Decisão Arbitral
Autora – A…
Ré – B…
A. Factualidade provada
1. A Autora obteve o grau de Doutor, atribuído pela C…, em 21/6/2007.
2. O referido grau foi atribuído no âmbito do programa “Teoria e Práctica de la Rehabilitación Arquitectónica y Urbana”.
3. A obtenção do grau de Doutor, por parte da Autora, foi reconhecida pela Ré, em 21/5/2008.
4. Em 2/11/2007, Autora e Ré celebraram um contrato administrativo de provimento.
5. Nos termos do contrato mencionado em 4., a Autora comprometia-se a exercer as funções de docente do ensino superior.
6. Nos termos do contrato mencionado em 4., à Autora foi atribuída a categoria profissional de Assistente Convidada.
7. Nos termos do contrato mencionado em 4., a Autora exercia as suas funções em regime de tempo parcial (60%).
8. O contrato mencionado em 4. possuía a duração de um ano, sucessivamente renovável.
9. O contrato mencionado em 4. foi sucessivamente renovado.
10. Em 11/2/2010, Autora e Ré celebraram um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, pelo prazo de 1 ano
11. O contrato referido em 10., retroagiu os seus efeitos a 2/1/2010.
12. Nos termos do contrato referido em 10., à Autora foi atribuída a categoria profissional de Professor Auxiliar Convidado.
13. Nos termos do contrato referido em 10., a Autora exercia as suas funções em regime de tempo parcial (60%).
14. O contrato referido em 10. foi sucessivamente renovado.
15. Em 2/1/2012, Autora e Ré celebraram um novo contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, pelo prazo de 1 ano.
16. De acordo com o contrato aludido em 15., foi atribuída à Autora a categoria profissional de Professor Auxiliar Convidado.
17. De acordo com o contrato aludido em 15., a Autora exercia as suas funções em regime de tempo parcial (35%).
18. A circunstância de, no confronto com o contrato mencionado em 10., o contrato aludido em 15. prever uma percentagem inferior (35% e não 60%) é justificada nos seguintes termos “a docente por motivos pessoais relacionados com os projetos de investigação em que está envolvida, solicitou a redução da percentagem do seu contrato” - cfr. cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato mencionado em 15.
19. O contrato aludido em 15. foi sendo sucessivamente renovado.
20. A última renovação, até à data, do contrato aludido em 15. ocorreu em 2/1/2016.
21. Em 6/7/2015, a Autora veio “nos termos do art. 8º, nº 3, do Decreto-Lei 205/2009 alterado pela Lei n.º 8/2010, de 31 de Maio, requerer a sua contratação ao abrigo do art. 11º, nº 2 do anterior Estatuto da Carreira Docente Universitária”.
22. O requerimento da Autora foi indeferido pela Ré, através de despacho datado de 12/8/2015.
23. O indeferimento foi fundamentado do seguinte modo: “o período de 5 anos fixado pelo n.º 3 do art.º 8.º do Regime Transitório do ECDU terminou em 01-09-2014”.
24. A Autora pretende, na presente acção, obter a anulação do acto de indeferimento mencionado em 21.
B. O Direito
O Tribunal é competente.
As partes possuem capacidade judiciária e legitimidade processual.
Não existem excepções ou nulidades que caibam decidir.
B1 Delimitação do objecto da acção
No fundo e procurando delimitar as questões em discussão nos presentes autos, importa averiguar:
a) se o direito conferido pelo n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto (em conjugação com o n.º 2 do art.º 11.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, doravante ECDU), é atribuível (também) aos docentes que hajam obtido o respectivo grau de Doutor em momento anterior à data da entrada em vigor de tal diploma (1 de Setembro), que instituiu um regime transitório ou, pelo contrário, apenas aos que solicitaram as provas ou obtiveram o grau após a sua entrada em vigor; e
b) admitindo uma resposta afirmativa àquela primeira interrogação, se a contratação como professor auxiliar pode ser requerida a qualquer momento ou, pelo contrário, apenas em momento imediatamente posterior à reunião cumulativa dos requisitos enumerados na lei (titularidade de doutoramento e 5 anos de exercício de funções docentes)
B2) O âmbito da protecção conferida pelo n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009, conjugado com o art.º 11.º, n.º 2, do ECDU (versão anterior)
O Decreto-Lei n° 205/2009, de 31 de Agosto, procedeu à alteração do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente Universitário (ECDU), aprovado pelo DL n° 448/79, de 13 de Novembro alterado pela Lei n.° 19/80, de 16 de Julho, e pelos Decretos-Leis n.os 316/83, de 2 de Julho, 35/85, de 1 de Fevereiro, 48/85, de 27 de Fevereiro, 243/85, de 11 de Julho, 244/85, de 11 de Julho, 381/85, de 27 de Setembro, 245/86, de 21 de Agosto, 370/86, de 4 de Novembro, e 392/86, de 22 de Novembro, pela Lei n.° 6/87, de 27 de Janeiro, e pelos Decretos-Leis n.os 145/87, de 24 de Março, 147/88, de 27 de Abril, 359/88, de 13 de Outubro, 412/88, de 9 de Novembro, 456/88, de 13 de Dezembro, 393/89, de 9 de Novembro, 408/89, de 18 de Novembro, 388/90, de 10 de Dezembro, 76/96, de 18 de Junho, 13/97, de 17 de Janeiro, 212/97, de 16 de Agosto, 252/97, de 26 de Setembro, 277/98, de 11 de Setembro, e 373/99, de 18 de Setembro.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 205/2009 (que abreviadamente passaremos a designar por NECDU), atentas as profundas alterações introduzidas no regime até então vigente, havia que introduzir um mais ou menos extenso leque de disposições transitórias aplicáveis aos docentes das respectivas instituições de ensino superior, em funções à data do início da vigência do Decreto-Lei 205/2009 – 1 de Setembro de 2009 (art.º 22.°).
Neste contexto, citado diploma de 2009 contém um capítulo (capítulo III) dedicado a normas transitórias (art.ºs 6.° a 16.°).
É neste enquadramento de acautelamento de expectativas que, designadamente e no que concerne aos “atuais” (em 1 de Setembro de 2009) professores e assistentes convidados se estabelece o regime transitório que poderemos sintetizar da seguinte forma (cfr art.º 8°, do citado diploma):
a) Trânsito automático para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo, com sujeição às regras previstas no NECDU para a categoria;
b) A duração do contrato é a do contrato administrativo de provimento detido à data da transição (1 de Setembro de 2009);
c) Contabilização do tempo de serviço prestado no âmbito do novo contrato;
d) Faculdade de renovação do contrato pelo docente nos termos previstos no ECDU (redacção anterior), até ao limite de 5 anos contados desde 1 de Setembro de 2009, com aplicação do disposto no n° 3 do artigo 26° do Estatuto (red. anterior);
e) Direito de contratação, em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva, como professor auxiliar, nos termos do artigo 25° do ECDU, caso manifeste vontade nesse sentido, do professor auxiliar convidado, com contrato em vigor à data de 1 de Setembro de 2009, que, no período de 5 anos contados desde 1 de Setembro de 2009, venha a entregar (ou já tenha entregue mas não tenha ainda realizado as provas) a tese para obtenção do grau de Doutor e a requerer provas para a sua defesa.
Tais disposições transitórias destinaram-se, na sua generalidade, a tutelar o que o legislador entendeu serem as legítimas expectativas dos docentes universitários, com vínculo constituído em 1 de Setembro de 2009.
No que especificamente respeita aos professores e assistentes convidados e com particular relevância para o presente caso, dispõe-se que “(...) os assistentes convidados e os professores auxiliares convidados, com contrato em vigor na data da entrada em vigor do presente decreto-lei que, no período de 5 anos após essa data, venham a entregar a tese para obtenção do grau de doutor e a requerer as provas para a sua defesa continuam a beneficiar do disposto no n° 2 do artigo 11° do Estatuto, na redacção anterior à do presente decreto-lei, pelo que, obtido o grau de doutor, são, caso manifestem essa vontade, contratados como professores auxiliares nos termos do artigo 25° do Estatuto, na redacção dada pelo presente decreto-lei.” (art.º 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 205/2009).
Por sua vez, tornou-se extensiva esta faculdade ou direito potestativo, “(...) àqueles que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei já tenham entregue a tese mas ainda não tenham realizado as provas (...)” (art.º 8.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 205/2009).
Permitiu-se, por outro lado, que os assistentes e professores, visitantes e convidados, em regime de tempo parcial ou de não dedicação exclusiva, pudessem aceder ao regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva (art.º 8.º, n° 5, do Decreto-Lei n.º 205/2009).
Retornando ao n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, a remissão para a versão anterior do ECDU é dirigida ao art.º 11.º, n.º 2 (com a redacção introduzida pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho), preceito este que conferia a um assistente convidado, ainda que em tempo parcial, doutorado na vigência daquele anterior compêndio normativo, reunindo os respectivos requisitos ou pressupostos, o direito de contratação como professor auxiliar, caso manifestassem tal vontade. Mais precisamente, assim rezava o supracitado n.º 2 do art.º 11.º do ECDU, na sua versão pretérita: “Têm direito a ser contratados como professor auxiliar, logo que obtenham o doutoramento ou equivalente, os assistentes, os assistentes convidados, os professores auxiliares convidados e ainda as individualidades que tenham sido assistentes ou assistentes convidados há menos de cinco anos, desde que, em todos os casos, tenham estado vinculados à respectiva escola durante, pelo menos, cinco anos”.
Importa esclarecer que, no momento da entrada em vigor do regime transitório aprovado pelo Decreto-Lei n.º 205/2009 (1 de Setembro de 2009), a Autora era titular de um contrato administrativo de provimento a termo certo, em regime de tempo parcial, com a categoria de assistente convidada a tempo parcial (vide n.ºs 4 a 9 da factualidade provada).
A Ré, no seguimento do requerimento apresentado pela Autora a 6/7/2015, solicitando a sua contratação nos termos conjugados do n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009 e do n.º 2 do art.º 11.º do ECDU, na sua versão anterior, veio indeferir tal pedido, alegando que o regime transitório instituído pela primeira das disposições citadas terminara a 1/9/2014, isto é, muito antes da entrada do requerimento subscrito pela Autora.
Tendo a Autora obtido o grau de Doutor em 21/6/2007, verifica-se que a mesma conclui o doutoramento ainda antes do início da vigência do período transitório criado pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, pelo que a primeira questão a colocar-se é a de saber se o n.º 3 do art.º 8.º do citado diploma também alcança os docentes, como a Autora, cujo doutoramento foi concluído antes do início daquele período transitório, mas não requereram a contratação ao abrigo do n.º 2 do art.º 11.º do ECDU, na sua versão anterior.
Sobre esta questão e num processo com uma factualidade muito similar à dos presentes autos, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 27 de Setembro de 2012 (Processo n.º 08610/12), disponível www.dgsi.pt.
Nesses autos, uma primeira instância arbitral, confirmando a licitude da decisão da Instituição Universitária, considerou que “o regime transitório previsto no n° 3, do artigo 8° do DL 205/2009 só era aplicável aos professores convidados que não tiveram hipótese de exercer o direito de entrar na carreira docente, sendo que tal direito poderia ter sido exercido pela demandante na vigência do anterior ECDU”, destarte não abrangendo a docente, a qual preenchia “todas as condições ou requisitos legais para requerer a sua contratação, a partir de 23 de Julho de 2008, como professora auxiliar, nos termos do ECDU então vigente”.
Prosseguindo a sua argumentação, a decisão arbitral impugnada afirmava que “Optando por não exercer então esse direito, entrado em vigor em 1 de Setembro de 2009 o NECDU, o requerimento para a contratação como professora auxiliar em regime de tempo integral só poderia ser apreciado à luz do regime vigente e não do revogado, salvo se este lhe pudesse ser aplicável por força de qualquer norma transitória.
Ou seja: na ausência de disposição em contrário, a questão objecto do requerimento apresentado em 6 de Outubro de 2009 tinha de ser ponderada à luz do direito vigente à data da prática do acto (“tempus regit actus”) – Cfr. artigo 12°-2, do C Civil e, entre outros, o Ac do STA de 6.Jun2007 – Recurso n° 734/06).”
Naquele caso, como no presente, fora também do interesse da docente exercer as suas funções em regime de tempo parcial e não integral (no caso presente, a docente solicitou até uma redução do período de tempo dedicado à instituição, de 60% para 35%, o que veio a ser deferido).
Em suma, conclui-se na mesma decisão arbitral “o regime do artigo 8°-3, do DL 205/2009 é aplicável aos doutorandos e não aos já (em 1 de Setembro de 2009) doutorados”, de modo que “A demandante poderia, como se viu, ingressar na carreira universitária, na categoria de professora auxiliar, quando concluiu o doutoramento em 23 de Julho de 2009; todavia, optou livremente por não o fazer”, pelo que “só poderá aceder à carreira docente universitária, como professora auxiliar, à luz do disposto no NECDU e, designadamente, por concurso documental (Cfr., v. g., arts 11° e 25°, do NECDU) ”.
Contudo, este entendimento veio a ser contraditado no citado Acórdão do TCAS de 27 de Setembro de 2012, no qual, apesar de se reconhecer que o elemento literal do art.º 8º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 205/2009 parecer excluir do seu âmbito os doutorados em data anterior à da entrada em vigor de tal diploma (1 de Setembro de 2009), se preconiza o recurso a outros elementos interpretativos para alcançar uma solução oposta.
Mais precisamente, sustentando, com base no elemento lógico-sistemático, que “a lei quis proteger ou tratar algo diferentemente as situações “vivas” entre o ECDU/79 e o NECDU/2009. É, sem dúvida, o caso da situação jurídica da recorrente, uma vez que ela ainda não tinha exercido antes, nem perdido ou renunciado, o direito concedido pelo art. 11º-2 do ECDU (… ) valorou então as situações dos docentes universitários que estavam ou viessem a estar em breve na situação descrita no antigo art. 11º-2 do ECDU/79.”.
Prosseguindo, afirma-se que “não há dúvida que é justo que a situação jurídica da recorrente beneficie do mesmo tratamento de que beneficiam as situações semelhantes descritas nas previsões dos n° 3 e 4 do art. 8° cit. (…) Não há, na lei ou na realidade social em causa, qualquer razão lógica ou justificação racional para discriminar negativamente a situação da recorrente e para a surpreender com a inibição repentina do exercício do citado direito.”.
Em conclusão, o aresto em apreço conclui afirmando “temos de fazer uma interpretação extensiva do n° 3 do cit. art. 8° do DL 205/2009, de modo a que o disposto no nº 3 cit. se aplique igualmente àqueles que, à data da entrada em vigor do DL 205/2009, já tenham obtido o grau de doutor mas ainda não tenham requerido a contratação ao abrigo do nº 2 do artigo 11º do ECDU/79.”.
Tomando posição julgamos que o primeiro dos entendimentos expostos se afigura o mais adequado, não apenas por ser aquele que melhor se coaduna com o elemento literal do preceito em causa, como e sobretudo, por corresponder a uma solução ínsita num regime transitório, destinado primacialmente à tutela das legítimas expectativas daqueles que, ainda não tendo concluído o doutoramento, viram desaparecer, no ECDU na versão decorrente do Decreto-Lei n.º 205/2009, o direito potestativo à contratação (vide o actual art.º 25.º do ECDU).
Ora, os previamente titulares (em momento anterior ao da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 205/2009) dos requisitos conducentes ao direito à contratação como professor auxiliar gozaram, durante todo o período de vigência do ECDU anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 205/2009, da faculdade de exercer tal direito à contratação e, se o não fizeram, as consequências dessa inacção unicamente aos próprios podem ser imputadas, não parecendo razoável aludir ao defraudar de quaisquer legítimas expectativas.
Mesmo na hipótese de um docente que concluir o doutoramento no dia 31 de Agosto de 2009, véspera da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 205/2009, ainda assim poderia requerer a contratação nessa mesma data.
Ao invés, obtendo o grau de doutor (ou requerendo as respectivas provas) em data posterior, ficará sob a alçada do referido diploma legal.
Importa, porém, salientar as especificidades do caso em apreço face àquele outro decidido no aresto parcialmente transcrito.
Com efeito e diferentemente do que sucede no processo decidido no Acórdão do TCAS de 27 de Setembro de 2012, a Autora, nos presentes autos, apenas preencheu o outro requisito enumerado no referido n.º 2 do art.º 11.º do ECDU (versão anterior) em momento ulterior ao da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 205/2009.
Mais concretamente, tendo iniciado funções docentes, junto da Ré, em 2/11/2007, apenas em 2/11/2012 perfez 5 anos de vinculação à B….
Do exposto decorre que apenas em 2/11/2012 a Autora se encontrava em condições de exercer o direito à contratação, por parte da Ré, nos termos conjugados do n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009 e art.º 11.º, n.º 2, do ECDU, na sua versão anterior (e não, como sucedia no caso julgado no TCAS, em que a aí Autora preenchia ambas as condições – conclusão do doutoramento e exercício de funções docentes durante 5 anos – em momento anterior ao da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 205/2009).
Nesta conformidade, poderá argumentar-se que a docente, não obstante ser titular do grau de doutor em 1/1/2009, não poderia, por não preencher o pressuposto dos 5 anos de exercício de funções docentes, exercer o direito à contratação como professor auxiliar.
Assim sendo, entendemos que a não aplicação do regime previsto no n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009 e do n.º 2 do art.º 11.º do ECDU (na sua versão anterior) pressupõe que, à data da entrada em vigor do primeiro destes diplomas (1 de Setembro de 2009), o docente não preencha ambas as condições exigidas para a contratação como professor auxiliar (titularidade do grau de doutor e 5 anos de exercício de funções docentes): não as preenchendo ou preenchendo apenas uma delas (como no caso presente) não lhe pode ser assacada responsabilidade pelo não exercício do direito à contratação com professor auxiliar outrora previsto na versão anterior do ECDU.
Se assim não fosse, isto é, se no caso presente se recusasse à Autora o direito a pretender tal contratação com base no regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, tal significaria que ficaria carente de tutela, não apenas face a tal regime, como igualmente face ao regime pretérito do ECDU (que previa igualmente tal contratação).
Em suma, admite-se que a Autora, por não preencher um dos requisitos condicionantes da obtenção do direito à contratação (exercício de 5 anos de funções docentes), outorgado pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, poderá beneficiar do mesmo assim que o venha a preencher.
B3 O momento para o exercício do direito conferido pelo n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009, conjugado com o n.º 2 do art.º 11.º do ECDU (versão anterior)
Conforme salientado anteriormente, a segunda das interrogações a esclarecer nos presentes autos assumia um carácter prejudicial face à primeira, ou seja, apenas faria sentido analisá-la em caso de resposta afirmativa à primeira dúvida suscitada.
Ora, resulta do anteriormente exposto que a Autora poderia ainda beneficiar do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, importando, agora, determinar qual o eventual prazo de que dispunha para o fazer.
O direito à contratação como professor auxiliar adquiriu-se, conforme explanado, a 2/11/2012, data em que perfez 5 anos de exercício de funções.
Assim sendo, deveria ter exercido tal direito à contratação nessa data, até 1 de Setembro de 2014 (data em que termina o prazo para a entrega da dissertação de doutoramento – n.ºs 3 e 4 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009) ou em momento ulterior?
A este propósito, cumpre não perder de vista a natureza transitória e excepcional do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 205/2009 e, em particular, pelo n.º 3 do art.º 8.º, bem atestado pelas contínuas exigências de prorrogação da sua vigência veiculadas, nomeadamente, pelas organizações sindicais.
A excepcionalidade do regime comprova-se pela abolição, no actual art.º 25.º do ECDU, do direito potestativo à contratação, anteriormente plasmado na versão anterior do mesmo ECDU (art.º 11.º, n.º 2). Com efeito, uma vez expirado o regime transitório, a contratação de professores auxiliares far-se-á mediante procedimento concursal, sem que os docentes das instituições de ensino superior previamente vinculados (independentemente do prazo em que venham exercendo funções) possuam qualquer direito à contratação.
O horizonte temporal estipulado para o exercício desse direito é de 5 anos, reportando-se ao preenchimento de um dos requisitos, a obtenção do grau de doutoramento, porventura por assumir o legislador que seria esse aquele que, na maioria dos casos, seria aquele que mais frequentemente não se encontraria preenchido pelos docentes, à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 205/2009.
No caso da Autora, passa-se o inverso, ou seja, primeiro obteve o grau de doutor e só depois cumpriu 5 anos de exercício de funções docentes.
Não estabelece o Decreto-Lei n.º 205/2009, pelo menos de modo explícito, qualquer prazo para o preenchimento do requisito dos 5 anos de exercício de funções, afigurando-se-nos que o adimplemento do mesmo, desde que conjugado com a titularidade do grau de doutor, implicaria imediatamente a possibilidade de exercício do direito à contratação.
Em face do exposto, entendemos que, uma vez cumpridos os 5 anos de exercício de funções docentes, sobre a Autora recaía o ónus de requerer a sua contratação como professora auxiliar, sob pena de, não o fazendo, tal direito se extinguir.
No limite, poderia admitir-se, aplicando analogicamente à conclusão do período de leccionação de 5 anos o mesmo prazo de 5 anos fixado para a conclusão do doutoramento (rectius, para a entrega da respectiva dissertação), que tal pedido de contratação fosse formulado até dia 1 de Setembro de 2014.
Contudo, a Autora apenas formulou o pedido em 6/7/2015, em momento claramente posterior a qualquer das duas datas anteriormente indicadas (2/11/2012 e 1/9/2014), por considerar, ao menos implicitamente, que o Decreto-Lei n.º 205/2009 não estabelece prazo o exercício do direito à contratação.
No entanto, este entendimento colocaria a Ré (e as demais instituições de ensino superior universitário) na contingência de, a qualquer momento (mesmo após a cessação da vigência do regime transitório criado pelo Decreto-Lei n.º 205/2009), estar sujeita ao exercício de um direito potestativo, exercício esse que teria sido possível e exigível em momento anterior, reservando para o efeito um número de postos de trabalho para preenchimento, futuro e hipotético, por parte dos docentes beneficiários daquele regime transitório, se e quando estes optassem por invocá-lo.
Note-se que, de acordo com o regime do emprego público (cfr. art.º 281.º, n.º 5, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), em certas circunstâncias nem mesmo para trabalhadores titulares de vínculos por tempo indeterminado os empregadores públicos são forçados a reservar um posto de trabalho para o seu eventual regresso, encontrando-se este regresso também dependente da vontade do trabalhador: ora, por maioria de razão, não será razoável que as Universidades Públicas reservem eternamente para trabalhadores titulares de contratos a termo, como são os docentes convidados, putativos postos de trabalho, para mais titulados por vínculos por tempo indeterminados, a constituir por mera solicitação dos mesmos docentes.
De facto, a admissibilidade de os docentes poderem usufruir eternamente do regime especial criado em 2009 e do direito à contratação nele ínsito, para além de ofender a natureza excepcional e temporalmente circunscrita do mesmo, é susceptível de configurar o exercício abusivo de um direito (art.º 334.º do Código Civil), para mais de natureza potestativa.
Conclui-se, por isso, que o direito à contratação como professor auxiliar, concedido pelas disposições conjugadas do n.º 3 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 205/2009 e do art.º 11.º, n.º 2, do ECDU (versão anterior à resultante do mesmo Decreto-Lei n.º 205/2009) não foi tempestivamente exercido pela Autora.
C. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a pretensão da Autora, confirmando a legalidade do despacho de indeferimento emitido pelos serviços competentes da Ré, na sequência do pedido formulado pela Autora à Ré em 6/7/2015, em razão de o conteúdo do mencionado despacho não enfermar de qualquer violação dos normativos legais aplicáveis.
Valor do processo: €10.000 (dez mil euros), valor indicado pela Autora e não contestado pela Ré
Relativamente às custas processuais, observe-se o disposto no n.º 5 do art.º 29.º do Regulamento do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)
Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD)
Coimbra, 4 de Maio de 2016
O Árbitro
Miguel Lucas Pires