Laboratório de Polícia Científica (LPC).

 

f)     Através de e-mail, dirigido à Direção do LPC, em 09-09-2021, o Demandante requereu a sua colocação em qualquer outra área / sector diferente daquela em que se encontrava - Sector de Balística e Marcas (SBM) do LPC.

 

g)    Em consequência do seu pedido, foi colocado na Unidade de Informação Criminal (UIC), com efeitos a 06-12-2021, conforme Despacho exarado pelo Director Nacional Adjunto, Dr. ..., de 22-11-2021 (cfr. fl. 4 do PA).

 

h)    O Demandante já anteriormente havia prestado funções nesta Unidade Orgânica (anteriormente designada por UIIC), conforme consta da sua ficha biográfica (cfr. fls. 9 a 12 do PA).

 

i)      O Demandante foi notificado do Despacho de 22-11-2021, em 23-11-2021.

 

j)      Entre 02-12-2021 e 22-05-2023, o Demandante esteve ausente ao serviço, por motivo de doença.

 

k)    Em 23-05-2023, o Demandante apresentou-se na UIC (cf. fl. 7 do PA), tendo sido colocado no Gabinete de Apoio e Assessoria Técnica desta Unidade Orgânica, conforme Despacho n.º 6/2023/UIC, de 25-05-2023 (cfr. fls. 1 a 4 e fl. 8 do PA).

 

l)      Atenta a sua colocação e as funções exercidas naquele Gabinete de Apoio, foi alterado o valor do suplemento de risco que o Demandante vinha auferindo, conforme Despacho proferido em 29-05-2023 (cfr. fl. 1 do PA).

 

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.

 

A convicção do Tribunal Arbitral quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a PI e não impugnados.

 

 

 

(ii)           Do Direito

 

Do pedido de anulação do Despacho proferido, em 29.05.2023.

 

O Demandante requer a anulação do Despacho do Director Nacional Adjunto, Dr..., de 29-05-2023, que determinou que: “Tendo em consideração que o trabalhador, na sua colocação, não exerce funções de inspeção judiciária e recolha de prova, deverá ser processado o suplemento de risco idêntico aos restantes EPC que estão colocados na UIC.”.

 

Alegando que o acto está juridicamente inquinado, por ter sido preterido: i) o princípio da legalidade; ii) a audiência dos interessados; iii) a fundamentação; iv) O princípio da proporcionalidade; e v) os princípios da boa-fé e da proteção da confiança.

 

Vejamos,

 

O Demandante aponta diversos vícios ao Despacho do Director Nacional Adjunto, de 29-05-2023, que nada tem a ver com o mesmo, mas sim com o anterior despacho de colocação na UIC, que foi proferido em 22-11-2021 e notificado ao Requerente em 23-11-2021 (cfr. fls. 1 a 4 do PA).

 

Ora, para demonstrar a preterição do princípio da legalidade do Despacho de 29-05-2023, que lhe reduz o suplemento de risco, o Demandante alega no artigo 41.º da PI que “(...) a interpretação literal se afigura escassa, tendo de soçobrar face à necessária interpretação extensiva do n.º 5 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, no sentido de os trabalhadores das carreiras subsistentes, nas áreas funcionais de criminalística e telecomunicações (em que o Demandante se integra), à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 138/2019, i.e., a 1 de janeiro de 2020, manterem o regime remuneratório e suplementos que lhe caberiam, nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, independentemente do ónus de função hodierno.”. [sublinhado nosso]

 

Concluindo na alegação do artigo 48.º da PI, que “Só se logrará impedir que a situação profissional, patrimonial e, até, pessoal do Demandante fique substancialmente agravada, decretando-se a anulabilidade da decisão, tida por iníqua e ilegal, que determinou (...) que o suplemento de risco, a atribuir ao Demandante fosse o previsto no n.º 5 do artigo 99.o do Decreto-lei n.º 295-A/90 e não o que deveria ser, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo e normativo legal, atentos, designadamente, os nos 2 e 5.o, in fine (interpretado extensivamente, como se pugna), do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, sublinhando-se que toda esta situação se deveu à colocação por imposição.”. [sublinhado nosso]

 

O que o Demandante pretende colocar em crise é o acto de colocação na UIC, que o mesmo deveria ter atacado, em tempo, ou seja, após a notificação do despacho de colocação naquela Unidade Orgânica, datado de 22-11-2021, e, dentro do prazo de 3 (três) meses a que se refere a alínea b), do n.º 1, do artigo 58.º do CPTA. O que não foi feito.

 

Pelo que, vem atacar o Despacho de 29-05-2023, relativo ao montante do suplemento de risco, alegando ilegalidades à sua colocação apenas e tão-só por ver alterado o montante do suplemento de risco, tendo em conta as funções efetivamente exercidas na unidade orgânica onde se encontra colocado, nos termos estabelecidos no artigo 99.º, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro (LOPJ/90).

 

No entanto, este Despacho, de 29-05-2023, objeto de pedido de anulação, não se prende com a sua colocação na UIC, mas sim, com o regime de atribuição do suplemento de risco aos trabalhadores da Polícia Judiciária, nos termos do artigo 99.º daquele diploma.

 

Vejamos,

 

Até à entrada em vigor do EPPJ, em 01-01-2020, os critérios de atribuição do suplemento de risco eram, por força do disposto no artigo 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (LOPJ/2000), os enunciados no artigo 99.º, do LOPJ/90.

 

Actualmente, por força do disposto no n.º 5 do artigo 98.º do EPPJ, o regime do suplemento de risco dos trabalhadores das carreiras subsistentes, designadamente, na carreira de especialista adjunto, onde se integra o Demandante, continua a ser o previsto no artigo 99.º, da LOPJ/90, alterado pelo Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro.

 

Assim, determina o n.º 1 do referido artigo 99.º da LOPJ/90, que, os trabalhadores ao serviço da Polícia Judiciária têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal.

 

Sendo que, no que se reporta ao pessoal de apoio à carreira de investigação criminal, designadamente das carreiras subsistentes, o direito a auferir o suplemento de risco de valor acrescido, igual ao pessoal da carreira de investigação criminal – pretendido pelo Demandante – decorre do exercício de funções que o caracterizam, nos termos do n.º 4 do referido artigo 99.º, que dispõe que “Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado no número anterior”.

 

Deste modo, o que releva para efeitos de atribuição de um suplemento de risco de montante superior, ao pessoal de apoio à investigação criminal, é o exercício efetivo de funções nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança.

 

Ora, o Demandante até ser colocado na UIC, desenvolvia funções na área de criminalística, pelo que auferia o suplemento de risco de montante igual ao que aufere o pessoal de investigação criminal, nos termos do n.º 4, do artigo 99.º, do referido diploma.

 

Com efeito, o Sector de Balística e Marcas, onde o Demandante se encontrava, está integrado e desenvolve funções na Área de Criminalística, do LPC, como resulta, de resto, do ponto 4.3 da Instrução Permanente de Serviço n.º 2/2016, bem como do organograma a ela anexo. (cfr. fls. 21 a 35 do PA)

 

Ao contrário da sua actual colocação – no Gabinete de Apoio e Assessoria Técnica (GAAT), integrado na UIC (anterior UIIC), que não desenvolve competências nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações ou segurança, conforme se atesta pelo ponto 4.2 da Instrução Permanente de Serviço n.º 7/2010, e organograma a ela anexo (cfr. fls. 36 a 46 do PA).

 

Ali consta que, ao GAAT compete: coadjuvar directamente o Director da Unidade; prestar assessoria técnica e jurídica; elaborar estudos e propostas, designadamente em matéria de gestão de informação; proceder à avaliação de procedimentos.

 

Mais se refere que, os demais trabalhadores colocados naquela unidade e que exercem as mesmas funções que o Demandante, e que transitaram para a carreira de EPC, também auferem o suplemento de risco, nos termos do n.º 5, do artigo 99.º, da LOPJ/90, ou seja, de montante igual ao que auferem a generalidade dos trabalhadores das carreiras de apoio à investigação criminal, como é o caso da carreira subsistente de especialista adjunto.

 

Conclui-se, pois, que o Demandante apenas tem direito ao suplemento de risco a que se refere o n.º 5 do artigo 99.º, por já não exercer funções na área de criminalística, nem em nenhuma das outras áreas funcionais referenciadas no n.º 4 daquele artigo.

 

Ao contrário do alegado pelo Demandante no artigo 45.º da PI, o Despacho em crise não é incoerente com o n.º 4 do artigo 98.º do EPPJ, pois não “(...) determina expressa e incontestavelmente que o suplemento de risco percebido pelos trabalhadores na carreira especial de especialista de polícia científica é nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.”.

 

Ora, o que o Demandante tenta defender é a tese de que todos os EPC têm direito a auferir um suplemento de risco de valor igual à investigação criminal – o que não é o caso (nem é isso que está aqui a ser discutido).

 

Na verdade, o que o Despacho determinou foi que o suplemento de risco a ser auferido pelo Demandante passaria a ser de montante igual ao dos demais trabalhadores que exercem as mesmas funções naquela Unidade Orgânica (UIC) e que, tendo requerido, transitaram para a nova carreira de EPC.

 

Com efeito, nem todos os especialistas de polícia científica (para a qual transitaram diversos especialistas adjuntos) auferem o suplemento de risco de valor igual ao que aufere a investigação criminal, nos termos do n.º 4 do artigo 99.º da LOPJ/90.

 

Na verdade, tal como reconhece o Demandante no artigo 76.º da PI, não são só os trabalhadores das carreiras de apoio à investigação criminal que exercem funções de inspeção judiciária e recolha de prova (área de criminalística), que têm direito ao suplemento de risco nos termos daquele artigo, mas também aqueles que exercem funções nas áreas funcionais de telecomunicações e de segurança, conforme decorre do referido artigo.

 

E quanto à jurisprudência invocada no artigo 42.º da PI, para justificar uma interpretação extensiva do n.º 5, do artigo 98.º do EPPJ, no sentido de se manter o suplemento de risco nos termos do n.º 4, do artigo 99.º do LOPJ/90, independentemente do “ónus de função”, conforme invoca no artigo 41.º da PI, refere-se que o aresto do Supremo Tribunal Administrativo invocado (Processo n.º 01148/04, de 16-03-2005), é contrário ao entendimento do Demandante, conforme se retira do seguinte extrato: “(...) os funcionários da PJ continuaram a ter direito a um suplemento de risco “graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal” (...)”. [sublinhado nosso]

 

Também a Decisão do Tribunal Arbitral, referida do artigo 43.º da PI, no âmbito do Processo n.º 118/2022-A, ainda não transitou em julgado, por ter sido interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, e, de qualquer forma esta Decisão do CAAD refere-se ao suplemento de risco dos EPC, carreira em que o Demandante não se encontra integrado.

 

Sendo que os trabalhadores da UIC, que exercem as mesmas funções que o Demandante são trabalhadores da carreira de EPC que auferem o suplemento de risco de valor igual ao que aufere a generalidade dos trabalhadores da carreira de apoio à investigação criminal, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 99.º da LOPJ/90.

 

Conforme refere o Demandante no artigo 15.o da PI, o mesmo peticionou a adoção “de providência cautelar conservatória”, visando a decretação da suspensão da eficácia do acto proferido em 29-05-2023, pelo Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, que correu termos no CAAD, sob o n.º 22/20223-A, e que foi objecto de Decisão Arbitral, em 05-07-2023, que julgou improcedente o pedido de providência cautelar, e absolveu o Demandado.

 

Ora, a decisão de colocação do Demandante na UIC, proferida em 22-11-2021, afastou-o da área de criminalística, que lhe conferia o direito ao subsídio de risco, calculado nos termos do n.º 4, do artigo 99.º, da LOPJ/90.

 

Nesta medida, tendo o Demandante deixado de exercer estas funções, passou a ter direito apenas ao subsídio de risco, estabelecido no n.º 5 do artigo 99.º, da LOPJ/90.

 

Retirando-se da referida Decisão Arbitral (a que julgou improcedente o pedido de providência cautelar), com qual concordamos que “o ato cuja suspensão o Demandante requer constitui um mero ato consequente do ato praticado em 22 de Novembro de 2021, ou talvez melhor, um mero ato opinativo. Aliás, se o acto de 29 de Maio de 2023 (acto suspendendo) não tivesse sido praticado, a solução jurídica em matéria de subsídio de risco a que o Demandante tem direito seria exatamente a mesma: uma vez iniciada funções na UIC, o Demandante sempre deixaria de beneficiar do preceituado no n.º 4 do artigo 99.o do Decreto-Lei n.º 295-A/90, aplicável por força da ressalva do n.º 5 do mesmo artigo e do n.º 5 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 138/2019. (...) não pode proceder o alegado vício de preterição do princípio da legalidade, na medida em que o ato suspendendo não poderá ser considerado um ato administrativo, isto é, uma decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, vise produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (artigo 148.o do Código do procedimento administrativo).

O acto administrativo que produziu efeitos na situação individual e concreta do Demandante

 foi o despacho de 22 de Novembro de 2021, que o não impugnou atempadamente nem requereu em tempo a condenação à prática do acto devido. O mesmo acto encontra-se, pois, consolidado na ordem jurídica, como, de resto, também foi alegado pelo Demandado. (...) o Demandante acaba por reconhecer isto mesmo no seu Requerimento Inicial, quando alega ter sido movimentado por imposição, ao alegado arrepio do disposto no Despacho Normativo n.º 8/2009. Todavia, não é o movimento ordenado e decidido em 22 de Novembro de 2021 que está em causa nestes autos.”.

 

Com efeito, a fundamentação expendida pelo Demandante na PI, assenta essencialmente no acto de colocação e, não no acto que se requer a anulação, no entanto este Despacho de 22-11-
-2021, não foi impugnado, conforme referido, não podendo o Demandante através de uma consequência inevitável deste acto de colocação, como seja, a redução do seu subsídio de risco, tentar atacar o mesmo, uma vez que este se encontra consolidado na ordem jurídica.

 

Assim, e muito embora a colocação na UIC possa trazer algumas vicissitudes para a vida familiar do Demandante, sempre se refere que, estas resultam do estatuto profissional que decidiu abraçar há cerca de 23 anos, sendo previsível que a alteração do suplemento de risco pudesse vir a suceder, uma vez que não se trata de um suplemento vitalício.

 

Nesta medida, o acto administrativo em crise em nada infringe o princípio da legalidade, já que foi proferido no quadro e ao abrigo dos normativos legais indicados.

 

Alega, ainda, o Demandante que, deveria ter havido lugar à audiência dos interessados, no entanto, contrariamente ao alegado, considera-se que não se justifica no caso em apreço o cumprimento do artigo 121.º do CPA.

 

Pois o Despacho, limitou-se a aplicar o regime de atribuição do suplemento de risco estabelecido para os trabalhadores da carreira de apoio à investigação criminal, de acordo com o regime legal que, se encontra previsto no n.º 5 do artigo 99.º da LOPJ/90.

 

Pelo que não se vislumbra a existência de um procedimento administrativo que obrigue à realização de audiência prévia, porquanto o teor do Despacho se traduz em mero acto de execução da aplicação ex lege do normativo aplicável no caso concreto.

 

Com efeito, foi através do Despacho proferido em 22-11-2021 que o Demandante tomou conhecimento da sua colocação na UIC, sendo o presente Despacho um mero acto de execução decorrente daquela colocação.

 

Conforme resulta da Decisão Arbitral de indeferimento da providência cautelar, decidiu-se no sentido de improceder o alegado vício de falta de audiência de interessados, uma vez que, o “acto suspendendo não é um acto administrativo, mas um mero acto consequente de acto anterior ou, talvez, um acto opinativo.” E “ (...) mesmo que o acto suspendendo fosse um acto administrativo, no que não se concede, a omissão em concreto do dever de audiência prévia não teria o efeito invalidante pretendido pelo Demandante, pois (...) a consequência jurídica do movimento do Demandante para a Unidade de Informação Criminal seria a perda do subsídio de risco anteriormente auferido por força das funções exercidas na área da criminalística, decorrente da cessação destas funções, por motivo do ingresso na Unidade de Informação Criminal. Ou seja, face às disposições legais que citámos, mesmo que se tratasse de acto administrativo e a audiência prévia tivesse sido promovida, teria sido praticado um acto com o mesmo conteúdo (alínea c) do n." 5 do artigo 163." do (Código do Procedimento Administrativo].”.

 

Sendo a argumentação expendida, para a invocada preterição da audiência dos interessados, igualmente válida para a alegada falta de fundamentação, vício este que o Demandante não demonstra existir.

 

Não se concorda, pois, com o alegado pelo Demandante, no artigo 74.º da PI, de “que tratando-se de um ato administrativo decisório que afeta vincadamente a vida profissional, patrimonial e, até, pessoal do Demandante, a necessidade de fundamentação é evidente”, o que não se verifica nos autos, uma vez que, o ato administrativo decisório, foi o Despacho proferido em 22-11-2021, em que tomou conhecimento da sua colocação na UIC, sendo o presente Despacho, conforme já referido, um mero ato de execução decorrente daquela colocação

 

De referir, ainda, que é de considerar suficiente a fundamentação quando esta permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

  

Sendo que os fundamentos do acto foram compreendidos pelo Demandante, tanto mais, que este vem impugná-lo contenciosamente, organizando a sua defesa de forma racional.

 

Também na Decisão Arbitral de indeferimento da providência cautelar, se considera que “não procede o alegado vício de falta de fundamentação. Com efeito, não estamos perante um acto administrativo, nos termos do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo. (...), consideramos que, mesmo que estivéssemos perante um acto administrativo - no que não se concede — sempre teria de concluir-se pela não produção do efeito anulatório, pois, como se referiu, o conteúdo do acto não poderia ser outro, face ao disposto na Lei [alínea c) do n." 5 do artigo 163." do Código do Procedimento Administrativo].”.

 

Quanto à alegada violação do princípio da proteção da confiança e da boa-fé, importa referir que a Administração jamais criou expectativas (legítimas ou não) ao Demandante, relativamente ao montante do suplemento de risco a auferir, ou sobre a sua colocação.

 

O Demandante ao ingressar numa carreia de apoio à investigação criminal, sabia que auferiria um suplemento de risco cujo valor estava associado ao ónus das funções efectivamente exercidas, bem como poderia ser colocado em qualquer Unidade Orgânica da Polícia Judiciária.

 

Alega o Demandante no artigo 94.º da PI que “a violação do princípio da boa-fé é (...) uma realidade, até porque tal ato praticado somente em 5 de junho de 2023 quando deveria, em coerência, ter sido praticado em 6 de dezembro de 2021, data do movimento, não obstante a claríssima e manifesta ilegalidade do mesmo”, ora, tal não corresponde a uma violação do princípio de boa-fé, pois após o Despacho de colocação na UIC em 06-12-2021, o Demandante ficou num situação de incapacidade temporária para o trabalho, e apenas se apresentou ao serviço no dia 23-05-2023, após declaração de aptidão pela junta médica, perante tal factualidade, só após o regresso ao trabalho, na unidade em que foi colocado (UIC), é que foi proferido o Despacho em crise.

 

Pelo que, a terem sido criadas expectativas no Demandante, as mesmas não foram desencadeadas por qualquer acção da Administração, e, de qualquer forma, a existirem, as mesmas teriam de ser imputadas ao acto de 22-11-2021, que determinou o movimento do Demandante para a UIC, pois não foi o Despacho de 29-05-2023 que determinou a redução do valor do subsídio de risco, mas sim, a cessação do exercício de funções na área de criminalística, para passar a exercer funções na UIC, alterando assim, o seu enquadramento do n.º 4 para o n.º 5, do artigo 99.o LOPJ/90.

 

De resto, esta questão também foi apreciada e decidida na Decisão Arbitral de indeferimento da providência cautelar, quando considerou improcedente a alegada violação do princípio da proteção da confiança, “na medida em que as regras legais são claras – os citados n.º 4 e n.º 5 do artigo 99.º vigoram desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, ou seja, há mais de três décadas. Não pode, por isso, afirmar-se sequer que o Demandante tivesse qualquer expectativa legítima a, no caso de deixar de exercer funções enquadráveis no n.º 4 do artigo 99.º citado, manter o subsídio de risco previsto no mesmo preceito.”.

 

Por último, e atendendo a que o princípio da proporcionalidade, que mais não representa que uma manifestação particular do princípio da justiça, significando que, até onde isso seja compatível com a prossecução do interesse público, a Administração deve procurar provocar a menor lesão que for possível aos interesses dos administrados (artigo 7.º do CPA), não se representa em que dimensão a aplicação do critério para atribuição do suplemento de risco (previsto no n.º 5 do artigo 99.º da LOPJ/90), possa violá-lo.

 

Acolhendo-se aqui também o sentido da Decisão Arbitral de indeferimento da providência cautelar, quando considerou improcedente a alegada violação do princípio da proporcionalidade, pois “Se é certo que, em abstracto, o mesmo talvez pudesse ser invocado contra o acto de 22 de Novembro de 2021, que determinou o movimento do Demandante para a Unidade de Informação Criminal (...)” e “(...) ao contrário do que o Demandante pretende fazer crer, o facto de o mesmo ter sido inicialmente recrutado para a área de criminalística e de ter laborado vários anos nessa atividade, não impede que – no quadro do conteúdo funcional da sua carreira e categoria profissional – desenvolva outras tarefas alheias à criminalística e que não se enquadrem no disposto no n.º 4 do mesmo artigo 99.º do Decreto-lei n.º 295-A/90. Poderá ser uma decisão pouco eficiente, mas não coloca o trabalhador a exercer tarefas alheias ao conteúdo funcional da sua categoria e carreira profissional.”.

 

Não padecendo assim, o Despacho de 29-05-2023, de qualquer dos vícios apontados pelo Demandante, para arguir a anulabilidade do mesmo, conforme demonstrado, uma vez que o Despacho em crise, foi decidido em conformidade com as disposições legais aplicáveis ao caso, tendo em conta as funções exercidas pelo Demandante, conforme se encontra previsto no n.º 5, do artigo 99.º, da LOPJ/90.

 

 

Do pedido de nulidade do Despacho proferido, em 22-11-2021

 

O Despacho do Director Nacional Adjunto, de 22-11-2021 determinou que: “O Sr. Especialista Adjunto,  A..., manifestou interesse em sair do Setor de Balística do LPC, conforme sua mensagem de e-mail de 9/09/2021. Consultada a Sr.ª Diretora do LPC, não há oposição à saída do trabalhador da unidade.

A UIC debate-se com falta de recursos humanos nas carreiras de apoio.

Pelo exposto e tendo por princípio uma gestão eficiência dos Recursos Humanos na persecução do interesse público, determina-se o movimento do Sr. Especialista Adjunto, A..., para a UIC.

Prazo para o término de funções na unidade de origem: 4 de dezembro.

Prazo para apresentação na unidade de destino: 6 de dezembro. Informe e notifique.”.

 

Tendo o referido Despacho, sido notificado ao Demandante em 23-11-2021.

 

Ora, o Demandante vem arguir a sua nulidade, alegando, nos artigos 138.º e 139.º da PI, “(...) que o ato praticado, que ordena o movimento do Demandante e o coloca, desde 6 de dezembro de 2021, na UIC, se tem como arbitrário e punitivo, enquadrando-se num comportamento que visa a humilhação, lesando a sua personalidade, atento o percurso e qualificações profissionais, e que culmina, por isso, numa ofensa a conteúdo essencial do direito fundamental à dignidade pessoal e profissional, também numa clara restrição ao exercício da profissão” e “ (...) somente se logrará impedir que a sua situação profissional, patrimonial e, inclusive, pessoal (...) fique substancialmente agravada, através da declaração de nulidade do ato, nos termos do artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA (...) ao determinar, abusiva e ilicitamente, a colocação na UIC, atenta a formação profissional e desempenho efetivo de funções do Demandante na área funcional de criminalística desde o seu ingresso na Polícia Judiciária (...)”. [sublinhado nosso]

 

Estabelece o n.º 1, do artigo 161.º do CPA, que são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, e por sua vez, o n.º 2, da alínea d), deste artigo, estatui que são, designadamente nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

 

Refere Luiz S. Cabral da Moncada, no Código do Procedimento Administrativo anotado, pág. 506, em anotação ao n.º 2 do artigo 161.º do CPA, que “São nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, em homenagem ao princípio constitucional (art.º 18º) da efetividade deste tipo de direitos que abarca, claro está, os direitos, liberdades e garantias constitucionais e os de natureza análoga. Também os direitos económicos, sociais e culturais têm um conteúdo mínimo indisponível.”.

 

No entanto, do alegado pelo Demandante, não se verifica qualquer ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, pois, não só o mesmo não demonstra a violação de qualquer direito, liberdade e garantia, conforme previsto no artigo 18.º da CRP, como também tudo o que alega é genérico, não demonstrando de que forma acorre a ofensa, e a restrição ao exercício da profissão que alega, não se enquadra, nem na violação de qualquer direito, liberdade e garantia, nem sequer de um direito dos trabalhadores, nos termos em que se encontra, previsto no artigo 59.º da CRP.

 

Ora, o Demandante limita-se a invocar a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental à dignidade pessoal e profissional, sem, no entanto, invocar qualquer norma que o sustente, nem de que forma o mesmo se verificou.

 

Pelo que, no caso em apreço, o Demandante não fundamenta sequer a invocada nulidade, para além de que o acto em crise não consta no elenco referenciado no n.º 2 do referido artigo 161.º do CPA, nem existe lei que comine, expressamente, essa forma de invalidade, razão pela qual não pode o mesmo ser considerado nulo.

 

Assim, o acto impugnado apenas poderia ser susceptível de anulabilidade, caso esta tivesse sido requerida em tempo, o que não foi.

 

O próprio Demandante reconhece que o acto apenas poderia ser susceptível de anulabilidade, ao alegar no artigo 120.º da PI, (quando está a fundamentar a nulidade do Despacho), que “o despacho a sindicar (...) padece (...) do vício da anulabilidade, porquanto a deficiente fundamentação se equipara à falta de fundamentação.”.

 

No entanto, pretende agora, o Demandante contestar a sua colocação na UIC, apontando os mesmos vícios assacados ao Despacho de 29-05-2023.

 

 

 

Sendo de referir que, a colocação do Demandante naquela Unidade Orgânica não foi inovatória, na medida em que anteriormente já ali tinha prestado funções, conforma consta da respetiva ficha biográfica.

 

Ora, se o Demandante não concordava com tal colocação deveria tê-la contestado atempadamente, após a notificação do Despacho de colocação naquela Unidade Orgânica, datado de 22-11-2021, ou seja, dentro do prazo de 3 meses a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, o que não fez.

 

No entanto, conforme referido, já não está em tempo para invocar a anulabilidade deste Despacho, e o mesmo não padece de nulidade.

 

 

Da condenação à reparação dos danos causados

 

Peticiona o Demandante a atribuição de uma indemnização por danos, patrimoniais e não patrimoniais, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos.

 

No entanto, não se encontram verificados os pressupostos, cumulativos, da invocada responsabilidade civil extracontratual do Estado, previstos na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano).

 

Alega o Demandante, em síntese, que a partir da prepositura da acção no CAAD (Processo n.º n.º 16/2019-A), com vista à correção e pagamento do diferencial do suplemento de risco, a qual mereceu provimento por aquele tribunal, é vítima de“(...) assédio laboral moral descendente e estratégico, e que se têm como ilícitos e dolosos produtores de danos patrimoniais e não patrimoniais, com o evidente nexo de causalidade (...)”.

 

Para tanto, aponta, nos artigos 145.º a 214.º da PI, a prática de vários actos que considera ilícitos, designadamente:

- O Despacho de 14-01-2019, do Director Nacional Adjunto, que indeferiu ao seu pedido de colocação no Gabinete de Apoio Jurídico, da Unidade de Recurso Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária, aquando do seu regresso, 01-02-2019, após ter prestado serviço na Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, colocando-o na sua unidade de origem.

- A ausência de resposta ao requerimento para a atribuição de arma de serviço, feito a 09-04-2019 e reiterado a 04-01-2021 e 06-04-2021.

- O desconto na remuneração relativo à falta dada em 16-03-2020, considerada injustificada.

- A instauração do processo disciplinar n.º 14/2020, bem como dos processos disciplinares a ele apenso (19/2021 e 1/2022), que se encontram suspensos, aguardando os elementos que vierem a ser disponibilizados em sede de processo-crime (NUIPC 7801/21.4T9LSB).

- O requerimento de 30-01-2023, em que solicitou a acumulação de funções privadas, a fim de leccionar uma sessão de 4 horas no dia 18-02-2023, na pós-graduação de Ciências Criminais, da Universidade Lusófona, data em que se encontrava ausente ao serviço, por motivo de doença, desde 05-12-2021.

- O acto de homologação da classificação de serviço relativo ao ano 2020, que impugnou junto do CAAD (Processo n.º 20/2023-A).

 

Considerando o que vem alegado, não é possível apreender qual é a factualidade concreta em que o Demandante alicerça a sua pretensão, já que os factos invocados são alheios e nada têm a ver com a matéria controvertida, objecto da presente ação.

 

Sendo que, ainda que se encontrassem relacionados com a matéria controvertida – o que não é o caso –, estes não se poderiam integrar no conceito de qualquer acto ilícito e culposamente praticado por agente administrativo no exercício das suas funções.

 

Neste sentido, veja-se, por exemplo, o que é alegado no artigo 184.º da PI, onde se refere que “(...) o que devastou o DEMANDANTE, de forma indelével, foi o facto de, por inquérito crime, autuado em 15 de dezembro de 2021, com o NUIPC .../21...T9LSB (posterior ao participado e referido no artigo 177.º da presente PI), e estando na sua residência, em incapacidade temporária há perto de dois meses, se ver alvo de buscas domiciliárias, com indiciação dos crimes de peculato (subtração de duas armas de fogo), peculato de uso e violação de segredo de funcionário e, mais insólito ainda, o facto dessas diligências de busca serem estendidas a casa de sua mãe, onde não residia há 23 anos...mais uma humilhação e evidente assédio!”.

 

Com efeito, as buscas domiciliárias descritas foram determinadas por um juiz no âmbito de um processo-crime e não têm qualquer nexo de causalidade com os actos administrativos aqui impugnados.

 

Quanto ao alegado no artigo 204.º da PI (pedido de pagamento dos legais e devidos juros de mora, respeitantes a actualizações salarias referentes à progressão na carreira (Processo n.º 15/2023-A), importa referir que já foi proferida Decisão Arbitral nesta matéria, em 30-06-2023, que lhe foi desfavorável, na qual se decidiu que nada é devido ao Demandante, não lhe sendo, por essa razão e de igual modo, devidos quaisquer juros de mora.

 

Quanto à conclusão constante do artigo 214.º da PI, a alteração na retribuição ficou a dever-se à aplicação do regime do subsídio de refeição, previsto no Decreto-Lei n.º 57-B/84, de 20 de Fevereiro, na redação dada pelo artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, no qual estabelece que se trata de um subsídio diário que tem a natureza de benefício social a conceder pelo empregador público como comparticipação nas despesas resultantes de uma refeição tomada fora da residência habitual, nos dias de prestação efectiva de trabalho.

 

Tendo o Demandante faltado ao serviço, por motivo de doença, no período de 02-12-2021 a 22-05-2023, não há lugar à atribuição do subsídio de refeição, conforme determina a alínea b), do n.º 2, do artigo 2.º daquele diploma.

 

Já no que concerne à perda de 10% de remuneração diária, a partir do quarto dia e até ao trigésimo dia de incapacidade temporária esta resulta, igualmente, da aplicação da alínea b), do n.º 2, do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, como bem refere o Demandante na PI.

 

Quanto à alteração do valor do suplemento do suplemento de risco, e, conforme já analisado acima, esta resulta da aplicação do artigo 99.º da LOPJ/90, atento o ónus da função.

 

Ao contrário do alegado no artigo 219.º da PI, o Demandante não logrou provar que os factos alegados tiveram consequências devastadoras na sua saúde física e psíquica, nem para efeito juntou prova de consultas médicas, nem de psicoterapia, a que alegou ter recorrido, ou dos respetivos recibos de pagamento.

 

O Demandante alega, no artigo 123.º da PI,  que “(...) parece forçoso concluir que o Demandante tem direito à reparação dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, a coberto do artigo 28.º do CT, que lhe causou com a sua conduta ilícita (...) designadamente o persistente e vincado assédio, consumado, essencialmente pela prática dolosa de atos administrativos inválidos, contrariando as mais elementares disposições legais, o que levou o Demandado a faltar ao serviço.”, mas não basta alegar, é imprescindível provar, e não demonstra qualquer prática de assédio por parte do Demandado.

 

Estabelece o artigo 28.º do Código de Trabalho, sob a epigrafe indemnização por acto discriminatório que “a prática de acto discriminatório lesivo do trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.”.

 

No entanto, não demonstrou o Demandante, a prática de qualquer acto discriminatório por parte do Demandado, conforme estabelece o citado artigo, limitando-se a fazer alegações genéricas, como seja “o consumado assédio, essencialmente pela prática de atos administrativos inválidos”, pelo que, não se vê de que forma o mesmo, terá direito a uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, de um acto discriminatório lesivo que não demonstra, nem existe.

 

Alega, ainda, no artigo 225.º do PI, que no “caso de improcedência do vício que se pugna para o despacho (...) de 23 de novembro de 2021, isto é a nulidade absoluta, importa suscitar o princípio emergente do artigo 38.º do CPTA, isto é, a responsabilidade pela reparação de danos decorrentes de atos administrativos ilegais, nomeadamente no domínio da responsabilidade civil da administração por atos administrativos ilegais, que não cessa nas situações em que o ato administrativo em causa já não possa ser impugnado, podendo o Tribunal conhecer a título incidental da ilegalidade desse ato.”.

 

Continuando a alegar no artigo 227.º da PI que a responsabilidade civil extracontratual do Estado foi provocada ao Demandante, designadamente, “pelo facto do Demandado ter praticado um ato administrativo que se tem por nulo (por falta de fundamentação e preterição do princípio da legalidade, entre outros) que motivou um movimento ilícito de colocação do Demandante na UIC, e, consequentemente, provocou danos patrimoniais e não patrimoniais, por via de ato derivado, violando o direito de exercício da profissão de perito de criminalística.”.

 

Vejamos,

 

O artigo 38.º do CPTA, sob a epigrafe acto administrativo inimpugnável, estabelece que,

1 - Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado. 

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

 

A este propósito, veja-se, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 289, comentário ao artigo 38.º do CPTA, de que se retira o seguinte “1 – (...) A possibilidade da invocação, pelo interessado, da ilegalidade de um ato administrativo relativamente ao qual já tenham decorrido os prazos de impugnação só pode,(...) dirigir-se a obter efeitos jurídicos não coincidentes com os que resultariam da procedência de uma ação de impugnação. Para tanto, é necessário que exista uma norma ou princípio de direito substantivo que permita retirar da ilegalidade do ato uma outra consequência que não seja a reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado e, portanto, da remoção dos efeitos diretamente decorrentes do ato ilegal.

(...) do ponto de vista substantivo, algum efeito útil se possa extrair de uma tal verificação, o que depende (...) de uma opção da lei substantiva, que tem de reconhecer relevância, para qualquer efeito, ao reconhecimento judicial, a título incidental, da ilegalidade de atos administrativos inimpugnáveis.

Um dos casos em que tal sucede é o da responsabilidade civil extracontratual pelos danos decorrentes do ato ilegal. Com efeito, advém das normas dos artigos 22.º da CRP e dos artigos 7.º e 8.º do RRCEE que o dever de a Administração reparar os danos resultantes dos seus atos administrativos ilegais é um efeito jurídico distinto daquele que pode ser obtido pela via do processo impugnatório.

(...) A procedência do pedido indemnizatório depende, com efeito da verificação dessa ilegalidade e esta carece de ser analisada incidentalmente sempre que o pedido seja deduzido em processo autónomo, e não em cumulação com um pedido impugnatório.

(...) mais do que a independência da ação de indemnização face à impugnação contenciosa, quando o facto danoso seja constituído por um ato administrativo ilegal, o sentido do preceito é o de circunscrever o âmbito de reparação dos danos causados que não possam ser imputados à falta de impugnação contenciosa ou a negligente conduta processual do autor na eventual impugnação deduzida. Nestes termos, estabelece o (...) artigo 4.º do RRCEE que o interessado não terá direito à reparação dos prejuízos que também lhe devam ser imputados, pelo facto de se ter abstido de lançar mão dos meios processuais principais e/ou cautelares, que os poderiam ter evitado. Configura, assim, uma situação de culpa do lesado, consubstanciada na omissão de uma conduta que poderia ter impedido ou minorado a produção dos danos, que pode desonerar no todo ou em parte, a administração do dever de indemnizar.”.

 

Estabelecendo ainda o artigo 4.º, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, (que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades, na sua versão actualizada), sob a epígrafe culpa do lesado que “Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.

 

Face ao exposto, dúvidas não subsistem que, para além de não se verificar qualquer acto ilegal por parte do Demandado conforme demonstrado, também o Demandante não terá direito a qualquer indeminização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos do artigo 38.º do CPTA, pelo facto de, não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico que considerou lesivo.

 

Pois, o acto que o mesmo invocou como ilícito, foi o Despacho da sua colocação na UIC, principal causador de danos patrimoniais e não patrimoniais, conforme alega, no entanto, não impugnou o referido Despacho de colocação.

 

Ora, conforme demonstrado anteriormente, o Despacho de colocação do Demandante na UIC, não é nulo, quando muito poderia ter sido impugnada a sua anulabilidade, se o Demandante a tivesse requerido atempadamente o que não fez, motivo pelo qual se aplica o artigo 4.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, verificando-se assim, a culpa do Demandante, consubstanciada na omissão de uma conduta que poderia ter impedido ou minorado a produção dos danos que invoca.

 

Assim, não havendo qualquer facto ilícito e culposo, desnecessário é dizer que não há qualquer nexo de causalidade adequada entre o acto praticado e os alegados danos reclamados pelo Demandante. Acresce que nem sequer os danos invocados estão provados.

 

De qualquer forma, a pretensão do Demandante também não poderia proceder, uma vez que o dever de indemnizar pressupõe, desde logo, a verificação dos requisitos cumulativos previstos na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que, no caso, não se verificam.

 

Nos termos do exposto improcedem todos os pedidos do Demandante.

 

IV – Decisão

 

Atendendo aos factos provados e subsumidos os mesmos ao Direito vigente, decido julgar a presente acção improcedente.

 

Fixa-se à causa o valor de € 27.411,96 (valor indicado pelo Demandante na PI). A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. Os encargos são suportados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

Registe, notifique e publique.

 

CAAD, 19 de Novembro de 2023

 

O Árbitro

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.