Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 395/2022-A
Data da decisão: 2023-05-26  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 3.765,16
Tema: Supressão de acréscimo remuneratório - Regime de Mobilidade - Conservadores de Registo.
Versão em PDF

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.          RELATÓRIO

1.1.  A..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua..., ..., ..., ... ... (doravante designada por Demandante) veio intentar, em 02 de agosto de 2022, ação arbitral contra o Instituto de Registos e Notariado, IP, sito na Av. D. João II, n.º 1.08.01 Edifício H, Parque das Nações, 1990-097 Lisboa (doravante designado por Entidade Demandada), ambos melhor identificados e descritos nos autos, peticionando, a final:

a) Ser declarada nula ou anulada a decisão de 28.10.2021 e a notificação de 03.05.2022 do IRN (vd. Doc.1 e 2, adiante juntos), com as legais consequências e ainda;

b) Ser o IRN condenado a pagar à A. o montante que foi reduzido à sua remuneração mensal, em cerca de € 1.273,00/mês desde dezembro de 2021, até à prolação de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal.”

Demandante esteia as suas pretensões, no essencial, na seguinte motivação:

Demandante é conservadora interina da 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... desde 2002.

Ao abrigo do procedimento concursal, Ref.ª 1/2019-DRH/SPFQ (CR), a Demandante foi nomeada como Conservadora da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ..., tendo, contudo, mantido o exercício das suas funções na Conservatória de Registo Predial em ... em regime de mobilidade, pelo menos até março de 2022.

Em 21 de setembro de 2021, a Demandante endereçou uma comunicação à Exma. Senhora Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP, na qual se disponibilizou para continuar em mobilidade na aludida Conservatória de ..., sendo que com relação à remuneração base solicitou que a mesma fosse “apurada de harmonia com o disposto na Portaria 1448/2001, de 22 de dezembro , e na Portaria 942/99 de 27 de outubro, aplicáveis por força do disposto no artigo 15º do decreto-Lei nº 145/2019 de 23 de setembro, a que acrescem, os suplementos remuneratórios legalmente devidos (cláusula sexta do Contrato de Trabalho em Funções Públicas) seja também incluído o acréscimo remuneratório legalmente devido pela substituição à semelhança da que tem recebido durante a sua interinidade e posterior mobilidade. “

Por despacho da Senhora Presidente do Conselho Diretivo, datado de 22 de outubro de 2023, e comunicado à Demandante em 29 de outubro de 2021, foi decidido que a Demandante iria exercer as respetivas funções em regime de mobilidade na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... pelo período de seis meses. Nessa comunicação não é feita qualquer alusão à alteração ao regime da remuneração auferida pela Demandante até então.

Em 28 de outubro de 2021, a Demandante recebeu a informação de não seria possível auferir a retribuição correspondente de mobilidade por substituição na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., “ainda que persista o interesse público na constituição de nova situação de mobilidade para a referida 1.ª CRP de ... ”.

Segundo a Demandante, da decisão acima descrita decorreu uma supressão de cerca de € 1.273,00 na remuneração mensal auferida e que tal redução “causou e causa graves prejuízos à mesma e à sua organização financeira familiar, prejudicando compromissos já assumidos, o pagamento atempado das suas obrigações, bem como o planeamento financeiro estabelecido”. 

Demandante conclui que o ato administrativo que impugna preteriu princípios constitucionais e princípios previsto no Código de Procedimento Administrativo (CPA), bem como as normas estabelecidas no Decreto Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro e no Decreto Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.

No que concerne aos princípios constitucionais, a Demandante especifica a ofensa aos direitos fundamentais previstos nos artigos 2.º, 9.º b), 266.º, 268.º, 59.º, 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pugnando que houve violação dos Princípios da Boa Fé, Segurança Jurídica, Confiança, do Estado de Direito Democrático, da Irredutibilidade Salarial e da Igualdade e do Dever de Fundamentação.

Reivindica ainda que a omissão de audição da Associação Sindical dos Conservadores dos Registos durante o processo legislativo de elaboração do Decreto-Lei n.º 145/2019 de 23 de setembro, configura uma violação de normas constitucionais e legais, estando inquinadas as normas que fundamentam o ato administrativo impugnado, sendo, por isso, o ato nulo nos termos e para os efeitos do artigo 162.º do CPA.

No âmbito da legislação ordinária, a Demandante pugna pela violação do artigo 129.º n.º 1 alínea d) do Código do Trabalho, pela existência de falta de fundamentação do ato administrativo impugnado (artigos 152.º, 153.ºCPA) e, ainda violação do artigo 10.º do CPA (princípio da boa fé e segurança jurídica).

Juntou à Petição Inicial, procuração forense, comprovativo de pagamento de taxa de arbitragem e seis documentos.

Citada para contestar, veio a Entidade Demandada apresentar, em 21 de setembro de 2022, defesa por exceção e por impugnação:

Por exceção invoca a falta de lesividade do ato impugnado, considerando que o ato comunicado em 28 de outubro de 2022 pela Senhora Coordenadora do DRH Setor de Apoio Jurídico aos Recursos Humanos é “absolutamente desprovido de lesividade própria, não se tratando, sequer de um ato confirmativo”, devendo a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado ser procedente, e concludentemente, absolver-se a entidade demandada da instância (n.º s 1, 3 e alínea i) do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)).

Por impugnação, peticiona a improcedência da ação, defendendo que não existe, na legislação vigente a figura jurídica da nomeação interina tendo sido essa figura convertida em situação de substituição legal nos termos do artigo 26.º do Decreto Lei n.º 519-F/79 (na redação introduzida pelo Decreto Lei n.º 295/95, de 30 de setembro), sendo o respetivo enquadramento legal atualmente aplicável composto pelo Decreto Lei n.º 115/2018 de 21 de dezembro e Decreto Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro (artigo 11.º).

Propugna que a Demandante ao ser colocada na Conservatória do Registo e Predial de ... – “ainda que persistisse o interesse público na constituição de nova situação de mobilidade para a referida 1.ª CRP de ..., tal consubstanciar-se-ia, necessariamente na constituição de um (nova) mobilidade, ou seja, constituída após a entrada em vigor do referido Decreto Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro”, e que, por isso, a Demandante não tem direito a auferir qualquer acréscimo remuneratório.

Acrescenta ainda que não foram violados os princípios da irredutibilidade salarial e da igualdade invocando para tal extensa jurisprudência. Opõe-se ainda às invocadas violações dos princípios da boa fé, da segurança jurídica e da confiança, afirmando que a suscitada violação de legítimas expetativas por parte da Demandante só pode resultar da falta de conhecimento da evolução do enquadramento legal aplicável à situação jurídico funcional da mesma.

Por fim reclama a inexistência da falta de fundamentação do ato em crise porquanto o mesmo contém “todas as razões de facto e direito atuantes na génese da decisão”.

Entidade Demandada juntou à contestação despacho de designação de jurista, sete documentos e comprovativo de pagamento da taxa arbitral.

1.2.     RESTANTE TRAMITAÇÃO PROCESSUAL: 

Notificada da contestação, a Demandante veio, em 04 de outubro de 2022, apresentar Resposta através da qual respondeu à matéria de exceção suscitada pela Entidade Demandada.

Em 14 de março de 2023, foi proferido o despacho arbitral com o seguinte teor:

“De acordo com o estatuído no artigo 18.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado abreviadamente por RACAAD), cumpre proferir as seguintes determinações:

I.       Atento o indeferimento pela Entidade Demandada da pretensão Demandante de que fosse “também incluído o acréscimo remuneratório legalmente devido pela substituição à semelhança do que tem recebido durante a sua interinidade e posterior mobilidade”, notifica-se a Entidade Demandada para, no prazo de 10 (dez) dias, informar os autos se notificou a Demandante do projeto de decisão de indeferimento em crise, nos termos do artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Em caso de resposta positiva, juntar, no mesmo prazo, a documentação relativa à dita audiência prévia.

II.     Notifica-se ainda a Entidade Demandada para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar ao presente processo arbitral, os recibos de vencimento emitidos pela Entidade Demandada com relação à remuneração da Demandante vencida em dezembro de 2019 e os recibos mensais emitidos nos anos de 2020 e 2021.

III.   Notifica-se a Demandante para, querendo, no prazo de 10 dez (dias), se pronunciar ou juntar documentação sobre o suscitado nos itens I e II do presente despacho.

IV.   Por fim, apesar das diligências probatórias requeridas pela Demandante, face à não existência de matéria de facto controvertida e os princípios da celeridade e flexibilidade processual constantes na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do RACAAD, propõe-se às Partes a dispensabilidade da prestação das declarações de parte e produção da prova testemunhal requerida, sendo o processo conduzido apenas com base na prova documental já apresentada e a requerida no presente despacho arbitral, não se realizando a audiência de julgamento e havendo dispensa da produção de alegações finais (cfr. artigos 18.º, n.º 1, al c), n.º 4 e 24.º do RACAAD).

Assim, notificam-se as Partes para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem quanto ao mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual proposto, maxime quanto à dispensa de realização de qualquer outra prova que não a documental, bem como quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento e de alegações finais.”

Em 27 de março de 2023, a Demandante veio responder ao despacho arbitral.

Em 04 de abril de 2023, foi proferido novo despacho arbitral, através do qual se decidiu: 

Proferido despacho arbitral em 14 de março de 2023, a Entidade Demandada nada veio juntar ou informar aos autos, a Demandante veio comunicar que 

“1. Relativamente ao ponto III, a Demandante encontra-se a aguardar resposta por parte da Demandada, pelo que após junção, pronunciar-se sobre a documentação remetida.

2. Quanto ao ponto IV, a Demandante não se opõe à dispensa das declarações de parte e produção de prova testemunhal, não se realizando audiência de julgamento, no entanto, a Demandante considera necessária e profícua a apresentação de alegações escritas, permitindo uma análise mais fina da matéria de facto e de direito após a produção da prova.”

Perante o acima vertido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 18.º e 24.º do RACAAD, notificam-se as Partes para, no prazo de 10 (dez) dias, simultâneo, procederem à produção de alegações finais, sob a forma escrita. 

Mais se notificam as Partes, para, em igual prazo:

a)    informarem os autos se houve notificação à Demandante do projeto de decisão de indeferimento da pretensão da Demandante de inclusão do acréscimo remuneratório em crise;

b)    juntarem os recibos de vencimento relativos à remuneração da Demandante vencida em dezembro de 2019 e os recibos mensais emitidos nos anos de 2020 e 2021.

Em 20 de abril de 2023, a Entidade Demandada veio ao processo apresentar exposição:

“Notificado do despacho proferido por V. Exª em 04/04/2022, vem o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., entidade demandada no processo acima identificado, expor e requerer o seguinte

1 - Não obstante constar, efetivamente, do Sistema de Gestão Processual do CAAD, que, em 17.04.2023, foi efetuada ao IRN, IP a notificação do V/despacho datado de 14.03.2023 - por alguma razão que não se logrou compreender – a mesma não foi, contudo, recebida e (até à data) não se conseguiu localizar na caixa do correio eletrónico dos juristas designados, e indicados na notificação em causa, essa comunicação. 

2 - Nessa conformidade, a entidade demandada só tomou conhecimento do aludido despacho na sequência da notificação do despacho a que agora se responde, razão pela qual só agora se dá cumprimento ao determinado por esse Tribunal. 

Dito isto, cumpre informar: 

a) Considerando que da decisão que determinou a constituição da nova situação de mobilidade da aqui A. na Conservatória de ... não resultavam quaisquer efeitos remuneratórios, por força do enquadramento legal aplicável, o demandante não procedeu à notificação da aqui demandante, para efeitos de audiência prévia, da decisão de Indeferimento da sua pretensão em auferir o acréscimo remuneratório vulgarmente denominado de participação emolumentar de substituição.

b) Em todo o caso, e ainda que se mostrasse necessário observar aquela formalidade, no caso, é manifesto que face ao enquadramento legal aplicável, a eventual pronúncia da demandante (quanto à matéria em questão), em nada seria suscetível de modificar o conteúdo da decisão final a proferir pelo IRN, IP, donde, sempre haveria que recorrer ao princípio do aproveitamento do ato administrativo previsto no n.º 5 do art.º 163º do CPA.”

Juntou ao processo os recibos de vencimento solicitados, bem como o recibo atinente ao mês de novembro de 2019.

Entidade Demandada veio, em 19 de abril de 2023, apresentar as respetivas alegações escritas.

Em 20 de abril de 2023, a Demandante apresentou as alegações escritas.

O presente tribunal arbitral é composto pela árbitra singular signatária, a qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa.

 

II.  SANEAMENTO:

2.1.     VALOR DA CAUSA:

Fixa-se o valor da presente ação arbitral em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), em conformidade com o preceituado nos artigos 31.º a 33.º do CPTA ex vi do artigo 26.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD. 

2.2.     ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO: 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e estão devidamente patrocinadas nos autos.

O presente Tribunal Arbitral é competente por força da vinculação à arbitragem institucionalizada do CAAD por parte da Entidade Demandada constante da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro e, em especial, do disposto do disposto no artigo 1.º, n.º 1, al. j) e n.º 2, al. a) deste instrumento regulamentar.

2.3.     EXCEÇÃO DILATÓRIA | FALTA DE LESIVIDADE DO ATO IMPUGNADO:

Entende este Tribunal julgar improcedente a exceção suscitada pela Entidade Demandada porquanto o artigo 148.º do CPA promoveu uma significativa alteração do conceito legal em relação ao anterior CPA. De facto, estabelece esta norma que “[se] consideram atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. 

A tónica do conceito de ato administrativo reside agora no cariz individual e concreto de uma decisão que, adotada no exercício de poderes administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos — isto é, a decisão administrativa, individual e concreta cujos efeitos se projetam no âmbito de uma relação administrativa de direito substantivo. 

É inequívoco que o ato praticado pela Senhora Coordenadora Senhora Coordenadora do DRH Setor de Apoio Jurídico aos Recursos é um ato decisório: os dizeres constantes da comunicação de 28 de outubro de 2021 são claros no sentido da formulação de uma estatuição autoritária; trata-se também de uma decisão destinada a produzir efeitos numa situação individual e concreta, em especial na esfera jurídica da Demandante.

Por outro lado, trata-se igualmente de um ato emitido ao abrigo de poderes jurídico-administrativos, com invocação de vários preceitos legais no domínio do Direito do Emprego Público, que mais não é do que um ramo especial de Direito Administrativo.

No sentido desta mesma conclusão aponta também o disposto no art. 155.º, n.º 2, do CPA. De acordo com este preceito legal, “[o] ato [administrativo] considera-se praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo.” Este preceito legal “dá resposta à importante questão de saber quando deve entender-se que existe um ato administrativo e, portanto, quando deve falar-se da existência […] dos atos administrativos” (FAUSTO DE QUADROS, Comentários à revisão do Código de Procedimento Administrativo, Almedina, 2016, p. 307) e, nessa medida, os indícios que nele se descrevem, quando verificados, fazem presumir a existência de um ato administrativo.

A comunicação enviada em 28 de outubro de 2023, preenche os elementos daquela norma do CPA (148.º) : há uma decisão (uma estatuição autoritária) que identifica o seu autor (um órgão superior da entidade demandada), indica os seus destinatários (a Demandante) e o objeto do seu conteúdo (a não atribuição de qualquer acréscimo remuneratório à Demandante por ser considerado que a mesma não cumpre os pressupostos constantes do artigo 11.º do Decreto Lei 149/2019 de 23 de setembro).

Pelo exposto improcede a exceção dilatória peticionada pela Entidade Demandante.

III.      DO MÉRITO DA CAUSA:

3.1.      IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:

As questões a decidir neste processo arbitral decorrente da causa de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados são as seguintes:

1.ª   Saber se o ato de indeferimento de pagamento do acréscimo remuneratório pela situação de mobilidade da Demandante é nulo ou anulável;

2.ª   Saber se assiste, ou não, à Demandante, o direito ao pagamento dos diferenciais reclamados desde dezembro de 2021 até à prolação da presente decisão, acrescido dos juros de mora à taxa legal.

3.2.     FUNDAMENTAÇÃO:

3.2.1      Factualidade:

Perante ao alegado pelos sujeitos processuais e os documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade:

a)      A Demandante possui uma relação jurídica de emprego público com a Entidade Demandada e integra a carreira e categoria de Conservadora de Registos.

b)      Pelo despacho n.º 25 470/2002 de 13 de novembro de 2002, foi estabelecido que a Demandante, “conservadora dos registos civil, predial e notária da ..., a exercer interinamente as funções de conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial de ...– nomeada para o lugar de conservadora interina da 1.ª Conservatória do Registo Predial de...”.

c)      Em 02 de agosto de 2019 foi publicado o aviso | Ref.ª 1/2019-DRH/SPFQ (CR) | relativo a procedimento concursal para ocupação de 150 postos de trabalho, na carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, circunscrito a trabalhadores já integrados na mesma carreira. 

d)      A Demandante candidatou-se ao procedimento concursal (Ref.ª 1/2019-DRH/SPFQ (CR)), tendo sido colocada, na Conservatória dos Registos Civil e Predial de ... .

e)      Do Aviso - Ref.ª 1/2019-DRH/SPFQ (CR) - Procedimento concursal para ocupação de 150 postos de trabalho, na carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, circunscrito a trabalhadores já integrados na mesma carreira, publicado em https://irn.justica.gov.pt/Portals/33/Concurso%20Interno%20CR%20OR/Aviso_Ref_1-2019_DRH-SPFQ_Conservador.pdf, no dia 2 de agosto de 2019, constava que:

·    Nos termos do nº 2 do artigo 26º da Portaria nº 134/2019, de 10 de maio, adiante designada Portaria, faz-se público que, por deliberação do Conselho Diretivo, de 22 de julho de 2019 se encontra aberto, pelo prazo de 10 dias úteis a contar da data da publicação do presente aviso na respetiva página da Internet, procedimento concursal, para preenchimento dos postos de trabalho, da carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., abaixo identificados.

·    A remuneração seria calculada nos termos do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro e, nos casos aplicáveis, ainda nos termos do Decreto-Lei n.º 287/94, de 14 de novembro, do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio e da Portaria nº 942/99 de 27 de outubro.

f)       Em 21 de setembro de 2021 endereçou uma comunicação, via correio eletrónico, à Senhora Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP com o seguinte teor:

“Venho com muita honra informar que me encontro totalmente disponível para continuar em mobilidade nesta Conservatória após ser colocada na Conservatória do Registo Civil e Predial de ... pelo despacho de homologação do concurso 1/2019 sem prejuízo do regime de mobilidade aplicável às relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado, por ter tido experiência profissional nesta repartição durante 20 anos, local onde também resido com o meu agregado familiar.

Solicito ainda que , caso V. Exa entenda que devo continuar a exercer funções na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., e relativamente à remuneração base apurada de harmonia com o disposto na Portaria 1448/2001, de 22 de dezembro , e na Portaria 942/99 de 27 de outubro, aplicáveis por força do disposto no artigo 15º do decreto-Lei nº 145/2019 de 23 de setembro, a que acrescem, os suplementos remuneratórios legalmente devidos (cláusula sexta do Contrato de Trabalho em Funções Públicas) seja também incluído o acréscimo remuneratório legalmente devido pela substituição à semelhança da que tem recebido durante a sua interinidade e posterior mobilidade. 

Com os melhores cumprimentos”

g)      Em 29 de outubro de 2021, a Demandante recebeu a informação de que por despacho da Presidente do Conselho Diretivo, de 22.10.2021, tinha sido autorizada, atenta a “manifesta conveniência para o interesse público e uma vez sopesada a situação das unidades orgânicas envolvidas, o exercício de funções em regime de mobilidade, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ..., com efeitos a contar (início) de 01.11.2021, data da produção de efeitos do contrato de trabalho em funções públicas, para ocupação do posto de trabalho para o qual foi selecionada no âmbito do concurso para preenchimento de lugares de conservador de registos, publicitado sob a Refª1/2019-DRH/SPFQ (CR) ⸺ pelo período de seis meses, nos termos do artigo 92.º e seguintes, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, conjugado com os n.ºs 1 e 2 do artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, salvo se ocorrerem motivos que determinem a sua prévia cessação.”

h)      Ainda com relação ao exercício de funções em regime de mobilidade na 1.ª Conservatória de Registo Predial de ..., a Demandante foi informada que “foi autorizada a manutenção da mobilidade, nessa conservatória, até dia 31 de outubro de 2022”.

i)       Em 27 de outubro de 2021, a Senhora Coordenadora do DRH | Setor de Apoio Jurídico aos Recursos Humanos enviou, por correio eletrónico, à Senhora Diretora do Departamento de Recursos Humanos, uma proposta de resposta à interpelação da Demandante de 21 de setembro de 2021.

j)       No mesmo dia, 27 de outubro de 2023, a Senhora Diretora dos Recursos Humanos, reencaminhou a mencionada proposta de decisão, à Senhora Presidente do Conselho Diretivo, com a seguinte indicação “Concordo com infra se propõe, considerando o teor do parecer a que se alude (2.º anexo). À Consideração Superior. Com os melhores cumprimentos” 

k)      A Senhora Presidente do Conselho Diretivo respondeu à Senhora Diretora do Departamento de Recursos Humanos, nesse mesmo dia 27/10/2021, decidindo que “Concordo e autorizo como proposto”.

l)       Em 28 de outubro de 2021, foi comunicado à Demandante que: 

Em cumprimento de Despacho Superior, tendo por referência o assunto em epígrafe e em resposta à comunicação infra, cumpre informar que, por força do disposto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, o direito ao abono do acréscimo remuneratório, previsto no anterior enquadramento legal para o exercício de funções em regime de mobilidade em substituição ou acumulação, apenas é mantido enquanto perdurar a situação de mobilidade em substituição ou acumulação já constituída (no anterior enquadramento).

Ora, no caso em apreço, indo V. Ex.ª ocupar um (novo) posto de trabalho na Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., na sequência do procedimento concursal em apreço, ainda que persista o interesse público na constituição de nova situação de mobilidade para a referida 1ª CRP de ..., tratar-se-á, necessariamente de um novo procedimento de mobilidade a constituir após a entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, pelo que e nessa conformidade, não terá V. Ex.ª direito a auferir qualquer acréscimo remuneratório, por força dessa circunstância.

De referir, aliás, que este entendimento vai de encontro ao parecer emitido, no passado dia 26/10/2021, pela DGAEP, a pretexto desta questão e cujos termos, com relevo para o que aqui nos ocupa, abaixo se transcrevem (com destacados nossos):

«2. Questão n.º 2 – Constituições de mobilidade (substituição e acumulação) - Pretende-se saber se em situação de mobilidade, “(…) atento o disposto no nº 2 do artigo 15º e no nº 2 do artigo 11º, ambos do Decreto-Lei n.º 145/2019, é possível abonar os trabalhadores – sem embargo da correspondente colocação num determinado posto de trabalho, em resultado dos procedimentos concursais que aqui estão em análise – nos termos anteriormente previstos (ou seja, de acordo com as regras resultantes do referido artigo 56º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro). Isto porque, até à data, ainda não foi revista a lei orgânica dos serviços de registo”.

O artigo 11.º, sob a epígrafe “Substituições e acumulações”, e em sede de normas transitórias, veio estabelecer o seguinte:

“1 - Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exercem funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação mantêm o direito à respetiva remuneração, caso esta seja superior à que resulta da aplicação do artigo anterior, e enquanto se mantiverem na situação de substituição ou acumulação.

2 - Enquanto não for revista a lei orgânica dos serviços de registo, a remuneração a que se refere o número anterior continua a ser determinada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Decreto Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, na sua redação atual.

3 - O disposto no n.º 1 também é aplicável às situações a que se refere o n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 519- F2/79, de 29 de dezembro, na sua redação atual”.

Ademais, também o artigo 44.º do Decreto-lei n.º 115/2018, de 21/12, diploma que estabelece o regime 

especiais de conservador de registos e de oficial de registos, procedendo à revisão das carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado, determina que: “os trabalhadores em mobilidade ou em comissão de serviço nos serviços do IRN, I. P., à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, mantêm-se nessas situações até ao respetivo termo, salvo quando haja conveniência para o serviço ou interesse do trabalhador na cessação imediata”.

Assim, conforme resulta do âmbito subjetivo consagrado no n.º 1 do referido artigo 11.º, o mesmo aplica-se apenas aos trabalhadores que, à data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 145/2019 já se encontrassem no exercício de funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação, sendo que, para as novas constituições de situações de mobilidade, considera-se aplicável o disposto no artigo 33.º, inserido no Capítulo VI – Mobilidade - do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21/12.»

Nesta conformidade – e considerando que, como é do V/conhecimento, os contratos a subscrever na sequência do procedimento concursal em referência deverão iniciar a correspondente produção de efeitos a 01/11/2021 – solicita- se a V. Ex.ª que até ao final do próximo dia 29/10/2021, proceda à assinatura e correspondente devolução do CTFP que, remetemos, ou caso assim não o entenda, nos comunique expressamente que não pretende ocupar o posto de trabalho para o qual foi selecionada, subscrevendo, neste caso, a respetiva declaração de não aceitação (que igualmente lhe é remetida).

Com os melhores cumprimentos,”

i)       Em 29 de outubro de 2021, foi celebrado um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado entre a Entidade Demandada e a Demandante;

j)       Em 11 de novembro de 2021, a Demandante dirige à Senhora Coordenadora uma comunicação eletrónica na qual refere que “Em virtude de ter apenas recebido e tomado conhecimento do extrato da resposta à minha consulta solicito o envio da consulta do IRN, IP e parecer emitido, no passado dia 26/10/2021, pela DGAEP, com a maior brevidade possível”.

k)      Em 27 de janeiro de 2022, a Demandante reitera o pedido de remessa do despacho integral da decisão de indeferimento de vencimento por mobilidade por substituição.

l)       Em 03 de fevereiro de 2022, a Senhora Coordenadora do DHR | Setor de Apoio Jurídico aos Recursos Humanos enviou à Demandante o teor do despacho proferido em 27 de outubro de 2021 pela Senhora Presidente do Conselho da Entidade Demandada, que consistia, como referido na alínea k) da matéria de facto dada como provada na seguinte formulação: “Concordo e autorizo como proposto”.

m)    Em 27 de abril de 2022, a Demandante reitera pedido anteriormente feito através de um novo requerimento dirigido à Senhora Presidente e ao Senhor Vogal do Conselho Diretivo;

n)      Em 03 de maio de 2022, a Senhora Coordenadora do DHR | Setor de Apoio Jurídico aos Recursos Humanos endereçou nova comunicação à Demandante com o seguinte teor: “Na sequência da clarificação efetuada ontem por V. Ex.ª- aquando da conversa telefónica com o Senhor Vogal do Conselho Diretivo deste Instituto – remete-se, em anexo, o pretendido parecer emitido pela DGAEP no passado dia 26/10/2021, a que se alude na informação (constante da comunicação de 27 de outubro de 2021 17:45 já levada ao V/conhecimento) que serve de base ao citado despacho da Senhora Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP de 27/10/2021”.

o)      Por ofício n.º .../DRH/2021, datado de 07 de outubro de 2021, foi solicitado pela Entidade Demandada um pedido de parecer à DGAEP, com caráter muito urgente, com o seguinte conteúdo:

No âmbito do protocolo existente entre a Direção Geral da Administração e Emprego Público e as Secretarias Gerais, solicita-se a colaboração de V. Ex.ª com vista à obtenção da pronúncia da DGAEP quanto a algumas questões que têm sido suscitadas por alguns trabalhadores deste Instituto, no âmbito da formalização (nos termos do artigo 40° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho) dos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado na sequência da obtenção de colocação nos procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho de conservador de registos e de oficiais de registos abertos em 02/08/2019 (ou seja, antes da entrada em vigor e inicio de produção de efeitos - respetivamente, a 28/09/2019 e 01/01/2020 - do Decreto-Lei nº 145/2019, de 23 de setembro, que veio estabelecer o novo regime remuneratório das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos).

Parte dessas questões prendem-se, essencialmente, com o alcance da ressalva que se deixa feita no nº 2 do artigo 15° do Decreto-Lei nº 145/2019.

Com efeito, nos termos do estatuído nos art.ºs 39º a 41° do Decreto-Lei nº 115/2018, de 21 de dezembro - e desde 01/01/2020 - a remuneração base dos trabalhadores que transitaram para as carreiras de conservador de registos e de oficial de registos passou a ser constituída pelo montante pecuniário fixo correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na carreira e/ou categoria de que é titular (cfr. art.0 3° do Decreto-Lei nº 145/2019), montante, esse, apurado, através da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tinham direito, de acordo com o posto de trabalho de que eram titulares na data da sua entrada em vigor e de acordo com as regras de reposicionamento remuneratório constantes do artigo 100 do mesmo Decreto-Lei nº 145/2019.

Porém, e não obstante assim ser, o aludido Decreto-Lei nº 145/2019 ressalvou, desde logo (no nº 2 do seu artigo 15º) os efeitos remuneratórios das normas em vigor à data da abertura dos procedimentos concursais aqui em apreço (porque anterior à da entrada em vigor deste diploma).

O que significa que aos trabalhadores que venham a ocupar postos de trabalho na sequência da conclusão destes específicos procedimentos concursais (já em curso à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019), é assegurado o direito de ver alterado o seu concreto posicionamento na nova tabela remuneratória de acordo com o montante pecuniário resultante da soma do seu vencimento de categoria e do vencimento de exercício correspondente ao novo posto de trabalho que irão a ocupar, ou seja, ainda à luz dos normativos anteriormente vigentes, vendo assim alterada a sua remuneração base.

Ora, se no que concerne à concreta questão do apuramento da remuneração base destes trabalhadores, a aplicação do disposto no aludido nº 2 do artigo 15° não levanta grandes dúvidas, o mesmo já não se verifica quanto a outras componentes remuneratórias, porquanto, facto é que a norma em apreço não faz referência à "remuneração base", mas sim a "efeitos remuneratórios" e, nos termos gerais, a remuneração dos trabalhadores é composta por: remuneração base, suplementos remuneratórios e prémios de desempenho (cfr. artigo 146° da LTFP).

Dai que uma das questões que tem sido recorrentemente suscitada é a da possibilidade de proceder à atribuição e pagamento dos designados subsídios de fixação e compensação nos termos anteriormente previstos nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de marco. bem como dos artigos 1° e 2.º do Decreto-Lei n.º 38 610/1952, de 22 de janeiro, por aplicação da ressalva efetuada naquele preceito (nº 2 do artigo 15° do Decreto­Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro).

Note-se que, no que se refere aos trabalhadores que exercem funções na Região Autónoma dos Açores, o Decreto-Lei nº 145/2019 veio prever a atribuição do subsídio mensal de insularidade, de montante a fixar por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça -cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º. Suplemento, este, que veio substituir os subsídios de fixação, compensação e de residência a que se referiam os artºs 1.º e 2.º do Decreto- Lei n.º 38.610/1952, de 22 de janeiro (diplomas revogados pelas alíneas a) e c) do art.º 14.º do Decreto -Lei n.º 145/2019). 

Acontece que, no atual enquadramento, o subsidio de insularidade é abonado, tão-somente, aos trabalhadores que exercem (ou venham a exercer) funções na Região Autónoma dos Açores e que, à data da ocupação do posto de trabalho em causa, tenham residência há mais de um ano fora da região autónoma, ou em ilha diferente daquela onde prestam (ou venham a prestar) funções; ao passo que, de acordo com o regime anterior, todos os trabalhadores dos registos que exercessem funções na Região Autónoma dos Açores tinham direito a auferir o subsidio de fixação, incluindo os que dali eram naturais ou sempre residiram naquela região e, de igual modo, para auferir o subsídio de compensação, bastava que o conservador não possuísse residência na localidade onde obteve colocação, não se exigindo, pois, a residência fora da região autónoma (ou ilha diferente) há mais de um ano como requisito.  

Ø Pelo que, e nesta conformidade, importa clarificar se, por aplicação da ressalva prevista no nº 2 do artigo 15° do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, um trabalhador que- na sequência dos procedimentos concursais aqui em apreço - venha a ocupar um posto de trabalho na Região Autónoma dos Açores poderá ser abonado dos designados subsídios de fixação e/ou compensação nos termos anteriormente previstos nos art.0s 1° e 2° do Decreto-Lei nº 66/88, de 1 de março, bem como dos artigos 1° e 2° do Decreto-Lei nº 38 610/1952, de 22 de janeiro.

Exemplificando e com referência aos procedimentos concursais abertos em 2019:

i)         Poderá um conservador de registos que resida no continente, e vá ocupar um posto de trabalho localizado na RAA, ser abonado de subsídio de fixação e compensação?

ii)        Poderá um oficial de registos que tenha residência nas RAA (e já aufira subsídio de fixação por exercer funções em regime de mobilidade numa determinada Conservatória da RAA), ser abonado do subsídio de fixação caso venha a ocupar (por concurso) um posto de trabalho nesse mesmo serviço ou noutro serviço da RAA?

Por outro lado, e ainda tendo presente a aludida ressalva do n.º 2 do artigo 15.º, suscitam-se dificuldades acrescidas quando importa conjugar o aí determinado com aquilo que resulta de algumas das disposições transitórias ínsitas no mesmo Decreto-Lei n.º 145/2019, bem como face à necessária articulação entre regime resultante do novo enquadramento legal aplicável aos trabalhadores que integram as atuais carreiras de conservador de registos e de oficial de registos e o anterior.

E isto porque pode suceder (como, de resto, vem sucedendo) que - na sequência dos procedimentos concursais aqui em referência - por razões imperiosas de serviço, se verifique a necessidade de alocar, temporariamente, alguns trabalhadores a desempenhar funções noutro serviço, que não o aquele onde se situa o concreto posto de trabalho onde ficaram colocados no concurso e, por isso, deveriam ocupar.

Com efeito, e com vista a assegurar o regular funcionamento de certos serviços de registo, por vezes impõe-se o recurso a certos mecanismos de mobilidade geral, através dos quais um trabalhador é chamado a exercer funções não no serviço em cujo mapa de pessoal se integra o seu posto de trabalho (origem), mas, antes, num outro serviço distinto; sendo certo que, por vezes, esse exercício de funções é feito em regime de substituição {legal} ou até em acumulação.

E a verdade a que, a este pretexto, o artigo 11.º do Decreto-lei n.º 145/2019 -que se integra, precisamente, no CAPÍTULO IV (Disposições transitórias e finais) -prescreve, sob a epígrafe "Substituições e acumulações, que: 

"1 -Os trabalhadores que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exercem funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação mantêm o direito à respetiva remuneração, caso esta seja superior à que resulta da aplicação do artigo anterior, e enquanto se mantiverem na situação de substituição ou acumulação. 

2 -Enquanto não for revista a lei orgânica dos serviços de registo. a remuneração a que se refere o número anterior continua a ser determinada nos termos do disposto no n.º1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n. º 519-F2179, de 29 de dezembro, na sua redação atual.

3 -O disposto no n. º 1 também é aplicável às situações a que se refere o n.º 2 do artigo 56. º do Decreto-Lei n. º 519-F2179, de 29 de dezembro, na sua redação atual.' -sublinhado nosso.

E, por seu lado -e ainda com relevo para o que aqui importa apreciar -do citado 56.º do Decreto-Lei n.º 519- F2/79, de 29 de dezembro, resulta que:

1 -Sempre que se verifique a substituição do conservador ou notário nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 26. º, o substituto em direito:

a)    A 70% da participação emolumentar correspondente ao lugar e ao período da substituição, se for conservador ou notário designado em acumulação com as suas funções próprias: 

b)    À participação emolumentar por inteiro, se for conservador, notário ou adjunto nomeado ou destacado em função exclusiva de substituição; 

c)    À opção pela participação emolumentar correspondente ao lugar e ao período da substituição. se for ajudante.

2 -No caso de provimento interino, o substituto tem direito à participação emolumentar correspondente ao lugar. 

3 -Salvo no caso de provimento interino, o substituto tem direito. nos termos da lei geral, às despesas de transporte que tiver de efectuar por força da substituição e, se a substituição se der em acumulação com a chefia da repartição sediada noutra localidade, a ajudas de custo.”

Ø Ora, neste enquadramento e considerando que. por razões ponderosas de serviço, se pode verificar a necessidade de, pontual e temporariamente: (a) manter em exercício de funções num determinado serviço de registo um trabalhador que -na sequência dos procedimentos concursais aqui em causa -obteve colocação em posto de trabalho distinto daquele que ocupava aquando da constituição inicial da mobilidade; o que, em rigor, e a nosso ver acaba por se reconduzir a uma "nova" constituição de mobilidade do trabalhador (porque é, agora, distinto o designado serviço de origem); ou mesmo de (b) constituir "ex novo" situações de mobilidade para o exercício de funções num serviço distinto daquele onde se situa o posto de trabalho que o trabalhador deverá ocupar pelo trabalhador (na sequência dos resultados obtidos nos referidos procedimentos concursais); coloca-se a questão de saber se -por força da já referida ressalva que é efetuada no nº 2 do artigo 15° e atento o que se dispõe no nº 2 do artigo 11º, ambos do Decreto-Lei n.0 145/2019, é possível abonar os trabalhadores - sem embargo da correspondente colocação num determinado posto de trabalho, em resultado dos procedimentos concursais que aqui estão em análise - nos termos anteriormente previstos (ou seja, de acordo com as regras resultantes do referido artigo 56° do Decreto-Lei n.0 519-F2/79, de 29 de dezembro).

Isto porque, até à data, ainda não foi revista a lei orgânica dos serviços de registo e pode suceder que o montante correspondente à remuneração base a que estes trabalhadores têm direito por aplicação do n.º 2 do artigo 15º do artigo 145/2019 (i. é., apurada considerando a soma do vencimento de categoria do trabalhador com a participação emolumentar correspondente ao serviço de registos onde se situa o posto de trabalho onde ficou colocado), seja inferior ao montante remuneratório a que esses mesmos trabalhadores teriam direito - quando em situação de substituição ou acumulação de funções constituídas ex novo- por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.0 519-F2/79, de 29 de dezembro.

Exemplificando e com referência aos procedimentos concursais abertos em 2019:

i)         Pode um trabalhador (pertencente ao serviço A) - que se encontra a exercer funções em regime de mobilidade e substituição ou acumulação no serviço "B" e a quem foi mantida a remuneração ao abrigo do disposto nº 1 do artigo 11° - mas que, por força do concurso aqui em causa, passa a pertencer ao mapa de pessoal do serviço "C", pese embora, por motivos de interesse público, se deva manter a exercer funções em substituição ou acumulação no serviço "B" - continuar a ser abonado com referência ao serviço "B"?

ii)        Pode um trabalhador (pertencente ao serviço A) - e que se encontra a exercer nesse serviço - e que, por força do concurso aqui em causa, passa a pertencer ao mapa de pessoal do serviço "B", pese embora, por motivos de interesse público, deva passar a exercer (temporariamente) funções em regime de mobilidade e substituição ou acumulação no serviço "C' - passar a ser abonado com referência ao serviço "C" e não ao serviço "B"?

Por fim, coloca-se-nos ainda uma outra questão que, pese embora não respeite diretamente a matéria que deva constar dos contratos a celebrar na sequência dos procedimentos concursais em apreço, está relacionada com a questão da manutenção (ou não) de alguns dos efeitos remuneratórios decorrentes do anterior enquadramento legal. 

Isto porque nos termos do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio (que estabelece o regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas - RNPC) a direção do RNPC é assegurada, por períodos trienais, pelo conservador que, para o efeito, seja designado por despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IRN, I. P. -cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 79.º. 

Sendo que, no artigo 82.º daquele diploma (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro), se determinava, quanto ao vencimento dos conservadores, o seguinte: 

"1 -Os conservadores auferem o ordenado correspondente à 1.ª classe. 

2 -Os conservadores auxiliares têm direito ao ordenado correspondente à 3.ª classe, salvo se for mais elevada a sua classe pessoal. 

3 -A participação emolumentar do director é apurada segundo as regras aplicáveis aos conservadores das conservatórias do registo comercial autonomizadas. 

4 -A participação emolumentar dos outros conservadores e dos conservadores auxiliares corresponde, respectivamente, a 85% e a 70% da participação emolumentar apurada para o director."

Ø Ora, assim sendo, importa esclarecer se o trabalhador que se encontra designado como diretor do RNPC e que ficou colocado num posto de trabalho de conservador de registos no âmbito dos procedimentos concursais aqui em causa, pode -sem prejuízo de, naturalmente, ver a sua remuneração base apurada em função do posto de trabalho que vai ocupar - por estar ainda a decorrer o período de três anos atrás referido e enquanto se mantiver nessas funções de direção, continuar a ser abonado nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 82º do Decreto-Lei n.0 129/98, de 13 de maio.

p)  Em 26 de outubro de 2021 foi remetida à Senhora Diretora do Departamento de Recursos Humanos da Entidade Demandada, o entendimento veiculado pela Rede Interministerial de Trabalho Colaborativo da DGAEP, com o seguinte teor:

“Exm.ª Senhora, 

Relativamente às questões colocadas pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN), através do oficio n.º 1241/DRH/2021, de 7.10.21,  e enviado a esta Direção-Geral por e-mail, cumpre informar o seguinte: 

1.Questão n.º 1 -Atribuição de Subsídios - Pretende-se saber se '( ... )por aplicação da ressalva prevista no nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei n.0 14512019, de 23 de setembro, um trabalhador que- na sequência dos procedimentos concursais aqui em apreço ­ venha a ocupar um posto de trabalho na Região Autónoma dos Açores poderá ser abonado dos designados subsídios de fixação e/ou compensação nos termos anteriormente previstos nos art.ºs 1° e 2° do Decreto-Lei nº 66188, de 1 de março, bem como dos artigos 1° e 2° do Decreto-Lei nº 38 610/1952, de 22 de janeiro)".

O nº 2 do artigo 15.º do Decreto-lei n.0 145/2019, de 23/09, sob a epigrafe "Produção de efeitos”, veio ressalvar os efeitos remuneratórios que decorrem das normas em vigor à data da abertura dos procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho de conservador e oficial de registo. 

Pretendeu, assim, o legislador, salvaguardar que os concursos que estivessem a decorrer continuariam o seu curso normal, sujeitos às regras com base nas quais haviam sido abertos, inclusive, as remuneratórias. 

Ou seja, tendo em conta que este novo diploma procedeu à atualização do conceito de remuneração base nestas carreiras, eliminando a distinção entre vencimento da categoria e vencimento de exercício, o que o legislador pretendeu foi que, relativamente aos concursos pendentes, à data da entrada em vigor do mesmo, aos trabalhadores que viessem a ocupar postos de trabalho na sequência da sua conclusão, fosse assegurado o seu concreto posicionamento na nova tabela remuneratória, ainda à luz dos normativos anteriormente vigentes relativamente ao cálculo da remuneração base, ou seja, de acordo com o montante pecuniário resultante da soma do seu vencimento de categoria e do vencimento de exercício correspondente ao novo posto de trabalho. 

Relativamente ao abono do 'subsidio de fixação/compensação", o mesmo diploma, no seu preâmbulo refere que"(. .. ) continua a mostrar-se extremamente difícil o preenchimento de vagas de conservador e de oficial de registos nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, por falta de interessados, ocasionando graves perturbações na prestação de serviços aos cidadãos e empresas. Assim, e como forma de incentivo, mantém-se o abono de subsídio e de outros apoios pela insularidade aos trabalhadores daquelas carreiras que ocupem posto de trabalho nestas Regiões Autónomas·. (nosso bold).

Neste sentido, estabelecem os n.ºs 2 e 4 do artigo 6.º, que o ora denominado ·subsídio mensal de insularidade", substitui os anteriormente denominados subsídios de fixação e de compensação.

(...)

2 - O conservador de registos e o oficial de registos em exercício de funções na Região Autónoma dos Açores que, á data da ocupação do posto de trabalho, tenham residência há mais de um ano fora da referida região autónoma, ou em ilha diferente, têm direito a um subsídio mensal de insularidade, de montante a fixar por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. (nosso bold) 

(…)

4 - O subsídio previsto no n.º 2 substitui os subsídios de compensação e de fixação a abonar, nos termos do artigo 10.º do Decreto­Lei n.º 247/2003, de 8 de outubro, aos trabalhadores que ocupam posto de trabalho nos serviços de registo da Região Autónoma da Madeira." 

Verifica-se assim ter ocorrido uma revisão do anterior subsídio, tendo sido determinado como requisito para a sua atribuição que, à data da ocupação do posto de trabalho, tenham residência há mais de um ano fora da referida região autónoma, ou em ilha diferente. 

Neste contexto, e atendendo a que se considera que, a disposição de salvaguarda apenas incide numa perspetiva de garantir que a remuneração (base) a fixar em sede de colocação, é o resultado da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício, significa que, um trabalhador que, na sequência dos procedimentos concursais em apreço, venha a ocupar posto de trabalho que fundamente a atribuição do referido subsídio de insularidade, poderá o mesmo ser abonado nos termos do agora previsto no artigo 6.º do referido Decreto-lei n.º 145/2019. 

2. Questão n.º 2 - Constituições de mobilidade (substituição e acumulação) - Pretende-se saber se em situação de mobilidade, "( .. .) atento o disposto no nº 2 do artigo 15° e no nº 2 do artigo 11°, ambos do Decreto-Lei n. º 145/2019, é possível abonar os trabalhadores - sem embargo da correspondente colocação num determinado posto de trabalho, em resultado dos procedimentos concursais que aqui estão em análise - nos termos anteriormente previstos (ou seja, de acordo com as regras resultantes do referido artigo 56º do Decreto-Lei n.º 519-F2179, de 29 de dezembro). Isto porque, até á data, ainda não foi revista a lei orgânica dos serviços de registo".

O artigo 11.º, sob a epígrafe "Substituições e acumulações", e em sede de normas transitórias, veio estabelecer o seguinte:

"1 - Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exercem funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação mantêm o direito à respetiva remuneração, caso esta seja superior á que resulta da aplicação do artigo anterior, e enquanto se mantiverem na situação de substituição ou acumulação. 

2 - Enquanto não for revista a lei orgânica dos serviços de registo, a remuneração a que se refere o número anterior continua a ser determinada nos termos do disposto no n. º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n. º 519-F2179, de 29 de dezembro, na sua redação atual. 

3- O disposto no n.º 1 também é aplicável às situações a que se refere o n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, na sua redação atual".

Ademais, também o artigo 44.º do Decreto-lei n.º 115/2018, de 21/12, diploma que estabelece o regime das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, procedendo à revisão das carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado, determina que: "os trabalhadores em mobilidade ou em comissão de serviço nos serviços do IRN, I. P., à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, mantêm-se nessas situações até ao respetivo termo, salvo quando haja conveniência para o serviço ou interesse do trabalhador na cessação imediata". 

 

 

Assim, conforme resulta do âmbito subjetivo consagrado no n.º 1 do referido artigo 11.º, o mesmo aplica-se apenas aos trabalhadores que, à data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 145/2019 já se encontrassem no exercício de funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação, sendo que, para as novas constituições de situações de mobilidade, considera-se aplicável o disposto no artigo 33.º, inserido no Capitulo VI - Mobilidade - do Decreto-lei n.º 115/2018, de 21/12.

3. Questão n.º 3 - Questiona-se "( ... ) se o trabalhador que se encontra designado como diretor do RNPC e que ficou colocado num posto de trabalho de conservador de registos no âmbito dos procedimentos concursais aqui em causa, pode - sem prejuízo de, naturalmente, ver a sua remuneração base apurada em função do posto de trabalho que vai ocupar - por estar ainda a decorrer o período de três anos atrás referido e enquanto se mantiver nessas funções de direção, continuar a ser abonado nos termos do disposto no nº 3 do artigo 82° do Decreto-Lei n. 0 129198, de 13 de maio".

Sendo o diretor designado de entre conservadores, por períodos trienais (vd. artigo 79.º do Decreto-Lei n.0 129/98, de 13/05), caso o seja em regime de comissão de serviço, afigura-se que o artigo 12.º do Decreto-lei n.0 145/2019, responde a esta questão,  quando determina que "Os conservadores de registos e os oficiais de registos que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exercem funções em regime de comissão de serviço mantêm a respetiva remuneração, enquanto se mantiverem nesses cargos ou funções.·

Com os melhores cumprimentos, 

A Diretora-Geral”

 

q)  A Demandante deixou de auferir o acréscimo remuneratório por exercício de funções em regime de mobilidade em dezembro de 2021.

 

 

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos. 

 

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos pela Demandante e não impugnados, os documentos juntos pela Entidade Demandada e informação divulgada na internet quanto ao procedimento concursal com o aviso referência 1/2019-DRH/SPFQ (CR). 

A convicção do Tribunal resultou também da sua admissão por acordo, face à sua junção com a Petição Inicial e à sua não impugnação na Contestação.

3.2.2.   Do Direito: 

Importa começar por apurar se a decisão de indeferimento do acréscimo remuneratório pela continuidade de exercício de funções na 1ª Conservatória de Registo Predial de ... em regime de mobilidade, ofendeu o conteúdo essencial dos direitos fundamentais previsto nos artigos 13.º, 47.º n.º 2 e 59.º da CRP.

Demandante funda a violação dos direitos fundamentais estatuídos nos preceitos constitucionais acima elencados também na forma de cálculo da remuneração base a partir da entrada em vigor do Decreto Lei n.º 145/2019 de 23 de setembro, matéria excluída dos presentes autos, tendo presente que a causa de pedir se reporta ao pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade do ato de 28 de outubro de 2021 e o consequente pagamento do acréscimo remuneratório que lhe foi sonegado a partir de dezembro de 2021.

Não obstante o acima referido, é relevante apurar se o ato que aqui se impugna violou o direito fundamental à remuneração em condições de igualdade segundo o princípio de que para trabalho igual salário igual (artigo 59.º, n.º 1, al. a), parte final, da CRP).

Não existem dúvidas de que este preceito constitucional, tal como os constantes nos artigos 47.º, n.º2 e 13.º da CRP, consagra um direito fundamental que, não obstante sistematicamente inserido no título dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, é de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, gozando de aplicabilidade direta e se impõe diretamente a entidades públicas e privadas (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1984, pp.129, 322).

A ponderação, no presente pleito arbitral, é a de saber se o ato administrativo em causa ofende o conteúdo essencial do direito fundamental à retribuição do trabalho segundo o princípio de que para trabalho igual salário igual.

Os insignes autores Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que “[a] garantia do conteúdo essencial é uma baliza última de defesa dos direitos, liberdades e garantias, delimitando um núcleo que em nenhum caso deverá ser invadido […] porque, em última análise, para não existir aniquilação do núcleo essencial, é necessário que haja sempre um resto substancial de direito, liberdade e garantia que assegure a sua utilidade constitucional” (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Ed., 2007, p. 395). 

No mesmo sentido, pode afirmar-se que “o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito” (JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 3.ª ed., 2000, p. 341). 

Entende-se que o ato administrativo agora em crise não terá ferido esta reserva última de sentido útil do direito fundamental à remuneração em condições de igualdade na esfera jurídica da Demandante. De facto, devemos ter em conta que o direito fundamental à remuneração em condições de igualdade confere ao legislador uma ampla margem de conformação em relação à determinação do quantum remuneratório e à metodologia a observar na sua quantificação. Nessa medida, não se pode concluir que o referido preceito constitucional proteja no seu núcleo essencial e derradeira reserva o direito do trabalhador a perceber precisamente a exata medida da remuneração que, em cada momento, para ele resultariam da aplicação dos preceitos da lei ordinária.

Esta reserva última de sentido útil do direito à remuneração em condições de igualdade protege a expectativa dos trabalhadores a usufruir de uma remuneração que seja não apenas absolutamente idónea a garantia uma existência condigna, mas também uma remuneração que seja compatível e equilibrada em face das remunerações atribuídas a outros trabalhadores que desempenhem as mesmas funções, tenham a mesma experiência e possuam habilitações equiparáveis.

Assim, este preceito rejeita liminarmente soluções em que a determinação da remuneração dos trabalhadores não seja apurada ou determinada tendo também em consideração esta dimensão relativa ou comparativa, mas não postula (repete-se: no que diz respeito ao âmbito de aplicação do seu núcleo essencial e derradeira reserva de proteção) a absoluta e exata igualdade das remunerações em situações relativamente equiparáveis. 

Neste enquadramento, o ato administrativo colocado em causa não suprimiu, na totalidade, o direito da Demandante à perceção de remuneração em condições de igualdade nem o afetou em termos que tenham negado qualquer alcance útil ou que representassem, na verdade, uma efetiva aniquilação desse direito. 

Aliás, “não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma directa e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos salários. Essa regra inscreve-se no direito infraconstitucional, tanto no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (artigo 89.º, alínea d)), como no Código do Trabalho (artigo 129.º, n.º 1, alínea d))….Deve começar por se anotar que tal regra de direito ordinário apenas vale para a retribuição em sentido próprio. Na verdade, ela não abrange, por exemplo, as ajudas de custo, outros abonos, bem como o pagamento de despesas diversas do trabalhador (Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, II, Situações laborais individuais; Coimbra, 2006, p. 564 e 551). Nessa medida, os subsídios de fixação e de compensação de que gozam os magistrados, expressamente equiparados a ajudas de custo, encontram-se, à partida, fora do âmbito da garantia. Mas importa sobretudo sublinhar que a regra não é absoluta. De facto, a norma que proíbe ao empregador, na relação laboral, diminuir a retribuição (artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código de Trabalho) ressalva os “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho. Quanto à relação de emprego público, admite-se que a lei (qualquer lei) possa prever reduções remuneratórias (cfr. o citado artigo 89.º, alínea d)). O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo” (extrato de Acordão do Tribunal Central Administrativo Norte, prolatado em 13 de setembro de 2019, no processo n.º 00767/11.9BEPRT, relator Exmo. Senhor Desembargador Luís Migueis Garcia).

Por tudo o exposto, decide-se que o ato administrativo em causa não ofende o conteúdo essencial dos direitos fundamentais previstos nos artigos 59 e 47.º, n.º 2 da CRP.

 

No que concerne ao dever de fundamentação, este surge-nos enquanto garantia constitucional (268.º n.º 3 da CRP) e enquanto dever procedimental (artigo 152.º do CPA).

Nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta enunciação dos fundamentos de factos e de direito da decisão, justificando, no caso de atos de conteúdo vinculado, o preenchimento dos pressupostos legais em que assentou a sua prática. A ausência de fundamentação implica, em princípio, a anulabilidade do ato administrativo.

A regra geral de fundamentação dos atos administrativos é um dever da Administração de modo a permitir o direito à defesa pelo interessado, oscilando o grau de exigência da fundamentação, consoante a natureza do administrativo (cfr. Professor José Carlos Vieira de Andrade, in “ O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, Almedina).

Tal como pugnado pela Entidade Demandada, entende este Tribunal que o ato administrativo em crise não padece de falta de fundamentação dado que a comunicação explicita, de forma clara, os fundamentos de facto e de direito da decisão conforme se constata, designadamente, através das asserções transcritas na contestação apresentada: “por força do disposto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, o direito ao abono do acréscimo remuneratório, previsto no anterior enquadramento legal para o exercício de funções em regime de mobilidade em substituição ou acumulação, apenas é mantido enquanto perdurar a situação de mobilidade em substituição ou acumulação já constituída (no anterior enquadramento) e “no caso em apreço, indo V. Ex.ª ocupar um (novo) posto de trabalho na Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., na sequência do procedimento concursal em apreço, ainda que persista o interesse público na constituição de nova situação de mobilidade para a referida 1ª CRP de ..., tratar-se-á, necessariamente de um novo procedimento de mobilidade a constituir após a entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, pelo que e nessa conformidade, não terá V. Ex.ª direito a auferir qualquer acréscimo remuneratório, por força dessa circunstância.”

 

Relativamente à invocada omissão de audição da Associação Sindical dos Conservadores dos Registos durante o processo legislativo de elaboração do Decreto-Lei n.º 145/2019 de 23 de setembro, importa concluir que a fiscalização da inconstitucionalidade suscitada pela Demandante encontra-se subtraída ao presente Tribunal Arbitral.

Com relação à preterição dos princípios da legalidade, boa fé, da segurança jurídica e da proteção por parte do ato administrativo impugnado é relevante trazer à colação que na sociedade atual, a Administração Pública está, na sua atuação, sujeita a todo o ordenamento juridicamente relevante que abrange os princípios jurídicos fundamentais, a Constituição da República Portuguesa, o direito da União Europeia, as fontes de direito internacional, os princípios gerais da atividade administrativa e os regulamentos. Por isso, pese embora se continue a usar a expressão princípio da legalidade, estamos, de facto, perante um verdadeiro princípio da juridicidade. Ou seja, a subordinação da Administração Pública ao direito abrange toda a atividade administrativa. 

Na verdade, por um lado, importa recordar o Princípio da Boa Fé, ínsito no disposto do art. 10º do CPA, nos termos do qual, em homenagem ao princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, a Administração Pública não deve defraudar a confiança que os particulares interessados colocaram num comportamento seu. 

Desde já se adianta que não resulta do ato impugnado que tenha havido violação deste princípio da atividade administrativa porquanto, a Entidade Demandada, através do ofício n.º .../DRH/2021 datado de 07 de outubro de 2021, solicitou, com caráter de muita urgência, um pedido de consulta à Chefe de Divisão dos Recursos Humanos da Secretaria Geral do Ministério da Justiça, com teor transcrito na alínea o) da matéria de facto dada como provada, questionando, designadamente se “Pode um trabalhador (pertencente ao serviço A)-que se encontra a exercer funções em regime de mobilidade e substituição ou acumulação no serviço “B” e a quem foi mantida a remuneração ao abrigo do disposto n.º 1 do artigo 11.º - mas que, por força do concurso aqui em causa, passa a pertencer ao mapa de pessoal do serviço “C”, pese embora, por motivos de interesse público, se deva manter a exercer funções em substituição ou acumulação no serviço “B” – continuar a ser abonado com referência ao serviço ”B”?

Por outro lado, apesar da comunicação de 29 de outubro de 2021 dirigida à Demandante, através da qual se autoriza a mobilidade na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ..., não tomar posição sobre o acréscimo remuneratório peticionado pela Demandante, a comunicação de 28 de outubro de 2023 toma expressa posição sobre o indeferimento do pagamento do solicitado acréscimo remuneratório.

Não obstante o acima vertido, salienta-se que do Aviso - Ref.ª 1/2019-DRH/SPFQ (CR) - Procedimento concursal para ocupação de 150 postos de trabalho, na carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, circunscrito a trabalhadores já integrados na mesma carreira, publicado em https://irn.justica.gov.pt/Portals/33/Concurso%20Interno%20CR%20OR/Aviso_Ref_1-2019_DRH-SPFQ_Conservador.pdf, no dia 2 de agosto de 2019, constava que:

a)    Nos termos do nº 2 do artigo 26º da Portaria nº 134/2019, de 10 de maio, adiante designada Portaria, faz-se público que, por deliberação do Conselho Diretivo, de 22 de julho de 2019 se encontra aberto, pelo prazo de 10 dias úteis a contar da data da publicação do presente aviso na respetiva página da Internet, procedimento concursal, para preenchimento dos postos de trabalho, da carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., abaixo identificados.

b)    A remuneração seria calculada nos termos do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro e, nos casos aplicáveis, ainda nos termos do Decreto-Lei n.º 287/94, de 14 de novembro, do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio e da Portaria nº 942/99 de 27 de outubro.

Pelo que se conclui que, aquando da apresentação da candidatura da Demandante, nem sequer o Decreto Lei 145/2019, de 23 de setembro havia sido publicado e na descrição do cálculo da remuneração constava o regime jurídico anterior à publicação do aludido DL n.º 145/2019.

De acordo com o disposto no art. 8º do CPA, que institui os Princípios da Justiça e da Razoabilidade, a Administração deve “… rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa ….”. 

Este princípio tem também assento no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, como uma diretriz de atuação aos órgãos da administração pública cujas atuações devem ser justas e razoáveis.

Pretende-se que a Administração fundamente as suas decisões e os seus comportamentos em interpretações razoáveis das normas que habilitam a sua ação. Isto é, a Administração deve escolher, de entre as interpretações viáveis, a que se apresentar mais razoável em concreto, sendo permitido ao Tribunal fiscalizar a referida interpretação no sentido de apurar se é ou não a mais razoável (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de fevereiro de 2014, Proc. n.º 701/12; Relator, Exmo. Senhor Conselheiro Ascensão Lopes).

Ora, é pertinente referir que a mobilidade visa a tutela do interesse público da Administração, buscando fundamento em razões de eficiência dos serviços ou da economia para o erário público. Como salientam Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, «nunca se poderá constituir uma situação de mobilidade apenas em resultado de um interesse meramente pessoal do trabalhador público» (cfr. ob. cit., p. 347). Deste modo, o acesso à mobilidade por parte do trabalhador não constitui um instrumento jurídico de modificação do vínculo contratual orientado para a tutela do direito à carreira do mesmo. Trata-se, na verdade, de um instrumento ao dispor da Administração para gestão dos seus recursos humanos, como resulta expressamente do artigo 92.º, n.º 1 da LGTP. De acordo com este preceito, «[q]uando haja conveniência para o interesse público, designadamente quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos ou serviços o imponham, os trabalhadores podem ser sujeitos a mobilidade».

Do parecer emitido pela DGAE, resulta, na parte direcionada ao que se discute no presente pleito que “2. Questão n.º 2 - Constituições de mobilidade (substituição e acumulação) - Pretende-se saber se em situação de mobilidade, "( .. .) atento o disposto no nº 2 do artigo 15° e no nº 2 do artigo 11°, ambos do Decreto-Lei n. º 145/2019, é possível abonar os trabalhadores - sem embargo da correspondente colocação num determinado posto de trabalho, em resultado dos procedimentos concursais que aqui estão em análise - nos termos anteriormente previstos (ou seja, de acordo com as regras resultantes do referido artigo 56º do Decreto-Lei n. 0 519-F2179, de 29 de dezembro). Isto porque, até á data, ainda não foi revista a lei orgânica dos serviços de registo".

O artigo 11.º, sob a epígrafe "Substituições e acumulações", e em sede de normas transitórias, veio estabelecer o seguinte:

1 - Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exercem funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação mantêm o direito à respetiva remuneração, caso esta seja superior á que resulta da aplicação do artigo anterior, e enquanto se mantiverem na situação de substituição ou acumulação. 

2 - Enquanto não for revista a lei orgânica dos serviços de registo, a remuneração a que se refere o número anterior continua a ser determinada nos termos do disposto no n. º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n. º 519-F2179, de 29 de dezembro, na sua redação atual. 

3- O disposto no n.º 1 também é aplicável às situações a que se refere o n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 519-F2!79, de 29 de dezembro, na sua redação atual".

Ademais, também o artigo 44.º do Decreto-lei n.º 115/2018, de 21/12, diploma que estabelece o regime das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, procedendo à revisão das carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado, determina que: "os trabalhadores em mobilidade ou em comissão de serviço nos serviços do IRN, I. P., à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, mantêm-se nessas situações até ao respetivo termo, salvo quando haja conveniência para o serviço ou interesse do trabalhador na cessação imediata". 

Assim, conforme resulta do âmbito subjetivo consagrado no n.º 1 do referido artigo 11.º, o mesmo aplica-se apenas aos trabalhadores que, à data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 145/2019 já se encontrassem no exercício de funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação, sendo que, para as novas constituições de situações de mobilidade, considera-se aplicável o disposto no artigo 33.º, inserido no Capítulo VI - Mobilidade - do Decreto-lei n.º 115/2018, de 21/12.”

Aquando do fim de prazo da candidatura ao procedimento concursal constante do aviso Ref.ª 1/2019-DRH/SPFQ (CR), da publicação e entrada em vigor do DL 145/2019, de 23 de setembro e na data assinatura do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (29 de outubro de 2021), a Demandante encontrava-se a exercer funções em regime de mobilidade, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... (recorde-se que por despacho proferido pela Senhora Presidente do Conselho Diretivo em 22 de outubro de 2021, foi autorizada a continuidade de exercício de funções em regime de mobilidade, na dita Conservatória Predial de ...).

Demandante, desde novembro de 2002, até pelo menos, 31 de outubro de 2022, exerceu funções na 1ª Conservatória de Registo Predial de ... .

Acresce que o n.º 2 do artigo 15.º do Decreto Lei n.º 145/2019, ressalva os efeitos remuneratórios decorrentes das normas em vigor à data da abertura dos procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho de conservador e oficial de registo.

Da letra dos preceitos acima identificados, a interpretação jurídica das normas aplicáveis mais razoável à situação em concreto seria a de manter o pagamento do acréscimo remuneratório pela manutenção do exercício de funções em regime de mobilidade nos termos peticionados pela Demandante.

O ato administrativo em questão acrescenta à letra da lei e mesmo ao entendimento constante no parecer do DGAE, a conclusão de que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do DL n.º 145/2019, de 23 de setembro, o direito ao abono do acréscimo remuneratório previsto no anterior enquadramento para o exercício de funções em regime de mobilidade em substituição, apenas é mantido enquanto perdurar a situação de mobilidade em substituição ou acumulação já constituída (no anterior enquadramento).

Tal conclusão não resulta da letra da lei e não cumpre o dever de a Administração Pública fundamentar as suas decisões e os seus comportamentos em interpretações razoáveis das normas que habilitam a sua ação. Ao não optar pela interpretação, de entre as viáveis, a que se apresenta mais razoável ao caso em concreto, o ato impugnado viola os princípios da justiça e da razoabilidade constantes no artigo 8.º do CPA e no artigo 266.º n.º 2 da CRP, o que implica a anulabilidade do ato administrativo ora impugnado nos termos do estatuído no n.º 1 do artigo 163.º do CPA.

Acresce ainda que no âmbito do princípio da proporcionalidade, previsto no art. 7º do CPA e com assento na Lei Fundamental (artigo 266.º, n.º 2 da CRP), uma medida só será proporcional se dela decorrerem, de forma razoável ou adequada, mais benefícios, tendo em vista o fim público proposto, do que prejuízos para os restantes direitos, interesses ou bens jurídicos em confronto.

Sendo certo que, o cumprimento deste princípio obriga a Administração Pública a explicitar o juízo de ponderação realizado entre os benefícios que as medidas têm para o interesse público e as desvantagens que as mesmas acarretam para a esfera jurídica dos interessados. Ora, do teor do ato administrativo em crise não se vislumbra qualquer evidência de que tal juízo de ponderação foi, sequer, ponderado no iter cognitivo da decisão, padecendo, por isso, do desvalor da anulabilidade (cfr. artigo 163.º n.1 do CPA).

Assim, pelos fundamentos acima transcritos, há que reconhecer à Demandante o direito a receber o acréscimo remuneratório pelo exercício de funções em regime de mobilidade nos termos peticionados pela mesma.

Assim, face ao exposto e o peticionado, a Demandante tem direito a receber o valor de € 1.273, 00 (mil duzentos e setenta e três euros) mês, correspondente ao montante que foi reduzido à sua remuneração mensal desde dezembro de 2021 até à cessação do exercício de funções em regime de mobilidade na 1ª Conservatória de Registo Predial de ..., tendo presente, o tempo de duração máxima constante no artigo 97.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho.

 

Relativamente aos juros peticionados:

Importante para enquadrar o pedido da Demandante quanto aos juros é apurar o sentido e o alcance dos juros de mora. No Código Civil, artigos 804.º e 808.º, constitui-se em mora o devedor que falte, culposamente, no pagamento pontual de uma obrigação, incorrendo na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Nas obrigações pecuniárias a reparação destes danos, verifica-se pelo pagamento de juros, a contar do dia da constituição em mora (806.º CC), que têm essa vocação de ressarcimento nos termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º2 alínea a) e 806.º n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil e ainda artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e Portaria 291/2003, de 8 de abril, que fixa em 4% a taxa anual dos juros legais.

O artigo 173.º, n.º3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho preceitua que “O empregador público fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da remuneração na data do vencimento.”

Observe-se, por fim, a Lei 3/2010, de 27 de abril que consagra a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, a qual prescreve, no seu artigo 1.º, n.ºs 1 e 2:

1 - O Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, estão obrigados ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte.

2 - Quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica-se a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil.

Face ao esboço normativo acima identificado, decide-se serem devidos pela Entidade Demandada juros de mora, calculados à taxa anual de 4% dos juros legais sobre o capital em dívida à Demandante, desde o dia em que cada mês deveria ter sido pago o valor do acréscimo remuneratório devido pela mobilidade até à data em que a Demandantetermine o exercício de funções em regime de mobilidade. A estes valores acrescerão ainda os juros de mora desde a data da apresentação da petição inicial até ao efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

 

IV - DECISÃO FINAL:

Perante tudo o que antecede, decide-se julgar:

- Improcedente, por não verificada, a exceção dilatória invocada pela Entidade Demandada, referente à falta de lesividade do ato impugnado (inimpugnabilidade do ato impugnado);

- Procedente a presente ação arbitral, por estarem verificados os vícios de violação dos princípios da justiça e da razoabilidade (artigo 8.º do CPA e no artigo 266.º n.º 2 da CRP) e da proporcionalidade (artigos 7.º do CPA e 266, n.º da CRP).

- Condenar a Entidade Demandada a pagar à Demandante a quantia mensal peticionada de € 1.273, 00 (mil duzentos e setenta e três euros), correspondente ao montante que foi reduzido à sua remuneração mensal desde dezembro de 2021 até à cessação do exercício de funções em regime de mobilidade na 1ª Conservatória de Registo Predial de ... .

- Condenar a Entidade Demandada no pagamento à Demandante dos juros de mora, calculados à taxa anual de 4% dos juros legais sobre o capital em dívida, desde o dia em que cada mês deveria ter sido pago do acréscimo remuneratório peticionado até à data da apresentação no CAAD da petição inicial (2 de agosto de 2022). A estes valores acrescerão ainda os juros de mora desde a data da apresentação da petição inicial até ao efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

 

Nos termos do artigo 29º, nº 5, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, tratando-se de assunto relativo a relações jurídicas de emprego público, as custas são fixadas nos termos da tabela de encargos processuais estabelecida pelo CAAD. 

Notifiquem-se as Partes. 

Fica a Entidade Demandada notificada para, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente decisão arbitral, proceder à liquidação dos valores devidos à Demandante em conformidade com o aqui decidido. 

CAAD, 26 de maio de 2023

A Árbitra

 

Carmen Andreia da Silva Couto