Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 77/2016-A
Data da decisão: 2017-06-07  Contratos 
Valor do pedido: € 31.494,54
Tema: Contrato de prestação de serviços
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Sentença Arbitral

 

 

 

I

 

1. A…, S.A. veio propor a presente ação arbitral contra B…, ambas melhor id. nos presentes autos, peticionando a condenação desta no pagamento à Demandante da quantia de 31.495,32 euros.

Para tanto alegou, em síntese, que Demandante e Demandada ajustaram entre si um contrato de prestação de serviços tendo por objeto a “Reformulação do Projeto de Execução da Área de Civil para a Redução de Custos da Escola Secundária …, em…”; que os serviços previstos em tal contrato foram integralmente prestados pela Demandante e que o valor dos correspondentes honorários foram por si reclamados junto da Demandada, a qual, apesar de instada várias vezes, não procedeu ao seu pagamento; finalmente, que ambas as partes celebraram convenção de arbitragem com vista a dirimir este litígio. Juntou um documento, requereu declarações de parte do seu legal representante e arrolou uma testemunha.

Devidamente citada, a Demandada veio apresentar contestação. Nesta impugnou a existência do invocado contrato de prestação de serviços e excecionou a sua nulidade por falta procedimento pré-contratual e inobservância da forma escrita legalmente exigida, a violação da denominada “Lei dos Compromissos” (Lei n.º 8/2012) e, por último, a redução de honorários imposta pelo art. 22.º, n.º 1, da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010). Concluiu pela improcedência do pedido. Juntou um documento e arrolou três testemunhas.

 

2. Por despacho do Presidente do Conselho de Deontologia do Centro de Arbitragem Administrativa foi designado o signatário para constituir o presente Tribunal Arbitral Singular, decisão que foi notificada às partes e que a ela não se opuseram.

Consequentemente, o Tribunal Arbitral foi declarado constituído em 23 de dezembro de 2016.

 

3. Depois de notificada para tanto, a Demandante veio responder às exceções invocadas pela Demandada na sua contestação, concluindo pela sua improcedência e, novamente, pela procedência do pedido deduzido no requerimento de pronúncia arbitral.

Nessa sequência foi agendada Audiência para o dia 13 de fevereiro de 2017.

Em 9 de fevereiro de 2017 a Demandante veio apresentar requerimento através do qual procedia à junção de um documento, requeria a notificação da Demandada para, por seu turno, proceder à junção de um outro documento e, finalmente, peticionava a condenação da Demandada como litigante de má-fé no pagamento de multa e de indemnização.

À questão da litigância de má-fé respondeu a Demandada, concluindo pela improcedência desse pedido.

Realizou-se a Audiência na data agendada, nela se tendo procedido à produção dos meios de prova requeridos pelas partes.

 

4. Devidamente notificadas para tanto, ambas as Partes vieram apresentar alegações escritas sobre matéria de facto e de direito. Nas suas alegações a Demandante concluiu peticionando a condenação da Demandada no pagamento à Demandante da quantia de € 31.495,32 e no pagamento de juros de mora, bem como a sua condenação como litigante de má-fé em multa e em indemnização de valor não inferior a 7,5% do valor peticionado no pedido principal.

A Demandada, nas suas alegações, concluiu pela improcedência da ação ou, subsidiariamente, pela procedência parcial, descontando-se ao valor do pedido o montante correspondente à redução remuneratória prevista na Lei do Orçamento de Estado para 2011. Mais concluiu pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé.

 

5. Em 19 de abril de 2017 ambas as Partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem acerca da possibilidade de o Tribunal não vir a conhecer dos pedidos, deduzidos pela Demandante, de condenação da Demandada como litigante de má-fé e de condenação no pagamento de juros de mora.

A essa notificação respondeu apenas a Demandante, reiterando os fundamentos do pedido de condenação da Demandada como litigante de má-fé por si deduzido e nada dizendo quanto ao eventual não conhecimento do pedido de condenação no pagamento de juros de mora.

 

 

II

 

6. Antes de prosseguir para o conhecimento do mérito da causa importa apreciar a validade da presente instância arbitral.

As Partes têm personalidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas em juízo.

Conforme resulta do n.º 5 do relatório, supra, o Tribunal Arbitral suscitou, de ofício, a questão de não conhecimento do objeto dos pedidos, formulados pela Demandante, de condenação da Demandada no pagamento de multa e de indemnização à contraparte por litigância de má-fé e de condenação no pagamento de juros de mora.

Importa então apreciar essas questões obstativas do conhecimento do objeto daqueles dois pedidos e oficiosamente suscitadas pelo Tribunal Arbitral.

 

7. Independentemente da apreciação concreta da conduta da Demandada e da sua eventual subsunção à factispécie da previsão legal da condenação por litigância de má-fé, crê-se que tal pedido é inadmissível e como tal não se poderá conhecer dele.

Dois argumentos obstam a que o Tribunal Arbitral possa conhecer deste pedido.

Em primeiro lugar, o regime da litigância de má-fé prossegue a realização de duas finalidades. Por um lado, há inequivocamente uma tutela da posição da parte que litiga de boa-fé e vê a sua conduta processual prejudicada, ou pelo menos embaraçada, pela litigância de má-fé da contraparte. Mas, por outro lado, há também a prossecução do interesse público na boa administração da justiça. Assim se compreende, por exemplo, que em caso de litigância de má-fé o tribunal possa condenar a parte prevaricadora em multa (que pode mesmo ultrapassar a quantia de 10.000 euros). Neste enquadramento, é indesmentível que o instituto adjetivo da litigância de má-fé se reveste de uma componente sancionatória de direito público que não é alheia ao poder de jus imperii de que a atuação dos tribunais está investida. Não se distingue, a esse propósito, do mesmo poder sancionatório que um tribunal pode exercer em relação a terceiros que lhe recusem a sua colaboração (cfr. art. 417.º, n.º 2, do CPC) ou a testemunhas faltosas (cfr. art. 508.º, n.º 4, do CPC).

Manifestamente, e sem necessidade de maior demonstração, os tribunais arbitrais voluntários não comungam desses poderes de autoridade — que são próprios dos tribunais estaduais ­— e não podem ser convocados a exercê-los. Não pode este Tribunal Arbitral condenar uma parte em multa da mesma forma que lhe é vedado ordenar a comparência de uma testemunha sob custódia policial ou intimar um terceiro (ou até mesmo uma parte) a prestar a sua colaboração para com a descoberta da verdade. Não tem, assim, este Tribunal poderes de autoridade pública que lhe permitam aplicar sanções pecuniárias decorrentes de situações de litigância em infração aos deveres de boa-fé processual que impendem sobre as partes — de resto, nem se afigura bem qual a entidade à qual tal multa devesse ser paga.

Em segundo lugar, mesmo atendendo apenas à função de tutela da parte não prevaricadora igualmente prosseguida pelo instituto da litigância de má-fé, o pedido teria de ser considerado inadmissível. Esta dimensão da litigância de má-fé cobra uma natureza subsidiária da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito: a indemnização destina-se a ressarcir os danos causados pela conduta processual ilícita e culposa da parte prevaricadora. Ora, sendo este um Tribunal Arbitral os seus poderes judicatórios estão necessariamente limitados às matérias objeto da convenção de arbitragem, não podendo a cognição do Tribunal estender-se para além delas sob pena de, assim, se incorrer em excesso de pronúncia. No caso dos presentes autos é manifesto que a convenção de arbitragem — referente a um concreto litígio relativo à execução de obrigações emergentes de um determinado contrato alegadamente celebrado pelas Partes — não abrange a efetivação da responsabilidade delitual de qualquer uma das Partes e, muito menos, a responsabilidade decorrente das suas próprias condutas no decurso da arbitragem. Com efeito, nesta convenção (junta como o documento anexo ao requerimento de pronúncia arbitral) resulta que as partes convencionaram submeter a arbitragem apenas os litígios emergentes da “Reformulação do Projeto de Execução da Área de Civil para a Redução de Custos da Escola Secundária …, em …”, nada se tendo convencionado a propósito da efetivação de responsabilidade civil extracontratual. Também nesse sentido aponta o Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante “o Regulamento de Arbitragem”) para o qual se remete nessa convenção de arbitragem: é omisso quanto à atribuição de poderes decisórios em matéria de responsabilidade delitual decorrente da litigância de má-fé de qualquer uma das partes.

Portanto, na falta de norma legal ou regulamentar expressa que atribuísse tal competência ao Tribunal Arbitral e na falta, também, de convenção das Partes que fizesse tal questão subingressar no âmbito da competência dispositiva deste Tribunal, entende-se que não estão reunidos todos os pressupostos processuais de que dependeria o conhecimento do objeto de tal pedido deduzido pela Demandante.

Assim, pelos fundamentos invocados, decide o Tribunal Arbitral não conhecer do objeto do pedido de condenação da Demandada no pagamento de multa e de indemnização à contraparte por litigância de má-fé, absolvendo-se a Demandada da instância no que a esse pedido concerne.

 

8. No requerimento de pronúncia arbitral com que iniciou a presente ação, a Demandante concluiu, a final, peticionando a condenação da Demandada no pagamento da quantia de 31.495,32 euros a título de responsabilidade contratual.

Porém, nas alegações que apresentou em 20 de março de 2017, a Demandante concluiu, a final, peticionando que “a Requerida [seja] condenada a pagar à Requerente a quantia de €31.495,32, acrescida de juros de mora [...]” (realce adicionado).

Trata-se da primeira vez que, nos presentes autos, surge peticionada a condenação no pagamento de juros de mora, pedido que, objetivamente, não foi deduzido no requerimento de pronúncia de arbitral. O enxerto, na ação em curso, de um pedido de condenação no pagamento de juros de mora configura indiscutivelmente uma modificação do objeto da instância (isto é, uma ampliação do pedido) que — sendo, porventura, até admissível à luz do Regulamento de Arbitragem — pressuporia sempre, e em qualquer caso, a dedução tempestiva do correspondente incidente de modificação objetiva, o que não sucedeu.

Não tendo esse pedido sido deduzido originalmente na presente ação, nem se tendo validamente provocado a sua ampliação, não tendo sobre ele incidido qualquer atividade instrutória processual e não tendo sido facultada à Demandada a oportunidade de, acerca desse pedido, exercer na sua plenitude o princípio do contraditório, afigura-se que não poderá agora este Tribunal Arbitral conhecer de tal pedido.

Assim, pelos fundamentos invocados, decide o Tribunal Arbitral não conhecer do objeto do pedido de condenação da Demandada no pagamento de juros de mora, absolvendo-se a Demandada da instância no que a esse pedido concerne.

 

9. As Partes não suscitaram qualquer questão obstativa do conhecimento do objeto do remanescente pedido deduzido nos presentes autos, nem em relação a este se vislumbra qualquer outra causa de conhecimento oficioso que impeça o seu conhecimento por parte deste Tribunal Arbitral, resultando a competência para dele conhecer, de forma manifesta, da Convenção de Arbitragem outorgada por ambas as Partes em 9 de junho de 2015 e que se encontra junta aos autos como o documento n.º 1 oferecido com o requerimento de pronúncia arbitral.

Inexistem quaisquer nulidades que afetem todo o processo ou outros vícios que obstem ao prosseguimento da causa, pelo que os autos estão em condições para que neles se possa conhecer do mérito do pedido.

 

 

III

 

6. Com relevo para a decisão da presente causa consideram-se provados os seguintes factos:

1) A Demandante é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de engenharia, arquitetura e projetos assistidos por computador, coordenação e fiscalização de obras e gestão de empreendimentos da construção.

2) A Demandada é uma entidade pública empresarial, criada pelo Dec-Lei n.º 41/2007 que tem por objeto, entre outros, a modernização e manutenção da rede pública das escolas secundárias e outras escolas afetas ao Ministério da Educação.

3) Na sequência de procedimento pré-contratual, as partes celebraram, em 16 de junho de 2010, o contrato de prestação de serviços n.º …/…/… /C, que tinha por objeto a “Elaboração do Projeto da Área Civil e respetiva coordenação da Escola Secundária de …, em … .”

4) A partir de agosto de 2011 a Demandada recebeu da tutela orientações e diretivas para a redução de custos nos projetos de modernização e manutenção da rede pública de escolas.

5) Na sequência dessas orientações, em data não concretamente apurada mas posterior a agosto de 2011 e anterior a novembro desse ano, a Demandada solicitou à Demandante que esta lhe prestasse os serviços de reformulação do projeto de execução da área de civil para a redução de custos da Escola Secundária …, em … .

6) A Demandante prestou os referidos serviços, procedendo à reformulação do referido projeto.

7) A Demandante remeteu à Demandada o projeto reformulado em 3-2-2012.

8) O projeto reformulado, entregue pela Demandante, foi recebido e aceite pela Demandada.

9) Em 19-12-2011 o funcionário da Demandada, Eng.º C…, dirigiu ao Conselho de Administração uma proposta com a referência n.º NUI-2011-…-1 subordinada à epígrafe “Aprovação prévia de contratação dos serviços de alteração dos projetos de Arquitetura, Construção Civil, Instalações Especiais e Arranjos Exteriores da Escola Secundária…”, a qual concluía com a seguinte proposta: “Tendo em conta o supra exposto, vimos por este meio propor a aprovação da contratação dos serviços de alteração dos projetos da Escola Secundária …, a qual será oportunamente prosseguida de acordo com a Delegação de Competências.”

10) Da referida proposta, bem como do seu Anexo II, consta uma estimativa de honorários para a execução das alterações ao projeto da Área Civil no valor de 25.700,00 euros.

11) Do ponto n.º 10 da Ata n.º 339 do Conselho de Administração da Demandada, datada de 5-1-2011, consta que o referido Conselho deliberou por unanimidade: “Atendendo à deliberação constante da ata número trezentos e oito, de sete de julho de dois mil e onze, a qual aprovou a redução de custos nos contratos de empreitada da Fase 3 do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário mediante a substituição de materiais, equipamentos e técnicas de construção, tomar conhecimento do conjunto das alterações propostas pelos autores dos projetos de arquitetura, construção civil, instalações especiais e arranjos exteriores da Escola Secundária …, as quais serão prosseguidas ao abrigo da delegação de competências, aprovada por deliberação do conselho de administração de 28 de abril de 2011, publicada em Diário da República a 23 de setembro de 2011. Das alterações aos diversos projetos resultou uma estimativa de redução de custos de €1.627.514,61 (um milhão seiscentos e vinte e sete mil quinhentos e catorze euros e sessenta e um cêntimos) correspondente a 10,88% do preço contratual da empreitada da supra mencionada escola, tudo conforme Proposta Ref. NUI-…-…-I, que se anexa à presente ata.

12) Por correio eletrónico datado de 11-1-2011, dirigido do endereço ...@...min-edu.pt para o endereço g@....com consta o seguinte teor: “Caro Arq. [§] Informo que na sessão do Conselho de Administração da passada quinta feira, foram aprovados os aditamentos e respetivos honorários de todos os projetistas para o trabalho da ES … decorrente da reunião tida com CA. Irei dar seguimento a este processo. Agradeço que informe os restantes colaboradores.

 

 

            7. A matéria de facto dada como provada resulta da prova documental e testemunhal produzida no processo. Em particular, a convicção do Tribunal Arbitral quanto aos factos elencados nos n.os 4 a 8 resulta do depoimento das testemunhas D…, E… e F… . Os respetivos depoimentos, prestados com segurança e convincente razão de ciência, foram coincidentes no sentido de a Demandada ter solicitado da Demandante a reformulação do projeto de especialidades por esta elaborado ao abrigo do Contrato n.º …/…/CA/C e de que o referido projeto, já reformulado, foi efetivamente entregue à Demandada e foi por esta recebido e aceite. Particularmente relevante se revelou para a prova dos factos n.os 5) a 8) o depoimento da testemunha F…, funcionário da Demandada, que a propósito da entrega do projeto reformulado declarou ter o mesmo sido entregue “bem executado” e “de acordo com o que foi acordado.” Foi ainda determinante na formação da convicção do Tribunal Arbitral a mensagem de correio eletrónico incluída no Processo Instrutor, datada de 03-02-2012 e expedida do endereço eletrónico ...@...com para diversos destinatários com endereços eletrónicos alojados no domínio @...min-edu.pt através da qual se procede à remessa do reformulado projeto das especialidades da área de civil referente à Escola … .

Os factos dados como provados sob os n.os 9) a 12) resultam do Extrato da Ata n.º 339 do Conselho de Administração junto aos autos pela Demandada. Por seu turno, os factos elencados sob os n.os 1) e 2) consideram-se provados por acordo das Partes.

 

 

IV

 

  1. Questões decidendas

 

8. Assente a factualidade relevante para a decisão da presente causa, e face às posições das Partes manifestadas nos respetivos articulados e nas alegações escritas que apresentaram, importa decidir as seguintes questões:

— Existência de um contrato de aquisição de serviços celebrado entre ambas as Partes e relativo à reformulação do projeto de execução da área de civil da Escola Secundária …;

— Existência de um crédito da Demandante sobre a Demandada, no valor de 31.495,32 euros (incluindo IVA) emergente de um tal contrato.

 

Vindo a decidir-se pela afirmativa a primeira daquelas questões, importa apreciar as seguintes questões excetivas suscitadas na contestação da Demandada (cujo conhecimento se relega para final, na medida em que, tratando-se de exceções de natureza extintiva, pressupõem a existência do direito invocado pela Demandante, pelo que o conhecimento da pretensão desta terá de preceder logicamente o conhecimento das exceções):

— Nulidade do contrato de prestação de serviços, por falta de forma;

— Inexistência da obrigação de pagamento por força da denominada Lei dos Compromissos;

— Necessidade de proceder à redução remuneratória prevista nas leis orçamentais.

 

 

 

  1. Da existência de um contrato de aquisição de serviços

 

9. É incontroverso entre ambas as Partes que Demandante e Demandada celebraram, em 2010, um contrato de prestação de serviços (contrato n.º …/…/CA/C) tendo por objeto a elaboração do projeto de execução da área civil da Escola Secundária … . É também incontroverso que, na sequência das instruções recebidas da tutela em 2011, a Demandada solicitou da Demandante a reformulação de tal projeto no sentido de serem reduzidos os custos da correspondente empreitada. Do probatório também resulta adquirido que a reformulação desse projeto foi pronta e pontualmente executada pela Demandante, tendo o projeto reformulado sido entregue à Demandada, e por esta aceite e recebido.

Onde as Partes divergem é acerca da existência de um acordo de vontades em termos que se possa concluir pela formação de um contrato de aquisição dos serviços de reformulação do projeto de engenharia. Para a Demandante não se suscitam dúvidas quanto a essa questão. Já para a Demandada, numa síntese das posições que assumiu na presente ação, tal acordo de vontades não existiria por duas ordens de razão: em primeiro lugar, por faltar uma declaração de vontade da Demandada, expressa através de quem tivesse poderes para a obrigar externamente; em segundo lugar, por não se ter formado qualquer acordo quanto ao preço de uma tal prestação de serviços.

Apreciando a argumentação de ambas as Partes, ter-se-á forçosamente de concluir pela procedência dos argumentos da Demandante, como de seguida melhor se demonstrará.

 

10. Em Direito Administrativo a noção de contrato administrativo corresponde à de “acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrados entre contraentes públicos e cocontratantes” que, para o que interessa à economia dos presentes autos, por força do Código dos Contratos Públicos, da lei ou da vontade das partes “sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público” [al. a) do n.º 6 do art. 1.º do CCP].

Em causa nos presentes autos está, claramente, um tipo contratual expressamente regulado no CCP — trata-se do contrato de aquisição de serviços, regulado nos arts. 450.º e ss. do CCP e que corresponde ao “contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.”

O figurino legal deste tipo contratual comporta a possibilidade do contraente público exigir do cocontratante a prestação de “trabalhos a mais”, embora sujeito ao cumprimento de certos requisitos. Acerca dessa matéria regula o art. 454.º do CCP, cuja redação atual resulta do Dec.-Lei n.º 149/2012. Porém, como se dispõe no art. 5.º deste Dec.-Lei n.º 149/2012, as alterações introduzidas por este diploma ao CCP apenas se aplicam à execução dos contratos que revistam a natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após a data da sua entrada em vigor. Por seu turno, a redação anterior daquele preceito legal — e, portanto, aquela que releva para a solução da presente ação — resulta da redação original daquele Código tal como adotada pelo Dec.-Lei n.º 18/2008 e é do seguinte teor:

Artigo 454.º

Serviços a mais

1 São serviços a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato e que:

a) Se tenham tornado necessários à prestação dos serviços objeto do contrato na sequência de uma circunstância imprevista; e

b) Não possam ser técnica ou economicamente separáveis do objeto do contrato sem inconvenientes graves para o contraente público ou, embora separáveis, sejam estritamente necessários à conclusão objeto do contrato.

2 Só pode ser ordenada a execução de serviços a mais quando se verifiquem as seguintes condições:

a) O contrato tenha sido celebrado na sequência de ajuste direto adotado ao abrigo do disposto no artigo 24.º ou no n.º 1 do artigo 27.º, de procedimento de negociação adotado ao abrigo do disposto no artigo 29.º, de diálogo concorrencial, de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação;

b) Quando o contrato tenha sido celebrado na sequência de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação e o anúncio do concurso tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia, no caso de o somatório do preço atribuído aos serviços a mais nos termos do disposto no artigo 373.º com o preço contratual ser igual ou superior ao valor referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º;

c) O preço atribuído aos serviços a mais nos termos do disposto no artigo 373.º somado ao preço de anteriores serviços a mais e deduzido do preço dos serviços a menos não exceder 5 do preço contratual; e

d) O somatório do preço atribuído aos serviços a mais nos termos do disposto no artigo 373.º com o preço de anteriores serviços a mais e de anteriores serviços de suprimento de erros e omissões não exceder 50 do preço contratual.

3 (Ommissis)

4 Não são considerados serviços a mais aqueles que sejam necessários ao suprimento de erros ou omissões, independentemente da parte responsável pelos mesmos.

5 Caso não se verifique alguma das condições previstas no n.º 2, os serviços a mais devem ser objeto de contrato celebrado na sequência de procedimento adotado nos termos do disposto no título I da parte II.

6 Aos serviços a mais e aos serviços a menos é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 371.º a 375.º e 379.º a 381.º

 

Nos termos da redação aplicável do art. 454.º, n.º 1, do CCP, serviços a mais em contratos de aquisição de serviços serão aqueles serviços “cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato e que [s]e tenham tornado necessários à prestação dos serviços objeto do contrato na sequência de uma circunstância imprevista” [al. a)] e, simultaneamente, “[n]ão possam ser técnica ou economicamente separáveis do objeto do contrato sem inconvenientes graves para o contraente público ou, embora separáveis, sejam estritamente necessários à conclusão do objeto do contrato” [al. b)]. A disciplina jurídica dos serviços a mais é remetida para as disposições correspondentes reguladoras da figura dos trabalhos a mais no nos contratos de empreitada (cfr. art. 454.º, n.º 6, do CCP).

Particular destaque merecem os requisitos de que depende a possibilidade de ser ordenada a realização de serviços a mais no âmbito de contratos de aquisição de serviços, elencados nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 454.º do CCP e que, em síntese, correspondem a uma ponderação entre o valor do contrato original e o valor dos trabalhos a mais a realizar. Não estando preenchidos esses requisitos, dispõe-se no n.º 5 do mesmo preceito legal que a realização de serviços a mais dependerá então de contrato cujo procedimento de formação deverá seguir a disciplina geral da contratação pública. Este regime é particularmente importante porquanto nele se distinguem duas realidades: por um lado, a dos serviços a mais que o contraente público pode ordenar sem celebração de um novo e distinto contrato (seguindo, portanto, as regras dos arts. 371.º a 375.º do CCP, relativas aos trabalhos a mais e aqui aplicáveis por remissão); por outro lado, prevêem-se as situações em que a realização de serviços a mais não prescinde da formação de um novo contrato de aquisição de serviços, autónomo do primeiro, e que deverá obedecer às regras gerais da contratação pública. No primeiro caso, prescindindo-se da celebração de um novo contrato, a disciplina dos serviços a mais é claramente mais flexível e menos burocratizada. No segundo caso tudo se passa, na prática, como se houvesse de levar a cabo um verdadeiro e próprio novo procedimento contratual.

 

11. Subsumindo ao caso dos presentes autos, dir-se-á, desde já, que os serviços de reformulação do projeto para a área civil da Escola Secundária …, prestados pela Demandante à Demandada, são claramente de se qualificar como serviços a mais prestados no quadro do Contrato n.º …/…/CA/C.

Com efeito, está em causa a reformulação de um serviço anteriormente prestado pela Demandante à Demandada. Os serviços cujos honorários se discutem na presente ação têm uma evidente e inequívoca conexão com a antecedente aquisição de serviços: em causa está, precisamente, a reformulação de um projeto anteriormente desenvolvido e elaborado. Esta é, pois, um desenvolvimento e uma consequência da precedente prestação de serviços — uma não pode ser desligada da outra.

É também forçoso concluir-se que estão preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 454.º do CCP. Há a verificação de uma circunstância imprevista (as instruções da tutela para a redução dos custos a incorrer com a realização da empreitada de recuperação do estabelecimento de ensino por força das restrições orçamentais à época vigentes, e que são facto público e notório) na sequência da qual se tornou necessária a prestação de serviços em espécie e quantidade não previstas no contrato original e que não podem ser tecnicamente separáveis do objeto inicial de tal contrato. Na verdade, os serviços de reformulação do projeto originalmente apresentado pela Demandante no quadro do Contrato n.º …/…/CA/C não estavam, naturalmente, previstos naquele contrato. Porém, a sua prestação tornou-se necessária em face das instruções da tutela para redução dos custos a incorrer com a empreitada de recuperação da Escola Secundária …. No entanto, apesar de não previstos originalmente no contrato, estes serviços não podem dele ser separados em virtude de estar em causa, precisamente, a reformulação do anterior projeto. Pela própria natureza da atividade criativa e intelectual (e dos correspondente direitos de propriedade intelectual) que vai implicada na elaboração de projetos de especialidades construtivas, a reformulação de um projeto só pode ser levada a cabo pelo seu próprio autor.

Tratando-se, assim, de serviços a mais prestados no quadro do Contrato n.º …/…/CA/C, importa averiguar se estes se podem subsumir na previsão do n.º 2 do art. 454.º do CCP (dispensando-se a formação de um novo contrato) ou no quadro do n.º 5 do mesmo preceito legal (impondo-se a formação de um novo contrato).

A resposta terá forçosamente de pender para a segunda das alternativas indicadas.

Com efeito, na parte que releva para o caso dos presentes autos, a al. a) do n.º 2 do art. 454.º do CCP apenas permite que sejam ordenados serviços a mais quando esteja em causa um contrato de aquisição de serviços celebrado na sequência de um procedimento de ajuste direto adotado ao abrigo do art. 24.º ou do art. 27.º, n.º 1, do CCP. Trata-se, em ambos os casos, de normas que admitem o recurso ao procedimento de ajuste direto a título excecional: no caso do art. 24.º na sequência de anteriores procedimentos de contratação pública que não tenham logrado chegar a bom termo; no caso do art. 27.º atendendo a particulares qualidades do objeto contratual. O procedimento de ajuste direto seguido na formação do Contrato n.º …/…/CA/C não foi adotado ao abrigo de qualquer um daqueles dois preceitos legais, o que permite excluir a verificação do requisito previsto na al. a), do n.º 2, do art. 454.º do CPC e dispensa a verificação dos demais requisitos estabelecidos nesta norma, atendendo a que se trata de requisitos de verificação cumulativa.

É, assim, aplicável o disposto no n.º 5 do art. 454.º do CCP ao caso dos serviços a mais prestados pela Demandante à Demandada no quadro do referido Contrato n.º …/…/CA/C. Ou seja, a prestação de serviços a mais deveria ser objeto de um contrato próprio, autónomo do contrato que lhe dá causa, e celebrado na sequência de um procedimento de contratação pública que obedeça à disciplina geral prevista no título I da parte II do Código.

 

12. Torna-se, assim, necessário averiguar se existiu, de facto, um contrato de aquisição de serviços a mais, como alega a Demandante e rejeita a Demandada. A resposta a esta questão passa, portanto, pelo preenchimento da factispécie do já referido art. 1.º, n.º 6, do CCP.

E não pode deixar de ser afirmativa.

Há um evidente acordo de vontades entre ambas as Partes quanto à prestação dos serviços a mais: da factualidade provada não apenas resulta claro que a Demandada solicitou da Demandante a prestação desses serviços a mais, como — o que é mais relevante e, até, determinante — a aquisição desses serviços e o respetivo preço foram expressamente aprovados pelo Conselho de Administração da Demandada. Esta circunstância torna indesmentível a existência de um acordo de vontades relativamente aos elementos essenciais de um contrato administrativo de aquisição de serviços: a identidade dos contraentes, a espécie e quantidade dos serviços a prestar e o preço contratual.

Tem, pois, de concluir-se pela formação de um contrato, entre Demandante e Demandada, tendo por objeto a prestação de serviços a mais no quadro dos serviços prestados ao abrigo do Contrato n.º …/…/CA/C e pelo preço contratual de 25.700,00 euros.

Questão diversa desta é a da validade deste contrato assim formado, a qual se apreciará seguidamente.

 

 

  1. Quanto à nulidade do contrato

 

13. Sustenta Demandada que um eventual contrato celebrado com a Demandante e relativo aos serviços de reformulação do projeto da área de civil da Escola Secundária … seria nulo por inobservância da forma negocial prescrita na lei. Invoca para tanto o disposto nos arts. 96.º, n.º 1, e 283.º, n.º 1, ambos do CCP.

Riposta a Demandante que não pode ser responsabilizada pela incúria da Demandada que, não obstante a invocada nulidade, aceitou os serviços contratados. Acrescenta que cumpriu pontualmente o contrato e reclama o direito a perceber a remuneração contratual estabelecida entre as partes.

A questão da nulidade do contrato parece de resposta evidente, e responde-se pela afirmativa.

Na verdade, por força dos especiais interesses públicos que vão implicados no Direito da Contratação Pública e da necessidade de garantir neste domínio a efetiva observância dos princípios da transparência, da concorrência e da boa gestão da coisa pública, o legislador estabeleceu em matéria de contratos públicos um conjunto de requisitos formais que excedem largamente a disciplina homóloga dos contratos entre particulares. Exemplo paradigmático dessa realidade são os procedimentos de contratação pública, nos quais surpreendem um conjunto de formalidades e ritos procedimentais que seriam inimagináveis no contexto da gestão de uma atividade empresarial privada.

Uma dessas formalidades é a exigência de redução do contrato administrativo a escrito, plasmada no art. 94.º do CCP.

É certo que essa exigência comporta exceções — previstas no art. 95.º, n.os 1 e 2, do CCP — que, porém, não se aplicam ao caso do contrato de serviços a mais de que se trata nos presentes autos.

O contrato para a realização de serviços a mais, celebrado entre Demandante e Demandada, estava sujeito à forma escrita.

Quanto a isso não há qualquer dúvida.

E a inobservância da forma legalmente imposta determina a sua nulidade — art. 284.º, n.º 2, do CCP por referência ao art. 161.º, n.º 2, al. g), do CPA. No mesmo sentido, embora ainda por referência ao quadro legal anterior à entrada em vigor do CCP, veja-se o Ac. STA 17-12-2008 (Proc.º 301/08, in www.dgsi.pt).

Não obstante se ter formado, entre Demandada e Demandante, um contrato relativo à aquisição dos serviços de reformulação do projeto da área de civil da Escola Secundária …, a falta de redução a escrito de tal contrato determina a sua nulidade, que agora se declara.

 

14. A Demandante, no articulado de resposta às exceções, invocou que, não obstante a invocada nulidade do contrato, lhe deu integral e pleno cumprimento, não podendo ser responsabilizada pela omissão da Demandada ao não ter reduzido o contrato a escrito, parecendo que, com tal argumentação, estaria fazendo apelo ao instituto do enriquecimento sem causa.

A jurisprudência administrativa é, porém, clara no sentido de que a nulidade do negócio jurídico não permite a invocação de tal instituto.

Conforme discreteou o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo no Ac. STA 18-2-2010 (Proc.º 379/07, in www.dgsi.pt), “[n]o domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289.º, n.º 1, do C. Civil), está vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste.” Prosseguindo-se, neste aresto que se vem de citar, que

[…] existe causa que justifica o enriquecimento, traduzida no facto de ter havido uma relação jurídica contratual que o ‘enriquecido’ não chegou total ou parcialmente a cumprir. Em tal hipótese, a vantagem ilegítima obtida pelo devedor deriva diretamente do contrato (incumprido).

É essa, pois, a causa para o seu enriquecimento.

Por outro lado, como decorre da lei substantiva (art. 474.º do C. Civil), no domínio da nulidade do contrato e do seu regime e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289.º, n.º 1, do C. Civil), está vedado o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste […].

O que quer dizer que, na situação dos autos, por haver causa para o enriquecimento e atento o disposto no art. 474.º do Cód. Civil, e tratando-se de contrato nulo, não é legalmente possível a invocação do regime do enriquecimento sem causa.

 

Não se olvida que a Demandante cumpriu pontual e integralmente a obrigação de prestação de facto emergente do contrato (nulo) que celebrou com a Demandada e que esta, ao invés, incumpriu a obrigação de pagamento do preço contratual. Há, com efeito, um enriquecimento da Demandada à custa da Demandante. Simplesmente, trata-se de um enriquecimento com causa, residindo esta precisamente no contrato que, não obstante nulo, a Demandante pontualmente cumpriu.

Não é, pois, possível invocar no caso dos presentes autos o regime do enriquecimento sem causa, pretensão que se parece poder depreender das posições processuais da Demandante — no mesmo sentido, cfr. também Ac. STA 21-09-2004 (Proc.º 47638, in www.dgsi.pt); Ac. STA 24-10-2006 (Proc.º 732/05, in www.dgsi.pt); Ac. STA 30-10-2007 (Proc.º 379/07, in www.dgsi.pt).

Não se ignora que neste Centro de Arbitragem Administrativa existe jurisprudência em sentido oposto àquele que agora se prefigura quanto a esta questão (cfr. Sentença CAAD 19-01-2015, Proc.º 46/2014-A). Porém, em face da jurisprudência uniforme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da impossibilidade de convocação do instituto do enriquecimento sem causa nos casos de prestações realizadas em execução de contratos nulos, afigura-se impraticável aderir a tal precedente jurisprudencial deste Centro.

 

15. A nulidade do contrato não permite, no entanto, extrair a conclusão que a Demandada dela parece querer extrair: a de que inexiste para si qualquer obrigação em relação à Demandante.

Na verdade, a nulidade de um negócio jurídico não é equiparável a sua inexistência jurídica: o contrato existiu juridicamente, embora seja inválido.

Dispõe-se no art. 285.º, n.º 1, do CC (aplicável ao caso por força do art. 285.º, n.º 2, do CCP) que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. Porém, como muito certeiramente se realça no Ac. STA 24-10-2006 (Proc.º 732/05, in www.dgsi.pt), as nulidades dos contratos de execução continuada “apresentam-se com algumas especificidades que não podem deixar de ponderar-se à luz do regime do art. 289.º, n.º 1, do C. Civil.” Com efeito, como se realça neste aresto acabado de citar, “o mecanismo do art. 289.º/1 do C. Civil, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade em relação às prestações já efetuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que, se aliado à inaplicação do instituto do enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível.”

Acerca de questão muito parecida com esta de que agora se trata pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Assento n.º 4/95 (publicado no D.R., 1.ª série, n.º 114, pp. 2939-ss.), no sentido de que perante a nulidade de um contrato, invocado no pressuposto da sua validade, “se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n.º 1 do art. 289.º do Código Civil.” Acresce que “ainda que numa lógica de destruição retroativa do contrato e meramente restitutiva, confinada à reposição das partes na situação anterior a ele, o princípio da justiça impõe que se valorem as prestações e contraprestações prestadas ao abrigo da relação contratual de facto […] não sendo exato que tudo se passe como se o contrato não tivesse sido celebrado e/ou executado de facto” (Ac. STA 21-09-2004, Proc.º 47638).

Daí que, uma vez declarada a nulidade do contrato celebrado entre Demandante e Demandada, haja que extrair dessa declaração as consequências previstas no art. 289.º, n.º 1, do CC, o que, de resto, pode ser feito oficiosamente pelo Tribunal — nesse sentido, cfr. Ac. STA 10-03-2004 (Proc.º 338/03, in www.dgsi.pt). Consequentemente, não obstante a nulidade contratual já verificada e declarada, deverá a Demandada ser condenada a restituir à Demandante as prestações que esta última realizou ao abrigo do contrato declarado nulo.

 

16. Neste passo há que afrontar um novo problema que se coloca: a repetição da prestação realizada pela Demandante (consistente na elaboração e entrega de um projeto de engenharia reformulado) não é agora possível. Os recursos humanos e logísticos assim como os bens e materiais despendidos na realização de tal prestação não podem agora ser restituídos à Demandante.

Acerca deste problema, porém, é hoje consensual na doutrina e na jurisprudência que não sendo possível, nos casos de nulidade do contrato, a restituição em espécie das prestações realizadas pelas partes, o contrato nulo deve ser valorado como uma “relação contratual de facto.” Nesse preciso sentido aponta a lição de MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, vol. I, tomo I, Coimbra, Almedina, 1999, pp. 582-583):

Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo de uma coisa — como no arrendamento — ou de serviços — como na empreitada, no mandato ou no depósito — a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o ‘senhorio’ restituir as rendas recebidas e o ‘inquilino’ o valor relativo ao gozo de que disfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos.

 

Na verdade, como se deixou dito no Ac. STJ 11-07-2002 (Proc.º 03B484, in www.dgsi.pt), “tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» […] tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.” Em idêntico sentido pode ver-se a posição de RUI ALARCÃO (A confirmação dos negócios anuláveis, vol. I, Coimbra, Atlântida Ed., 1971, p. 76, n. 101) para quem “a chamada restituição em valor virá, por vezes, a traduzir-se no respeito pela execução, entretanto ocorrida, do negócio.”

Retomando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. cit. Ac. STA 24-10-2006):

[…] a regra do art. 289.º/1 do C. Civil, que como vimos, se aplicada com efeitos ex tunc nos contratos de execução continuada de serviços se mostra inadequada à sua própria teleologia, carece de uma restrição que permita tratar desigualmente o que é desigual, isto é, deve ser objeto de redução teleológica […] de molde a que, nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a nulidade não abranja as prestações já efetuadas, produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, a exemplo do que, como afloramento da mesma ideia, está expressamente consagrado na nulidade, por equiparação, resultante da resolução dos contratos de execução continuada (arts. 433.º e 434.º/2 do C. Civil) e na nulidade do contrato de trabalho (art. 115.º/1 do Código do Trabalho).

 

No mesmo sentido, de resto, também o já citado aresto do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo (Ac. STA 18-02-2010):

[…] o tribunal, declarada a nulidade de um negócio jurídico, deve extrair as consequências dessa declaração de nulidade, em especial ordenando a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do art. 289.º, n.º 1, do C. Civil.

Mas, uma vez que a restituição em espécie por sua natureza não é possível […] haverá, então, que condenar o réu no pagamento do ‘valor correspondente’ à utilidade advinda da realização da mesma (n.º 1 do art. 289.º), corporizada, como se disse no acórdão recorrido, nos «valores reclamados pela Autora respeitantes aos ‘serviços’ […]»

De outro modo, face à nulidade da relação contratual havida, outra posição que não aquela para que se propende conduziria a uma manifesta injustiça, isto é, a que a nulidade cometida fosse tratada como se o negócio jurídico em causa equivalesse a um nada. Na verdade, tal permitiria que o réu, ora recorrente, e uma vez afastada a aplicação do estatuto do enriquecimento sem causa, e pese embora a celebração da obra, pudesse furtar-se ao pagamento dos encargos que ela representou para o autor da ação.

 

             Decididamente, portanto, a nulidade do contrato de execução continuada, como é o caso do contrato de aquisição de serviços, em que não seja possível a restituição em espécie das prestações realizadas pelas partes tem, por força do princípio da justiça e de uma interpretação restritiva do art. 289.º, n.º 1, do CC, de produzir efeitos apenas para o futuro, assumindo-se toda a execução do programa contratual anterior à declaração de nulidade como se da execução de um contrato válido se tratasse.

            Neste sentido, a pretensão da Demandante tem de proceder nesta parte: não obstante a nulidade do contrato de aquisição de serviços, tem ela direito a receber o preço, contratualmente estipulado, dos serviços que prestou à Demandada e que cumpriu pontual e integralmente.

 

 

  1. Quanto às demais exceções perentórias

 

17. Assente que está o direito da Demandante a receber o preço contratual cujo pagamento reclama nos presentes autos, importa conhecer das duas derradeiras exceções perentórias que a Demandada invoca na sua contestação e que, a procederem, conduziriam à extinção, total ou parcial, desse mesmo direito — a questão da violação da denominada Lei dos Compromissos e a questão da redução remuneratória imposta pelas leis orçamentais.

Relativamente à primeira daquelas duas exceções sustenta a Demandada que o art. 9.º, n.º 1, da Lei dos Compromissos (Lei n.º 8/2012) apenas lhe permite proceder a pagamentos quando os compromissos tiverem sido assumidos em conformidade com as regras e procedimentos previstos na referida lei — o que, consabidamente, não sucedeu no caso presente.

De facto, dispõe-se no art. 9.º da Lei dos Compromissos (na redação originária):

Artigo 9.º

Pagamentos

1 — Os pagamentos só podem ser realizados quando os compromissos tiverem sido assumidos em conformidade com as regras e procedimentos previstos na presente lei, em cumprimento dos demais requisitos legais de execução de despesas e após o fornecimento de bens e serviços ou da satisfação de outras condições.

2 — Os agentes económicos que procedam ao fornecimento de bens ou serviços sem que o documento de compromisso, ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente possua a clara identificação do emitente e o correspondente número de compromisso válido e sequencial, obtido nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da presente lei, não poderão reclamar do Estado ou das entidades públicas envolvidas o respetivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma.

3 — Sem prejuízo do disposto no artigo 11.º, os responsáveis pela assunção de compromissos em desconformidade com as regras e procedimentos previstos na presente lei respondem pessoal e solidariamente perante os agentes económicos quanto aos danos por estes incorridos.

 

Resulta do preceito legal atrás citado um regime legal bastante restritivo em matéria de pagamento de obrigações irregularmente contraídas pelas entidades públicas abrangidas pela Lei dos Compromisso, cujo alcance poderá, em boa medida, estender-se ao ponto de derrogar a jurisprudência consolidada da jurisdição administrativa, atrás citada, que aponta no sentido da produção de efeitos dos contratos (nulos) de execução continuada pelas prestações realizadas anteriormente à declaração da sua nulidade.

Apesar de academicamente muito interessante e atual, esta questão é, no contexto dos presentes autos, uma questão ociosa.

Na verdade, tendo a Lei dos Compromissos entrado em vigor a 22-02-2012 (cfr. art. 17.º), é manifesto que o regime restritivo instituído por este diploma não se poderia aplicar às prestações do contrato que se discute nos presentes autos realizadas antes dessa data. Uma vez que a Demandante completou a sua prestação a 3-02-2012 — entregando o projeto de engenharia reformulado, que foi aceite pela Demandada — não lhe poderia ser aplicável o disposto no n.º 2 do art. 9.º da Lei dos Compromissos: a exigência, para satisfação do crédito, de um número válido de compromisso não pode considerar-se estendida às prestações acordadas, e integralmente realizadas, antes de uma tal exigência estar em vigor — e, inclusivamente, antes da norma que a prevê ter sequer sido publicada no jornal oficial.

Consequentemente, é manifesto que a Demandante não carece de um número válido de compromisso para reclamar o pagamento do crédito correspondente ao preço dos serviços por si prestados à Demandada e que, correspondentemente, a proibição de pagamentos resultante do n.º 1 do art. 9.º da Lei dos Compromissos não obsta à satisfação da pretensão da Demandante.

Pelo que improcede esta exceção.

 

18. Relativamente à segunda das exceções invocadas, alega a Demandante que o art. 22.º, n.º 1, da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, doravante “a LOE-2011”) estabelece uma redução remuneratória de 10%, que deveria ser contemplada no preço contratual. A esta questão respondeu simplesmente a Demandante que a proposta por si apresentada foi aceita pela Demandada.

Dispõe-se no cit. art. 22.º da LOE-2011, na parte que releva para o objeto dos presentes autos:

Artigo 22.º

Contratos de aquisição de serviços

1 — O disposto no artigo 19.º é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objeto e a mesma contraparte, celebrados por:

a) (Ommissis)

b) Entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do sector empresarial local e regional;

c) (Ommissis)

d) (Ommissis)

2 — (Ommissis)

3 — (Ommissis)

4 — (Ommissis)

5 — O disposto no n.º 5 do Artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, e no n.º 2 do Artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de Setembro, alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, aplica-se aos contratos previstos no presente Artigo.

6 — (Ommissis)

7 — (Ommissis)

 

Por seu turno, o art. 19.º para que se remete no n.º 1 deste art. 22.º da LOE-2011 é do seguinte teor (na parte que releva para o objeto dos presentes autos):

Artigo 19.º

Redução remuneratória

1 — A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a (euro) 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 1500 e inferiores a (euro) 2000;

b) 3,5 % sobre o valor de (euro) 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os (euro) 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a (euro) 2000 até (euro) 4165;

c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 4165.

2 — Exceto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a (euro) 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:

a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no Artigo 22.º;

b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.

3 — As pessoas referidas no número anterior prestam, em cada mês e relativamente ao mês anterior, as informações necessárias para que os órgãos e serviços processadores das remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias possam apurar a taxa de redução aplicável.

4 — Para efeitos do disposto no presente Artigo:

a) Consideram-se remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente, remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;

b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efetuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social;

c) Na determinação da taxa de redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas;

d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos n.os 1 e 2.

5 — Nos casos em que da aplicação do disposto no presente Artigo resulte uma remuneração total ilíquida inferior a (euro) 1500, aplica-se apenas a redução necessária a assegurar a perceção daquele valor.

6 — Nos casos em que apenas parte da remuneração a que se referem os n.os 1 e 2 é sujeita a desconto para a CGA, I. P., ou para a segurança social, esse desconto incide sobre o valor que resultaria da aplicação da taxa de redução prevista no n.º 1 às prestações pecuniárias objeto daquele desconto.

7 — Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em percentagem da remuneração base, a redução prevista nos n.os 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos, calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.

8 — A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos Artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos.

9 — (Ommissis)

10 — (Ommissis)

11 — O regime fixado no presente Artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

 

Decorre deste art. 19.º da LOE-2011 a imposição de uma redução remuneratória, de montante variável mas podendo atingir até 10%, para um conjunto alargado de trabalhadores do Estado e demais entidades públicas. O art. 22.º, n.º 1, do mesmo diploma determina a aplicação dessa mesma redução remuneratória aos preços contratuais devidos pela celebração ou renovação, durante o ano de 2011, de contratos de aquisição de serviços.

Porém, a remissão não é absoluta. Para que a redução remuneratória se aplique também a contratos de aquisição de serviços torna-se necessária a verificação de dois pressupostos: i) que o contratos sejam celebrados ou renovados com a mesma contraparte; e ii) que “tenham idêntico objeto.”

Vale dizer, portanto, que os preços contratuais devidos em virtude de contratos de aquisição de serviços celebrados ou renovados com contrapartes com quem a mesma entidade pública tenha já celebrado contratos de aquisição de serviços no ano de 2010 serão objeto de uma redução remuneratória (que pode chegar até 10% do preço contratual) desde que o contrato celebrado ou renovado em 2011 tenha idêntico objeto ao do contrato de 2010. Tal redução não é uma mera injunção para negociação contratual entre os contraentes: pelo contrário, a redução aplica-se diretamente sobre o preço contratado, reduzindo os valores negocialmente ajustados pelas partes.

Subsumindo à hipótese dos presentes autos, não há dúvidas que Demandante e Demandada celebraram um contrato de aquisição de serviços em 2010. Inexistem também dúvidas, face ao que ficou decidido supra, que celebraram um novo contrato de aquisição de serviços em 2011.

Resta saber, porém, se ambos os contratos ­— o de 2010 e o de 2011 — têm “idêntico objeto.” Só no caso de uma resposta afirmativa é que poderá então fazer acionar-se o mecanismo da redução remuneratória previsto nos arts. 22.º, n.º 1, e 19.º da LOE-2011.

Porém, a resposta terá de ser negativa.

Na verdade, não é possível afirmar-se que o contrato de 2010 e o contrato de 2011 tenham “idêntico objeto.” A determinação do objeto, para este efeito, não pode fazer-se apenas por referência a um tipo negocial abstrato. Não se questiona que ambas as espécies contratuais correspondem a contratos de aquisição de serviços de elaboração de projetos especializados na área da engenharia civil.

Porém, é manifesto que os dois contratos têm objetos imediatos distintos. No primeiro caso, está-se perante um contrato para a elaboração de um projeto de especialidades da área de engenharia civil. No segundo caso, está em causa a reformulação desse projeto. É certo que ambos os contratos dizem respeitos a projetos de engenharia relativos à execução de uma mesma obra a realizar no mesmo estabelecimento de ensino. Porém, a concreta prestação de serviços que é adquirida, e fornecida, em cada uma daquelas espécies contratuais é distinta. E, nessa medida, não é possível concluir-se pela identidade de objeto entre o contrato de 2010 e o contrato de 2011.

Consequentemente, é manifesto que não pode ser aplicada a redução remuneratória prevista no art. 19.º da LOE-2011, ex vi do art. 22.º, n.º 1, do mesmo diploma, ao preço acordado entre Demandante e Demandada para o contrato de aquisição dos serviços de reformulação do projeto da área de civil que se discute nos presentes autos.

Pelo que improcede também esta exceção.

 

19. Em conclusão, que o contrato de aquisição de serviços ajustado entre a Demandante e a Demandada é nulo por falta de forma. Porém, tal nulidade não afasta a obrigação, por parte da Demandada, de colocar a pagamento o preço contratual.

É, assim, possível afirmar-se que a Demandante tem direito a perceber o preço, contratualmente ajustado com a Demandada, correspondente aos serviços, por si prestados, de reformulação do projeto das especialidades da área de civil da Escola Secundária … .

Tal preço, como resulta do probatório, foi ajustado em 25.700,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

Porém, na presente ação a Demandante peticiona a condenação no montante de 25.605,32 acrescido do IVA à taxa de 23%. Por força do princípio da limitação pelo pedido, é neste montante que a Demandada deverá, então, ser condenada, correspondendo assim a uma condenação pelo valor global final de 31.494,54 euros.

Procede assim, na totalidade, este pedido de condenação.

 

 

  1. Quanto às custas da ação

 

20. No requerimento de pronúncia arbitral a Demandante peticionou a condenação da Demandada no pagamento da quantia total de 31.495,32 euros.

Posteriormente, já na pendência da ação, veio deduzir um pedido de condenação da Demandada como litigante de má-fé no pagamento de indemnização que quantificou em, pelo menos, 7,5% do pedido condenatório inicialmente formulado nos autos, correspondendo assim a 2.362,15 euros. Peticionou ainda, já nas alegações escritas, a condenação da Demandada no pagamento de juros de mora, sem, porém, fazer qualquer quantificação deste pedido quanto aos juros já vencidos. É, porém, possível atribuir a este pedido o valor económico aproximado de 12.500,00 euros, o qual corresponde sensivelmente ao valor de cinco anos de juros corridos à taxa moratória dos juros comerciais prevista no Dec.-Lei n.º 62/2013.

Fixa-se, assim, para a presente ação arbitral o valor de 46.357,47 euros, correspondente à soma do valor económico de cada um dos três pedidos deduzidos pela Demandante e desconsiderando o pedido de juros de mora vincendos (assim, cfr. 297.º, n.º 2, do CPC).

Nos termos da Tabela II das Tabelas de Encargos Processuais da Arbitragem Administrativa, em vigor neste Centro de Arbitragem de Administrativa, ao valor fixado para a presente arbitragem corresponde uma taxa de arbitragem no montante de 1.224,00 euros.

Nos termos do art. 29.º, n.º 6, do Regulamento de Arbitragem Administrativa, “[n]as arbitragens que tenham por objeto questões relativas a contratos, a decisão final fixa o critério de repartição dos encargos processuais, com base no qual qualquer das partes pode ser reembolsada pela parte contrária dos pagamentos que tenha efetuado.”

Tendo em consideração os pedidos formulados pela Demandante nos presentes autos e o seu decaimento nos pedidos de condenação no pagamento de indemnização por litigância de má-fé e de condenação no pagamento de juros de mora, julga-se equitativo repartir a responsabilidade pelas custas da arbitragem na proporção de um-terço para a Demandante e de dois-terços para a Demandada.

Consequentemente, operando a compensação entre as respetivas responsabilidades ressarcitórias em matéria de taxa de arbitragem, deverá a Demandada ser condenada a reembolsar a Demandante pelo valor correspondente a um-terço da taxa de arbitragem por esta suportada na presente ação arbitral.

 

21. Por último, dispõe-se igualmente no art. 29.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem que “[p]ode ser ordenado o pagamento de […] outros encargos com a produção da prova, a suportar pelas partes.”

No caso dos presentes autos houve lugar à realização de uma Audiência, a qual importou a realização de despesas de deslocação por parte do Árbitro signatário.

Assim, por aplicação das regras e princípios relativos a ajudas de custo e reembolso de despesas de deslocação em serviço estabelecidos no Dec.-Lei n.º 106/98 (na redação atualmente vigente), e tendo presentes os montantes estabelecidos pela Portaria n.º 1553-D/2008 (na redação atualmente vigente), fixa-se o montante correspondente aos encargos incorridos pelo Árbitro com a produção de prova em 280,00 euros, a suportar pela Demandante, na proporção de um-terço, e pela Demandada, na proporção de dois-terços.

 

 

V

 

            22. Assim, pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral Singular julgar a presente ação arbitral parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Não conhecer do pedido de condenação no pagamento de juros de mora, absolvendo a Demandada da instância quanto a esse pedido;
  2. Não conhecer do pedido de condenação da Demandada como litigante de má-fé, absolvendo a Demandada da instância quanto a esse pedido;
  3. Condenar a Demandada a pagar à Demandante a quantia de 31.494,54 euros;
  4. Fixar a taxa da arbitragem em 1.224,00 euros, repartindo a responsabilidade pelas custas arbitrais na proporção de 1/3 (um-terço) para a Demandante e de 2/3 (dois-terços) para a Demandada e, consequentemente, condenar a Demandada a reembolsar à Demandante o montante correspondente a 1/3 (um-terço) da taxa de arbitragem suportada por esta;
  5. Fixar os encargos com a produção da prova em 280,00 euros, condenando ambas as Partes no respetivo pagamento, na proporção de 1/3 (um-terço) para a Demandante e de 2/3 (dois-terços) para a Demandada.

 

Registe e notifique.

Publique no sítio do Centro (art. 5.º, n.º 3, do Regulamento).

Desta decisão não cabe recurso (art. 27.º, n.º 2, do Regulamento).

 

 

Porto, 7 de junho de 2017.

 

O Árbitro,

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira