Decisão Arbitral
I RELATÓRIO
A…, casado, residente na Rua de …, nº…, …, …-… Lisboa, NIF…, vem demandar a B…, …, …-… Lisboa, NIPC…, pedindo a condenação desta no pagamento da importância de €24.904,92 (vinte e quatro mil novecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos) acrescida dos juros que se vencerem, à taxa legal, sobre o valor do capital (€ 15607,25), até à data do efetivo pagamento.
A – A Convenção de Arbitragem
Autor e Ré celebraram, em 6 de fevereiro de 2015, convenção de arbitragem com o âmbito e objeto, a que se referem os considerando C e D da citada Convenção, ou seja, para que o Tribunal Arbitral decida se é ou não devido o reembolso ao autor da importância de Esc 3.146.974$00 (equivalente a €15.607,25) por despesas alegadamente suportadas pelo demandante com viagens ou transportes deste e do seu agregado familiar, aquisição e manutenção de veículo automóvel, saúde, aquisição de móveis e equipamento para a residência atribuída em Maputo, reparações nesta e transporte e desalfandegamento de material didático, tudo alegadamente devido no âmbito ou ao abrigo de Convénio de Cooperação entre as Faculdades de Direito da D… da E…, celebrado em 1990.
Acordaram ainda as partes nessa Convenção que o Tribunal Arbitral fosse composto por árbitro único a designar pelo CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) nos termos do respetivo Regulamento,
B – Constituição do Tribunal Arbitral
Na sequência da citada Convenção de Arbitragem, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi o signatário designado como árbitro único, funções que expressamente aceitou em 21 de julho de 2015, ficando assim constituído nessa data este Tribunal Arbitral
C - A posição do autor
A fundamentar o seu pedido alegou o autor:
a) Em 1990 foi celebrado um Convénio de Cooperação entre as Faculdade de Direito da D… (D…) e a Faculdade de Direito da E… no Maputo, designadamente com o objetivo de assegurar o ensino nesta por docentes da D….
b) Em execução do aludido Convénio, foi publicado, em …de … de 1997, o adequado Aviso de concurso para seleção dos docentes (doc. nº1 que se junta e dá por reproduzido) do Instituto de … da D….
c) Foi assim que vieram a ser selecionados os Senhores, agora Doutores, B… e C… e o ora demandante.
d) Os dois primeiros prestaram serviço em Moçambique nos anos letivos de 1997/1998 e 1998/1999 e o demandante nestes mesmos anos e ainda no ano letivo 1999/2000.
e) Como consta do aviso, (ponto 1.7- fl. 2) eram assegurados aos docentes o alojamento e as viagens de ida e volta, estas abrangendo o cônjuge e filhos e assim constituindo, obviamente, as despesas mais avultadas.
f) O agregado familiar do autor era constituído, nos dois primeiros anos letivos em Moçambique, pela mulher – F…– e por três filhos
g) E, em Julho de 1999, nasceu ainda, em Moçambique, o seu quarto filho, do sexo feminino no caso.
h) Estas despesas de transporte eram habitualmente, na prática, suportadas adiantadamente pelos docentes que, posteriormente eram reembolsados.
i) Mas ainda outro tipo de despesas foram igualmente adiantadas pelos mesmos docentes.
j) É que, cabia à E…assegurar o transporte localmente, designadamente de e para a Faculdade.
k) Só que não era disponibilizado com a adequada regularidade, a ponto de chegar a prejudicar as normais deslocações para assegurar o próprio serviço às aulas. l) Assim, verificada pelos três docentes a inoperacionalidade do transporte, tiveram estes que alugar um automóvel que lhes permitisse efetuar as suas indispensáveis deslocações no Maputo.
m) Sendo porém esta uma solução dispendiosa, veio mais tarde a ser adquirido, por conta do Instituto e com autorização deste, o veículo com a matrícula …-…-… (doc. nº 2).
n) Suportando os docentes as suas subsequentes e frequentes reparações, como se alcança das faturas que se juntam sempre a título meramente exemplificativo (docs. nº 3 e 4).
o) Todas estas despesas com o veículo, aliás, foram merecendo a concordância expressa do Instituto … da D….
p) Com efeito, os três docentes, alternada ou conjuntamente, foram solicitando a adequada autorização para as mesmas.
q) Mas ainda outros adiantamentos ao mesmo Instituto por parte dos três docentes se mostraram na prática necessários e foram igualmente autorizados.
r) É o caso do custo dos desalfandegamentos de livros doados pela D…à E…, como também se prova por outras duas faturas exemplificativas (docs. nº 5 e 6) emitidas ao ora demandante.
s) Finalmente, tinha sido assegurado aos docentes que eventuais despesas médicas e de saúde, incluindo as do seu agregado familiar, lhes seriam cobertas em Moçambique por um seguro de saúde.
t) Nunca chegou, porém, o mesmo a ser concretizado pelo Instituto.
u) Foram reembolsadas aos Senhores Doutores B… e C… , as despesas médicas que terão suportado e provado documentalmente.
v) Todas estes vários tipos de despesas, evidentemente decorrentes e determinadas pelo exercício de funções, foram sempre que necessário suportadas e pagas adiantadamente e de boa fé pelos docentes no óbvio pressuposto de que lhes seriam reembolsadas.
x) E assim ocorria dado que, na prática, um destes, nas suas vindas a Lisboa, entregava na D… os correspondentes documentos.
z) Na sequência destas entregas, eram então em regra processados os reembolsos.
aa) E foi precisamente o que se verificou com os Senhores Doutores B… e C..., que regressaram definitivamente a Portugal em 1999 e conseguiram então um acerto final de contas e o consequente reembolso.
bb) Não tendo, porém, idênticos acerto e reembolso sido efetuados ao ora demandante que só regressou em 2000.
cc) Facto que se explicaria por, entretanto, por informação que lhe foi prestada, o Instituto … ter deixado de dispor de verbas suficientes.
dd) Está porém, desde então, claramente quantificado o crédito do ora demandante. ee) Com efeito, o mesmo e o seu valor – ao tempo ainda em escudos - foi inequivocamente reconhecido e assumido pelo Senhor Presidente do Instituto … da D…, Exmo. Senhor Professor Doutor G… (doc. nº7 que se junta).
ff) São as seguintes as despesas relacionadas (já com a conversão em euros):
· Despesas realizadas até 16.4.1999 - € 7.500.86
· Despesas com viagens (seis pessoas) após 16.04.1999 - € 7.443,56;
· Despesas com obtenção de vistos, após 16.04.1999 - € 276,30;
· Despesas com saúde, após 16.04.1999 - € 2669,60;
· Despesas com transportes no Maputo, após 16.04.1999 - € 1.918,18.
gg) Como consta do parágrafo 4 da mesma carta do Exmo. Professor Doutor G…, o crédito do demandante, Mestre A…, feita a compensação ali referida, se cifra em € 15607,25 ( Esc.3.128.974$00).
hh) Sempre na mesma carta o Exmo. Senhor Professor Doutor G… expressamente atesta que as despesas apuradas que correspondem a crédito do demandante “estão documentalmente comprovadas”.
ii) Efetivamente procedeu-se na D… a este apuramento conferindo-se os documentos originais.
jj) É que o demandante – como aliás os outros dois docentes - foram procedendo à entrega na D… de toda a adequada documentação.
kk) Tal facto prova-se pelo carimbo aposto nas fotocópias que se juntam a titulo exemplificativo (docs. nº 8 e 9) das quais inequivocamente resulta que a D… ficou a dispor dos aludidos originais.
ll) Está assim a demandada na posse de toda a documentação pertinente (da qual ao demandante apenas restam cópias dispersas).
mm) Tendo sido, consequentemente, a partir dos originais entregues, que a D…verificou as várias parcelas do crédito do demandante, como assumidamente atestado pelo Senhor Professor Doutor G… .
Interpelações do demandante
nn) Começando o ora demandante, após o seu regresso em 2000, a aperceber-se que o reembolso a que tem direito não iria ter lugar, logo em 15 de Setembro de 2001 solicitou-o respeitosamente aos Senhores Presidente do Conselho Diretivo e Presidente do Instituto … da D..., guardando cópia dessas missivas ( doc. nº 10 e 11).
oo) Porque o mesmo não teve lugar insistiu, pelo menos, em 1 de Outubro de 2004, como se verifica na cópia da carta de então ( doc. nº 12).
pp) Aliás, anexa a esta, de novo, boa parte das cópias dos documentos de suporte (parágrafo 2º do doc. nº 12).
qq) Do que decorre ter ficado, definitivamente, sem a quase totalidade das cópias de que dispunha
rr) Durante muito tempo, o demandante enquanto foi docente na D… ( até 17/1/2008) foi só insistindo verbalmente, na esperança de que o assunto fosse resolvido. ss) Mas, porque continuaram os seus direitos a ser violados, interpela depois várias vezes, designadamente em 7 de Dezembro de 2011 ( docs. nº 13). tt) Nada porém acontece pelo que, decorridos estes catorze anos é já certamente também credor de uma indemnização a título de danos morais pela forma como foi tratado em todo este lamentável processo.
uu) Mas esta é certamente também devida por continuar a não estar reembolsado, tendo-se mesmo visto agora forçado a recorrer a outros meios, in casu e após novas diligências já do seu Avogado iniciadas em 2014, ao presente Tribunal arbitral.
vv) Por força do artigo 805º do Código Civil o devedor de prestação liquida que incumpra constitui-se em mora.
xx) E, nos termos do artigo 806º a indemnização corresponde aos juros de mora à taxa legal, que era de 7% de 17/4/1999 a 30/4/2003 ( Portaria nº 263/99, de 12 de Abril) e de 4% desde 1/5/2003 ( Portaria nº 291/03, de 8 de Abril).
zz) Da carta do Exmo. Senhor Professor Doutor G…( doc. nº7) constam duas diferentes parcelas com distintas datas de vencimento.
aaa) Uma primeira - no montante de € 7.500,86 -, cujo vencimento se reconhece ter ocorrido em Abril de 1999 (por corresponder a despesas realizadas até 16.04.1999).
bbb) Mas, sem conceder, o ora demandante, para que não possam subsistir quaisquer dúvidas sobre a interpelação, considera-a efetuada na data das primeiras cartas de cujas cópias dispõe ( 15 de Setembro de 2001- doc. nº 11 e 12).
ccc) A mora, portanto, nos termos do artigo 805º CC verifica-se, pelo menos, desde então.
ddd) Consequentemente, deve iniciar-se o mais tardar a partir dessa data o cálculo dos juros de mora sobre o montante do crédito apurado na carta do Senhor Professor Doutor G… (€15.607,25)
eee) Assim se obtendo, a este título, àquelas taxas e até à presente data, o montante de € 9297,92
fff) Do que resulta totalizar o crédito do demandante o montante total de € 24.904,92.
D - A posição da Ré
A demandada apresentou contestação alegando, no essencial:
(i) Exceção: Prescrição do direito alegado pelo autor
a) Ainda que se verificasse a alegada obrigação e que a Ré fosse devedora dos créditos alegados, esse direito estaria prescrito nos termos do disposto no artigo 34º-3, do DL nº 155/92, de 28 de julho, na medida em que, à luz desse diploma, a prescrição ocorre no prazo de 3 anos contados desde a data em que a despesa é contratada;
b) Daí que o direito ao alegado reembolso esteja prescrito desde os anos de 2001 a 2003, respetivamente;
c) Prescrição que também ocorre relativamente aos juros de mora desde a data de interpelação para o cumprimento em 15 de setembro de 2001 (52º, da petição), agora à luz do disposto nos artigos 310º e 805º, do Código Civil;
d) Prescrição que foi interrompida apenas em 20 de maio de 2015, com a citação para esta ação, de modo que só seriam devidos juros relativos aos últimos 5 anos contados desde esse data, ou seja, desde 20 de maio de 2010;
(ii) Impugnação
e) A Ré não assumiu, direta ou indiretamente, através do presidente do Instituto … da D..., perante o Autor, a obrigação de pagamento de despesas de qualquer natureza;
f) Nem se obrigou ao pagamento, incluindo nos termos do artigo 3º do Acordo de Cooperação – Decreto nº …/90, de … de setembro (DR – I Série), das despesas descritas em d) e e) do artigo 31º, da petição inicial;
g) E o facto de eventualmente terem sido reembolsadas despesas nos termos alegados em 24º a 26º, da PI, tal não impõe ou assegura a continuação de prática de atos indevidos e contrários ao Direito (artigo 8º, do CPA);
h) E não houve qualquer confissão, válida, de dívida da Ré ao Autor;
i) Por outro lado, tais alegados créditos carecem de cabal imputação na previsão orçamental da demandada, condição necessária para os poder satisfazer;
j) Além de que, tendo havido adiantamento de verbas, cabia ao Autor demonstrar o valor em dívida através da prestação de contas e apuramento de saldos para comprovar a existência da alegada dívida;
k) Ou seja: a Ré está impossibilitada de proceder ao devido balanço contabilístico para aferir duma possível dívida ou de um valor em crédito;
l) A demandada só aceita as despesas com viagens ou transporte do autor e família realizadas após 16.04.1999 - € 7.443,56 e despesas com obtenção de vistos, também após 16.04.1999 - € 276,30;
m) Mas não aceita reembolsá-las porquanto o autor não comprovou nem descriminou a imputação das despesas e correlativos valores percebidos pela demandada além de ter mesmo ocorrido o reembolso, por compensação, atento o disposto em 32º, da PI.
E - Resposta à exceção da prescrição do crédito (capital) e juros
Notificado para responder á exceção (prescrição) veio o autor alegar, no essencial:
a) …Que é a própria demandada a assinalar ou alegar que as despesas suportadas pelo demandante “não se podem considerar vencidas ou ilíquidas”;
b) …Consequentemente não poderia considerar-se a prescrição em obrigações desta natureza;
c) …Para além da invocação da exceção configurar, nas circunstâncias em que o foi, exercício ilegítimo do direito (abuso do direito – artigo 334º, CC);
d) …De todo o modo, também não é aplicável, no caso, a figura da prescrição à luz do disposto no artigo 34º-3, do DL nº 155/92 na medida em que nunca tais despesas foram orçamentadas, registadas nos compromissos assumidos pela D…, processadas ou liquidadas, sendo que a orçamentação seria condição necessária para a contagem do prazo prescricional de 3 anos;
e) …além de que nunca a demandante reagiu aos sucessivos pedidos de pagamento que lhe foram sendo formulados;
f) …situação que criou no autor a convicção de que lhe assistiria razão nos pedidos de reembolsos e que estes nunca foram concretizados por falhas organizacionais imputáveis, em exclusive, à demandada;
g) …e, finalmente, o prazo de prescrição aplicável é o geral de 20 anos previsto no artigo 309º, do Código Civil;
h) Quanto aos juros, a interrupção da prescrição ocorreu, não com a citação mas com o compromisso arbitral outorgado em 6-2-2015, nos termos do artigo 324º-1, do Código Civil.
F – Saneamento do processo
Este Tribunal arbitral é absolutamente competente para o objeto do litígio na medida em que tal foi convencionado validamente pelas partes – Cfr artigo 1º, da LAV (Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro) e Convenção de Arbitragem outorgada por escrito de 6-2-2015 (Cfr doc nos autos).
O processo é o próprio e as partes legítimas, capazes e devidamente representadas por advogados.
Excluída a exceção da prescrição – que será apreciada adiante, com a apreciação do mérito da causa – não se revelam outras exceções, nulidades e/ou questões prévias invocadas pelas partes ou de conhecimento oficioso.
Procedeu-se á produção de prova testemunhal em audiência designada para o efeito e que se iniciou em 4-11-2015 e concluiu em 20-11-2015, tendo sido pelas partes apresentadas alegações orais finais, de facto e de direito, com conclusões não dissonantes das reveladas nos respetivos articulados (cfr as respetivas atas).
Foi ainda admitida a junção de documentos no ato de inquirição de testemunhas conforme resulta da citada ata.
Cumpre então apreciar e decidir o mérito da causa.
II FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados
Relativamente à matéria de facto alegada, considera o Tribunal como provados os seguintes factos essenciais e instrumentais:
a) Em 1990 foi celebrado um Convénio de Cooperação ente as D… (D…), representada pelo Presidente do Instituto … daquela Faculdade e a E…, em Maputo (Moçambique), designadamente com o objetivo de assegurar o ensino nesta por docentes da D... .
b) Em execução do aludido Convénio, foi publicado, em … de … de 1997, o adequado Aviso de concurso para seleção dos docentes (doc. nº1 que se junta e dá por reproduzido) do Instituto … da D...
c) Foi assim que vieram a ser selecionados os Senhores Doutores B… e C… e o ora demandante.
d) Os dois primeiros prestaram serviço em Moçambique nos anos letivos de 1997/1998 e 1998/1999 e o demandante nestes mesmos anos e ainda no ano letivo 1999/2000.
e) Como consta do aviso, (ponto 1.7- fl. 2) foram assegurados aos docentes o alojamento e as viagens de ida e volta, estas abrangendo o cônjuge e filhos, com a garantia ainda de uma retribuição mensal global de $ 878.000 (oitocentos e setenta e oito mil escudos) ou seja, € 4.379 (quatro mil trezentos e setenta e nove euros);
f) O agregado familiar do autor era constituído, nos dois primeiros anos letivos em Moçambique, pela mulher – F … – e por três filhos;
g) E, em Julho de 1999, nasceu ainda, em Moçambique, o seu quarto filho, do sexo feminino no caso.
h) As despesas de transporte eram habitualmente, na prática, suportadas adiantadamente pelos docentes que, posteriormente eram reembolsados pela demandada;
i) Cabia à E…assegurar o transporte localmente, designadamente de e para a Faculdade;
j) Verificada pelos três docentes a inoperacionalidade do transporte, tiveram estes que alugar um automóvel que lhes permitisse efetuar as suas indispensáveis deslocações no Maputo;
k) Sendo porém esta uma solução dispendiosa, veio mais tarde e para aquele fim a ser adquirido pelo Instituto … da D… o veículo com a matrícula …-…-…;
l) Todas estas despesas com o veículo foram sendo aceites pelo Instituto e algumas reembolsadas aos citados docentes;
m) O autor e demais docentes suportaram custos com os desalfandegamentos de livros doados pela D…à E…;
n) O Instituto suportou despesas médicas e de saúde de alguns dos docentes referidos e agregados familiares;
o) Vários outros tipos de despesas foram apresentadas à demandada pelos docentes B …e C … e a estes reembolsadas;
p) O presidente do Instituto …, Professor Doutor G…, em data incerta mas anterior a 1 de janeiro de 2002[1], dirigiu ao presidente do Conselho Diretivo da D…um ofício ou carta pedindo-lhe que promovesse o pagamento ao demandante, por conta das receitas própria daquela Faculdade, da importância de Esc 3.128.974$00, de despesas “documentalmente comprovadas” relativas ao exercício de funções docentes em Maputo, de 1997 a 2000, no âmbito do Convénio supra (doc. nº7, com a PI)).
q) As despesas assinaladas nesse ofício eram as seguintes (já com a conversão em euros):
· Despesas realizadas até 16.4.1999 - € 7.500.86
· Despesas com viagens (seis pessoas) após 16.04.1999 - € 7.443,56;
· Despesas com obtenção de vistos, após 16.04.1999 - € 276,30;
· Despesas com saúde, após 16.04.1999 - € 2669,60;
· Despesas com transportes no Maputo, após 16.04.1999 - € 1.918,18.
r) Como consta do parágrafo 4 da mesma carta do Professor Doutor G…, o crédito do demandante, Mestre A..., feita a compensação ali referida [adiantamento de Esc 824.275$00, equivalente a €4.111.47], seria de € 15.607,25 (Esc.3.128.974$00).
s) O demandante – como aliás os outros dois docentes - foram procedendo à entrega na D… de toda a adequada documentação, apenas mantendo agora em seu poder algumas das cópias dos documentos entregues;
t) Em 15 de Setembro de 2001 o demandante dirigiu cartas ao Presidente do Conselho Diretivo da D…e ao Presidente do Instituo … da D…a solicitar, sem o quantificar, o pagamento das despesas da cooperação (Docs 10 e 11, com a PI);
u) E insistiu por esse pagamento, sem de novo o quantificar, em 1 de Outubro de 2004, como se verifica na cópia da carta de então, com cópia de parte dos documentos de suporte (doc. nº 12, com a PI);
v) E em 7 de dezembro de 2011 volta a insistir pelo sobredito pagamento, sem o quantificar, através de carta endereçada ao Presidente do Conselho Diretivo da demandada (docs. nº 13, com a PI)...
x) ...que tal como as anteriores, não obteve resposta escrita;
z) Em nenhum dos orçamentos da D…foram alguma vez inscritas ou mesmo previstas quaisquer verbas adequadas a suportar os créditos reclamados pelo autor nesta ação;
aa) A Ré aceitou ficar a seu encargo a importância paga pelo Autor com obtenção de vistos de entrada em Moçambique, na importância, em moeda atual em curso em Portugal, de €276,30 [confissão da Ré na contestação – Cfr supra, D) – ii), alínea l)].
Factos não provados
Não se provou:
- que a D… tivesse assegurado aos docentes contratados no âmbito do Convénio de Cooperação objeto do Aviso referido supra, o reembolso de outras despesas para além da retribuição mensal global correspondente a 878.000$00, do alojamento em Maputo e das viagens de ida e volta desde Lisboa dos docentes cônjuges e filhos [Cfr 1.6 e 1.7, do citado Aviso].
Motivação
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos indicados nos locais próprios juntos aos autos e não impugnados, em conjugação com os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Autor, B… e C … que, tal como o Autor eram (e estes ainda são) docentes da demandada e que foram por aquela contratados no âmbito do Convénio de Cooperação entre as Faculdades de Direito da D…e E…, Moçambique.
Ficou demonstrado que, na verdade, estes dois docentes – que prestaram serviço em Maputo nos anos letivos de 1997/98 e 1998/99 – receberam ou foram reembolsados de despesas realizadas muito para além do que fora convencionado, não tanto porque esses pagamentos resultassem de qualquer obrigação da demandada previamente assumida mas porque, atentas as circunstâncias difíceis em que ocorreu o desempenho de funções em Maputo (dificuldades ou carências de mobiliário no alojamento e transportes deficientes e não assegurados, como deveriam ser pela E…, etc), entendeu efetuar esses reembolsos.
Aliás e como ambos afirmaram, não se recordam como nem porquê foram efetuados os pagamentos das despesas (como por exemplo consumos domésticos de eletricidade e aquisição de equipamentos para as habitações que lhes foram facultadas em Maputo, etc.) que apresentaram para além das previstas no convénio citado; sabem é que entregaram os documentos comprovativos a um tal Sr H… (entretanto falecido), funcionário da Faculdade sendo ele quem de tudo tratava com vista ao reembolso uma vez que não existia na altura, ao que parece, uma adequada organização contabilística dos serviços da D…a ponto de não se encontrarem em arquivo quaisquer documentos demonstrativos dessas despesas e pagamentos.
Por outro lado, competiria ao autor comprovar documental e cabalmente os factos que alega constitutivos do seu direito, designadamente quais as importâncias concretas que adiantou e que lhe são devidas, acompanhadas da indicação da fonte dessa obrigação da Ré. Certo que alega que entregou esses documentos e só ficou com algumas cópias. A ausência de cópias ou de prova de entrega são omissões que lhe são imputáveis e que prejudicam a prova dos factos respetivos, ou seja, de que entregou e foram recebidos determinados documentos de despesa feita por conta da Faculdade e que esta teria obrigação de reembolsar.
Também não deixa de impressionar que se pretenda demonstrar sem suporte documental junto ou alegado, que a D…, diretamente ou através do então denominado Instituto … daquela D..., tivesse assumido perante o demandante quaisquer outras obrigações para além das explicitadas no sobredito convénio.
Naturalmente que não se ignora como documento importante de prova a carta dirigida pelo então presidente do Instituto … ao presidente do Conselho Diretivo da D…, comprovando terem sido apresentados pelo Autor documentos de despesas realizadas por ele por causa do exercício de funções na E…, com o entendimento de que, deduzida a importância de Esc 824.275$00 recebida a mais, a importância devida seria Esc 3.128.974$00 [Assinale-se um lapso aritmético na medida em que o somatório das despesas perfaz 3.971.249,00 e que, com a dedução do adiantamento de Esc 824.275,00, resulta o valor de Esc 3.146.974,00, equivalente a € 15.697].
Só que o entendimento do Sr Presidente do Instituto … relativamente à causa ou razão jurídica desse crédito não está sustentado se não apenas numa referencia à “(...) toda a justiça e conveniência para a Faculdade que este problema seja definitivamente resolvido (...)”.
Ou seja: não repugnou ao Tribunal considerar como provado que o Autor demonstrou documentalmente despesas das quais resultaria a seu favor um saldo, com a correção supra, de Esc 3.146.974,00; questão será, porém, saber se demandada tem ou não a obrigação, jurídica, de efetuar o pagamento, total ou parcial.
Tal é matéria que será analisada infra, na fundamentação jurídica da decisão.
II FUNDAMENTAÇÃO (cont)
O Direito
(i) A prescrição
Suscita a demandada a exceção peremptória da prescrição fundada, em síntese, na circunstância de ser objeto do pedido uma pretensa obrigação sujeita ao prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 34º-3, do DL nº 155/92, de 28 de julho e os juros moratórios pedidos estarem também sujeitos ao regime de prescrição de 5 anos previsto nos artigos 310º e 805º, do Código Civil.
Vejamos:
O Código Civil não acolhe uma noção de prescrição; dele resulta tão só que a prescrição será um instituto fundado num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo, de tal modo que essa circunstância leva ou pode levar à paralisação de direitos sempre que os mesmos não sejam exercidos sem uma justificação legítima durante um certo lapso de tempo fixado por Lei.
É neste enquadramento que é conferido ao beneficiário da prescrição o poder ou faculdade de recusar, de modo lícito, a realização da prestação devida (Cf artigo 304º-1, do CC)
Assinale-se que a prescrição de direitos não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia – artºs 303º, do CC e 579º, do CPC.
E, naturalmente, o Tribunal conhece da prescrição nos termos e com os fundamentos da sua invocação na sede ou fase própria do processo e que são os articulados, maxime, no caso, a contestação.
Assim é que, para fundamentar a exceção peremptória, invoca a Ré o disposto no artigo 34º-3, do DL nº 155/92 (diploma que aprova o Regime da Administração Financeira do Estado).
Transcreve-se integralmente, por facilidade expositiva, o citado artigo 34º:
Artigo 34º
Despesas de anos anteriores
-
Os encargos relativos a anos anteriores serão satisfeitos por conta das verbas adequadas do orçamento que estiver em vigor no momento em que for efectuado o seu pagamento.
-
O montante global dos encargos transitados de anos anteriores deve estar registado nos compromissos assumidos, não dependendo o seu pagamento de quaisquer outras formalidades.
-
O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto.
-
O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
A questão suscitada pela Ré de ocorrência da prescrição desde os anos de 2001 a 2003 pelo facto de estarem transcorridos mais de 3 anos sobre a data em que alegadamente se teria constituído o crédito do Autor, suscitou a oposição deste fundada no não preenchimento de um requisito fundamental para a contagem do mencionado prazo de prescrição de 3 anos: que tivesse havido – e, no caso, não houve – registo no elenco de compromissos assumidos pela D…e/ou orçamentação prévia das respetivas despesas. Alegou ainda, subsidiariamente, que a invocação da prescrição, nas circunstâncias em que o foi, configura abuso do direito nos termos do artigo 334º, do CC.
A razão está do lado do Autor.
Na verdade, o prazo de prescrição de 3 anos a que alude o artigo 34º-3, do DL nº 155/92 reporta-se a créditos relativos a compromissos assumidos pela Administração nos anos anteriores e objeto de registo. Como transparece da norma em causa, inserida em diploma relativo à administração financeira do Estado.
E, compreende-se que assim seja muito especialmente quando os créditos estão dependentes da iniciativa do particular com vista ao pagamento e que, em regra, tem de ocorrer num curto prazo sobre a data da constituição do dever de pagamento.
Ou seja: esta prescrição de curto prazo tem na sua génese a necessidade de dar estabilidade e segurança aos compromissos do Estado evitando remeter a prescrição para o regime geral (20 anos) previsto no artigo 309º, do CC.
Decorre do exposto que, não havendo – como, no caso, não havia, como a própria Ré reconhece -, registo de compromisso ou orçamentação anterior da despesa que permitisse o pagamento dos invocados créditos do Autor, tal significa que as razões de prazo curto de prescrição invocadas, não existem ou subsistem e, consequentemente, a contagem do prazo prescricional deve ser feita à luz da regra geral do artigo 309º, do CC.
Improcede assim a invocação da prescrição do crédito de capital nos termos em que o foi.
No que respeita aos juros moratórios – no caso, obviamente, de proceder, parcial ou totalmente, o pedido de capital – já assistirá razão, parcial, da demandada na medida em que essa prescrição ocorreu relativamente aos vencidos há menos de cinco anos para aquém da data compromisso ou convenção arbitral [artigos 310º-d) e 324º, do Código Civil].
Com efeito, uma das causas interruptivas da prescrição é o compromisso arbitral relativo ao direito que se pretende tornar efetivo – Cfr artigo 324º-1, CC.
Ora como está demonstrado e é requisito essencial também para a competência material deste Tribunal, ambas as partes outorgaram convenção de arbitragem em 6 de fevereiro de 2015 tendo por objeto o pedido nesta ação.
À luz do exposto, haverá assim apenas fundamento para a exigência de juros moratórios desde 6-2-2010.
(ii) O mérito do pedido
Pede o Autor nesta ação a condenação da demandada no pagamento ao demandante da importância de €24.904,92 (vinte e quatro mil novecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos) acrescida dos juros que se vencerem, à taxa legal, sobre o valor do capital ( € 15607,25), até à data do efetivo pagamento, tendo considerado na petição que os juros vencidos desde 15 de setembro de 2001 até à data de apresentação da petição perfaziam a importância de €9.297,92.
Funda o pedido em alegada obrigação da demandada de o reembolsar de despesas, para além das que constavam do Convénio de Cooperação e do consequente Aviso de concurso publicado em …-…-1997 para seleção de docentes e cujas condições o Autor e demais concorrentes selecionados aceitaram.
Certo que dois dos três concorrentes selecionados terão apresentado despesas não previstas no sobredito Convénio mas que a D…aceitou para reembolso, e que reembolsou, relativas aos anos letivos de 1997/98 e 1998/99, anos em que exerceram funções em Maputo esses dois docentes.
O Autor exerceu as suas funções mais um ano letivo (1999/2000) e não lhe foram reembolsadas as sobreditas despesas elencadas ou descritas numa carta (ofício) do Presidente do Instituto … para o Presidente do Conselho Diretivo da D…e que seriam as seguintes (com conversão para a moeda atual):
· Despesas realizadas até 16.4.1999 - € 7.500.86
· Despesas com viagens (seis pessoas) após 16.04.1999 - € 7.443,56;
· Despesas com obtenção de vistos, após 16.04.1999 - € 276,30;
· Despesas com saúde, após 16.04.1999 - € 2669,60;
· Despesas com transportes no Maputo, após 16.04.1999 - € 1.918,18.
E, tal como consta do parágrafo 4 da mesma carta/ofício, o crédito do demandante, Mestre A…, feita a compensação ali referida, cifrava-se em € 15.607,25 (Esc.3.128.974$00).
Estando o direito invocado pelo Autor estribado em contrato, será no elenco das obrigações contratuais da demandada que se terá de surpreender o dever de pagamento à luz dos princípios gerais em matéria de obrigações e seu cumprimento (cfr arts 397º e segs., CC).
Ora do probatório resulta que a D…se obrigou apenas a assegurar, para além da retribuição global de 878.000$00, alojamento em Maputo e viagens de ida e volta do Autor, cônjuge e filhos, além de ter aceitado reembolsar despesas com vistos,
Certo que os outros dois docentes contratados obtiveram reembolsos de outras despesas realizadas; todavia, ficou por saber as razões concretas desses pagamentos e, designadamente, se os mesmos teriam ou não suporte legal e/ou jurídico.
Assim é que, não estando em causa a apresentação de documentos comprovativos de despesas nos termos da comunicação do presidente do Instituto … para o presidente do Conselho Diretivo da D…, e não tendo esta, como lhe competia, comprovado se e, em caso afirmativo, quais dessas despesas foram entretanto reembolsadas, ter-se-á de concluir que tais despesas, deduzidas da importância de 824.275$00, não foram reembolsadas ao Autor.
No entanto, a obrigação de reembolso só se evidencia quanto às despesas com viagens do autor, cônjuge e descendentes na importância de 1.492.300$00 e quanto às despesas aprovadas pelo Instituto … da D…, na importância de 1.503.787$00, quiçá respeitantes ao direito a alojamento assegurado no sobredito convénio de cooperação e anunciado no aviso de recrutamento de docentes.
Para além de tais despesas, a Ré aceitou assumir apenas o reembolso ao Autor da importância de € 276,30 relativa a vistos.
Ou seja e em conclusão: o Autor terá direito ao reembolso da importância de € 11.109,29 [€15.220,72 - €4.111,47 recebido a mais nos termos referidos em r), do elenco de factos provados], acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano (Portaria nº 291/03, de 8 de abril) desde 6-2-2010 até integral e efetivo pagamento.
III DECISÃO
Pelo exposto decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência condenar a Ré D…a pagar ao Autor a importância de € 11.109,29 (onze mil cento e nove euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde 6-2-2010 até integral e efetivo pagamento e
b) Absolver a demandada da parte remanescente do pedido formulado.
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· Valor da causa: € 24.904,42
· Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença (art. 23º-3, do Regulamento do CAAD anterior ao atualmente vigente e aplicável a esta arbitragem por força do artigo 30º-2, do Regulamento atual).
Lisboa e CAAD, 30 de dezembro de 2015
O juiz-árbitro
José A G Poças Falcão
[1] O ofício não está datado e, por isso, sendo o pagamento solicitado em escudos, presume-se (presunção judicial) que o ofício foi elaborado na vigência dessa moeda em Portugal, ou seja, até 1 de janeiro de 2002.