Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 117/2022-A
Data da decisão: 2023-01-28  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 17.000,00
Tema: Relações jurídicas de emprego público; Diferenças de vencimento; Reposicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I -   Da Petição Inicial

Na sequência da ação intentada por A... contra o B..., I.P., foi o Demandado citado para contestar em 2 de junho de 2022, o seguinte pedido:

a)     que lhe seja reconhecido o direito a auferir o valor de 7.595,81€ a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;

b)    que lhe seja reconhecido o direito a auferir o valor total de 6.197,62€ a título de diferenças de vencimento de exercício e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia e a recalcular corretamente o vencimento de exercício do Demandante;

c)     que lhe seja reconhecido o direito a receber a título de diferenças de vencimento o valor de 2.230,56€ e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia assim como ser reconhecido o direito ao vencimento mínimo de 1.749,09€ para futuro com as sucessivas atualizações;

d)    que lhe seja reconhecido o direito a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu;

e)     que seja afastada a aplicação do artigo 10.º, n.ºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, ao Demandante por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, e suas sucessivas renovações;

f)     que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979, de 29 de dezembro, e o disposto na Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, de acordo com os quais se fixa a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um segundo ajudante no escalão 245 e aplicá-lo ao Demandante com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar ao Demandante o vencimento médio nacional de um segundo ajudante no escalão 245 à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

II - Da contestação

Regularmente citado para contestar veio o B..., I.P., na qualidade de Demandado, contestar o pedido em 02 de junho de 2022,  reconhecendo que se encontrava vinculado à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e declarando não prescindir de, caso se justifique, interpor recurso da decisão arbitral que venha a ser proferida, para o tribunal estadual competente.

Sem conceder, invocou ainda as exceções da incompetência do tribunal arbitral, da intempestividade da instauração da ação (caducidade do direito de ação) e da impropriedade do meio processual, defendendo, quanto a estas, em resumo, que o meio próprio seria a ação impugnatória, a intentar nos três meses após a prática dos atos a impugnar.

Mais solicitou o Demandado a exceção de incompetência material desta instância arbitral para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de atos legislativos e normativos legais, absolvendo-se o Demandado da instância ou, caso assim não se entenda:

a)     O reconhecimento da exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual (no caso, de instauração da presente ação), e concludentemente, absolver-se o Demandado da instância, ao abrigo do estatuído no artigo 89.°, n.° 1, alínea k) e n.° 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA);

a)     Julgar procedente a invocada exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual, com a consequente absolvição do Demandado da instância, nos termos do disposto nos artigos 89.°, n.° 2 do CPTA, 278.°, n.° 1, alínea e) e 576.°, n.° 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis exvi artigo 1.° do CPTA;

b)    em todo e qualquer caso, e mesmo que assim não se entenda, deve julgar-se absolutamente improcedente a presente ação, absolvendo-se a entidade demandada dos pedidos.

 

III -  Saneamento

Verificada a legitimidade das partes, a competência e aceitação da intervenção do tribunal e a inexistência de qualquer impedimento processual, cumpre agora analisar e decidir sobre o pedido pelo Demandante.

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade processual, encontrando-se devida e regularmente representadas pelos ilustríssimos mandatários por si constituídos conforme procuração que juntaram, estando ambas de acordo quanto à recorribilidade da presente decisão, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.

Na sua Contestação, o Demandado invoca as exceções: 

  (i).         da intempestividade da instauração da presente ação; 

 (ii).         da impropriedade do meio processual.

No que concerne à primeira questão, temos a dizer que:

  (i).         Da intempestividade da instauração da ação

 

Alega o Demandado que o Demandante discorda do modo como, entre os anos de 2000 e 2004, o Gabinete de Gestão Financeira do Ministério ... e, posteriormente, o Demandado interpretaram e aplicaram os diversos normativos constantes dos decretos-leis de execução orçamental publicados nesse período (nomeadamente, o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio, o artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de março, o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de fevereiro, o artigo 41.º e o Mapa I do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e o artigo 43.º e o Mapa I do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março. Todas estas disposições normativas vedaram as alterações ou valorizações remuneratórias, para todas as carreiras, nomeadamente as não revistas, como era o caso da carreira dos oficiais.

Para o feito, refere, em suma, que o Demandante pretende impugnar atos administrativos, que consistem na verificação do facto de se mostrarem reunidos os pressupostos previstos na lei para atribuição de certa quantia remuneratória a cada trabalhador.

Por estes motivos, não está em causa a impugnação de atos administrativos, mas apenas o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas decorrentes de normas jurídico-administrativas nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.

Diga-se, ainda, que as disposições legais que constituem a causa de pedir dos indicados pedidos nem sequer reclamavam da Administração a prática de qualquer ato administrativo, tal como não a habilitavam a sua prática.

Nestes termos considera-se improcedente, por não provada, a invocada exceção da intempestividade da instauração da presente ação.

Pelo que a presente ação é tempestiva.

 

 (ii).         Da impropriedade do meio processual

Invocou, ainda, o Demandado a exceção da impropriedade do meio processual, considerando que o meio processual adequado ao exercício do direito que o Demandante pretende fazer valer na presente ação seria a ação impugnatória e não a ação de reconhecimento de direitos.

Além disso e como se referiu, a presente ação é idónea, como se vê da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA, para o efeito pretendido pelo Demandante.

Nestes termos, improcede a invocada exceção da impropriedade do meio processual. Pelo que o presente processo é o adequado.

 

A.   Do pedido

O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 27 de julho de 2022, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).

 

B.    Questões a decidir

 

As questões a decidir nestes autos, decorrentes das causas de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e outras peças processuais são, em suma, as seguintes:

a)     Saber se assiste, ou não, ao Demandante, o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e de integração na Carreira Especial de Oficial de Registos com remuneração de base inferior à devida;

b)    Saber se assiste, ou não, ao Demandante, o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos;

c)     Saber se assiste, ou não, ao Demandante, o direito de ver desaplicadas, entre os anos de 2011 e 2017 as normas decorrentes das sucessivas leis do Orçamento de Estado e respetivos decretos-leis de execução orçamental que determinavam a proibição de valorizações remuneratórias.

d)    Saber se os n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e, em consequência, deve ser repristinado regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, pagando à Demandante as diferenças salariais daí resultantes.

 

C.   Fundamentação

 

Dos Factos

Da análise dos elementos alegados e provados por ambas as partes, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão do pleito:

a)     O Demandante está, presentemente, integrado na carreira (categoria) de oficial de registos do mapa de pessoal da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ..., exercendo funções, em regime de mobilidade na categoria, nos serviços do B..., I.P., na Loja do Cidadão de ... . 

b)    O Demandante ingressou na carreira em 1990 com a categoria de escriturário de ... classe da Conservatória dos Registos Civil, Predial e Cartório Notarial de ... . Em maio de 1993, foi nomeado escriturário da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ..., lugar que aceitou em 01/07/1993. Em abril de 1999, foi nomeado 2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ..., lugar que aceitou em 03/05/1999, passando a auferir pelo índice 210 do escalão 1. Em 20/12/2000, iniciou funções de coordenação nos serviços da então Direção Geral dos B... (atual B..., I.P.) na Loja do Cidadão de ..., funções que ainda exerce em regime de mobilidade na categoria. Em maio de 2002, por força de progressão na carreira, passou a auferir pelo índice 225 do 2.º escalão. Em maio de 2005, por força de progressão na carreira, passou a auferir pelo índice 235 do 3.º escalão. Nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, transitou para a carreira/categoria de oficial de registos, com efeitos reportados a 01/01/2018, passando a auferir vencimento pelo índice 245 do 4.º escalão.

Sucede, porém, que da análise dos seus vencimentos e da confrontação dos mesmos com os vencimentos devidos de acordo com as revisões salariais, resultante da alteração da tabela e do valor do índice 100, a Demandante deveria estar a receber os valores que agora peticiona e que, dando por reproduzido o que consta dos artigos 18.º a 50.º da Petição:

 

Ano

Carreira/Categoria

Índice e escalão

Valor auferido

Valor peticionado

Janeiro de 2002

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ... 

211

634,47€

654,80€

Fevereiro a junho de 2002

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

211 até abril; 225 a partir de maio

651,69€

654,80€ até maio; 698,24€ em junho

Julho a dezembro de 2002

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

225 Posição 2

698,24€

698,24€

2003

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

228

698,24€

707,55€

2004

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

233

698,24€

723,07€

Janeiro de 2005

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

233

698,24€

738,98€

Fevereiro de 2005

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

233

747,42€

738,98€

Março a julho de 2005

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de...

233; 244 a partir de maio

713,61€

738,98€ até abril; 773,87€ até julho

Agosto a dezembro de 2005

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

244

745,33€

773,87€

2006

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

244

756,51€

785,49€

2007

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de...

244

767,86€

797,27€

2008

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

244

783,98€

814,01€

2009

2.º Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

244

806,71€

837,60€

2010 a 2017

Oficial de Registos

244

806,71€

837,60€

Janeiro a agosto de 2018

Oficial de Registos

254, Escalão 4

815,29€

871,93€

Setembro a dezembro de 2018

Oficial de Registos

254, Escalão 4

823,87€

871,93€

Janeiro a abril de 2019

Oficial de Registos

254, Escalão 4

823,87€

871,93€

Maio a novembro de 2019

Oficial de Registos

254, Escalão 4

832,46€

871,93€

Dezembro de 2019

Oficial de Registos

254, Escalão 4

841,04€

871,93€

Perfazendo um total de 7.595,81€

 

Do resumo dos valores recebidos e devidos, conforme exposto no quadro supra e melhor explicitado nos artigos 18.º a 50.º da Petição Inicial, resulta um pedido de 7.595,81€ a título de valores devidos e não pagos.

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e não impugnados e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos e aceites.

Do Direito

Tendo dado como provados os factos anteriormente referidos, resta agora saber se assiste, ou não, ao Demandante, o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e de integração na Carreira Especial de Oficial de Registos com remuneração de base inferior à devida.

 

a)    Do vencimento de categoria

Consta no preambulo do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (que apenas foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro), que “as disposições estatutárias dos conservadores, notários e oficiais de registos, no atinente ao seu estatuto remuneratório, têm a particularidade de integrar duas componentes – o vencimento base, reportado ao antigo sistema de letras da função pública que, em articulação com os novos princípios salariais, se passará agora a referir a uma escala indiciária, e a componente variável – participação emolumentar, que é fixada de acordo com o rendimento produzido pela respetiva repartição. Durante o ano de 1990 foi alterado o estatuto remuneratório deste pessoal, no tocante a esta segunda componente, impondo-se, numa perspetiva de coerência interna, alterar a outra componente – a que ora se referencia às escalas indiciárias –, respeitando a data em que aquela outra iniciou a sua produção de efeitos, por forma a haver tratamento unitário no que tange à fixação do seu vencimento.”

Consta ainda deste diploma, no seu artigo 1.º, n.º 1, que “as escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado constam, respetivamente, dos mapas I e II anexos ao presente diploma, do qual fazem parte integrante”.

 No n.º 2 do artigo 1.º, consta que “as escalas salariais que constam do número anterior referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice.”

Assim, as escalas indiciárias relativas aos vencimentos dos oficiais de registos acompanham a atualização da escala indiciária do regime geral.

Este índice foi, ao longo do tempo, variando nos seguintes termos:           

-      1 de janeiro de 2000 - Portaria n.º 239/2000, de 29 de abril - o índice 100 foi fixado em 58.383$00 ou seja, 291,20€;

-      1 de janeiro de 2001 - Portaria n.º 80/2001, de 8 de fevereiro - o índice 100 foi fixado em 60.549$00, ou seja, 302,02€;

-      1 de janeiro de 2002 - Portaria n.º 88/2002, de 28 de janeiro - o índice foi atualizado para 310,33€;

-      Em 2003 e 2004, o valor do índice manteve-se;

-      1 de janeiro de 2005 - Portaria n.º 42-A/2005, de 17 de janeiro - o índice 100 foi fixado em 317,16€;

-      1 de janeiro de 2006 - Portaria n.º 229/2006, de 10 de março - o índice 100 foi fixado em 321,92€;

-      1 de janeiro de 2007 - Portaria n.º 88-A/2007, de 18 de janeiro - o índice 100 foi fixado em 326,75€;

-      1 de janeiro de 2008 - Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro - o índice 100 foi fixado em 333,61€;

-      1 de janeiro de 2009 - Portaria n.º 1553-C/2008 de 31 e dezembro – o índice 100 foi fixado em 343,28€;

-      Em 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, o índice 100 manteve o mesmo valor.

Constatamos assim, do alegado na Petição Inicial e documentado através da prova feita nos autos, que se verificaram, concomitantemente, vários fatores que determinaram alterações salariais que não se refletiram de forma direta e automática na remuneração base mensal do Demandante. 

A saber: 

-      a atualização e alteração da tabela de vencimentos; 

-      a atualização dos índices; 

-      a atualização do valor do índice 100 como se pode ver infra; o aumento da retribuição mínima na Administração Pública em 2019, que produziu alterações na Tabela Única de Remunerações; 

-      a entrada em vigor em 2020 do regime remuneratório da carreira especial de oficial de registos;

-      e as atualizações na Tabela Única de Remunerações em 2020 (Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de março) e em 2021 (Decreto-Lei n.º 10/2021, de 1 de fevereiro).

 

Das atualizações e correções salariais resultantes destes diplomas resulta para o Demandante uma diferença salarial como se viu no quadro anterior que resume o que consta dos artigos 18.º a 50.º da Petição Inicial.

As atualizações acima expostas e aqui reclamadas, decorriam imediatamente da lei (conforme os diplomas acima identificados) e deveriam ter sido feitas de forma oficiosa, ou seja, não careciam de requerimento do interessado para serem levadas a cabo, além de que não importava uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo.

Nem eram objeto de concreta notificação aos interessados, pelo que se trata do mero reconhecimento de situação jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.

Ou seja, perante a legislação vigente, aplicava-se de forma automatizada ao caso do Demandante, bastando a inserção dos dados, tratando-se por isso de meras operações materiais.

Sendo, por isso, oportuna a sua reclamação do atual (incorreto) posicionamento na tabela remuneratória.

Aquando da transição para a nova tabela remuneratória, devia ter sido considerado que o Demandante, na categoria de origem, auferia pelo índice 254, no valor de 871,93€ e não pelo índice 245 no valor de 841,04€. 

Pelo que o Demandante foi penalizado pelo não recebimento da totalidade dos valores a que tinha direito, assim como pela colocação errada na nova tabela remuneratória.

 

b)    Da participação emolumentar

 

De acordo com o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979, de 29 de dezembro, a remuneração dos oficiais de registo e notariado era composta por uma parte fixa que consistia no vencimento de categoria e uma participação emolumentar - determinada pela aplicação de determinadas percentagens sobre a receita mensal líquida do serviço (artigo 54.º) a qual deveria ser mensalmente apurada mensalmente, a que acresceriam ainda emolumentos pessoais, correspondentes aos cobrados pela realização de atos de registo civil fora das repartições.

A Portaria n.º 940/99 impôs limites ao cálculo da participação emolumentar, determinando que deveria ser distribuída por todos os oficiais, na proporção dos respetivos vencimentos de categoria, sendo o cálculo feito mensalmente. 

Determinou ainda este diploma que, no mínimo, era assegurada uma participação emolumentar correspondente a 100% do vencimento de categoria do oficial de registo (artigo 4.º) e que aos oficiais das Conservatórias de Registo Centrais e do Arquivo Central seria assegurado, como mínimo, uma participação emolumentar igual ao respetivo vencimento de categoria acrescido de 70% (artigo 5.º).

Resulta da Portaria n.º 1448/2001 de 22 de dezembro, que, de forma transitória no ano de 2002, a parte emolumentar passaria a ser constituída pela média aritmética da participação emolumentar apurada de janeiro a outubro de 2001 na conservatória onde os funcionários se encontrassem a exercer funções em tal período. 

Resulta também que os oficiais de registos e notariado que entrassem após a data de novembro de 2001 teriam direito a que esta parte do vencimento fosse calculado sobre uma receita mensal líquida de 2.500.000$00, 15.000.000$00 e 20.000.000$00, consoante se tratasse respetivamente de serviço de 3.º, 2.º ou 1.º classe (n.º 6).

Durante o ano de 2003, mantiveram-se as regras sobre a determinação do vencimento da parte emolumentar dos oficiais de registo, previsto na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, acrescentando que aos oficiais de registos e notariado que entraram entre 1 de janeiro e 31 de outubro de 2001 seria assegurado que esta parte do vencimento era calculado sobre uma receita mensal líquida de 2.500.000$00, 15.000.000$00 e 20.000.000$00, consoante se tratasse respetivamente de serviço de 3.º, 2.º ou 1.º classe; exceto se a receita mensal ilíquida gerada nesse período foi superior à que lhes estaria garantida por efeito da aplicação do n.º 6 da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro. 

Por outro lado, esta nova Portaria determinou que as participações emolumentares calculadas de acordo com as regras deste diploma serão atualizadas de acordo com a taxa que vier a ser fixada para o índice 100 da escala indiciária do regime geral. 

A Portaria n.º 110/2004, de 29 de janeiro, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2004, e manteve integralmente o regime das duas portarias anteriores (Portaria n.º 1448/2001, 22 de dezembro, e Portaria n.º 110/2003, de 29 de janeiro), o mesmo sucedendo entre 2005 e 2019, por força das várias portarias e leis do Orçamento de Estado que mantiveram em vigor os efeitos das normas anteriores.

Ora, o Demandante, a partir de agosto de 2006, viu o seu vencimento de exercício a ser idêntico ao vencimento de categoria.

A verdade é que, uma vez que o seu vencimento de categoria estava a ser incorretamente calculado, e uma vez que este era determinante para calcular o valor da sua participação emolumentar, o Demandnete solicita que lhe seja reconhecido o direito a:

-      em 2006: o Demandante recebeu 756,51€. 

Nesse ano, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para 321,92€, pelo que, o Demandante teria direito a receber 785,49€ (índice 244). 

Assim a diferença é de 28,98€ x 5 meses (de agosto a novembro incluindo subsídio de Natal) = 144,90€.

-      em 2007: o Demandante recebeu 767,86€. 

Nesse ano, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para 326,75€. 

Assim, o Demandante tinha direito a receber 797,27€ (índice 244), pelo que a diferença de 29,41€, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de 411,74€.

-      em 2008: o Demandante recebeu 783,98€. 

Nesse ano, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para 333,61€, pelo que, o Demandante tinha direito a receber 814,01€ (índice 244), sendo a diferença de 30,03€. 

Valor esse que, multiplicado por 14 meses, perfaz o valor de 420,42€.

-      em 2009: o Demandante recebeu 806,71€.  

Nesse ano, o valor do índice 100 foi atualizado para 343,28€, pelo que, o Demandante tinha direito a receber 837,60€ (índice 244).

A diferença é de 30,89€, que, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de 432,46€.

-      de 2010 a 2017: o índice 100 não foi atualizado. 

O Demandante recebeu 806,71€, mas devia receber 837,60€, pelo que a diferença é de (30,89€ x14 meses) x 8 anos, o que perfaz o valor de 3.459,68€.

-      em 2018: o Demandante transitou para a carreira /categoria de oficial de registos, por via legislativa, passando ao índice 245, escalão 4 e auferindo o vencimento de 815,29€ de janeiro a agosto; e de 823,87€ de setembro a dezembro. No entanto, aquele índice 245 tinha passado a corresponder, por força das atualizações de índices, ao índice 254, a que correspondia o valor de 871,93€, pelo que, o Demandante tinha direito às diferenças de vencimento, no valor de: 

o   De janeiro a agosto: 56,64€ x 9 meses (inclui subsídio de férias) = 509,76€; 

o   setembro a dezembro: 48,06€ x 5 meses (incluindo subsídio de Natal) = 240,30€;

o   Num total de 750,06€.

-      em 2019: de janeiro a abril, o Demandante auferiu 823,87€/mês; de maio a novembro auferiu 832,46€; e em dezembro recebeu 841,04€. 

No entanto, conforme atrás explicado, o vencimento do Demandante, atento o seu escalão e índice, correspondia a 871,93€ (índice 254, escalão 4), pelo que, o Demandante tem direito às diferenças de vencimento, a saber: 

o   janeiro a abril: 48,06€ x 4 meses = 192,24€;

o   maio a novembro: 39,47€ x 9 meses (inclui subsídio de férias e subsídio de Natal) = 355,23€;

o   dezembro: 30,89€;

o   Num total de 578,36€.

Este total perfaz o valor de 6.197,62€ peticionado pelo Demandante. 

De acordo com o artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, aos oficiais de registo e do notariado é abonada, a titulo de participação emolumentar, uma percentagem da receita global líquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês a favor do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça (n.º 1), a proporção da distribuição dessa percentagem pelo pessoal que a ela tenha direito e as normas a que devem obedecer a respetiva atribuição e liquidação são fixadas por portaria - Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, estabelece que a participação emolumentar atribuída aos oficiais de registos e do notariado, terá por limite a percentagem de 15% da receita global líquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês a favor do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça (artigo 1.º).

Por conta da verba apurada nos termos desse n.º 1, a participação emolumentar dos oficiais dos registos e do notariado é determinada pela aplicação das seguintes percentagens (artigo 2.º), conforme continua a Portaria: até 1.500.000$00, 16,5%; sobre o excedente, 8% para os oficiais de registos e 9,2% para os oficiais de notariado.

A que acresce que a participação apurada nos termos do artigo 2.º será distribuída por todos os oficiais, na proporção dos respetivos vencimentos de categoria (artigo 3.º dessa mesma portaria).

Solicita o Demandante que seja o Demandado também condenado a proceder a esse recálculo, face às diferenças salariais supra identificadas a favor do Demandante.

c)     Emolumentos pessoais

Os emolumentos pessoais têm natureza de suplementos remuneratórios dos trabalhadores integrados nas carreiras do Demandante e são verbas definidas nas tabelas do notariado e dos registos civil, predial, comercial, automóveis e navios, anexas à Portaria n.º 996/98, de 25 de novembro, que visam remunerar os trabalhadores pelo “estudo e preparação em função do grau de complexidade, bem como a realização dos atos fora das instalações do serviço ou fora das horas regulamentares” – artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro.

De acordo com o Regulamento dos Serviços dos B..., aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 55/80 de 8 de outubro, no seu artigo 137.º, n.º 1, consta que os emolumentos especiais cobrados pela realização de atos de registos civil e de notariado fora das repartições e pela elaboração de requerimentos para atos de registo predial, nos termos da lei, revertem para os funcionários da repartição na proporção dos respetivos ordenados (e consubstanciam uma receita efetiva da conservatória), desde que direta ou indiretamente neles colaborem.

Estes emolumentos são entendidos sob o prisma de compensação pelo trabalho causado ao funcionário que pratica o ato fora da repartição e (ou) das horas regulamentares e (ou) se substitui ao interessado, por vontade deste, na elaboração de requerimentos, são repartidos pelos funcionários que executado o ato ou diligencia.

Ora, atendendo a que se peticionou supra o reconhecimento de que os ordenados se encontravam incorretamente calculados, consequentemente também os emolumentos foram incorretamente calculados, dado que estes eram pagos na proporção dos respetivos ordenados.

O máximo dos emolumentos pessoais a receber pelos funcionários encontra-se normativamente fixado em montante não superior a metade do respetivo vencimento de categoria (Despacho normativo n.º 299/91, de 21 de outubro).

Em face do exposto, pede o Demandado que seja reconhecido o seu direito à correção e pagamento dos mesmos na proporção do que esteja em falta, devendo ser notificado o Réu para informar quais os valores efetivamente pagos ao Demandante a título de emolumentos pessoais ao longo dos anos, dado que isso se encontra omisso na nota biográfica junta.

d)    Da transição para a nova tabela remuneratória

Em 21 de dezembro de 2018, foi publicado o Decreto-Lei n.º 115/2018, que estabeleceu o regime da carreira especial de oficial de registos, revendo assim as atuais carreiras de ajudante e escriturário dos registos e notariado. 

De acordo com este diploma:

-      Transitaram para a carreira especial de oficial de registos, categoria de oficial de registos, os ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes integrados nos quadros do registo civil e predial;

-      Transitaram igualmente para a mesma categoria os ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes que na sequência da privatização optaram pela integração em serviço do B..., I.P., bem como aqueles que regressam ao serviço do B..., I.P.;

-      Transitam igualmente para a mesma categoria os atuais ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes dos serviços de notariado não abrangidos pela privatização;

-      Transitam igualmente para a mesma categoria os atuais escriturários e escriturários superiores da carreira de escriturário dos registos e do notariado, assim como os escriturários e escriturários superiores que na sequência da privatização do notariado, regressem ao serviço do B..., I.P.

Nesse mesmo diploma, previu-se que até à entrada em vigor do disposto no artigo 6.º (a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos respetivos níveis remuneratórios faz-se por diploma próprio, a aprovar) mantinha-se em vigor a situação remuneratória dos trabalhadores que transitam para a carreira especial de oficial de registos (artigo 43.º).

Em 23 de setembro de 2019, foi publicado o Decreto-Lei n.º 145/2019, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020, que estabelece o regime remuneratório da carreira especial de oficial de registos constando no seu preambulo que “houve atualização do conceito de remuneração base, eliminou-se a divisão entre vencimento de categoria e vencimento de exercício (participação emolumentar), que foram integrados num só; a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios; a transição dos trabalhadores para a nova tabela retributiva garantindo o princípio do não retrocesso salarial”.

Neste diploma consta que a remuneração base é o montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na carreira e/ou categoria de que é titular (artigo 3.º).

Consta ainda que na transição para a nova tabela remuneratória da carreira especial de oficial de registos (anexo II), os trabalhadores desta carreira são reposicionados na posição remuneratória da categoria de oficial de registos a que corresponde nível remuneratório cujo montante pecuniário seja equivalente à remuneração base a que têm direito na data de entrada em vigor do decreto-lei atrás referido (1 de janeiro de 2020), mas não inferior ao da primeira posição remuneratória da carreira e categoria de oficial de registos (artigo 10.º, n.º 2).

Não se verificando identidade quanto aos níveis remuneratórios, os trabalhadores deverão ser reposicionados em posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam, de montante pecuniário equivalente à remuneração base a que têm direito na data de entrada em vigor do referido decreto-lei. 

Mais importa esclarecer que, no caso em apreço, a remuneração base deverá corresponder à soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do decreto-lei em apreço.

Ora, à data de entrada em vigor deste diploma, o Demandado pagava ao Demandante, a título remuneratório:

-      Como vencimento de categoria: 841,04€;

-      Como vencimento emolumentar: 841,04€.

 

Quando este deveria receber, conforme o supra exposto:

-      Como vencimento de categoria: 871,93€;

-      Como vencimento emolumentar: 871,93€. 

Assim, o Demandante, em 1 de janeiro de 2020, auferia 1.687,13€ [(841,04€ + 841,04€) + 5,05€ referente à atualização de 0,3% - Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de março] e, por isso, foi colocado entre o nível 23 e 27 e entre a posição 3 e 4 da tabela remuneratória única (TRU), quando deveria ser considerado o vencimento de 1.743,86€ [(871,93€ + 871,93€) + 5,23€ referente à atualização de 0,3% - Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de março], mantendo-se colocado entre o nível 23 e 27 e entre a posição 3 e 4 da tabela remuneratória única. 

Até agora, o Demandante deveria ter auferido mais 1.872,09€ a título de diferenças salariais (1.743,86€ – 1.687,13€ = 56,73€ x 33 meses de janeiro de 2020 a maio de 2022 = 1.872,09€).

A transposição acima exposta decorria imediatamente da lei (conforme os diplomas acima identificados) e era feita de forma oficiosa, ou seja, não carecia de requerimento do interessado para ser levada a cabo.

Aliás, bastava apenas aos serviços verificar o vencimento de categoria e emolumentar (de exercício) do Demandante, somá-los e integrar a totalidade no nível correspondente da TRU, para além de que não importava uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo, pelo que o que aqui se peticiona resulta do mero reconhecimento de situação jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.

Ou seja, perante a legislação vigente, aplicava-se de forma automatizada ao caso do Demandante, bastando a inserção dos dados, tratando-se por isso de meras operações materiais.

Consideramos assim, oportuna a reclamação do Demandante, a qual merece ainda a nossa concordância.

 

DECISÃO

Do supra exposto, resulta claro que o Demandante esteve a receber – até à integração na nova TRU – por um valor inferior àquele pelo qual, de acordo com a simples aplicação automática da lei, deveria ter estado a receber e, consequentemente, são devidas as diferenças salariais solicitadas nas alíneas a), b), c) e d) da Requerimento Inicial e que supra transcrevemos.

De facto, aplica-se ao demandante o índice 100 do regime geral da função pública (n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril), até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 21 de Dezembro, e tendo este sofrido as revisões que expusemos anteriormente, deveria a remuneração do Demandante ter sido atualizada em conformidade e sem que este tivesse que requerer tal atualização, uma vez que tal se deveria verificar ope legis.

Em face do que antecede, considera-se que os dois primeiros pedidos formulados pelo Demandante deverão ser considerados procedentes.

No mesmo sentido, considerando ainda que nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020 (n.º 1 do artigo 15.º do mesmo diploma), a remuneração de base, para efeitos de reposicionamento remuneratório na Carreira Especial de Oficial de Registos, é a resultante do somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito na data da entrada em vigor do mesmo diploma. 

Ora, como o Demandante estava a ser remunerado por um valor inferior ao devido – conforme tabela que consta deste documento – deveria o Demandado ter reposicionado o Demandante na nova Carreira e categoria entre a posição remuneratória 3 e 4 da TRU, entre o nível 23 e 27, direito que reconhecemos ao demandante.

Considerando que, desde 1 de janeiro de 2020, o Demandado tem pagado ao Demandante a quantia de 1.687,13€ mensais, a título de remuneração de base, incluindo subsídios de férias e Natal, quando deveria ter pagado 1.743,86€ mensais, são devidas diferenças mensais de 56,73€, o que, considerando as 14 prestações em 2020, as 14 prestações até ao final de 2021, e as cinco prestações até ao mês de maio de 2022, incluindo subsídios de férias e de Natal, corresponde a 1.872,09€.

Deve, por isso, o Demandado reposicionar o Demandante nos termos expostos e pagar-lhe as mencionadas diferenças salariais, que totalizam 1.872,09€, e não 2.230,56€, conforme peticionado pelo Demandante.

 

Do direito ao pagamento das diferenças a título de emolumentos pessoais

Cumpre agora decidir sobre o quarto pedido do Demandante, a saber sobre o seu direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos. 

Alega o Demandante, para suportar este pedido, que os emolumentos pessoais devem ser atribuídos aos funcionários da repartição na proporção dos respetivos ordenados, nos termos do n.º 1 do artigo 137.º do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro, bem como do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e das tabelas anexas à Portaria n.º 996/98, de 25 de novembro.

E que estando a sua remuneração base mal calculada, também estes valores o estariam incorretamente calculados, na medida em que os mesmos são pagos na proporção dos ordenados.

Somos, pois, de entendimento que este quarto pedido deve proceder.

 

Do pedido de desaplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, ao Demandante, por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro,e suas sucessivas renovações e da repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro, e do disposto na Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, de acordo com os quais se fixa a fórmula de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro

Com a entrada em vigor da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, a ligação entre a forma de cálculo do vencimento de exercício e o rendimento efetivo da Conservatória onde o trabalhador se encontrava a exercer funções foi posta em causa, dado que se deixou de ter em consideração o rendimento efetivo mensal da Conservatória (dada a distribuição aleatória pelas Conservatórias dos registos civil, predial, automóvel e comercial requeridos online) para se ficcionar um valor reportado ao rendimento da Conservatória referente a alguns meses de 2001, congelando-se, assim, uma componente relevante da remuneração dos oficiais de registo.

Situação que se agravou com as Portarias n.ºs 1180/2009, de 7 de outubro, 1406/2009, de 11 de dezembro, e 109/2013, de 19 de março, por se verem fundidas várias Conservatórias de Registo Civil (no primeiro caso) e predial (no segundo caso), bem como várias Conservatórias de Registo (no terceiro caso).

Estas circunstâncias dão inegavelmente lugar a um repercussão nos rendimentos das conservatórias e dos oficiais de registo, porquanto os oficiais colocados nas conservatórias antes da anexação têm um vencimento em função do rendimento reportado a 2001 e os colocados na conservatória após a anexação têm um vencimento em função do rendimento ficcionado em 2009/2013.

Situação essa que se prolonga no tempo por via da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, fundado na manutenção de soluções normativas constantes da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, prescindindo-se plenamente do mérito e produtividade da conservatória entre 2002 e 2020.

Assim, no que concerne ao quinto e sexto pedidos do Demandante ficou aqui claro que da aplicação destes preceitos normativos resulta um efetivo tratamento discriminatório do ponto de vista salarial entre trabalhadores da mesma categoria. 

E que não poderá ser o mérito ou o demérito de quem em 2001 estava a exercer funções na Conservatória que contribui positiva ou negativamente para o cálculo da remuneração base dos trabalhadores, sendo esse um regime transitório.

Em face desta desigualdade, somos do entendimento que estas normas padecem da inconstitucionalidade pretendida pelo demandante, sendo de aplicar ao Demandante o vencimento médio nacional de um 2.º Ajudante no escalão 245 à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

Do valor da causa

O Demandante atribuiu à presente ação o valor de 17.000,00€, o que corresponde a mais do que as diferenças salariais computadas na Petição Inicial. O Demandado não se opôs ao valor da causa oferecido pelo Demandante.

Representando o valor da causa a utilidade económica imediata do pedido, o Demandante pretende obter os seguintes pagamentos:

-      Primeiro pedido – 7.595,81€ correspondente às diferenças de vencimento de categoria;

-      Segundo pedido – 6.197,62€ a título de diferenças de vencimento de exercício acrescido do cálculo correto do valor de vencimento de exercício do Demandante;

-      Terceiro pedido – 1.872,09€ a título de diferenças de vencimento;

-      Quarto pedido – reconhecimento direito do Demandante a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Demandado.

Da soma dos três primeiros pedidos (7.595,81€ + 6.197,62€ + 1.872,09€ = 15.665,52€ acrescido do valor resultante do calculo correto do valor do vencimento de exercício do Demandante (2.ª pedido)) resulta claro que o Demandante desconhecia o valor que poderia implicar o seu quarto pedido, bem como o benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do CPTA, atribuindo-se-lhe o valor de 30.000,01€, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Sem falar no que respeita aos quinto e sexto pedidos em que o Demandante pede a declaração de inconstitucionalidade de preceitos legais e a repristinação de normas revogadas, e a sua aplicação ao Demandante, com consequente reposicionamento remuneratório, não tendo dado qualquer noção quanto às quantias que poderiam estar em causa nem ao benefício económico que daí poderia resultar, o valor da causa relativo a cada um desses pedidos terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do CPTA, atribuindo-se-lhe o valor de 30.000,01€, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Considerando-se assim, o disposto no n.º 7 do artigo 32.º, entende-se que o valor da presente causa deverá corresponder ao somatório dos valores dos três primeiros pedidos com o valor próprio dos pedidos de valor indeterminável, que assegura o recurso para o Tribunal Central Administrativo, devendo assim fixar-se a esta causa o valor de 30.000,01€, nos termos e para os efeitos das normas constantes do n.º 1 do artigo 31.º, dos n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º, dos n.ºs 1, 2 e 4 do CPTA, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

 

 

Decisão

Da análise dos factos e do direito que os enforma e decorrendo das considerações por mim feitas anteriormente, decido julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

a)     Condenar o Demandado a reconstituir a carreira salarial do Demandante desde 2001 até à data, reconhecendo o direito do Demandante a auferir o valor de 7.595,81€ a título de diferenças de vencimento de categoria e atualizações do índice 100 e condenar o Demandado ao pagamento desta quantia, nos termos que melhor se explicitam no quadro resumo infra, valores sujeitos aos descontos legais;

b)    Condenar o Demandado ao pagamento de 6.197,62€ a título de diferenças de vencimento de exercício, bem como ao cálculo correto do vencimento de exercício do Demandante, sujeito aos descontos legais;

c)     Diretamente dependente do exposto nas alíneas a) e b), condenar o Demandado ao reconhecimento do direito a receber a título de diferenças de vencimento o valor de 1.872,09€ e ao pagamento desta quantia;

d)    Em conformidade com o disposto nas alíneas anteriores, condenar o Demandado a calcular os valores dos emolumentos pessoais em falta, devendo os mesmos ser pagos pelo Demandado, nos termos anteriormente referidos;

e)     Condenar o Demandado do pedido de afastamento da aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, ao Demandante por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, e suas sucessivas renovações;

f)     Condenar o Demandado do pedido de repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/1979, de 29 de dezembro, e o disposto na Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, de acordo com os quais se fixa a forma de calculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um primeiro ajudante no 3.º escalão e aplicá-lo ao Demandante com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar ao Demandante o vencimento médio nacional de um segundo ajudante no escalão 245 à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

Fixa-se à causa o valor de 30.000,01€. 

A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. 

Os encargos são suportados por Demandante e Demandado nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

Registe, notifique e publique.

CAAD, 28 de janeiro de 2023

O Árbitro,

André Miranda