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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A autora, A..., solteira, titular do cartão de cidadão n.º..., válido até 3/08/2031, com o NIF ..., Conservadora de registos, residente na Rua ..., n.º ..., freguesia e concelho de ..., representada por ..., advogado com a cédula profissional n.º..., NIF 1 ..., com domicílio profissional em Rua ..., n.º ..., ..., ... - ... ..., apresentou petição inicial nos termos do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, RegCAAD) contra a seguinte entidade pública, demandada, Instituto dos Registos e do Notariado, I.P, com número fiscal e de identificação de pessoa colectiva 508148258, com sede na Av. D. João II, n.º 1.0801 D, Edifício H, Campus da Justiça, 1990-097 Lisboa, representada por ... (NIF...), ... (NIF:..), ... (NIF: ...) e ... (NIF:...), todos com domicílio profissional na Avenida D. João II, nº 1.8.01D, Edifício H, 7º Piso, Parque das Nações, 1990-097 Lisboa.
2. O pedido da demandante reconduz-se à impugnação (anulação) do acto administrativo, praticado na sequência do despacho do Vice-Presidente do Conselho Directivo, o qual foi assinado em 5 de Julho de 2024, de atribuição, no âmbito da avaliação de desempenho em sede de SIADAP, da menção quantitativa de 4,840 valores e da menção qualitativa de desempenho de “relevante”.
3. Nos termos do Reg CAAD, foi o signatário designado como árbitro para o processo pelo Conselho Deontológico do CAAD, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação do mesmo árbitro, em 19 de Dezembro de 2024.
4. Em 20 de Dezembro de 2024, proferiu o árbitro o despacho n.º 1, no qual se dispunha que: (i) “cumpre notificar a demandada para a existência da obrigatoriedade de constituir mandatário ou nomear solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, nos termos do n.º 1, do artigo 11.º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), podendo, além, disso ser representada pelo Ministério Público. Assim sendo, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o artigo 181.º, nº 1, do CPTA, com o artigo 6.º, n.º 3.º, do Estatuto do Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como os artigos 5.º, 26.º, n.º 2 e 27.º, n.º 2 do RegCAAD e, atendendo ao facto do valor da acção ascender a 30.000,01, €, solicita-se, nos termos do disposto do artigo 41.º do CPC, que a demandada indique o respectivo mandatário, determine a nomeação de solicitador, licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico”; (ii) “[a]tendendo à imposição legal de constituir mandatário ou nomear solicitador, licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, permite-se que a demandada possa ainda apresentar a contestação à petição inicial apresentado pelo autor. Em consequência, deverá, nos termos do n.º 2, do artigo 12.º RegCAAD, dar-se conhecimento que: “[a] contestação é remetida ao CAAD preferencialmente por via eletrónica, acompanhada do comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem”. De facto, nos termos do disposto do n.º 5, do artigo 29.º do RegCAAD, “[n]as arbitragens que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público não há lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, pagando-se em função do valor fixado nas tabelas de encargos processuais”.
5. Em 2 de Janeiro de 2025, vem a demandante apresentar um requerimento solicitando: (i) a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; (ii) a condenação da demandada na totalidade das custas.
6. Em 17 de Janeiro de 2025, a demandada remeteu despacho de nomeação de representante, a contestação, o processo instrutor e o comprovativo do pagamento de encargos processuais.
II. Saneamento
7. O tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. A presente acção é tempestiva. O valor da causa é fixado em 30.000,01€, nos termos do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
III. Da Decisão
1. Dos Factos Factos provados
8. A demandante foi classificada, no âmbito da avaliação de desempenho em sede de SIADAP, com 4,840 valores no que concerne a uma menção quantitativa e com a menção qualitativa de desempenho de “relevante”, na sequência de despacho do Vice-Presidente do Conselho Directivo, o qual foi assinado a 5 de Julho de 2024.
9. Em 4 de Dezembro de 2024, o Conselho Directivo, na sequência de reclamação da demandada, revogou parcialmente a decisão anteriormente referida e atribuiu à demandante a menção qualitativa de desempenho de “excelente”.
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
2. Do Direito
10. Há, no contexto descrito anteriormente, razões que justificam a extinção da instância por estar em causa a inutilidade superveniente da lide1. Na verdade, com a alteração (e consequência revogação parcial da decisão administrativa impugnada) da avaliação final da demandante para uma menção qualitativa de desempenho de “excelente” deixa de existir interesse e utilidade de uma pronúncia no âmbito do pedido que é dirigido a este tribunal. Deve, portanto, considerar-se a presente instância extinta. As partes também não discordam deste entendimento.
11. A questão em disputa, em virtude do requerimento dirigido pelo demandante e pela pronúncia do demandado, é, pelo contrário, a de saber quem será responsável pelo pagamento dos encargos processuais.
Argumenta o demandante que, atendendo ao facto de a demandada ter “dado causa à acção”, seria de aplicar o artigo 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Sucede, porém, que não tem razão.
A arbitragem não se compadece com uma aplicação imediata (sempre e em qualquer circunstância) das soluções que constem nas normas jurídico-processuais que são aplicáveis aos tribunais estaduais2. Com efeito, uma das consequências da celebração de uma convenção de arbitragem pelas partes é a possibilidade de escolha, desde logo, com uma maior flexibilidade das regras (desde que essa escolha não contrarie as normas imperativas) que regulam o processo arbitral e, no caso que nos importa, não esteja em causa uma especificidade decorrente de estarmos perante um litígio de Direito Administrativo. Por esse mesmo motivo, no artigo 181.º, n.º 1, do CPTA, se afirma que: “[o] tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem voluntária, com as devidas adaptações”3.
1 V., a título de exemplo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Janeiro de 2013, processo n.º 01208/12, no qual se afirma que: “[a] inutilidade superveniente da lide ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância”.
2 Sem prejuízo de se usarem conceitos que são naturalmente importados do domínio jurídico-processual.
3 Com referências, sobre a especificidade da arbitragem de Direito Administrativo, v. ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, “A “Arbitragem Administrativa”: um conceito de geometria variável”, in Estudos de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 133 e ss.
12. Neste sentido, e por não se poder deixar de mencionar que o presente litígio se encontra submetido a arbitragem institucionalizada (do Centro de Arbitragem Administrativa), deve concomitantemente admitir-se que é aplicável o artigo 6.º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), no qual se dispõe que: “[t]odas as referências feitas na presente lei ao estipulado na convenção de arbitragem ou ao acordo entre as partes abrangem não apenas o que as partes aí regulem directamente, mas também o disposto em regulamentos de arbitragem para os quais as partes hajam remetido”4.
13. Não havendo, portanto, uma regra relativa à arbitragem de Direito Administrativo no CPTA que regule os encargos com o processo arbitral – e por o n.º 5, do artigo 42.º da LAV permitir que as partes possam convencionar uma solução –, deve entender-se que, para o caso em disputa, a resposta que se encontra no regulamento do centro de arbitragem escolhido pelas partes, no caso concreto o RegCAAD, é a aplicável.
De facto, nos termos do n.º 1, do artigo 26.º do RegCAAD, “[o] tribunal decide a causa segundo o direito constituído”, aditando o n.º 2 que: “[a]s questões processuais suscitadas pela aplicação do presente Regulamento são decididas de acordo com o princípio da livre condução do processo pelo tribunal, dependendo ainda a aplicação de quaisquer normas subsidiárias da respetiva conformação com os princípios consagrados no artigo 5.º”.
14. Finalmente, e sem margem para dúvidas, estabelece o n.º 5, do artigo 29.º do RegCAAD que: “[n]as arbitragens que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público não há lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, pagando-se em função do valor fixado nas tabelas de encargos processuais”. Tal significa que, por parte do árbitro, não há lugar a fixar um critério de repartição de encargos processuais, visto que, ao escolherem o CAAD, as partes optaram por uma tal solução: os encargos processuais são determinados de acordo com o valor fixado nas tabelas de encargos da arbitragem administrativa do CAAD. Respeitando-se, assim, a vontade das partes, conclui-se que o valor a pagar por cada uma das partes é o que se encontra fixado nas tabelas de encargos processuais.
IV. Decisão
Assim, pelos fundamentos acima expostos, decide este tribunal arbitral:
a) Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
b) Condenar as partes ao pagamento das custas do processo, nos termos do disposto do artigo 29.º, n.º 5, do RegCAAD.
V. Valor da causa e encargos
4 Sobre este problema, com desenvolvimentos, v. ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, “A “manifestação expressa” na remissão para regulamentos de centros de arbitragem e o recurso na Arbitragem de Direito Administrativo: a propósito de uma inversão jurisprudencial recente”, in Estudos de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 181 e ss.
Fixa-se o valor da causa em 30.000, 01€ (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do artigo 34.º do CPTA e os encargos processuais nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do Reg CAAD.
VI. Notificação e publicidade
Notifiquem-se as partes e promova-se publicitação da decisão nos termos legais e regulamentares.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2025,
O árbitro, Artur Flamínio da Silva
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