DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
A... veio intentar a presente acção arbitral contra o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO I.P., pedindo: i) a declaração de nulidade ou anulação da decisão do Exmo. Senhor Dr. B..., Vogal do Demandado, de 21 de Abril de 2024; ii) a condenação do Demandado ao pagamento à Demandante do montante que foi reduzido à sua remuneração, em cerca de € 1.779,20 / mês, acrescidos dos aumentos percentuais atribuídos à remuneração da função pública em 2022, 2023 e 2024, desde Dezembro de 2021, até à prolação da sentença, perfazendo o montante global de € 69.420,00, acrescido de juros de mora à taxa legal.
A Demandante alega, no essencial que, não se verificou qualquer alteração da situação jurídica no que concerne à mobilidade e substituição que a Demandante desempenha, situação essa que se mantém a mesma desde, pelo menos, 2017.
A colocação do Conservador num serviço base distinto daquele em que anteriormente estava, em nada prejudica ou altera a situação de mobilidade que é autorizada pelo Presidente do Conselho Directivo do Demandado em face do interesse público envolvido.
Aliás, a situação fáctica é exatamente a mesma há 7 anos, não obstante a alteração da situação de base.
Durante todo o decurso do ano de 2018, tanto o Demandado, como a Demandante supunham a existência de uma mobilidade, que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 115/2008, de 21 de Dezembro não nega.
Este artigo vem estabelecer que os Adjuntos, na situação em que a Demandante se encontrava, transitariam para a carreira de conservadores, e integrariam posto de trabalho criado automaticamente no mapa de pessoal do Demandando, integrando “bolsas de conservadores de registos de âmbito distrital ou regional, e extinguem-se à medida que os conservadores que os ocupem forem sendo colocados, mediante procedimento concursal, em postos de trabalho do mapa de pessoal de serviços de registo”.
Daqui não resulta qualquer transição da Demandante para o serviço em que se encontrava, não se verificando a extinção de qualquer situação de mobilidade.
Aliás, o n.º 7 do artigo 40.º Decreto-Lei n.º 115/2008, de 21 de Dezembro vem reforçar a posição da Demandante referindo que “Os conservadores de registos que integram as bolsas distritais mantêm-se a desempenhar funções nos serviços de registo onde, à data da transição para a carreira especial de conservador de registos, prestavam serviço enquanto adjuntos de conservador, até que sejam colocados nos postos de trabalho do mapa de pessoal dos serviços de registos, nos termos dos números anteriores.”, ou seja, o legislador refere integração na bolsa e manutenção no sítio onde o conservador está colocado.
Logo, essa manutenção só se poderá fazer com recurso à figura da mobilidade, situação em que a Demandante se manteve, desde sempre.
Juntou documentos.
Regularmente citado, o Demandado apresentou Contestação.
O Demandado alega, no essencial, que com a transição para a carreira de conservadora de registos – com efeitos a 1 de Janeiro de 2018 – a Demandante passou a ocupar um posto de trabalho (criado automaticamente) na bolsa distrital de Conservadores de Lisboa, mantendo-se a exercer funções na ... Conservatória de Registo Predial de ... (onde se encontrava à data da transição); serviço de registo que – para efeitos de eventuais constituições de situações de mobilidade – passou a ser considerado como o seu serviço de origem.
Por conseguinte, cessou, com efeitos a 1 de Janeiro de 2018, a situação de mobilidade da Demandante na ... Conservatória de Registo Predial de ..., mobilidade, essa, que se havia constituído em Outubro de 2017, enquanto adjunta de conservador.
Pese embora a mobilidade da Demandante tivesse cessado por força da sua transição para a carreira de conservador de registos, facto é que aquela se manteve “agregada” àquele serviço (a ... Conservatória de Registo Predial de ...) continuando, assim, a exercer ali funções em regime de substituição.
Circunstancialismo que, na altura, motivou o entendimento de que, nos termos do disposto do n.º 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 115/2008, de 21 de Dezembro, poderia manter o direito a auferir a designada participação emolumentar de substituição.
Mas que deixou de se verificar em 1 de Novembro de 2021, por força da alteração da situação jurídico-funcional da Demandante, na sequência da celebração de contrato de trabalho em funções públicas decorrente da sua colocação na Conservatória do Registo Civil e Predial de ... .
A Demandante passou a ocupar posto de trabalho no mapa de pessoal da Conservatória do Registo Civil e Predial de ...– posto de trabalho que ainda ocupa actualmente – extinguindo-se de forma automática o posto de trabalho que a Demandante ocupava na bolsa distrital de Lisboa e a sua “agregação” à ... Conservatória de Registo Predial de ..., onde se encontrava a exercer funções.
A constituição da mobilidade da Demandante, titular do posto de trabalho de conservadora da Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., para a ... Conservatória de Registo Predial de S..., em substituição legal do conservador, com início a 1 de Novembro de 2021, não é susceptível de lhe conferir o direito a auferir qualquer acréscimo remuneratório.
Na sequência do requerimento conjunto, apresentado pelas partes, em 22 de Novembro de 2024, ao abrigo dos princípios da economia processual e da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, por despacho arbitral de 26 de Novembro de 2024, determinou-se a dispensa da realização de audiência e discussão de julgamento e que o processo prosseguisse com alegações finais.
O Demandado apresentou as suas alegações finais a 6 de Dezembro de 2024, enquanto a Demandante o fez a 9 de Dezembro 2024.
Por requerimento datado de 28 de Janeiro de 2025, a Demandante recordou este Tribunal Arbitral da Decisão proferida no âmbito do Processo n.º 395/2022-A – da qual o Demandado não recorreu –, e, bem assim, deu nota que junto do CAAD correrem termos 4 (quatro) outros processos, aí identificados, com identidade de pedido e de causa de pedir relativamente aos presentes autos.
O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 12 de Novembro de 2024, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).
II – Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade ad causam, e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.
III – Do mérito da causa
A. Questão a decidir
A questão a decidir nos presentes autos, decorrente da causa de pedir e do(s) pedido(s) formulado(s), bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e outras peças processuais resulta no âmbito da aplicabilidade e da integração da posição remuneratória da Demandante no Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.
B. Fundamentação
Passemos ao conhecimento dos pedidos formulados pela Demandante.
(i) Factualidade
Face ao alegado por ambas as partes e, bem assim, aos documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão.
a) Através do Aviso n.º 6706/2005 (2.ª série), de 14 de Julho, foi publicada a classificação e a graduação dos auditores do procedimento de ingresso na carreira de conservador e notário; nos termos da qual a Demandante obteve a classificação de suficiente e ficou graduada em 75.º lugar, passando à situação de adjunta de conservador.
b) Enquanto adjunta de conservador – e em resultado do procedimento simplificado de selecção de conservador / adjuntos de conservador para exercício de funções em regime de mobilidade / transferência, publicitado sob a referência n.º .../2016 - SPFQ(SR) ao qual se candidatou – a Demandante passou a exercer funções em substituição legal do conservador, na Conservatória dos Registos Civil, Predial e Comercial de ..., a partir de 19 de Julho de 2016.
c) Enquanto adjunta de conservador – e em resultado do procedimento simplificado de selecção de conservador / notário / adjunto de conservador para exercício de funções em regime de mobilidade – Referência n.º .../2017 - SPFQ(SR), ao qual se candidatou – a Demandante passou a exercer funções em regime de mobilidade em substituição legal na ... Conservatória do Registo Predial de ..., com início a 23 de Outubro de 2017 pelo período de 18 meses (cfr. Documento n.º 1, junto com a Contestação).
d) A situação da mobilidade da Demandante em substituição legal na ... Conservatória do Registo Predial de ... foi prorrogada, por Despacho de 20 de Dezembro de 2018 do Director do Departamento de Recursos Humanos, no exercício de poderes subdelegados, até 31 de Dezembro de 2019, “salvo se ocorrerem motivos que determinem a sua prévia cessação” (cfr. Documento n.º 2, junto com a Contestação).
e) Por força da aplicação do disposto n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro, a Demandante transitou para a carreira e categoria de conservador de registos, com efeitos a 1 de Janeiro de 2018.
f) A situação dos adjuntos de conservador e os efeitos decorrentes da sua a transição para a carreira de conservador de registos, com efeitos a 1 de Janeiro de 2018 foi analisada nos termos constantes da informação 274/DRH/2019, cujo teor mereceu a concordância do Conselho Directivo do IRN, I.P., mediante deliberação, exarada na citada informação, em 18 de Fevereiro de 2019 (cfr. Documento n.º 3, junto com a Contestação).
g) Nos termos da referida deliberação a Demandante passou a integrar a bolsa distrital de Lisboa e a exercer funções a ... Conservatória de Registo Predial de ... – cessando a mobilidade previamente constituída para exercício de funções naquele mesmo serviço – (cfr. Documento n.º 3, junto com a Contestação).
h) Por e-mail de 20 de Fevereiro de 2019, a Demandante foi notificada para, querendo, se pronunciar por escrito sobre a proposta de decisão e respectivos fundamentos (cfr. Documento n.º 4, junto com a Contestação).
i) Decorrido o prazo legal (artigo 122.º, n.º 1 do CPA), a Demandante nada veio dizer sobre o teor da aludida proposta de decisão.
j) Nessa sequência e, nos termos da Deliberação de 15 de Julho de 2019 do Conselho Directivo do IRN, I.P., exarada na informação n.º .../DRH/2019, a Demandante transitou para a carreira de conservadora de registos, com efeitos a 1 de Janeiro de 2018, tendo passado a ocupar um posto de trabalho na bolsa distrital de Conservadores de Lisboa e a exercer funções na ... Conservatória de Registo Predial de ... – e cessando a sua situação de mobilidade no mesmo serviço de registo (cfr. Documento n.º 5, junto com a Contestação).
k) Essa decisão (final) foi notificada à Demandante, por e-mail, em 16 de Julho de 2019 (cfr. Documento n.º 6, junto com a Contestação).
l) Por e-mail de 30.01.2020, a Demandante foi notificada de que, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro e nos termos da Deliberação de 20 de Outubro de 2020 do Conselho Directivo do IRN, I.P., transitou para a nova tabela remuneratória com a remuneração base de € 2.608,92 (cfr. Documento n.º 7, junto com a Contestação).
m) No âmbito do procedimento concursal para a ocupação de 150 postos de trabalho, na carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, circunscrito a trabalhadores já integrados na mesma carreira publicitado pelo aviso – Referência .../2019-DRH/SPFQ (CR), a Demandante obteve colocação no posto de referente à Conservatória do Registo Civil e Predial de ....
n) Atenta a modificação da situação jurídico funcional da Demandante, motivada pela ocupação de posto de trabalho, foi celebrado a 13 de Outubro de 2021 contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, passando, consequentemente, a Demandante a ocupar posto de trabalho no mapa de pessoal da Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., desde 1 de Novembro de 2021 – posto de trabalho que ainda ocupa actualmente (cfr. Documento n.º 8, junto com a Contestação).
o) Foi fixada à Demandante a remuneração base de € 3.418,27, remuneração que tem vindo a receber desde 1 de Novembro de 2021, data de produção de efeitos do mencionado contrato de trabalho em funções públicas.
p) Na sequência da colocação na Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., por e-mail de 12 de Outubro de 2021, a Demandante manifestou, junto do Demandado, interesse em continuar a desempenhar funções na ... Conservatória de Registo Predial de ..., tendo acrescentado que o referido serviço se localiza “no segundo concelho mais populoso do país onde diariamente a procura é muito elevada e onde os recursos humanos estão muito desfalcados” (cfr. Documento n.º 9, junto com a Contestação).
q) Essa manifestação de interesse da Demandante foi objecto de análise e parecer do Centro de Operações de Registo de 20 de Outubro de 2021, do qual, se extrai:
“2. Conservatória do Registo Civil e Predial de ...:
Lic. A..., pertencente à bolsa distrital/regional de Lisboa e, em exercício de funções na ... Conservatória do registo Predial de ... .
A Senhora Conservadora acima identificada veio manifestar o seu interesse em continuar a desempenhar funções na ... CRP ..., serviço este de 1ª classe que disponibiliza também, além da especialidade, BHDP, CP, CC e PEP e localiza-se no segundo concelho mais populoso do país, com uma procura elevada e nos recursos humanos são diminutos, (…)
o Senhor Inspetor de SIADAP que acompanha a ... CRP de ... pronunciou-se favoravelmente quanto ao solicitado, atenta a gestão que tem sido efetuada perante todos os constrangimentos de recursos humanos e logísticos com que o serviço se tem deparado e os quais têm obtido uma resposta importante, por parte da Senhora Conservadora, para o funcionamento do serviço.
Com efeito, a ... CRP de ... é um serviço de 1ª classe com uma levada dimensão e volume de serviço inerente a uma conservatória com essa classificação, encontrando-se o mesmo inserido na Área Metropolitana de Lisboa.
Por outro lado, a CRCP do ... é um serviço de 2ª classe, no qual exercem funções cinco Oficiais que, no corrente ano, não tem revelado atrasos de serviço, sendo que a substituição se encontra, nos termos da tabela anexa ao Despacho nº 22/CD/2019, assegurada pela Senhora Conservadora da CRCP do ... .
(…) propomos a mobilidade da indicada trabalhadora, Lic. A... na ... CRP de ... por um período de seis meses a contar da data de produção de efeitos em funções públicas por tempo indeterminado (…)
Considerando que no âmbito do procedimento concursal com a Refª 1/2021 DRH não foram abertos lugares para a ... CRP de ... e por forma a promover a igualdade de oportunidades entre os trabalhadores, parece-nos de propor a abertura de procedimento de mobilidade para um lugar de Conservador de Registos na ... CRP de ..., podendo a citada trabalhadora habilitar-se ao mesmo, caso assim o entenda.”.
r) O parecer mereceu concordância da Presidente do Conselho Directivo do IRN, I.P., por Despacho de 22 de Outubro de 2021, e foi autorizado o exercício de funções em regime de mobilidade da Demandante, na ... Conservatória de Registo Predial de ..., pelo período de seis meses, com início a 1 de Novembro de 2021 (cfr. Documento n.º 9, junto com a Contestação).
s) A Demandante foi notificada da constituição da referida mobilidade, em 25 de Outubro de 2021, através de correio electrónico (cfr. Documento n.º 4, junto com a PI).
t) Em 8 de Novembro de 2021, a Demandante veio solicitar cópia do parecer da DGAEP que fundamentava a despacho da Presidente do Conselho Directivo do IRN, I.P. de não pagamento do acréscimo remuneratório de substituição com a assinatura do contrato de trabalho; documento, esse, que lhe foi remetido por e-mail de 21 de Dezembro de 2021 (cfr. Documento n.º 10, junto com a Contestação).
u) Por e-mail de 5 de Abril de 2022, veio a Demandante manifestar – novamente – o seu interesse em continuar a desempenhar funções na ... Conservatória de Registo Predial de ..., reiterando os fundamentos anteriormente apresentados.
v) Por Despacho da Senhora Directora do Departamento de Recursos Humanos, no exercício de poderes subdelegados, de 20 de Abril de 2022, foi prorrogada a mobilidade da Demandante naquela Conservatória até 31 de Outubro de 2022 (cfr. Documento n.º 11, junto com a Contestação).
w) Esse despacho foi notificado à Demandante, por e-mail, em 27 de Abril de 2022 (cfr. Documento n.º 5, junto com a PI).
x) A situação de mobilidade da Demandante foi, ainda, objecto das seguintes prorrogações:
- Até 30 de Abril de 2023, por Despacho de 31 de Outubro de 2022, da Senhora Directora do Departamento de Recursos Humanos, no exercício de poderes subdelegados;
- Até 31 de Dezembro de 2023, por Despacho de 31 de Março de 2023, da Senhora Directora do Departamento de Recursos Humanos, no exercício de poderes subdelegados;
- Até 31 de Dezembro de 2024, por Despacho de 21 de Dezembro de 2023, do Senhor Coordenador do Sector de Planeamento de Recursos Humanos, no exercício de poderes subdelegados.
y) Em 21 de Novembro de 2023, a Demandante dirigiu um requerimento ao Demandado, através do qual peticionava a reposição de valores não processados desde Novembro de 2021, fundamentando esse pedido nos seguintes termos:
“Desde 23 de outubro de 2017 que a ora signatária exerce funções na ... Conservatória do Registo Predial de ... em regime de mobilidade (…) No entanto, a partir de novembro de 2021 deixou de lhe ser processado no seu vencimento o acréscimo remuneratório respeitante à diferença do vencimento de exercício, correspondente ao lugar do conservador titular da Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., acréscimo, esse, devido pelo exercício de funções em substituição legal na Conservatória onde se encontra. (…) mantendo-se as funções exercidas pela signatária, interruptamente, de 23 de outubro de 2017 até ao dia de hoje, venho solicitar a V. Exa. a reposição dos valores não processados desde novembro/2021.”
z) O pedido em apreço foi objecto de análise e, por Despacho do Vogal do Conselho Directivo de 11 de Dezembro de 2023, foi determinada a realização de audiência prévia da Demandante (cfr. fls. 2 a 31 do Processo Instrutor).
aa) Através de e-mail de 11 de Dezembro de 2023, a Demandante foi notificada, para, querendo, se pronunciar por escrito sobre o teor da referida proposta de decisão (cfr. fls. 34 do Processo Instrutor).
bb) Por e-mail de 22 de Dezembro de 2023, a Demandante veio pronunciar-se em sede de audiência prévia, invocando, designadamente, que:
“Desde 23 de outubro de 2017 que a ora Requerente exerce ininterruptamente funções na ... Conservatória do Registo Predial de ... em regime de mobilidade
(…) A interpretação das normas aplicáveis que constam do parecer anexo ao projeto de decisão administrativa não cumprem os princípios e normas que obrigam a atuação da Administração Pública, não sendo aquela interpretação a mais razoável no caso da Requerente, pelo que se encontram preteridos os princípios da justiça e da razoabilidade (vd. art.º 8.º CPA e art.º 266.º n.° 2 CRP).
12. Em face do exposto, é nosso modesto entendimento que a interpretação jurídica das normas aplicáveis mais compatível com os princípios veiculados nos artigos 8.º do CPA e 266.º n.º 2 da CRP que devem balizar a conduta de toda a Administração e do Instituto dos Registos e do Notariado, resultará na obrigatoriedade de proceder ao pagamento do acréscimo remuneratório pela manutenção do exercício de funções em regime de mobilidade nos termos peticionados pela Requerente, sendo certo que, qualquer outro entendimento sempre será ilegal, injusto e inconstitucional.” (cfr. Documento n.º 15, junto com a PI).
cc) Por Despacho do Vogal do Conselho Directivo de 21 de Abril 2024, foi indeferido o pedido da Demandante, salientando-se da respectiva fundamentação o seguinte:
“4. Para todos os efeitos legais existiu uma alteração de situação jurídica e uma alteração da conservatória de origem, mesmo não existindo uma alteração da conservatória destino.
5. A subsistência da figura da mobilidade é pacificamente aceite como decorrente da manutenção da situação anterior, pelo que se altera uma das situações de base é forçoso concluir que deixa de subsistir a mobilidade e é necessário realizar uma nova.
6. Tal foi o que sucedeu. E assim sendo deixaram poder ser aplicadas normas transitórias que previam a manutenção da possibilidade de pagamento dos montantes em questão (artigo 11.º, 1, Decreto-lei n.º 145/2019.”.
dd) Essa decisão foi notificada à Demandante por e-mail de 21 de Abril de 2024 (cfr. fls. 76 do Processo Instrutor).
Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a PI, com a Contestação e não impugnados.
(ii) Do Direito
As carreiras de regime especial dos trabalhadores dos registos – na qual se integra a Demandante, enquanto conservadora de registos – foram objecto de revisão através do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro, que entrou em vigor a 26 de Dezembro de 2018 – com produção de efeitos a 1 de Janeiro de 2018, nos termos do seu artigo 49.º – e do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, que entrou em vigor a 28 de Setembro de 2019 – com produção de efeitos a 1 de Janeiro de 2020.
Essa revisão introduziu profundas alterações nas carreiras especiais de registos, designadamente, em matéria de:
a) estrutura das carreiras: onde se por um lado operou a revisão, adaptação e concentração, num único diploma, da legislação reguladora das carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado, convergindo as mesmas para duas carreiras novas: a de conservador de registos e a de oficial de registos, por outro, passou-se a sujeitar os conservadores e os oficiais de registos às regras da mobilidade previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e ao regime jurídico do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública, ainda que com as necessárias especificidades e adaptações; e
b) estatuto remuneratório: com a concentração, num único diploma, do respetivo regime remuneratório, caraterizado fundamentalmente por uma atualização do conceito de remuneração base assente na eliminação da divisão entre vencimento da categoria e vencimento de exercício, que caraterizava o regime anterior.
À luz do enquadramento legal anterior, a remuneração base mensal dos conservadores de registos era, nos termos do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro, constituída por duas componentes:
a) uma parte fixa designada por vencimento de categoria; e
b) uma parte variável, designada por vencimento de exercício ou participação emolumentar – cfr. artigo 61.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro – cujo montante era inicialmente calculado sobre a receita global líquida do serviço, tendo passado em 1 de Janeiro de 2002[1], a corresponder a um valor tendencialmente fixo, por ter como referência a média aritmética da participação emolumentar apurada em cada serviço, de Janeiro a Outubro de 2001.
Assim, antes da aludida revisão, em regra, o valor da componente referente ao vencimento de exercício variava de serviço para serviço, consoante o concreto posto de trabalho que ocupassem e/ou viessem a ocupar – o que, consequentemente, se refletia na remuneração base auferida pelos conservadores.
Com a alteração operada pelos referidos normativos, a remuneração base destes trabalhadores passou a ser constituída pelo montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na carreira e/ou categoria de que é titular.
– cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro – independentemente do serviço origem e/ou do serviço de exercício efectivo de funções.
No que respeita ao exercício de funções em regime de substituição, constata-se que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro, em caso de vacatura do lugar, licença ou impedimento do conservador titular de uma conservatória, que se presumisse superior a 30 dias, a sua substituição era assegurada nos termos previstos no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro, com os efeitos remuneratórios previstos no artigo 56.º do mesmo diploma legal, que prevê no seu n.º 1 “Sempre que se verifique a substituição do conservador ou notário nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 26.º, o substituto tem direito (…)”.
No entanto, com o novo regime, o referido artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro foi objecto de revogação expressa (cfr. artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro) e a matéria da substituição de conservador passou a ser regulada pelo disposto no artigo 10.º daquele diploma; e, por seu lado, o exercício de funções em regime de mobilidade, passou a constar do artigo 33.º do mesmo diploma legal, que estabeleceu a sujeição dos conservadores e os oficiais de registos às regras de mobilidade previstas na LTFP, com as especificidades previstas no mesmo artigo.
Ao regular a transição dos adjuntos de conservador para a carreira de conservador de registos, o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro, determinou que aqueles passariam a integram bolsas distritais ou regionais, ocupando postos de trabalho criados automaticamente e que se extinguiriam à medida que quem os ocupasse passasse a ocupar posto de trabalho na sequência de procedimento concursal.
Tendo deixado de existir a situação jurídico-funcional de adjunto de conservador.
Com a aludida transição para a carreira de conservadora de registos – com efeitos a 1 de Janeiro de 2018 – a Demandante passou a ocupar um posto de trabalho (criado automaticamente) na bolsa distrital de Conservadores de Lisboa, mantendo-se a exercer funções na ... Conservatória de Registo Predial de ... (onde se encontrava à data da transição); serviço de registo que – para efeitos de eventuais constituições de situações de mobilidade – passou a ser considerado como o seu serviço de origem.
Por conseguinte, cessou, com efeitos a 1 de Janeiro de 2018, a situação de mobilidade da Demandante na ... Conservatória de Registo Predial de..., mobilidade, essa, que se havia constituído em Outubro de 2017, enquanto adjunta de conservador.
Ora, o n.º 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro estabelece que “os atuais adjuntos de conservador que, nos termos do artigo 41.º, transitem para lugar de conservador de registos, e que não se encontrem em regime de substituição, têm direito a auferir o vencimento da categoria correspondente ao 1.º escalão remuneratório da carreira de conservador de 3.ª classe e o vencimento de exercício de igual montante.”.
O Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro (entrou em vigor em 28 de Setembro de 2019 e iniciou a sua produção de efeitos em 1 de Janeiro de 2020), e em cujo preâmbulo se refere que:
“Das alterações promovidas pelo presente decreto-lei destacam-se: a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios; a transição dos trabalhadores para a nova tabela retributiva garantindo o princípio do não retrocesso salarial; e a previsão da remuneração mensal a abonar ao candidato à carreira de conservador de registos que frequente o curso de formação inicial específica correspondente.”.
Com efeito, a transição para a nova tabela remuneratória, efectuada nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro determinou a reposição dos trabalhadores na posição remuneratória a que correspondia o nível remuneratório cujo montante pecuniário fosse equivalente à remuneração base a que tinham direito na data de entrada em vigor do mesmo diploma – ou seja, a 28 de Setembro de 2019; o que deixa patente a preocupação do legislador em garantir o respeito pelo princípio do não retrocesso salarial, bem como a consagração de situações transitórias como forma de proteção das expectativas legítimas.
No artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, o legislador cuidou de salvaguardar a manutenção do direito à respetiva remuneração aos trabalhadores que, à data da sua entrada em vigor, se encontrassem a exercer funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação (caso esta fosse superior à que resultaria do reposicionamento operado pela transição para a nova tabela remuneratória), prevendo no n.º 2 do mesmo artigo, a forma de determinação da remuneração desses mesmos trabalhadores (e tão só desses) enquanto não for revista a lei orgânica dos serviços de registo.
A consagração de forma expressa desse carácter transitório, limitando a sua aplicabilidade às situações existentes aquando da sua entrada em vigor e enquanto se mantivessem, enquadra-se no objectivo prosseguido pelo mesmo diploma – Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro – com a revisão, adaptação e actualização da componente do estatuto remuneratório das carreiras especiais.
É incontornável que a remissão que é feita no n.º 2 do artigo 11.º se reporta, exclusivamente, à remuneração prevista no seu número anterior (situação existentes / constituídas antes da sua entrada em vigor) e que o intuito do legislador com o estatuído neste preceito é, apenas, o de estabelecer a forma de determinar aquela remuneração e não o de perpetuar um regime que veio alterar.
Caso o legislador pretendesse que o disposto no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro fosse (também) aplicável a situações de mobilidade em substituição ou acumulação constituídas após a sua entrada em vigor, tê-lo-ia dito expressamente; o que não sucedeu.
O legislador também não consagrou qualquer norma que reconheça o eventual direito dos trabalhadores em situação de substituição legal constituída (ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro) a partir de 1 de Janeiro de 2020 a auferir um acréscimo remuneratório por força dessa circunstância, pelo contrário, o normativo em causa veio precisamente abolir a componente variável da remuneração base cujo valor dependia do serviço origem e/ou do serviço de exercício efectivo de funções.
Tão-pouco poderá a Demandante pretender fundamentar a sua pretensão com base nos argumentos subjacentes à decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 395/2022-A, porquanto aquilo que a Demandnte pretende não é manter um “acréscimo remuneratório” que já vinha auferindo aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, mas, antes, ver constituído (ex novo) – no actual enquadramento jurídico – um direito que deixou, claramente, de ser reconhecido: o direito a auferir um acréscimo remuneratório por força do exercício de funções em regime de substituição.
Desde logo, porque a Demandante não se encontrava a exercer funções em regime de mobilidade, nem à data de entrada em vigor (28 de Setembro de 2019), nem à data de produção de efeitos (1 de Janeiro de 2020) do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.
Sem prejuízo, e pese embora a mobilidade da Demandante tivesse cessado por força da sua transição para a carreira de conservador de registos, facto é que aquela se manteve “agregada” àquele serviço (a ... Conservatória de Registo Predial de ...) continuando, assim, a exercer ali funções em regime de substituição.
Circunstancialismo que, motivou o entendimento de que, nos termos do disposto do n.º 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro, poderia manter o direito a auferir a designada participação emolumentar de substituição.
Mas que deixou de se verificar em 1 de Novembro de 2021, por força da alteração da situação jurídico-funcional da Demandante., na sequência da celebração de contrato de trabalho em funções públicas decorrente da sua colocação na Conservatória do Registo Civil e Predial de... .
A Demandante passou a ocupar posto de trabalho no mapa de pessoal da Conservatória do Registo Civil e Predial de ...– posto de trabalho que ainda ocupa actualmente – extinguindo-se de forma automática o posto de trabalho que a Demandante ocupava na bolsa distrital de Lisboa e a sua “agregação” à ... Conservatória de Registo Predial de..., onde se encontrava a exercer funções.
Acresce que foi a própria Demandante quem, na sequência da sua colocação na Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., por sua iniciativa (e de livre vontade), veio manifestar o seu interesse em continuar a desempenhar funções na ... Conservatória de Registo Predial de ...; sendo que, ponderado o interesse público na perspectiva de ambos os serviços – de origem (...) e destino (...) – foi autorizada a constituição da sua mobilidade da Conservatória do Registo Civil e Predial de ... para a ... Conservatória de Registo Predial de ..., com início a 1 de Novembro de 2021.
É, pois, incontornável que o Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro e o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro já se encontravam em vigor e a produzir efeitos à data da constituição da mobilidade da Demandante; pelo que, naturalmente, só poderia ser este (e não outro) o regime jurídico aplicável ao caso em apreço.
Parece resultar claro que, no caso em apreço, não se verificou aqui qualquer “retrocesso salarial”, pelo contrário, pois a Demandante viu a sua remuneração base aumentada; sendo certo que o facto de, com a cessação da sua situação de jurídico-funcional anterior, ter deixado de lhe ser reconhecido o direito a aferir um suplemento remuneratório que deixou de ter cobertura e fundamento legal não consubstancia qualquer espécie de violação do princípio do não retrocesso salarial, porquanto esse acréscimo nunca integrou a sua remuneração base.
É patente que a constituição da mobilidade da Demandante, titular do posto de trabalho de conservadora da Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., para a ... Conservatória de Registo Predial de ..., em substituição legal do conservador, com início a 1 de Novembro de 2021, não é susceptível de lhe conferir o direito a auferir qualquer acréscimo.
Porquanto, não se encontra previsto qualquer direito acréscimo a esse remuneratório (participação emolumentar de substituição) no regime actual.
Nos termos do exposto improcedem todos os pedidos da Demandante.
IV – Decisão
Atendendo aos factos provados e subsumidos os mesmos ao Direito vigente, decido julgar a presente acção improcedente.
Fixa-se à causa o valor de € 69.420,00 (valor indicado pela Demandante na PI). A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. Os encargos são suportados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.
Registe, notifique e publique.
CAAD, 9 de Abril de 2025
O Árbitro
(Hélder Filipe Faustino)
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Cfr., Portaria n.º 1448/2001, de 22 de Dezembro.