DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., portador do cartão de cidadão n.º..., válido até 22/09/2030, com o NIF..., com domicílio na Rua ..., ... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em que é Demandado o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, pessoa coletiva de direito público com sede em Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa.
O Demandante peticiona que o Despacho do Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária de 19-12-2024 seja declarado nulo e que o Demandado na pessoa do Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, Dr. José Milhazes, condenado a proferir novo despacho que defira o requerido pedido aposentação voluntária não antecipada nos termos dodisposto no Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro.
1.1. Objeto
O presente pedido arbitral tem como objeto a impugnação do ato administrativo que indeferiu o pedido do Demandante de06-06-2024, peticionando este que a presente ação, seja julgada procedente e, em consequência, ser o despacho do Exmo. Diretor Nacional Adjunto, Dr. Veríssimo Milhazes, de 19-12-2024, considerado nulo, sendo o Demandado condenado a proferir novo despacho que defira o requerido pedido de aposentação voluntária não antecipada nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro.
1.2. Tramitação processual
O Demandante apresentou, no dia 24-03-2025, que foi aceite pelo, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), um pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite pelo CAAD em 25-03-2025.
Nos termos do disposto no artigo 12.º do NRAA, o CAAD, através de ofício datado de 25.03.2025 e enviado por carta registada, citou o Demandado para contestar no prazo de 20 dias.
O Demandado apresentou a contestação no dia 22-04-2025 e juntou na mesma data o Processo Administrativo (PA).
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 13-05-2024, com a aceitação do encargo pela árbitra signatária que integra da lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e com a subsequente notificação às partes, nos termos do artigo 17.º do NRAA.
Nos termos do artigo 18.º do NRAA, foi proferido o Despacho de 20-05-2025, em que decidiu que o Tribunal Arbitral é competente e foi validamente constituído; as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e estão devidamente representadas.
Foi indeferido o pedido da produção testemunhal requerida pelo Demandante, considerando que apenas estão em causa questões de direito.
As partes foram convidadas para “nos termos do artigo 18.º n.º 4 do Novo Regulamento da Arbitragem Administrativa (NRAD) convida-se as para em 20 dias se pronunciarem quanto à intenção de o processo prosseguir e ser julgado apenas com base na prova documental e demais elementos constantes dos autos e quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento.
Convida-se o Demandante a informar o Tribunal Arbitral se prescinde do direito a recurso”.
Determinou-se ainda que as partes dispõem do prazo de 20 dias para requerem o que tiverem por conveniente e apresentarem alegações finais facultativas.
Por requerimento de 22-05-2025 notificado a 23-05- 2025 o Demandante informou que “nada tem a opor quanto à proposta de condução do processo arbitral com base na prova documental, e, bem assim, quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento.
O demandante não prescinde do seu direito a recurso”.
2. Posição das partes
2.1. Do demandante
Na Petição Inicial o Demandante para fundamentar o seu pedido alega o seguinte por referência ao despacho que indeferiu o seu pedido de aposentação voluntária não antecipada refere o seguinte:
“Atentas as concretas funções que o demandante desempenha Serviços de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária, não pode este conformar-se com o despacho em apreço, porquanto entende que o mesmo viola, desde logo, os princípios da legalidade, da justiça e da razoabilidade aos quais a demandada está efetivamente sujeita.
Nos termos do disposto na al. c) do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de aposentação do regime de proteção social convergente e das pensões de invalidez e velhice do regime geral de segurança social são aplicáveis ao pessoal da carreira de investigação criminal, da careira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária.
(...)
Tais atos são, nos termos da al. f), do art.º 2.º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto, qualificados como sendo de inspeção judiciária.
Estando, como tal, o demandante integrado numa carreira de apoio à investigação criminal.
O que, de resto foi confirmado pelo Dr. B..., coordenador de investigação criminal que, então, se encontrava em substituição de funções do Diretor da Diretoria do Centro da PJ, em sequência de pedido de informação que lhe foi dirigido pela Direção da DSGAP (vide doc. 3).
Por email datado de 17 de dezembro de 2024, o Dr. B..., refere estar o demandante, “(…) salvo melhor opinião, abrangido pelo disposto no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro.”
Não se vislumbra, assim, como possa o despacho em apreço, negar ao demandante o requerido pedido de aposentação voluntária não antecipada, alegando que este não desempenha funções de apoio à investigação criminal, mormente de inspeção judiciária e recolha de prova;
Não se vislumbra, assim, como possa o despacho em apreço, negar ao demandante o requerido pedido de aposentação voluntária não antecipada, alegando que este não desempenha funções de apoio à investigação criminal, mormente de inspeção judiciária e recolha de prova;
Tanto mais que é do conhecimento do demandante que o mesmo pedido de aposentação voluntária não antecipada, formulado por um seu colega C..., foi deferido;
Efetivamente,
Este seu colega, também ele da carreira de Especialista de Polícia Científica, encontrava-se a desempenhar as mesmas funções que o demandante no Setor de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária.
Ora,
Tratando-se de situações idênticas em termos de conteúdos funcionais, não se vislumbra qualquer razão, de facto ou de direito, que determine um tratamento distinto para ambas- o que, na realidade, aconteceu.
Face ao supra exposto,
O despacho em apreço, ao não deferir o requerido pelo ora demandante, viola o disposto na al. c) do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 4/2017
Atentando, também, contra o disposto no quadro 2, do Anexo I, do decreto-Lei n.º 138/2019 de 13 de setembro - quanto ao conteúdo funcional dos especialistas
de polícia científica - e na alínea f), do art.º 2.º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto - no que concerne às definições legais de inspeção e identificação judiciária.
Violando, igualmente, o Princípio da Legalidade, da Justiça e da Razoabilidade, previstos nos art.ºs 3.ºe 8.º do Código de Procedimento Administrativo.
Sendo, como tal, nulo.”
2.2. Do Demandado
O Demandado, por impugnação, alega nomeadamente o seguinte:
“Importa, antecipadamente, referir que o Demandante vem peticionar que seja considerado nulo o despacho proferido, em 19.12.2024, pelo Exmo. Senhor Diretor Nacional Adjunto, Dr. Veríssimo Milhazes.
“Quanto à matéria controvertida sempre se dirá que o Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que estabelece o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária, bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal (EPPJ), com data de entrada em vigor em 1 de janeiro de 2020, procedeu à revisão global das carreiras especiais da Polícia Judiciária (PJ), tendo
criado uma nova carreira especial – a de Especialista de Polícia Científica (EPC).
(...)
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, veio regular as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de reforma do regime convergente e das pensões de invalidez e velhice do regime geral de segurança social do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, do pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária e do pessoal do corpo da Guarda Prisional.
(...)
O Demandando refere ainda que o Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro “...distingue, no que diz respeito à Polícia Judiciária, de entre o pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal, os que têm funções de inspeção judiciária e recolha de prova, considerando o legislador que estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal e da carreira de segurança, no exercício das suas funções, estão sujeitos a “permanente disponibilidade e ao especial risco e perigosidade que lhes está associado”, conforme resulta do preâmbulo do diploma.
O legislador teve o cuidado de definir, de forma clara, o universo de trabalhadores da Polícia Judiciária abrangido pelas condições e regras de atribuição e de cálculo das pensões de aposentação e de pensão de velhice estipuladas por aquele diploma, que assenta, sem margem para dúvidas no exercício efetivo das funções de inspeção judiciária e de recolha de prova.
As funções de inspeção e identificação judiciária visam a recolha de prova e são caracterizadas por um conjunto amplo de observações, constatações e operações técnico-policias executadas no local de crime, com vista a identificar e recolher possíveis objetos de prova para posterior análise pericial, de modo a que possam servir de base à investigação do crime.
A inspeção ao local do crime é o primeiro contacto com o evento criminoso para exame e recolha de vestígios do crime que irá influenciar e condicionar a atividade investigatória subsequente, conforme resulta do n.º 2 do artigo 249.º do Código de Processo Penal.
E as funções de recolha de prova executadas no local do crime por trabalhadores integrados na carreira de apoio à investigação criminal sempre foram consideradas de risco acrescido, razão pela qual o legislador as vêm diferenciando, designadamente, para efeitos de aposentação e de atribuição do suplemento de missão, previsto no Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro, conforme aludido no seu Preâmbulo, “Entre os elementos que exercem funções de coadjuvação aos trabalhadores da carreira de investigação criminal cumpre destacar e distinguir, de entre osespecialistas de polícia científica, os que têm funções de inspeção e identificação judiciária, por serem estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal
- e em razão de fazerem parte do núcleo essencial da missão da PJ - os que no exercício das suas funções assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados”.
Tal distinção materializou-se, nos termos das alíneas b) e c) do artigo 4.º daquele Decreto-Lei, na atribuição do suplemento de missão graduado e calculado, para a carreira especial de EPC, por aplicação das seguintes percentagens:
“(…) b) Trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, com funções de inspeção e identificação judiciária, 13 %;
c) Demais trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, 12 %; (…)”.
Ademais, e, conforme o Demandante bem sabe, ou deveria saber, a Direção Nacional da Polícia Judiciária, através do Despacho n.º 72/2024-GADN de 01.08.2024, publicado na Ordem de Serviço da Direção Nacional n.º 51/2024, de 02.08.2024 (fls. 21 a 24 do PA) veio aclarar a aplicação do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro, designadamente, sobre quais os trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica que têm direito a auferir o suplemento de missão na percentagem de 13%.
Os trabalhadores da carreira especial de EPC que exercem funções de inspeção e identificação judiciária são, por regra, aqueles que se encontram integrados na área de criminalística do Laboratório de Polícia Científica, ou na sua dependência funcional, conforme resulta das competências atribuídas a esta unidade central, estabelecidas no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de setembro, que aprovou a estrutura organizacional da Polícia Judiciária
Alega o Demandante ao longo da PI que está integrado numa carreira de apoio à investigação criminal (EPC) na qual desempenha funções de inspeção judiciária e recolha de prova.
Desde logo, se o Demandante exercesse efetivamente as funções que alega teria direito ao suplemento de missão na percentagem de 13%, conforme ali é definido.
O que não é o caso, pois aufere o suplemento de missão na percentagem de 12%, conforme atesta o seu recibo de vencimento de dezembro de 2024 (fls. 25 do PA).
Portanto, o Demandante não integra a carreira de investigação criminal, nem a carreira de segurança, pelo que apenas lhe seria aplicável o disposto no citado Decreto-Lei n.º 4/2017, caso este, independentemente da carreira detida, desempenhasse funções de inspeção judiciária e de recolha de prova no âmbito das áreas de criminalidade investigadas pela Polícia Judiciária.
Ou seja, está em causa, aferir as funções/tarefas que o Demandante especificamente exerce e desempenha, pois no caso dos EPC, carreira de apoio à investigação criminal onde se encontra integrado, a eventual aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, assenta no exercício, ou não, dentro dessa carreira especial, das funções de inspeção judiciária e recolha de prova.
O Demandante integra a carreira de EPC, do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, encontrando-se colocado no Serviço de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária.
Vejamos então as competências que estão definidas para o serviço onde se encontra integrado o Demandante (Serviço de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Centro), informação constante da Instrução Permanente de Serviço n.º .../2010, de 30.11.2010 (fls. 10 a 20 do PA), mais concretamente no ponto 4.4.1:
Conforme facilmente se constata, o Serviço de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Centro não dispõe de competências em matéria de inspeção judiciária/recolha de prova no âmbito da investigação criminal.
No entanto, o Demandante baseia, igualmente, o seu pedido no facto de, no elenco do conteúdo funcional da carreira especial de EPC constarem funções de carácter de inspeção judiciária e de recolha de prova, porém, como é obvio, nem todos os trabalhadores desta carreira desenvolvem as referidas funções”.
(...)
“O conteúdo funcional da categoria de EPC, encontra-se previsto no quadro 2 do Anexo 1 do EPPJ:
Ora, da análise do conteúdo funcional dos EPC, podemos constatar que é no 1.º parágrafo do quadro anterior que se encontram definidos alguns os atos de inspeção e de identificação judiciária: “Realização de atos de inspeção, em meio físico e digital e de identificação judiciária, designadamente pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios, recolha de elementos biométricos identificativos, captação e tratamento de imagem de locais, objetos e pessoas com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à Investigação criminal, sem prejuízo da sua autonomia técnica e científica”.
Note-se que a “Realização de exames de recolha de prova digital, com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à investigação criminal, sem prejuízo da autonomia técnica e científica” e a “Realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais, telecomunicações, informática”,“Conceção, planeamento, avaliação e aplicação de métodos e processos técnico-científicos em matéria de inspeção judiciária,” e “Prática de atos processuais, bem como outras tarefas afins ou funcionalmente ligadas, superiormente determinadas, para as quais detenha formação profissional adequada, no âmbito da respetiva matriz de competências e concreta unidade orgânica” e “ Assessoria técnica e científica, nas áreas periciais, tecnológicas e informacionais”, atos constantes do conteúdo funcional de EPC e que de acordo com o Demandante fazem parte do conteúdo funcional do seu serviço, não se inserem no conceito de “funções de inspeção e identificação judiciária”, pois caso o legislador assim o entendesse, tê-los-ia inserido na parte inicial do citado Quadro 2, onde se encontram definidos alguns dos atos de inspeção e de identificação judiciária, ou seja, embora se possam enquadrar no conteúdo funcional da categoria de EPC, não configuram atos de inspeção judiciária.
Daí que, ao contrário daquilo que é defendido pelo Demandante, estes atos não são funções que possam ser consideradas funções de inspeção judiciária e recolha de prova, conforme demonstrado anteriormente.
Aqui chegados, e analisadas as competências do serviço onde está colocado o Demandante, podemos constatar que o mesmo não exerce funções de inspeção judiciária e recolha de prova, tal como se encontram definidas na primeira parte do Quadro 2 do Anexo 1 do EPPJ.
A Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto regula a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica, adaptando a ordem jurídica interna às Decisões 2008/615/JAI e 2008/616/JAI do Conselho, de 23 de junho de 2008.
De facto, no seu artigo 2.º, mais concretamente na sua alínea i), e não na alínea f) conforme alegado pelo Demandante, encontramos a definição de inspeção judiciária: “«Inspeção judiciária» as diligências técnico-científicas levadas a cabo pelos órgãos de polícia criminal competentes, no âmbito de processo-crime, visando a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos”.
Primeiramente, salienta-se que tais definições dizem respeito à lei em apreço, ou seja, à matéria relacionada com a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica.
Além disso, note-se que, tal como ficou demonstrado anteriormente, o trabalhador em apreço não se encontra a exercer funções nos setores de Inspeção Judiciária/Local do Crime ou no Setor de Identificação Judiciária/Lofoscopia da Área de Criminalística do Laboratório de Polícia Científica, setores onde, tal como o próprio nome indica, são desempenhadas as diligências de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, bem como as diligências técnico –científicas que visam a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos.
(...)
Note-se que para beneficiarem do regime previsto no citado Decreto-Lei n.º 4/2017, ao abrigo da alínea c) do artigo 1.º, os trabalhadores têm que desempenhar aquelas funções de inspeção judiciária e recolha de prova no âmbito das diversas áreas de criminalidade investigadas pela Polícia Judiciária, com caráter principal e permanente, e não de forma ocasional/esporádica, como poderá ser, eventualmente, o caso do Demandante.
Salienta-se que, relativamente às funções de inspeção judiciária e recolha de prova, na verdade qualquer trabalhador da PJ pode ser chamado a deslocar-se a um local do crime, sempre que o serviço assim o requer, mas em regra, são situações que ocorrem de forma esporádica, não se trata de uma atividade regular.
E conforme demonstrado supra, são os trabalhadores da carreira especial de EPC que que se encontram integrados nos setores da área criminalística do Laboratório de Polícia Científica (Setores de Inspeção Judiciária/Local do Crime e de Identificação Judiciária/Lofoscopia) ou na sua dependência funcional, aqueles que exercem funções de inspeção e identificação judiciária de forma regular.”
O Demandado entende que não se verifica a alegada violação dos princípios da legalidade, da justiça e da razoabilidade aduzidos pelo Demandante.
E termina por concluir que a presente ação deve ser indeferida por improceder o pedido do Demandante.
3. Matéria de Facto
3.1. Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Demandante é funcionário da Polícia Judiciária, desde 1994, pertencendo à carreira de Especialista de Polícia Científica, desde 2020; (facto não controvertido).
b) O Demandado está colocado nos Serviços de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária, desde 2015, onde presta funções de inspeção judiciária e recolha de prova em ambiente digital; (facto não controvertido).
c) O demandante, por requerimento dirigido à Exma. Sr.ª Diretora dos Serviços de Administração e Gestão de Pessoal da Polícia Judiciária, requereu a sua aposentação voluntária não antecipada nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, (cfr. doc. 1 junto com a PI).
d) Por despacho 19-12-2024, o Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, indeferiu a requerida aposentação voluntária não antecipada, com o fundamento de que o previsto na alínea c) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 4/2017 é aplicável somente ao “Pessoal da carreira de investigação criminal, da careira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária”.
• Realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais, telecomunicações, informática;
• Conceção, planeamento, avaliação e aplicação de métodos e processos técnico-científicos em matéria de inspeção judiciária;
• Prática de atos processuais, bem como outras tarefas afins ou funcionalmente ligadas, superiormente determinadas, para as quais detenha formação profissional adequada, no âmbito da respetiva matriz de competências e concreta unidade orgânica;
• Assessoria técnica e científica, nas áreas periciais, tecnológicas e informacionais.
e) No PA constam os seguintes dados relativos ao Demandante:
- o recibo de vencimento de dezembro de 2024, os seus elementos de identificação, a situação organizacional, a avaliação de desempenho e a categoria profissional:





3.2. factos não provados
Não existem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
A matéria de facto fixada por este Tribunal Arbitral, bem como a sua convicção, formou-se com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, assim como nos documentos por elas juntos aos autos.
No que respeita à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, incumbindo-lhe antes selecionar apenas a que se revela relevante para a decisão, considerando a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado.
4. Saneamento
O Tribunal é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.
Não se verificam nulidades que cumpra conhecer.
5. Thema dicidendum
Está em causa a apreciação da legalidade do despacho proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, em 19-12-2024, que indeferiu o pedido do Demandante relativo à aposentação antecipada não voluntária, competindo agora determinar se tal despacho deve ser substituído por outro que defira o referido pedido.
Para que este Tribunal possa formar a sua convicção e proferir a decisão final, impõe-se a análise da legislação aplicável e da respetiva interpretação, à luz da situação factual dos autos, o que se fará de seguida.
Cumpre, antes de mais, referir que o artigo 3.º do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ) dispõe que a Polícia Judiciária constitui um corpo superior de polícia, na direta dependência do membro do Governo responsável pela área da justiça, integrando, entre outras, a carreira de Especialista de Polícia Científica (EPC).
Por sua vez, o artigo 36.º do mesmo diploma estabelece que as carreiras especiais de apoio à investigação criminal compreendem funções que, embora não envolvam diretamente a prática de atos de investigação criminal, contribuem de forma essencial para a sua realização, através do exercício de competências técnicas, científicas ou administrativas, estando sujeitas a requisitos específicos de formação, avaliação e desempenho. Acrescenta ainda que a carreira de especialista de polícia científica é unicategorial e de grau de complexidade 3.
Deste modo, a apreciação da legalidade do despacho impugnado deve ser realizada à luz destes preceitos, ponderando-se a sua correta aplicação ao caso concreto e a conformidade da decisão administrativa com o quadro normativo vigente.
5.1. A legislação
Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro
“Sumário:
Regula as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de reforma do regime convergente e das pensões de invalidez e velhice do regime geral de segurança social do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, do pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária e do pessoal do corpo da Guarda Prisional.
No Preâmbulo é referido nomeadamente o seguinte:
“A Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, estabeleceu mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral de segurança social no que respeita às condições de acesso e ao cálculo das pensões de aposentação, tendo ainda determinado a cessação da inscrição de novos subscritores na Caixa Geral de Aposentações a partir de 1 de janeiro de 2006.
O Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de dezembro, procedeu à revisão dos regimes que consagravam desvios ao regime geral de aposentação em matéria de tempo de serviço, idade de aposentação, fórmula de cálculo e atualização das pensões de forma a compatibilizá-los com a convergência acima referida.
Ficaram, porém, excluídos do âmbito do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de dezembro, entre outros, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), o pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária e o pessoal do corpo da Guarda Prisional.
O Decreto-Lei n.º 55/2006, de 15 de março, veio estabelecer, relativamente aos funcionários e agentes e demais pessoal abrangido pelo n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, que inicie funções a partir de 1 de janeiro de 2006, que o acréscimo de encargos resultante da aplicação de regimes mais favoráveis por referência ao regime geral de aposentação é suportado por verbas inscritas nos orçamentos dos serviços e organismos a que aqueles se encontram vinculados ou das correspondentes entidades empregadoras.
Posteriormente, verificou-se uma continuidade do esforço de convergência das condições de acesso e de cálculo das pensões de aposentação do regime de proteção social convergente, assim denominado pela Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, em substituição do regime de proteção social da função pública, com o regime geral de segurança social que, entretanto, foi sujeito a diversas reformas no que respeita à fórmula de cálculo, com vista à sua sustentabilidade financeira.
Por seu turno, os Estatutos Profissionais do pessoal não abrangido pelo Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de dezembro, continuaram a prever normas específicas de acesso à pensão de aposentação ou de reforma distintas face às constantes na Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, e no regime geral de segurança social, quer no que respeita à idade de acesso à pensão, como no que respeita ao cálculo e à penalização por antecipação.
Com efeito, os estatutos profissionais do pessoal com funções policiais continuam a prever idades de acesso à pensão de aposentação inferiores à idade normal de acesso à pensão de aposentação ou à pensão de velhice do regime de proteção social convergente ou do regime geral de segurança social, respetivamente, que é atualmente idêntica.
(...)
Se é certo que a existência de especificidades relativamente ao regime de convergência e ao regime geral de segurança social se justifica em razão das condições em que as funções policiais são exercidas pelos respetivos profissionais, no que respeita à permanente disponibilidade e ao especial risco e perigosidade que lhes está associado, importa, contudo, proceder a uma uniformização das condições e das regras de atribuição e de cálculo das pensões de aposentação e de pensão de velhice entre o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, o pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária e o pessoal do corpo da Guarda Prisional abrangidos pelo regime de proteção social convergente ou pelo regime geral de segurança social.
Considera-se com esta uniformização que as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de aposentação devem constar de um único diploma legal aplicável ao pessoal com funções policiais, que agora se aprova, não integrando os respetivos estatutos e legislação específica, uma vez que se trata de matéria específica que não integra o âmbito das relações laborais.
Sendo as especificidades supracitadas decorrentes unicamente das especiais condições de exercício da atividade profissional destas categorias de trabalhadores em prol da segurança externa e interna, as quais determinam exceções no que respeita às condições de acesso e de cálculo das pensões de aposentação e pensão de velhice, importa reconhecer a justeza destas diferenças através da aplicação na idade de acesso à pensão, estabelecida no presente diploma, da fórmula de cálculo aplicável à idade normal de aposentação do regime convergente ou do regime geral de segurança social, e regular o financiamento dos encargos decorrentes destas exigências profissionais no regime de proteção social convergente e no regime geral.
Exercendo estes profissionais funções de soberania e segurança interna do Estado, justifica-se que o encargo com estes trabalhadores quando inscritos no regime geral de segurança social recaia sobre todos os cidadãos, o que faz com que o seu financiamento seja assegurado integralmente por transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social até à idade normal de reforma e que, atingida essa idade, a parcela que distingue o montante de pensão destes trabalhadores face aos restantes trabalhadores inscritos no regime geral de segurança social, designada de complemento de pensão, seja igualmente assegurada por transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social.
Nestes termos, o presente decreto-lei estabelece o regime específico de acesso e de cálculo das pensões de aposentação e pensão de velhice do pessoal com funções policiais, identificando as regras e os encargos a suportar pelo Orçamento do Estado, bem como a forma de financiamento desses encargos do regime de proteção social convergente e do regime geral de segurança social.”
Este Decreto-Lei dispõe:
Artigo 1.º
“O presente decreto-lei regula as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de aposentação do regime de proteção social convergente, adiante designado por regime convergente, e das pensões de invalidez e velhice do regime geral de segurança social, adiante designado por regime geral, dos seguintes subscritores do regime convergente e contribuintes do regime geral, adiante designados trabalhadores:
a) Pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública;
b) Pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
c) Pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária;
(...)
Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro
Estabeleceu o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ), bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal (EPPJ), com data de entrada em vigor em 1 de janeiro de 2020, procedeu à revisão global das carreiras especiais da Polícia Judiciária (PJ), que criou uma carreira especial – a de Especialista de Polícia Científica (EPC).
Artigo 1.º
Objeto
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O presente decreto-lei estabelece:
a) O Estatuto Profissional dos trabalhadores da Polícia Judiciária (PJ);
b) O regime da carreira especial de investigação criminal e das carreiras especiais de apoio à investigação criminal da PJ.
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Artigo 2.º
1 - O presente decreto-lei aplica-se aos trabalhadores que integram a carreira de investigação criminal, a carreira de especialista de polícia científica e a carreira de segurança, doravante designado por trabalhadores das carreiras especiais.
(...)
Artigo 3.º
Pessoal da Polícia Judiciária
1 - O mapa único de pessoal da PJ é composto por trabalhadores integrados nas carreiras especiais da PJ, nas carreiras gerais da Administração Pública, assim como pelos trabalhadores das carreiras subsistentes nos termos do presente decreto-lei.
2 - A PJ constitui um corpo superior de polícia, na direta dependência do membro do Governo responsável pela área da justiça, que integra os trabalhadores cujas funções se desenvolvem no âmbito das seguintes carreiras especiais:
a) Carreira de investigação criminal;
b) Carreira de especialista de polícia científica;
c) Carreira de segurança.
3 - As carreiras a que referem as alíneas b) e c) do número anterior são designadas por carreiras especiais de apoio à investigação criminal.
4 - Os demais trabalhadores que integram o mapa de pessoal da PJ pertencem às carreiras gerais da Administração Pública, nos termos do artigo 88.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, assim como às carreiras subsistentes.
Artigo 36.º
“1 - A carreira de especialista de polícia científica e a carreira de segurança são carreiras especiais de apoio à investigação criminal.
2 - A carreira de especialista de polícia científica é unicategorial e de grau de complexidade 3.
3 - A carreira de segurança é unicategorial e de grau de complexidade 2.
4 - Os conteúdos funcionais e as posições e níveis remuneratórios constam, respetivamente, dos quadros 2 e 3 do anexo I ao presente decreto-lei.
Artigo 41.º
Caracterização do pessoal das carreiras de apoio à investigação criminal”
“Os trabalhadores das carreiras especiais de apoio à investigação criminal desempenham funções de coadjuvação especial da investigação criminal, exercendo-as em regime de nomeação, sujeito a hierarquia, deveres funcionais e estatuto disciplinar próprio, sendo condição para ingresso habilitação académica superior ou secundária, consoante o caso, formação específica e aprovação no período experimental desenvolvendo-se nas carreiras previstas no artigo 36.º”
6. Apreciação
Na contestação, o Demandado sustenta a improcedência do pedido, alegando que o regime especial de aposentação antecipada não voluntária se aplica unicamente aos trabalhadores que exercem funções de investigação criminal em sentido estrito e operacional, designadamente atividades de investigação no terreno, exposição direta ao risco e combate ao crime organizado. Por conseguinte, exclui do âmbito de aplicação do referido regime os trabalhadores que desempenham funções de apoio técnico-administrativo ou laboratorial, ainda que estas sejam essenciais ao exercício da atividade de investigação criminal.
Vejamos
Ficou provado que o Demandante está integrado na carreira de Especialista de Polícia Científica (EPC), exercendo funções de apoio à investigação da Polícia Judiciária.
O Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, estabelece as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões do pessoal o pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária.
O artigo 1.º c) determina:
“Pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha de prova da Polícia Judiciária;” (sublinhado nosso)
Posteriormente à entrada em vigor deste Decreto-Lei foi publicado em 2019, o Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro que regulou o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ), bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal (EPPJ), com data de entrada em vigor em 1 de janeiro de 2020, procedeu à revisão global das carreiras especiais da Polícia Judiciária (PJ), que criou uma carreira especial - a de Especialista de Polícia Científica (EPC).
Como ficou provado o Demandante está integrado numa carreira de apoio à investigação criminal, a de Especialista de Polícia Científica.
Concordamos com o decidido no processo n.º 3/2025-A, quando refere:
“Do mesmo modo, no preâmbulo do EPPJ/2019 elucida-se que a opção é de tratamento unitário dos EPC, por todas as áreas funcionais inerentes à carreira serem essenciais à investigação criminal: “A nova carreira de especialista de polícia científica, ancorada nos conhecimentos técnicos e científicos necessários à interpretação dos sinais, vestígios e provas recolhidas na realização da inspeção judiciária e à análise pericial, tem natureza unicategorial e grau de complexidade três, valorizando-se profissionalmente uma atividade que embora instrumental, é essencial à própria investigação criminal.
É clara a intenção de uniformização do tratamento dos trabalhadores da carreira especial de EPC, sem privilegiar os que exercem funções nas áreas de criminalística e telecomunicações em relação às restantes. Tanto que, a carreira especial de EPC é caracterizada como unicategorial (artigo 36.º n.º 2 do EPPJ) sendo que os seus conteúdos funcionais são definidos de forma equivalente, sem distinção valorativa de umas áreas funcionais em relação a outras.”
Os profissionais da Polícia Judiciária, nos termos do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, exercem funções de soberania e segurança interna do Estado pelo que e como é referido “justifica-se que o encargo com estes trabalhadores quando inscritos no regime geral de segurança social recaia sobre todos os cidadãos, o que faz com que o seu financiamento seja assegurado integralmente por transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social até à idade normal de reforma e que, atingida essa idade, a parcela que distingue o montante de pensão destes trabalhadores face aos restantes trabalhadores inscritos no regime geral de segurança social, designada de complemento de pensão, seja igualmente assegurada por transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social.”
“A carreira de especialista de polícia científica e a carreira de segurança são carreiras especiais de apoio à investigação criminal.
Assim, é claro que o artigo 3.º, n.º 2, alínea b), do EPPJ menciona expressamente, entre as carreiras da Polícia Judiciária, a carreira de Especialista de Polícia Científica (EPC). Estes profissionais integram, portanto, um corpo superior de polícia e encontram-se sob a dependência direta do membro do Governo responsável pela área da justiça.
E, o artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma refere-se às carreiras especiais de apoio à investigação criminal, estabelecendo que a carreira de especialista de polícia científica é unicategorial e de grau de complexidade 3.
Por seu lado, o artigo 41.º do mencionado diploma, dispõe: “Caracterização do pessoal das carreiras de apoio à investigação criminal:
Os trabalhadores das carreiras especiais de apoio à investigação criminal desempenham funções de coadjuvação especial da investigação criminal, exercendo-as em regime de nomeação, sujeito a hierarquia, deveres funcionais e estatuto disciplinar próprio, sendo condição para ingresso habilitação académica superior ou secundária, consoante o caso, formação específica e aprovação no período experimental desenvolvendo-se nas carreiras previstas no artigo 36.º”.
Não podemos deixar de lembrar que na contestação, o Demandado sustenta a improcedência do pedido, argumentando que o regime especial de aposentação antecipada não voluntária se aplica unicamente aos trabalhadores que exercem funções de investigação criminal em sentido estrito e operacional, designadamente atividades de investigação no terreno, exposição direta ao risco e combate ao crime organizado. Por conseguinte, exclui do âmbito de aplicação do referido regime os trabalhadores que desempenham funções de apoio técnico-administrativo ou laboratorial, ainda que estas sejam essenciais ao exercício da atividade de investigação criminal.
E faz ainda referência ao Despacho n.º 72/2024-GADN, de 01 de agosto de 2024, publicado na Ordem de Serviço da Direção Nacional n.º 51/2024, de 02 de agosto de 2024, da Direção Nacional da Polícia Judiciária, o qual visa esclarecer a aplicação do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro, nomeadamente quanto à identificação dos trabalhadores da carreira especial de Especialista de Polícia Científica (EPC) com direito ao suplemento de missão, fixado na percentagem de 13%. Cumpre, contudo, salientar que tal despacho consubstancia um regulamento interno, cujos efeitos jurídicos se esgotam no âmbito do órgão da Administração que o emitiu, não vinculando nem condicionando a atuação deste Tribunal Arbitral. Nos termos do princípio da legalidade administrativa e da reserva de jurisdição, compete exclusivamente ao Tribunal interpretar e aplicar a lei, nos termos que dela decorrem, sendo-lhe vedado subordinar-se a orientações internas que não tenham força normativa geral nem valor vinculativo externo.
E, igualmente, não se mostra possível acolher a interpretação restritiva da legislação em apreço, porquanto esta desconsidera a relevância e a essencialidade das funções de apoio, que constituem atribuições próprias dos funcionários da Polícia Judiciária integrados na carreira de Especialistas de Polícia Científica (EPC), estando, por conseguinte, abrangidas pelo regime jurídico aplicável.
Com efeito, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, a interpretação da lei não deve limitar-se à sua letra, impondo-se a reconstituição do pensamento legislativo, atendendo à unidade do sistema jurídico, às circunstâncias da sua elaboração e às condições específicas do tempo da sua aplicação. Assim, a leitura restritiva defendida pelo Demandado não encontra respaldo no espírito da lei.
O artigo 9.º do Código Civil dispõe o seguinte relativamente à interpretação da lei:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Consideramos que no âmbito da hermenêutica jurídica, destacam-se dois elementos fundamentais de interpretação: oelemento gramatical (a letra da lei) e o elemento lógico (o espírito da lei). Este último subdivide-se em três vertentes: oelemento teleológico ou racional, o elemento sistemático e o elemento histórico. Tanto o elemento gramatical quanto o elemento lógico devem ser considerados de forma conjunta e indissociável no processo interpretativo.
Como se refere no Acórdão do STJ de 04-05-2011, proferido no Processo 4319/07.1TTLSB.L1.S1 “a interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.
O artigo 9.º do Código Civil reza que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Assim, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.
A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de BAPTISTA MACHADO (ob. cit., pp. 185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.»
Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186).”
Com efeito, o Demandante, conforme já referido, encontra-se integrado na carreira de EPC, desempenhando as funções inerentes a esta categoria profissional, designadamente de apoio à inspeção criminal, responsável por funções de inspeção judiciária e de recolha de prova da Polícia judiciária. Em consequência, está abrangido pela previsão constante da alínea c) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro.
Pelo exposto, julga-se procedente o pedido formulado pelo Demandante, declarando-se a anulabilidade do despacho impugnado, por violação de lei, devendo o mesmo ser substituído por outro que lhe assegure o direito à aposentação antecipada não voluntária. Cumpre salientar que se trata de um ato administrativo inválido, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), não configurando, porém, um ato nulo, dado que não se enquadra nas hipóteses previstas no artigo 161.º, n.º 2 do CPA. Assim, declara-se a anulabilidade do ato administrativo consubstanciado no despacho proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária em 19-12-2024, afastando-se a pretensão de nulidade deduzida pelo Demandante.
7. Decisão
Face ao exposto, decide-se julgar a ação totalmente procedente e, em consequência:
a) Declarar a anulabilidade do despacho proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, em 19-12-2024, que indeferiu o pedido de aposentação antecipada não voluntária formulado pelo Demandante;
b) Condenar o Demandado, na pessoa do Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, a proferir novo despacho que defira o referido pedido de aposentação antecipada não voluntária, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 4/2017, de 6 de janeiro, conforme peticionado.
8. Valor do processo e encargos processuais
Fixa-se o valor da ação em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), valor indicado pelo Demandante na petição inicial.
Os encargos são suportados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Notifique-se
Lisboa, 10 de novembro de 2025.
A Árbitra
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(Regina de Almeida Monteiro)