SUMÁRIO:
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 138/2019, de 13 de setembro, que procede à revogação do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09 de novembro, a partir de 01-01-2020, não existe enquadramento legal que permita o ingresso na carreira de especialista superior, por via da mobilidade intercarreiras.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS FUNCIONÁRIOS TÉCNICOS, ADMINISTRATIVOS, AUXILIARES E OPERÁRIOS DA POLÍCIA JUDICIÁRIA, também reconhecida pela abreviatura de ASFTAO-PJ, pessoa coletiva nº 501731253, com sede na Rua Gomes Freire, n.º 174, 1150-007 Lisboa,
Em representação de 02 (duas) associadas que identifica como sendo:
1 –A..., funcionária da Polícia Judiciária com o n.º..., contribuinte fiscal n...., titular do cartão de cidadão n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... ...,
2 – B..., funcionária da Polícia Judiciária com o n.º ..., contribuinte fiscal n.º ..., titular do cartão de cidadão n.º..., residente na Rua ..., n.º ...– ..., ...-... ...,
Veio demandar o
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, pessoa coletiva n.º 600017613, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa,
1.1.Do pedido
A Demandante peticiona a condenação do Demandado a:
“a) Praticar o acto administrativo de consolidação da mobilidade das associadas aqui representadas pela Demandante na Carreira de Especialista Superior.
b) Pagar às associadas aqui representadas pelo Demandante o valor correspondente à diferença entre o estatuto remuneratório inerente à Carreira de Especialista Superior e o estatuto remuneratório inerente à Carreira de Especialista, desde o dia 1 de Agosto de 2023 até a consolidação do seu provimento na carreira de Especialista Superior.
c) Pagar às associadas aqui representadas pela Demandante os juros moratórios vencidos e vincendos à taxa legal supletiva, sobre o valor referido em b), desde o dia 1 de Agosto de 2023 até efectivo e integral pagamento.”
1.2.Tramitação processual
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 17-07-2024, com a aceitação do encargo por parte da árbitra signatária (que integra a lista de árbitros do CAAD, em matéria administrativa) e da sua notificação às partes (artigo 17.º do NRAA).
Regularmente citado, o Demandado contestou, por impugnação, sustentando a improcedência da ação e sua consequente absolvição do pedido.
O Demandado aceitou os documentos juntos com a petição inicial e não juntou o processo administrativo, por considerar que o mesmo é, essencialmente, composto pelos documentos juntos pela Demandante, no seu petitório, e para os quais remete.
Opõe-se à produção de prova por declarações de parte, requerida pela Demandante, pois, no seu entender, a prova documental é suficiente para a boa decisão da causa.
Nos termos do artigo 18.º do NRAA do CAAD, foi proferido o Despacho de 24-07-2024, nos termos do qual foi concedido às partes o prazo simultâneo de 20 dias, para apresentação de alegações escritas.
Ambas as partes produziram alegações escritas. Além de repetirem, essencialmente, o alegado nos articulados anteriores, veio a Demandante suscitar o incumprimento do ónus de impugnação especificada, por parte do Demandado na sua contestação, de onde dimana, segundo defende, considerar-se provados, por admissão, todos os factos alegados na petição inicial.
2. SANEAMENTO DO PROCESSO
Este Tribunal Arbitral é competente, o que é reconhecido pelas Partes.
As Partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade processual, encontram-se devidamente representadas por mandatário regularmente constituído.
Considerando o valor da presente ação e o seu objeto, a mesma integra-se no âmbito da referida vinculação do Ministério da Justiça à jurisdição do CAAD, sendo este Tribunal Arbitral competente para o julgamento da mesma.
As associadas da Demandante integram a carreira de especialista do mapa de pessoal da Polícia Judiciária, enquadrando-se o objeto da sua pretensão no âmbito da vinculação à jurisdição do CAAD.
Assim, o presente Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, (centro de arbitragem institucionalizada nos termos do artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série - n.º 30 - 12 de Fevereiro de 2009, página 6113, e conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro), e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, que integra a Polícia Judiciária (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da referida Portaria).
Admitem-se os documentos juntos aos autos pela Demandante e Demandado.
No que respeita à produção de prova por declarações de parte, requerida pela Demandante, a mesma foi indeferida, no sobredito Despacho arbitral de 24-07-2024, por este Tribunal Arbitral considerar que “…a prova documental junta nos autos é suficiente para a boa decisão da causa, porque essencialmente trata-se de factos suscetíveis de prova documental e que neste processo está em causa apenas matéria de direito”.
2.1. Cumpre apreciar, prioritariamente, a questão do incumprimento do ónus de impugnação especificada, suscitada pela Demandante, nas suas alegações escritas.
Pois bem, na sua contestação, o Demandado defende-se por impugnação, referindo no artigo 5.º de tal articulado que “…aceita unicamente a matéria de facto constante dos factos invocados na petição inicial que remetam para documentos, mas apenas nos precisos termos que constem dos mesmos, sem se aceitar as conclusões e enquadramentos jurídicos que acerca dos mesmos foram feitos, impugnam-se todos os restantes factos alegados pela Demandante que estiverem em oposição com a defesa…”.
No final da contestação menciona, o seguinte: “OBS: Não se junta PA, uma vez que consideramos que todo (rectius: todos) os documentos que o integrariam foram juntos pela Demandante com a respetiva PI, assim se remetendo para os mesmos.”.
Dissecando a contestação, de facto, verifica-se que o Demandado não impugna especificadamente os factos alegados na petição inicial.
Aceita os documentos juntos com tal articulado, dos quais se extrai, aliás, a matéria de facto alegada na petição inicial e considerada provada, por remissão para documentos não impugnados, com exceção do facto invocado no artigo 5.º, cujo documento n.º 5 protesta juntar. Sendo que, mesmo este facto (a titularidade da licenciatura por parte da associada B...), desprovido de documento probatório, resulta provado, por acordo, por este Tribunal Arbitral, justamente por inobservância do ónus de impugnação.
Em suma, a matéria de facto invocada na petição inicial é admitida, na sua totalidade, por acordo, quer porque não foram impugnados os documentos, quer porque não foi especificadamente impugnada a matéria de facto vertida no articulado.
Na realidade, a matéria controvertida subsume-se essencialmente a matéria de direito, que cabe a este Tribunal Arbitral dirimir, aplicando o regime jurídico que julgue adequado.
De qualquer forma, aderimos à interpretação que o Tribunal Central Administrativo Norte faz do n.º 4, do artigo 83.º do CPTA que estabelece “4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º, a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.”.
Como se pode colher no Acórdão[1] daquele douto Tribunal: “Ao referir-se a ações relativas a atos administrativos e normas, para determinar o âmbito de exceção ao ónus de impugnação especificada, o legislador pretende aludir aos tipos de pretensões a que se referem as alíneas a), b), d) e e) do n.º 1 do artigo 37º), a cujo elenco se pode acrescentar agora a condenação à não emissão de atos administrativos, a que se refere a alínea c), por efeito da sua autonomização em relação a outros pedidos de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública. Trata-se, em qualquer caso, de pretensões que dizem respeito a atuações da Administração que envolvem o exercício de poderes de autoridade e que se desenvolvem no quadro de um procedimento administrativo prévio, o que pode justificar a dispensa do ónus de impugnação especificada por parte entidade administrativa envolvida, na medida em que os elementos probatórios relevantes constarão normalmente do processo administrativo, que deve ser enviado com a contestação…”.
Pelo exposto, é irrelevante julgar verificada a (in)observância de impugnação especificada, pois a factualidade arguida na petição inicial é considerada provada pelo Tribunal Arbitral, sem pertinência para a decisão do mérito da causa, já que sobressai do enunciado dos articulados que a matéria controvertida, nos autos, respeita a matéria de direito e não a matéria de facto, na qual as partes acordam. Assim, considerada provada por este tribunal arbitral, não é controvertida antes, o demandado opõe-se e impugna a matéria de direito, sendo esta a matéria controvertida nesta ação.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados:
a) As associadas da Demandante encontram-se providas na carreira de Especialista da Polícia Judiciária.
b) As associadas A...; (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial) e B... (facto admitido por acordo, por não impugnado) são titulares de licenciatura.
c) Pelo Despacho n.º 07/2019 – SEC/DN, de 01 de Fevereiro de 2019, proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, foi determinada a mobilidade intercarreiras das associadas, integradas na Carreira de Especialista, para a carreira de Especialista Superior. (cfr. doc. 3 junto com a petição inicial).
d) Tais mobilidades tiveram início em 01 de Fevereiro de 2019 e termo em 31 de Julho de 2023; (facto admitido por acordo).
e) Durante a sua mobilização para a carreira de Especialista Superior, as associadas continuaram a exercer as mesmas funções que exerciam no âmbito da carreira de Especialista; (facto alegado pela Demandante e não contestado).
f) Por meio da informação da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público n.º 887/DRJE/DGAEP/2020, de 25 de Junho de 2020, foi determinada a extinção, por inutilidade superveniente, do procedimento administrativo de consolidação na carreira de Especialista Superior, das associadas da Demandante (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial).
g) Na sequência, com efeitos a partir de 01 de agosto de 2023, foram retirados às associadas da Demandante os direitos inerentes à carreira de Especialista Superior.
h) Em 16 de Janeiro de 2024 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial) e 18 de janeiro de 2024 (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial), respetivamente, as associadas A... e B..., apresentaram requerimento à Direção Nacional da Polícia Judiciária, para consolidação do seu provimento na carreira de Especialista Superior, bem como, para reclamar o pagamento desde o dia 31 de julho de 2023, do valor correspondente à diferença entre o estatuto remuneratório inerente à carreira de Especialista Superior e o estatuto remuneratório inerente à carreira de Especialista; (facto não contestado).
i) Tais requerimentos foram indeferidos - com fundamento no facto de ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro - e notificados às associadas da Demandante, respetivamente, em 22 de Fevereiro de 2024; (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial) e 23 de fevereiro de 2024; (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).
3.2. Factos não provados
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseou-se no exame dos documentos juntos aos autos e não impugnados e nas afirmações feitas pelas partes nos articulados, tudo conforme consta a propósito de cada ponto do probatório.
4. Do Direito
Posição das partes
4.1. Posição da demandante
A Demandante entende que as associadas que representa preenchem os pressupostos necessários à sua integração na carreira de Especialista Superior, pois, inclusivamente, são ambas titulares de licenciatura.
Para tanto,
Evoca o estatuído no artigo 97.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 138/2019, de 13 de setembro, sob a epígrafe “Carreiras Subsistentes”, que dispõe: “As carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar, previstas nas alíneas a) a d) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na sua redação atual, subsistem, nos termos do artigo 106.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de setembro, na sua redação atual, a extinguirem quando vagarem, sem prejuízo do previsto no artigo 94.º ou da sua candidatura a procedimento concursal para as novas carreiras especiais, nos termos do n.º 1 do artigo 34.º da LTFP.”.
Convoca, igualmente, o disposto no artigo 102.º, do antedito Decreto-Lei, epigrafado de “Salvaguarda de mobilidades”, nos termos do qual: “Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, se encontrem em situação de mobilidade consideram-se em mobilidade na nova carreira, nos termos do presente decreto-lei.”
Mais alega que as associadas continuaram a exercer as funções de Especialista, no decurso da sua mobilidade na carreira de Especialista Superior, em incumprimento daquilo que estabelece o artigo 93.º, n.º 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).
Por outro lado, considera que as associadas, não só efetivaram o período máximo de duração da mobilidade (18 meses), previsto no artigo 97.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, como também ultrapassaram largamente esse prazo – completando, no total, 54 meses em regime de mobilidade.
Sendo que, na sua ótica, não se verifica o pressuposto de prorrogação do prazo máximo de duração da mobilidade previsto no n.º 2 do art. 97.º da LGTFP.
Concluindo a Demandante que as associadas que representa neste pleito têm “direito à consolidação da sua mobilidade para a carreira de Especialista Superior.”.
4.2. Posição do demandado
Por sua vez, o demandado defende que “…a situação em análise deverá ser aferida à data da entrada em vigor – 01-01-2020 – do novo Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, quer no que concerne à legislação aplicável, quer no que tange ao momento de aferir o preenchimento dos requisitos que a lei indica como indispensáveis para a consolidação/efetivação das mobilidades, transição para a nova carreira ou permanência numa das carreiras subsistentes.”
Começa por afirmar: “…uma vez que a Carreira de Especialista Superior (…) se tornou numa carreira subsistente a extinguir quando vagar, com efeitos a 01/01/2020, nos termos do n.º 5 do art.º 106.º da Lei de Vínculos Carreiras e Remunerações, aprovada pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Setembro, na sua redação atual, pelo que, não é passível de recrutamentos por concurso ou por mobilidade a partir dessa data.”
Sendo que, nessa data, ou seja, em 01-01-2020, as associadas não haviam ainda consolidado na carreira de especialista superior, à luz da Lei Orgânica da PJ, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09/11 e revogada com efeitos a 01-01-2020, pois, por um lado, não haviam ainda cumprido o prazo legal mínimo de 1 ano de período experimental na carreira de destino, por outro lado, não desempenharam funções inerentes a essa carreira, no decurso do período de mobilidade, como a própria demandante afirma no art.º 6.º da PI.
Com a entrada em vigor, em 01-01-2020, do DL n.º 138/2019, de 13/09, previu-se e prevê-se a possibilidade de transição para a carreira de especialista da polícia científica aos trabalhadores integrados nas carreiras de especialista, desde que, reunidas determinadas condições previstas no artigo 94.º do citado diploma legal, o que não se verificou quanto às aqui representadas pela Demandante.
Pelo que, “…não se encontra fundamento legal que torne possível consolidar a mobilidade das trabalhadoras em apreço na carreira de Especialista Superior.”.
5. Apreciação
A questão a apreciar e decidir nos presentes autos reside em saber se as associadas representadas pela Demandante têm direito a consolidar a mobilidade na carreira de Especialista Superior do mapa de pessoal da Polícia Judiciária.
Vejamos,
Ao tempo em que iniciaram a mobilidade na carreira de Especialista Superior – em 01-02-2019 - vigorava a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro.
Nos termos desta Lei Orgânica, o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal compreendia as Carreiras de Especialista Auxiliar, de Especialista, Especialista Superior e de Segurança.
À luz deste diploma legal, para consolidar definitivamente na carreira de Especialista Superior, era necessária a observância de determinados requisitos. Atendemos aos que ao caso interessam:
No que concerne ao requisito habilitacional, dispunha o artigo 133.º, n.º 4, que: “O ingresso na carreira de especialista superior faz-se de entre indivíduos licenciados, aprovados em estágio, possuidores de carta de condução de veículos ligeiros, bem como de entre especialistas com, pelo menos, sete anos de serviço na carreira, habilitados com curso superior que não confira o grau de licenciatura, independentemente de realização de estágio, aprovados em acção de formação específica.”
Neste ponto, assiste razão às associadas, quando afirmam que preenchem este pressuposto, já que são titulares de licenciatura, nem o Demandado coloca em causa a (in)existência de habilitações literárias para o exercício das funções de Especialista Superior.
O mesmo não se pode dizer quanto ao requisito do prazo de duração do período experimental.
Pois, desde 01-02-2019, até 01-01-2020 (data da revogação do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro), ambas e cada uma das representadas cumpriram apenas 11 (onze) meses em mobilidade na carreira de destino.
Sendo que, nos termos do estipulado no artigo 102.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro: “O provimento dos lugares do quadro, quando não precedido de estágio, tem carácter provisório durante um ano, período após o qual o funcionário é provido definitivamente se houver revelado aptidão.”.
Tendo incumprido, por defeito, o prazo fixado para duração da mobilidade, está vedada a possibilidade de as associadas ingressarem definitivamente na carreira de Especialista Superior.
Acresce que, nos termos do artigo 93.º, n.º 3, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas):
“A mobilidade intercarreiras ou categorias opera-se para o exercício de funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular e inerentes:
a) A categoria superior ou inferior da mesma carreira; ou
b) A carreira de grau de complexidade funcional igual, superior ou inferior ao da carreira em que se encontra integrado ou ao da categoria de que é titular.”
Nos presentes autos, tal como afirmam nos artigos 6.º e 19.º da petição inicial, durante o período em que estiveram mobilizadas na carreira de Especialista Superior, continuaram ambas e cada uma das associadas a desempenhar as mesmas funções que desempenhavam no âmbito da Carreira de Especialista, o que constitui mais um obstáculo no ingresso à carreira pretendida pelas associadas.
Pelo exposto, verifica-se que as associadas A... e B... não preenchem os requisitos legais exigidos ao seu provimento definitivo na carreira de Especialista Superior, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09 de novembro.
E, com a revogação do diploma referido, a partir de 01-01-2020, extinguiu-se a possibilidade de ingressar, após aquela data, na pretendida carreira de Especialista Superior, por via da mobilidade intercarreiras (cfr. artigo 106.º, n.º 5, da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, na redação atual.
Esta breve incursão pela legislação entretanto revogada justifica-se pelo facto de as associadas terem dado início à mobilidade ainda na pendência dessa lei, cabendo escrutinar da possibilidade de a sua pretensão merecer provimento, com base nesse regime jurídico.
Resta, pois, verificar se o pedido da Demandante encontra arrimo no Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro,
O Decreto-Lei nº 138/2019, de 13 de setembro, entrou em vigor em 01-01-2020 e procedeu à revogação do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09 de novembro.
Este novo diploma estabelece o estatuto profissional do pessoal da polícia judiciária e cria três carreiras especiais: a carreira de investigação criminal, a carreira de especialista de polícia científica e a carreira de segurança.
Como se lê no preâmbulo, subjaz à reestruturação das carreiras, aprovada por este diploma legal “…a especificidade das funções desempenhadas pelos profissionais que trabalham na PJ, cabe rever o quadro normativo de forma a implementar uma visão gestionária mais moderna.
Considerando que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, exclui, do seu âmbito subjetivo, os trabalhadores da PJ da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança, bem como aqueles que exercem funções de inspeção judiciária e de recolha de prova da PJ, a revisão do atual regime legal estatutário através de um diploma próprio é de incontornável necessidade. A PJ, como corpo superior de polícia criminal, é integrada por trabalhadores que desempenham funções com conteúdos funcionais específicos e mais exigentes, dotados de particular especialização técnica e científica, sendo, por isso, justificada a existência de um regime estatutário próprio.”.
Nos termos do artigo 36.º, n.º 2, a carreira de especialista de polícia científica é unicategorial e de grau de complexidade 3, que exige a titularidade de licenciatura ou de grau académico superior a esta (cfr. artigo 86.º, n.º 1, al. c) da LGTFP).
À data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 138/2019, de 13 de setembro (também designado, abreviadamente EPPJ), as associadas encontravam-se em regime de mobilidade.
Se é certo que o EPPJ, rege para o futuro, não é menos certo que o mesmo salvaguarda um conjunto de direitos dos trabalhadores da PJ, nomeadamente direitos atinentes à mobilidade.
Assim, caso as associadas da Demandante pretendessem manter a mobilidade poderiam fazê-lo, por meio da sua transição para a nova carreira de especialista de polícia científica, de acordo com o previsto no artigo 102.º, do EPPJ, sob a epígrafe “Salvaguarda de mobilidades”: “Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, se encontrem em situação de mobilidade consideram-se em mobilidade na nova carreira, nos termos do presente decreto-lei.”.
A transição para a nova carreira de especialista de polícia científica teria que obedecer aos requisitos cumulativos impostos pelo artigo 94.º, n.º 1, segundo o qual: “1 - Os trabalhadores integrados nas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar, nos termos das alíneas a) a d) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na sua redação atual, que cumpra o requisito de ingresso na carreira de especialista de polícia científica previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, e que exerçam, há pelo menos um ano, funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, podem transitar para esta, caso manifestem declaração de vontade nesse sentido, no prazo de 10 dias, contados da data de entrada em vigor do presente decreto-lei.”
No caso, verifica-se que as associadas da Demandante apenas preenchem o requisito da titularidade de licenciatura.
Quanto aos demais,
A Demandante nada alega sobre as funções concretas exercidas pelas suas associadas, que permita demonstrar que as mesmas se enquadram no conteúdo funcional do quadro 2 do anexo I da carreira de especialista de polícia científica, sendo certo que o ónus de prova lhe cabia.
Em todo o caso, verifica-se que as associadas não manifestaram declaração de vontade para a transição. Nem tal vontade se extrai do pedido formulado nestes autos, pelo que só se admite por mero exercício teórico.
Neste conspecto, as associadas da Demandante não preenchem os requisitos para que a transição para a carreira de especialista de polícia científica possa ocorrer.
De realçar que as associadas sempre transitariam integradas na carreira de Especialista para posterior provimento definitivo, a acontecer, na nova carreira de Especialista de Polícia Científica, e não de Especialista Superior, já que nesta apenas se encontram os trabalhadores que à data de 01-01-2020 nela já estavam integrados, o que manifestamente não é o caso das associadas.
Aqui chegados, resta concluir que as associadas da Demandante se mantêm na carreira subsistente de Especialista.
Assim determina o n.º 3, do artigo 94.º, do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro “Os trabalhadores das carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar que, ao abrigo do disposto no número anterior, não transitem para a carreira de especialista de polícia científica, mantêm-se nas carreiras subsistentes nos termos do artigo 97.º”.
Por sua vez, dispõe o artigo 97.º, n.º 1, do EPPJ, epigrafado “carreiras subsistentes”: “As carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar, previstas nas alíneas a) a d) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na sua redação atual, subsistem, nos termos do artigo 106.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de setembro, na sua redação atual, a extinguirem quando vagarem, sem prejuízo do previsto no artigo 94.º ou da sua candidatura a procedimento concursal para as novas carreiras especiais, nos termos do n.º 1 do artigo 34.º da LTFP.”
Da conjugação destas normas resulta, inequivocamente, que não tendo as associadas da Demandante transitado para a carreira de especialista de polícia científica, nem lhe sendo possível ingressar, após 01-01-2020, na carreira subsistente de Especialista Superior, mantêm-se na carreira (subsistente) de Especialista, que se extinguirá quando vagar.
Por fim, no que respeita ao prazo de duração da situação de mobilidade, em que estiveram as associadas da Demandante, acompanhamos a alegação feita, a propósito, pelo Demandado, no art.º 26.º da contestação, que se transcreve:
“…as sucessivas Leis do Orçamento de Estado (LOE) têm vindo a permitir a prorrogação das mobilidades cujo limite máximo ocorra durante o ano de vigência da respetiva LOE, bem como das mobilidades cujo termo ocorra até à data da respetiva entrada em vigor, veja-se a título de exemplo o art.º 18, n.ºs 1 e 2 da LOE para 2020, aprovada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, norma que é replicada nas LOE de 2021 (art.º 20.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), na LOE de 2022 (art.º 17.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho) e na LOE de 2023 (art.º 15.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro).”.
Assim, a prorrogação do período de duração da mobilidade em causa está legalmente fundamentada. Nada mais havendo a decidir a respeito.
Atentos os fundamentos supra explanados, não há lugar ao provimento definitivo das associadas da Demandante na carreira de Especialista Superior, na medida em que não existe enquadramento legal para o efeito, apesar dos esforços envidados nesse sentido, saliente-se, pela Direção Nacional da Polícia Judiciária, como se evidencia dos documentos probatórios.
6. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedente o pedido formulado pela Demandante para que seja praticado o ato administrativo de consolidação da mobilidade das suas associadas, na carreira de especialista superior, bem como, improcede o pedido de pagamento do valor correspondente à diferença entre o estatuto remuneratório inerente à carreira de Especialista Superior e o estatuto remuneratório inerente à carreira de Especialista, desde o dia 01 de Agosto de 2023 até à consolidação da sua mobilidade e, bem assim, o pedido de pagamento de juros moratórios.
Em consequência, decide-se pela absolvição do Demandado do pedido.
7. Valor do processo
Fixa-se à presente ação arbitral o valor de € 30.000,01, nos termos das disposições conjugadas do artigo 31.º, n.º 1 e do artigo 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA e do artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável,
8. Responsabilidade pelos Encargos processuais
Por aplicação do disposto no artigo 29.º, n.º 5 do “Regulamento do CAAD”, tendo a presente arbitragem por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, não haverá lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, sendo estes pagos por ambas as partes em função do valor fixado na tabela de encargos processuais.
Notifique-se
Lisboa, 30 de Janeiro de 2025.
A Árbitro
_______________________
(Regina de Almeida Monteiro)
[1] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09-05-2019, proc. n.º 00895/08.0BEMDL, Relator: Pedro Vergueiro, disponível in www.dgsi.pt.