Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 160/2024-A
Data da decisão: 2025-06-29  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Suplemento
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DECISÂO ARBITRAL 

1.     Relatório

 

A..., portador do cartão de cidadão n.º..., válido até 24/07/2034, com o NIF ..., com domicílio na Rua ..., n.º..., Lisboa, B..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 03/08/2031, com o NIF ..., com domicílio na ..., n.º ..., ..., C..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 20/06/2028, com o NIF..., com domicílio da Rua ..., n.º...,  ..., D..., portadora do cartão de cidadão n.º..., válido até 01/08/2028 com o NIF ..., com domicílio na Rua ..., n.º..., Odivelas e E..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 13/01/2027, com o NIF ... com domicílio na Rua ..., n.º..., ..., Mafra, sendo representadas pelos Drs. F..., G... e H..., apresentaram petição inicial, sendo autora na presente acção, nos termos do artigo 10.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, Reg CAAD) contra o demandado, Ministério da Justiça, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa, o qual foi representado pela Dra. I... .

 

2. Em 31 de Outubro 2024, os Demandantes solicitaram a constituição do Tribunal Arbitral, apresentando a Petição Inicial, pedido que foi aceite em 4 de Novembro de 2024.

 

3. Em 25 de Novembro de 2024, o Demandado, após citação, apresentou a respectiva contestação ao pedido do autor.

 

4. Nos termos do Reg CAAD, foi o signatário designado como Árbitro para o processo pelo conselho deontológico do CAAD, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído em 6 de Janeiro de 2025.

 

5. Em 24 de Janeiro de 2025, foi proferido o Despacho n.º 1, propondo um mecanismo de agilização processual, aceite pelas duas partes, ficando acordada dispensa da realização da audiência de prova, bem como a valoração de qualquer outra prova que não a documental. Ficou, ainda, acordada a dispensa de realização de audiência de julgamento e de alegações finais.

 

6. Em 22 de Fevereiro de 2025, o Tribunal Arbitral profere o Despacho n.º 2, convidando os autores a substituir a petição inicial e a corrigir o alcance do pedido, dando, em caso de correcção ou de substituição, um prazo para o demandado também alterar em conformidade o respectivo articulado.

 

7. Em 6 de Março de 2025, vêm os Autora, após corrigir a Petição Inicial, apresentar novo Articulado com o seguinte pedido: “serem os despachos em apreço considerados nulos, sendo o demandado, na pessoa do Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, Dr. José Milhazes, condenado a proferir novos despachos que defiram os requerimentos apresentados pelos demandantes: a) Atribuindo aos demandantes o valor mensal do suplemento de missão de 13% nos termos do art.º 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023; b) Repondo os retroativos do suplemento de missão devidos aos ora demandantes, calculado com base na percentagem supra, desde janeiro de 2023”.

Para tal, invocam que: “[o]s despachos em apreço, ao não deferirem o requerido pelos ora demandantes, violam o disposto no quadro 2, do Anexo I, do decreto-Lei n.º 138/2019 de 13 de setembro - quanto ao conteúdo funcional dos especialistas de polícia científica - e nas alíneas f) e i), do art.º 2.º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto - no que concerne às definições legais de inspeção e identificação judiciária”, bem como que não respeitam “os critérios de atribuição de atribuição do suplemento de emissão estabelecidos nos n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, incumprindo manifestamente as suas disposições” e, nestes termos, alegam que violam “o Princípio da Legalidade, da Justiça e da Razoabilidade, previstos nos art.ºs 3.ºe 8.º do Código de Procedimento Administrativo”.

Solicitou, além disso, a audição de testemunhas.

 

8. Em 10 de Março de 2025, o Demandado apresenta, em conformidade, nova contestação, solicitando, igualmente, a recusa de audição de testemunhas, ao argumentar que no presente processo estamos perante “matéria que se cinge, apenas e exclusivamente, à interpretação de normas em concreto, sem necessidade de prova por testemunhal”.

 

9. Em 31 de Março de 2025, o Tribunal Arbitral profere o Despacho n.º 3, recusou a produção de prova testemunhal.

 

10. O tribunal é competente. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. A presente acção é tempestiva. O valor da causa é fixado em 30.000,01€ (o valor total corresponde à soma dos pedidos de cada um dos autores), nos termos do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

 

 

II. Matéria de facto

 

11. Analisados os articulados e os meios de prova apresentados pelas partes, bem como pela aceitação genericamente pelas partes de factos dados como provados, é convicção deste tribunal arbitral deverem ser considerados provados os seguintes factos:

 

11.1. Os Demandantes exercem funções na Polícia Judiciária (PJ), estando integrados na carreira de Especialistas de Polícia Científica (EPC) a prestar funções no Laboratório de Polícia Científica (LPC). 

11.2. Os Demandantes integram a carreira de EPC, a qual apresenta como conteúdo funcional, nos termos do Quadro II do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia (Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro) Judiciária, o seguinte: 

11.3. Os Demandantes, no âmbito da respectiva carreira, integram as seguintes unidades à data da apresentação da Petição Inicial:

-A...: Laboratório de Polícia Criminal – Área Criminalística – Sector de Balística e Marcas (fls. 123 do Processo Administrativo);

- D... (fls. 131 do Processo Administrativo) e E... (fls. 127 do Processo Administrativo): Laboratório de Polícia Científica – Área Físico-Documental – Sector de Análise Documental;

- B... (fls. 135 do Processo Administrativo) e C... (fls. 141 do Processo Administrativo): Laboratório de Polícia Científica – Área Físico-Documental – Sector de Físico-Química.

 

Neste contexto, as unidades referidas apresentam as seguintes competências (fls.1 a 15 do Processo Administrativo):

- O Laboratório de Polícia Científica – Área Criminalística - Sector de Balística: 

- O Laboratório de Polícia Científica – Área Físico-Documental, no qual se encontram inseridos os Setores de Análise Documental e de Físico-Química:

 

11.5. A Área Criminalística do Laboratório de Polícia Científica, especialmente o Setor de Inspeção Judiciária/Local do Crime (fls.7 e 8 do Processo Administrativo) e o Setor de Identificação Judiciária/Lofoscopia (fls. 9 e 10 do Processo Administrativo) detém as seguintes competências:

 

 

11.6. Em 16 de Abril de 2024 (A...), em 8 de Março de 2024 (B..., E... e C...) e em 25 de Março de 2024 (D...) dirigiram um requerimento ao Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária e vieram requerer que, nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, lhes fosse atribuído o valor mensal do suplemento de missão, calculado com base em 13% sobre a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de Diretor Nacional da PJ, e ainda que lhes fossem repostos os retroativos do referido suplemento, desde Janeiro de 2023.

11.7. Em 1 de Agosto de 2024 (A...), em 27 de Julho de 2024 (B...), em 29 de Julho de 2024 (C...), em 30 de Julho de 2024 (D...) e em 29 de Julho de 2024 (E...) apresentaram requerimento de interposição de recurso hierárquico para a Ministra a Justiça.

11.8. Tais pedidos foram indeferidos com fundamentos idênticos em 14 de Agosto de 2024 (E...), em 6 de Agosto de 2024 (A...); em 8 de Agosto de 2024 (B...), em 9 de Agosto de 2024 (C... e E...) e em 26 de Julho de 2024 (D...).

 

Factos não provados

 

12.     Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III. Do Direito

 

13.     A questão aqui apreciada não é nova na jurisprudência do CAAD, tendo sido, aliás, decidida, por exemplo, pelas sentenças proferida nos processos n.º159/2024-A[1], 73/2024-A[2], 201/2024-A[3].

 

Antes de avançarmos, importa reter e esclarecer que é jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que “os actos de processamento de remunerações, na medida em que contenham uma definição voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado, são verdadeiros actos administrativos”[4], acrescentando-se, ainda, que esses actos administrativos “se vão sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não forem objecto de oportuna impugnação ou revogação”[5].

Cumpre esclarecer, neste contexto, que se deve negar, em processos como o aqui a decidir, a possibilidade de existirsomente um reconhecimento de um determinado posicionamento salarial (e respectivo processamento)[6], desde logo, por não ser adequado formular essa pretensão “quando o direito que se pretende ver reconhecido se não encontre definido na norma administrativa com um mínimo de clareza ou precisão e careça ainda da formulação dum juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa ou apenas possa ser efetivado através de um pedido do interessado dirigido à Administração”[7].

Valem aqui as conclusões, embora no âmbito de requerimento com vista ao reconhecimento de atribuição de uma pensão, do STA quando afirma que: “[e]ndereçado à Administração, pelo interessado, um requerimento para reconhecimento do direito à reforma e à consequente atribuição de pensão, invocando o preenchimento dos requisitos legais, o meio processual próprio e adequado para reagir à recusa ou ao silêncio da Administração é a ação administrativa para obter a condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA, devendo para o efeito serem observados os prazos definidos no artigo 69º do mesmo Código”, o que sucede no presente caso[8] .

Por esse mesmo motivo, o que aqui se discute é se é há motivos para condenar a Administração à prática de um acto administrativo que deveria ter praticado e não o reconhecimento ao pagamento de um suplemento. 

De facto, não estamos perante uma situação em que norma administrativa em disputa é suficientemente clara ou precisa (o que se retira, desde logo, da (suposta) necessidade de interpretação da vinculação da Administração, v. g. a princípios constitucionais ou administrativos) para assistir razão aos autores, pelo que, pelo menos em teoria, seria sempre necessária a prática de um acto administrativo que posicione a Autora em determinado patamar salarial (atribuindo-lhes a percentagem de suplemento que pretendem).

Sucede, porém, que os demandantes apenas invocam, de um modo superficial e sem qualquer enquadramento, exceptuando no caso do princípio da legalidade, como se verá, os princípios da justiça e da razoabilidade, limitando-se a umas linhas em que os mencionam afirmando que os referidos despachos (que negaram a pretensão dos Demandantes) têm como consequência, sem desenvolver mais nenhum raciocínio, violar “igualmente, o Princípio da Legalidade, da Justiça e da Razoabilidade, previstos nos art.ºs 3.ºe 8.º do Código de Procedimento Administrativo”, sem explicar a razão que leva a tal juízo conclusivo.

De facto, e ao contrário do que deveria ter acontecido, “não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada”[9].

Em consonância, parecem ser de aceitar as conclusões do TCA Sul[10] que entendeu que: “[r]elativamente à violação de princípios, designadamente, de natureza Constitucional, suscitadas amiúde ao longo do Recurso, não poderão as mesmas assentar em afirmações meramente conclusivas, o que desde logo levará à sua desconsideração. Com efeito, por omissão de substanciação no articulado inicial e/ou nas alegações de recurso, não é de conhecer a violação de princípios, designadamente de cariz constitucional, na medida em que o Recorrente se limite a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade, sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

E se quanto ao princípio da legalidade, os Demandantes invocam que “(...) resulta, manifestamente, que o legislador, para efeitos de atribuição do suplemento de missão, atende às condições específicas de trabalho inerentes aos conteúdos funcionais desempenhados pelos trabalhadores (os quais podem, ou não corresponder às suas respetivas carreiras profissionais)”, acrescentando que: “como resulta do normativo supra, o risco inerente à natureza das funções; a insalubridade decorrente das circunstâncias ambientais ou dos meios frequentados no exercício da atividade; e a penosidade das funções”. Concluem, assim, que: “[é], assim, inequívoca a conexão estabelecida pelo normativo em causa entre um fato subjetivo – a função desempenhada – um fator objetivo – o risco que esta implica pelo trabalhador – como único fator para a atribuição do suplemento em apreço – não prevendo a Lei qualquer outro critério para a sua atribuição”.

Os Demandantes nada dizem, pelo contrário, e exceptuando as referidas linhas, quanto aos fundamentos que as leva à conclusão de que existe uma violação do princípio da justiça e da razoabilidade. Essa violação também não consegue este tribunal vislumbrar[11].

Vejamos, portanto, se assiste razão aos Demandantes no que concerne à violação do princípio da legalidade.

A norma relevante para efeitos de apuramento da violação do princípio da legalidade – no contexto de uma acção administrativa de condenação da prática ao devido – respeita ao artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de Dezembro, no qual se dispõe que: 

“O valor mensal do suplemento é determinado por referência à remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ, sendo graduado e calculado por aplicação das seguintes percentagens atendendo aos ónus e condições específicas associados às respetivas carreiras e funções:

a) Trabalhadores da carreira especial de investigação criminal, 15 %;

b) Trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, com funções de inspeção e identificação judiciária, 13 %;

c) Demais trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, 12 %;

d) Trabalhadores da carreira especial de segurança, 10 %;

e) Trabalhadores das carreiras subsistentes, 5 %”.

No caso apreciado em juízo, a questão que se coloca é a de saber se os Demandantes integram – trabalhadores da PJ – a condição de “Trabalhadores da carreira especial de polícia científica, com funções de inspeção e identificação judiciária”, auferindo, em consequência um suplemento mensal de 13%.

Dispõe, neste contexto, a Lei n.º 67/2017, de 9 de Agosto, nas alíneas f) e i) do artigo 2.º que a “identificação judiciária” corresponde ao “processo de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, visando estabelecer a identidade de determinado indivíduo” e que a “inspeção judiciária” como correspondendo às “diligências técnico-científicas levadas a cabo pelos órgãos de polícia criminal competentes, no âmbito de processo-crime, visando a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos”.

Atendendo à matéria provada, ficou claro que estas não são as funções “habituais” ou sequer “principais” – ou, se preferirmos, as funções “típicas” previstas na respectiva categoria – dos Demandantes.

Argumentam, neste contexto, os Demandantes que, para efeitos da atribuição do referido suplemento, se deve atender às “concretas funções dos demandantes”, concluindo que os Demandantes estão “sujeitos aos mesmos riscos, insalubridade e penosidade que os demais trabalhadores que, desempenhando o mesmo conteúdo funcional, muito embora em situação de inspeção aos locais de crime, se encontram a receber um suplemento calculado com base em 13%”.

Não se pode aderir a este argumento. Como bem explica a Demandada são apenas alguns dos sectores do LPC que “abarcam os atos de inspeção e identificação judiciária realizados de forma regular, em permanente contacto com locais de risco”, pelo que são o EPC que preenchem funções nestes sectores, ou na sua dependência funcional, que preenchem os requisitos para a atribuição do suplemento de missão na percentagem de 13%, ao abrigo da alínea b) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023”. Acrescentando ainda que: “[n]ote-se que, relativamente às funções de inspeção judiciária, na verdade qualquer trabalhador da PJ pode ser chamado a deslocar-se a um local do crime, sempre que o serviço assim o requer, mas em regra, são situações que ocorrem de forma esporádica, não se trata de uma atividade regular, pelo que tais atos não são passíveis de se enquadrarem no conceito de “funções de inspeção judiciária”, tal como definidas na lei”.

Conforme se admitiu na sentença do CAAD, processo n.º159/2024-A: “o Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro, veio regular a atribuição desse suplemento, definindo como objeto no seu artigo 1.º “o regime de atribuição do suplemento decorrente do regime especial de prestação de trabalho das carreiras especiais e carreiras subsistentes da Polícia Judiciária (PJ) e dos ónus inerentes ao cumprimento da sua missão, em especial o risco, a insalubridade e a penosidade que lhes estão associados, doravante «suplemento de missão de polícia judiciária”. O artigo 3.° deste diploma (Condições de atribuição e graduação do suplemento), o suplemento de missão de Polícia Judiciária é atribuído aos trabalhadores das carreiras especiais e das carreiras subsistentes da Polícia Judiciária enquanto perdurem as condições específicas de trabalho que determinam a sua atribuição ou quando aqueles trabalhadores permaneçam sujeitos aos especiais ónus e deveres estatutários, incluindo nas situações previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, na sua redação atual. O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023 estabelece o valor mensal do suplemento: “O valor mensal do suplemento é determinado por referência à remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ, sendo graduado e calculado por aplicação das seguintes percentagens atendendo aos ónus e condições específicas associados às respetivas carreiras e funções: a) Trabalhadores da carreira especial de investigação criminal, 15 %; b) Trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, com funções de inspeção e identificação judiciária, 13 %; c) Demais trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, 12%; d) Trabalhadores da carreira especial de segurança, 10 %; e) Trabalhadores das carreiras subsistentes, 5 %.”. A lei distingue, de entre os especialistas de polícia científica, os que têm funções de inspeção e identificação judiciária (aplicação de 13%), considerando o legislador que estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal, no exercício das suas funções assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados. O conteúdo funcional da categoria de EPC encontra-se previsto no quadro 2 do Anexo 1 do EPPJ, sendo que estão definidos alguns os atos de inspeção e de identificação judiciária: “Realização de atos de inspeção, em meio físico e digital e de identificação judiciária, designadamente pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios, recolha de elementos biométricos identificativos, captação e tratamento de imagem de locais, objetos e pessoas com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à Investigação criminal, sem prejuízo da sua autonomia técnica e científica”. Sendo que, a “Realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais” e a “Participação na identificação humana em catástrofes ou cenários de exceção”, são atos constantes do conteúdo funcional de EPC e, que de acordo com a Demandante os trabalhadores em causa realizam, mas não se inserem no conceito de “funções de inspeção e identificação judiciária”. Analisadas as competências das unidades onde estão colocados os associados da Demandante, podemos constatar que os mesmos não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, tal como se encontram definidas na primeira parte do Quadro 2 do Anexo 1do EPPJ”.

Por outro lado, do discurso argumentativo dos Demandantes, o que é relevante relembrar, parece retirar-se a conclusão de que existe uma identidade material entre as funções exercidas pelas Demandantes e as que devam ser qualificadas como funções de “inspeção e de identificação judiciária”. Sucede, porém, conforme decidido no Processo n.º 72/2024-A do CAAD, deve entender-se que: “é, na verdade, ao nível da previsão normativa, que as demandantes entendem existir uma injustiça, ou desigualdade, no tratamento da sua situação, nomeadamente em contraste com a situação de outros colegas de outras carreiras (e até em contraste com a situação existente até há pouco tempo atrás) e não ao nível da aplicação da lei. Mas, sendo assim, seria a própria norma o objeto da sua discussão – e eventual impugnação – mas não o ato administrativo que, aplicando corretamente a lei, não merece censura. É que, ao aplicador, o legislador não deixou margem de discricionariedade: integrando-se os trabalhadores, ou, no caso, trabalhadoras, na carreira subsistente, esse é o único critério que deverá ser atendido para a definição do valor do suplemento remuneratório. Nem, tão-pouco, permitiriam os princípios jurídicos invocados pelas demandantes chegar a conclusão diferente: a sua situação foi especificamente regulada pelo legislador, que ponderou os valores em causa, nomeadamente a despesa que poderia realizar com a atribuição deste suplemento, com a necessidade de compensar trabalhadores que exercem funções com determinados ónus e encargos, tendo chegado à conclusão que verteu no texto normativo e que o aplicador aplicou corretamente”.

É, pelos motivos invocados, de aceitar que a Demandada tem razão quando indica que: “o estrito respeito pelo princípio da legalidade condiciona a atuação da Administração em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos, pelo que a Polícia Judiciária apenas pode atuar e proceder à atribuição do suplemento de missão nos exatos termos previstos na lei. (...) O que fez, atribuindo aos Demandantes, Especialistas de Polícia Científica que não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, o suplemento de missão de acordo com a percentagem estabelecida na alínea c) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023. Os trabalhadores em apreço não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, pelo que não lhes poderia ser atribuído o suplemento de missão de 13 % nos termos do artigo 4.º, alínea b) do mencionado diploma, conforme defendem. Pelo que, a Polícia Judiciária não decidiu de forma arbitrária, antes pelo contrário, interpretou e aplicou corretamente a lei para a atribuição do suplemento de missão aos Demandantes. (...) Relativamente ao princípio da justiça tem que ser visto como sendo de aplicação muito residual, só podendo ser invocado em situações extremas, ou seja, em situações em que todo o demais ordenamento jurídico não proporciona uma resposta satisfatória. (...) E não já em situações, como é precisamente o caso, em que simplesmente se discorda dos critérios legais e da decisão da Administração em estrita conformidade com a lei”.

Acrescenta-se, a esta conclusão, que também não há razão – por se tratar de uma imposição legal – para reclamar a operatividade, no caso concreto, do princípio da razoabilidade, uma vez que este não tem aplicação.

 

IV. Decisão

 

Assim, pelos fundamentos acima expostos, decide este tribunal arbitral absolver a Demandada do pedido, considerando improcedente o pedido dos Demandantes.

 

V. Valor da causa e encargos

 

Fixa-se o valor da causa em 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) para os pedidos dos autores em coligação individualmente considerados (totalizando o valor da causa a soma total da soma dos pedidos de cada um dos autores, designadamente 30.000,01 € vezes cinco), nos termos dos artigos 32.º e ss. do CPTA e os encargos processuais nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do Reg CAAD.

 

VI. Notificação e publicidade

 

Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, após o trânsito em julgado, nos termos do disposto no artigo 185.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 5.º, n.º 3, do Reg CAAD.

 

 

Lisboa, 29 de Junho de 2025.

 

O Árbitro,

Artur Flamínio da Silva

 

 

 



[3] Disponível em (https://caad.org.pt/administrativo/decisoes/decisao.php?s_materia=&s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=Pol%C3%ADcia+judici%C3%A1ria&id=345).

Aí se decidiu que: “A lei distingue, de entre os especialistas de polícia científica, os que têm funções de inspecção e identificação judiciária (aplicação de 13%), considerando o legislador que estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal, no exercício das suas funções assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados.

O conteúdo funcional da categoria de EPC encontra-se previsto no quadro 2 do Anexo 1 do EPPJ, sendo que estão definidos alguns os actos de inspecção e de identificação judiciária:

“Realização de atos de inspecção, em meio físico e digital e de identificação judiciária, designadamente pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios, recolha de elementos biométricos identificativos, captação e tratamento de imagem de locais, objetos e pessoas com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à Investigação criminal, sem prejuízo da sua autonomia técnica e científica”.

Tal como resulta da prova produzida pelas declarações da testemunha Dr. Veríssimo Milhazes, relativamente às funções de inspecção judiciária, na verdade qualquer trabalhador da PJ pode ser chamado a deslocar-se a um local do crime, sempre que o serviço assim o requer, mas em regra, são situações que ocorrem de forma esporádica, e o pessoal da “área tecnológica”, na qual se encontram os Demandantes, não se enquadram na alínea b), mas sim c) do mencionado artigo 4.º, isto porque não só não exercem funções de identificação judiciária tal como definidas na lei, mas também porque os actos de inspecção judiciária que realizam ocorrem de forma esporádica, não se trata de uma actividade regular, pois a sua actividade regular é a actividade pericial e não de exame ao local.

Analisadas as competências da Área Criminalística do Laboratório de Polícia Científica, mais concretamente do Sector de Inspecção Judiciária/Local do Crime (ponto 4.3.1 da Instrução Permanente de Serviço n.º 2/2016) e do Sector de Identificação Judiciária/Lofoscopia (ponto 4.3.2 da referida IPS), constata-se que são estas (e aliás como o próprio nome dos Sectores indica) que abarcam os actos de inspecção e identificação judiciária, pelo que os trabalhadores da carreira especial de EPC que exercem funções de inspecção e identificação judiciária são, por regra, aqueles que se encontram integrados nestes sectores da área criminalística do LPC, ou na sua dependência funcional, conforme também resulta das declarações desta testemunha, são exatamente os EPC que exercem funções nestes sectores do LPC (sediado em Lisboa), bem como os “grupos de criminalística” que fora de Lisboa estão integrados em todas as unidades operativas, e que internamente são chamados de “pessoal da criminalística”, aqueles que exercem funções de inspecção e identificação judiciária de forma regular.

Pelo que o despacho n.º 72/2024-GADN da Polícia Judiciária veio exactamente clarificar a atribuição do Suplemento de missão da carreira de EPC, do qual decorre este entendimento, de que os trabalhadores da carreira de EPC que exercem funções de inspecção e identificação judiciária são, por regra, aqueles que se encontram integrados na área de criminalística do Laboratório de Polícia Científica.

Ao contrário do alegado pelos Demandantes, o despacho n.º 72/2024-GADN da Polícia Judiciária não viola o disposto nos artigos 33.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro, que aprova a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária, pois das competências atribuídas à Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (artigo 33.º), bem como das competências atribuídas à Unidade de Perícia Tecnológica Informática (artigo 43.º), não resulta que nestas Unidades sejam realizados actos de inspecção e identificação judiciária, tal como se encontram previstos na primeira parte do Quadro 2 do Anexo 1do EPPJ.

Tendo em conta que os Demandantes, Especialistas de Polícia Científica, não exercem funções de inspecção e identificação judiciária, não lhes poderia ser atribuído o suplemento de missão de 13% nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de Dezembro.”.

[4] Cfr., a síntese, no acórdão de 1 de Junho de 2016 do STA, processo n.º 0300/14.

[5] V. o acórdão de 6 de Dezembro de 2005 do STA, processo n.º 672/05. Reafirmando esta jurisprudência, v., mais recentemente, o acórdão de 22 de Novembro de 2011 do STA, processo n.º 0547/11.

[6] Valem aqui as conclusões, embora no âmbito de requerimento com vista ao reconhecimento de atribuição de uma pensão, do STA quando afirma que: “[e]ndereçado à Administração, pelo interessado, um requerimento para reconhecimento do direito à reforma e à consequente atribuição de pensão, invocando o preenchimento dos requisitos legais, o meio processual próprio e adequado para reagir à recusa ou ao silêncio da Administração é a ação administrativa para obter a condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA, devendo para o efeito serem observados os prazos definidos no artigo 69º do mesmo Código.” V. o sumário do Acórdão de 25 de Novembro de 2021, processo n.º 01147/16.7BEBRG.

[7] Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2021, p. 269. 

[8] V. o sumário do Acórdão de 25 de Novembro de 2021, processo n.º 01147/16.7BEBRG.

[9] Cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 1 de Março de 2019, processo n.º 02570/14.7BEBRG.

[10] Acórdão de 4 de Novembro de 2016, processo nº 00940/09.1BEVIS.

[11] De facto, não estamos perante uma situação limite que justifique qualquer invocação ou discussão em torno da aplicação do princípio da justiça (o qual configura um “princípio parametrizador (material) último do sistema”) ou se pode entender, como poderá ter sido a intenção dos Demandantes, poder recorrer ao princípio da razoabilidade para, numa situação de pura vinculação legal, afastar a norma aplicável, v. neste sentido, Artur Flamínio da Silva, Comentário ao Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 63 e ss.