Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 1/2022-A
Data da decisão: 2022-11-10  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 15.000,00
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público: Estatuto Remuneratório de Oficial de Registos.
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DEMANDANTE: A...

DEMANDADO: B..., I.P.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Sumário:

I – Face aos concretos pedidos da Demandante, a presente ação tem por objeto o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, visando a condenação da Administração ao restabelecimento de direitos violados e ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alíneas f), i) e j), do CPTA], numa matéria em que o Demandado está estritamente vinculado ao cumprimento da lei, podendo uma tal ação administrativa ser proposta a todo o tempo (cfr. artigo 41.º do CPTA) e improcedendo as exceções dilatórias invocadas de “intempestividade de instauração do presente processo” e de “impropriedade do meio processual”.

II – A norma do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, não incide sobre qualquer cálculo dos vencimentos de categoria ou de exercício, mas sim, rigorosamente, apenas, para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos”, sobre a relação meramente quantitativa entre esses dois anteriores vencimentos, ao tempo efetivamente abonados, e a nova remuneração base, limitando-se a tomar em consideração aqueles para determinação desta e consequente reposicionamento remuneratório nessa nova carreira. 

III – Quer as correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial estatuídas, seja no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, seja no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, quer as atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, aplicam-se aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, e, consequentemente, o vencimento de categoria resultante de tais correspondências e atualizações não pode deixar de ser tomado em consideração, seja, primeiramente, para efeitos do artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, que assegura uma participação emolumentar (vencimento de exercício) mínima de 100% do vencimento de categoria, seja, depois, para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos”, nos termos dos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.

IV – Não ficou demonstrado que o facto de o Demandado não ter, generalizadamente,  aplicado as referidas correspondências e atualizações aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, tenha afetado, nalguma medida, o montante dos vencimentos de exercício e dos emolumentos pessoais da Demandante, tendo presente que ambos assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria”/“ordenados”.

V – Sendo que a Demandante, aquando da sua transição para a nova carreira de “oficial de registos”, estava já posicionada no último escalão e índice da tabela correspondente à sua carreira anterior e sendo que, conforme o artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a nova remuneração base prevista “é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito” aquando dessa transição, não pode proceder o pedido da Demandante de que os pontos obtidos nas suas avaliações de desempenho acumulados de 2004 a 2018 relevem na própria integração na nova carreira, pois, em qualquer caso, uma tal relevância só poderia ocorrer após a consumação da transição, o que, não tendo sido peticionado, está fora do objeto da presente ação.

 

I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual

 

I.1 – É Demandante na presente ação arbitral A..., pertencente à carreira/categoria de oficial de registos, desempenhando funções na Conservatória do Registo Civil e Predial de ... .

 

É Demandado, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o B... I.P..

 

I.2 – A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa. 

 

Não oferece qualquer dúvida a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada [cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113], nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.

 

Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o C..., no âmbito do qual funciona o B... I.P., está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria].

 

Pelo seu objeto e pelo seu valor – que, desde já, se fixa em € 15 000,00 (quinze mil euros), o valor indicado pela Demandante na Petição Inicial, sem que o Demandado se tivesse pronunciado sobre o tema –, a presente causa integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação do C... à jurisdição do CAAD.

 

Anote-se, tão só, que não restam dúvidas de que na presente causa não estamos perante direitos indisponíveis, pois o seu objeto reconduz-se a questões de montantes retributivos, sendo que, em qualquer caso, deve entender-se a limitação como focalizada apenas nos direitos absolutamente indisponíveis/irrenunciáveis e não abrangendo questões de montantes retributivos, e sendo, para mais, que os montantes retributivos em causa na presente ação não contendem com os créditos retributivos da Demandante considerados impenhoráveis (e, por isso, insuscetíveis de cedência), conforme o artigo 175.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e o artigo 738.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil (CPC).

 

Este Tribunal Arbitral, constituído em 15 de março de 2022, é composto por um Árbitro, conforme estatuição do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem [cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD, disponível em www.caad.org.pt/]; e, nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o Árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa; devendo fazê-lo segundo o direito constituído, conforme estatuem os artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, do Regulamento da Arbitragem [cfr., ainda, artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA]; explicitando-se que, à luz dos artigos 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 26.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, pode recorrer-se subsidiariamente às normas da LAV e do CPTA.

 

Esclareça-se que, “por motivo justificado” – baixa médico-cirúrgica do signatário, devidamente documentada –, a tramitação da presente instância arbitral teve de ficar suspensa entre 2022/10/12 e 2022/10/27 (cfr. artigo 272.º, n.º 1, do CPC).

 

As Partes não renunciaram à possibilidade de recurso da presente Decisão Arbitral, considerando o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem; tendo, aliás, o Demandado dito expressamente não prescindir da possibilidade desse recurso e requerido a notificação da Demandante para manifestar expressamente a sua posição quanto a essa possibilidade (cfr., ainda, artigos 39.º, n.º 4, e 46.º, n.º 1, da LAV e artigo 185.º-A do CPTA).

 

Notificada nesse sentido, de acordo com a promoção constante do Despacho n.º 1, de 27 de junho de 2022, a Demandante declarou “não prescindir de interpor recurso para o Tribunal Competente da decisão arbitral a proferir, caso não obtenha vencimento de causa”.

 

I.3 – Nesse mesmo Despacho n.º 1, de 27 de junho de 2022, o Tribunal Arbitral, considerando o disposto no artigo 18.º doRegulamento da Arbitragem, esclareceu que decidiria toda a matéria relativa às exceções invocadas pelo Demandado na presente Decisão Arbitral e promoveu a intervenção simultânea das Partes, para isso lhes concedendo prazo: (i) convidando a Demandante a, querendo, se pronunciar sobre as exceções invocadas pelo Demandado; (ii) determinando ao Demandado a junção aos autos do Documento 5 da Contestação e da Procuração, ambos então ainda em falta; (iii)convidando a Demandante a, querendo, se pronunciar sobre a posição manifestada pelo Demandado relativamente às informações dele requeridas no artigo 84.º da Petição Inicial, relativas a “emolumentos pessoais”; (iv) tendo presente que as Partes não requerem a produção de prova testemunhal e que o Tribunal Arbitral considera suficiente a prova documental junta aos autos, suscitando a pronúncia das Partes sobre a possibilidade de condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo” e sobre, se delas não prescindirem expressamente, a “produção de alegações finais, escritas ou orais, sucessivas ou simultâneas” (nos termos e para os efeitos da previsão do artigo 24.º do Regulamento da Arbitragem).

 

Tendo as Partes dado cumprimento tempestivo a essa promoção, o Tribunal Arbitral, no Despacho n.º 2, de 25 de julho de 2022, decidiu: (i) porque a Demandante esclareceu nada ter a opor a que não fossem prestadas as informações requeridas do Demandado no artigo 84.º da Petição Inicial e porque as mesmas se revelam desnecessárias para a apreciação e decisão da presente causa, indeferir o requerimento da Demandante relativo à apresentação de tais informações; (ii) determinar a condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”; (iii)conceder prazo às Partes para produção simultânea de alegações finais escritas, algo a que elas tempestivamente corresponderam.

 

Anote-se, desde já, que nestas suas alegações finais escritas ambas as Partes optaram por, no essencial, sublinhar posições que já antes haviam trazido à presente ação; com a exceção, como se verá (cfr. infra IV.5), do que de novo o Demandado afirmou e documentou quanto aos quarto e quinto pedidos da Demandante, inerentes à relevância dos pontos acumulados em matéria de avaliações de desempenho.

 

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas; e não se verificam nulidades processuais ou questões prévias (para além da já referida relativa à possibilidade de recurso da presente Decisão Arbitral).

 

II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes

 

II.1 – A Demandante termina a Petição Inicial, que deu entrada no CAAD em 30 de dezembro de 2021, formulando o(s) seguinte(s) pedido(s):

Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente e provada, e por via dela deve:

a)    ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor de € 7195,22 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;

b)    ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor total de € 4199,21 a título de diferenças de vencimento de exercício e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;

c)    ser reconhecido o direito da Autora a receber o valor mensal de € 1817,96 desde 1 de janeiro de 2020, atendendo às atualizações dos escalões ao longo dos anos;

d)    ser reconhecido o direito da Autora a receber pelo nível remuneratório 27, ou seja, € 1824,84 a partir de 1 de janeiro de 2020 dado que acumulava mais de 10 pontos tendo direito a ser catapultada para o nível seguinte ao que tinha direito (estava entre níveis);

e)    ser reconhecido o direito da Autora a receber pelo nível remuneratório 31, ou seja, € 2031,43, logo que se tenha tornado definitiva a avaliação de desempenho de 2017/2018, face à acumulação de mais de 10 pontos com o consequente pagamento das diferenças salariais apuradas;

f)     ser reconhecido o direito da Autora a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu.  

 

II.2 – Na sua Contestação – tempestivamente apresentada em 1 de fevereiro de 2022 –, o Demandado defende-se por exceção (cfr. artigos 6.º a 38.º da Contestação) e por impugnação (cfr. artigos 39.º a 197.º da Contestação), concluindo esta impugnação por que a presente ação seja, em qualquer caso, julgada absolutamente improcedente, com a sua absolvição dos pedidos.

 

Quanto à defesa por exceção, assenta ela em dois momentos, cada um deles, se procedente, a determinar a absolvição do Demandado da presente instância arbitral:

a)    Invoca o Demandado uma exceção dilatória de “intempestividade de instauração do presente processo” (cfr. artigos 6.º a 25.º da Contestação);

b)    Invoca o Demandado, depois, uma exceção dilatória inominada de “impropriedade do meio processual” (cfr. artigos 26.º a 38.º da Contestação).

 

Cumpre, pois, apreciar e decidir a presente ação.

 

III – Da fundamentação de facto

 

III.1 – O Tribunal decide considerar provados os factos que, tendo sido alegados e que relevam para a decisão da presente causa, a seguir se especificam:

 

1.º - A Demandante foi admitida, em 1986/07/17, com a categoria de “escriturário”, como funcionária da entidade na altura antecessora do Demandado, com o exercício de funções e com o vencimento de categoria e o vencimento de exercício enunciados na sua Nota Biográfica, datada de 2020/10/16, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial.    

 

2.º - Das referidas funções relatadas nessa Nota Biográfica, destaca-se que a Demandante aceitou, em 1998/01/02, a nomeação como 2.º ajudante da atual Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., aí exercendo ainda funções, vinculada por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

 

3.º - Conforme a mesma Nota Biográfica: (i) em 1990/01/01, a Demandante, com a categoria de “escriturário”, foi integrada no escalão 1 do índice retributivo 150, por integração no Novo Sistema Retributivo; (ii) em 1991/01/01, a Demandante, com a categoria de “escriturário”, foi integrada no escalão 2 do índice retributivo 165, por progressão/descongelamento; (iii) em 1992/05/15, a Demandante foi promovida à categoria de “2.º ajudante” e integrada no escalão 1 do índice retributivo 210; (iv) em 1995/05/15, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada no escalão 2 do índice retributivo 225, por progressão; (v) em 1998/05/15, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada no escalão 3 do índice retributivo 235, por progressão; (vi) em 2001/05/15, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada no escalão 4 do índice retributivo 245, por progressão; (vii) em 2004/05/15, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada, por progressão, no escalão 5 do índice retributivo 255, o último escalão e índice da tabela correspondente à carreira (cfr. infra 6.º facto considerado provado).

 

4.º - Conforme os artigos 53.º, n.º 5, 54.º, n.º 5, 59.º, n.º 3, e 61.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, que aprovou a (nova) “Lei Orgânica dos Serviços de Registo e Notariado”, o “ordenado” equivale ao “vencimento de categoria” e o “vencimento de exercício” é correspondência da participação emolumentar, a qual é considerada para todos os efeitos “vencimento de exercício” e se traduz numa “percentagem da receita global líquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês”, em termos fixados por Portaria, tendo, no que releva, a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, fixado que tal percentagem seria de 15%, que por conta da verba assim apurada a participação emolumentar seria de 16,5% (até 1 500 000$00) e de 8% sobre o excedente, a distribuir por todos os oficiais dos registos na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria”, ficando assegurada a cada um, como mínimo, uma participação emolumentar correspondente a 100% do seu “vencimento de categoria” (cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro).

 

5.º - Conforme o artigo 63.º daquele Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e o artigo 137.º do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro, que aprovou o “Regulamento dos Serviços de Registo e Notariado”, no que agora releva, os “emolumentos especiais”, cobrados pela realização de atos de registo civil fora das repartições e pela elaboração de requerimentos para atos de registo predial, nos termos da lei, revertem, “como emolumentos de natureza pessoal sujeitos aos descontos legais”, para os funcionários da repartição “na proporção dos respetivos ordenados”, desde que direta ou indiretamente neles colaborem, sendo que o montante máximo dos “emolumentos pessoais” é fixado por Portaria, revertendo a parte excedente da receita total para os Serviços Sociais do C... .

 

6.º - O Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, aprovou as escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado (correspondendo à categoria de 2.º ajudante o escalão 1 com o índice retributivo 210, o escalão 2 com o índice retributivo 225, o escalão 3 com o índice retributivo 235, o escalão 4 com o índice retributivo 245 e o escalão 5 com o índice retributivo 255), estatuindo o respetivo artigo 1.º, n.º 2, que tais escalas indiciárias “referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice”.

 

7.º - Com a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, erigiu-se um regime (“transitoriamente, para o ano de 2002”) pelo qual, no que releva, “o vencimento de exercício de cada conservador, notário e oficial dos registos e do notariado é constituído pela média aritmética da participação emolumentar apurada de janeiro a outubro de 2001”; sendo que, ocorrendo, a partir de novembro de 2001, ingresso ou progressão na carreira, início de funções noutra conservatória ou alteração da classe de serviço, “o vencimento de exercício (...) passa a ser calculado com base na média aritmética da participação emolumentar a que o funcionário teria direito se estivesse investido na nova situação funcional de janeiro a outubro de 2001”; e mais sendo que aos funcionários de serviço que entrasse em funcionamento após novembro de 2001 era assegurado um vencimento de exercício calculado sobre uma receita mensal líquida de 2 500 000$00, 15 000 000$00 e 20 000 000$00, conforme se tratasse, respetivamente, de serviço de 3.ª, 2.ª e 1.ª classes.

 

8.º - O regime identificado no 7.º facto considerado provado manteve-se, efetivamente, por efeito de vários outros diplomas legais ou regulamentares, até à transição para a nova carreira de “oficial de registos” especificada infra no 9.º facto considerado provado.

 

9.º - Conforme o Documento 5 da Contestação – uma comunicação de correio eletrónico, datada de 2020/01/29, dirigida à Demandante pelo Demandado, sobre a “Transição na carreira e reposicionamento remuneratório” – e coerentemente com a referida Nota Biográfica e com os recibos constantes dos Documentos 3 e 4 juntos à Petição Inicial, a Demandante, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, que reviu as antigas carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e do notariado, e em cumprimento de deliberação do Conselho Diretivo do Demandado, de 2020/01/20, nos termos do artigo 41.º daquele Decreto-Lei e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, transitou, com efeitos a 2018/01/01, daquela categoria de “2.º ajudante” com o escalão 5 do índice retributivo 255 (cfr. supra 3.º facto considerado provado, in fine) para a nova carreira de “oficial de registos”, sendo-lhe atribuídos a 3.ª posição inferior na tabela remuneratória, a 4.ª posição superior na tabela remuneratória, o nível inferior na tabela remuneratória 23 e o nível superior na tabela remuneratória 27, com a remuneração base de € 1763,25 (€ 1768,54 com a atualização de 0,3% determinada pelo Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de março), correspondente, em dezembro de 2019, à soma do vencimento de categoria (€ 875,36) e do vencimento de exercício (€ 887,89); sendo que o corpo da referida comunicação de 2020/01/29, constante do Documento 5 da Contestação, tem o seguinte teor: “Na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, que procedeu à revisão das antigas carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado, e em cumprimento de deliberação do Conselho Diretivo do B..., I.P. de 20.01.2020 fica notificado(a) de que, nos termos do disposto no artigo 41.º do mesmo diploma, e nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, transitou para a nova carreira de Oficial de Registos, nos seguintes termos:”.  

 

10.º - Nos termos do artigo 10.º, n.º 4, daquele Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a nova “remuneração base” prevista “é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei”.

 

11.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 4 junto à Contestação) a deliberação do Conselho Diretivo do Demandado, de 2020/01/20, identificada supra no 9.º facto considerado provado, a qual – à luz do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, que erigiu as novas carreiras especiais de “conservador de registos” e de “oficial de registos”, e à luz do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que erigiu o regime remuneratório dessas novas carreiras e regulou a transição para as novas remunerações – definiu o processo desta transição para as novas remunerações.

 

12.º - No que releva para a situação retributiva do vencimento de categoria da Demandante, por referência aos índices retributivos 245 e 255 (cfr. supra 3.º facto considerado provado) verificaram-se novas correspondências, em concreto: (i)o índice 249, a partir de 1 de janeiro de 2003 [conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2003]; (ii) o índice 254, a partir de 1 de janeiro de 2004 [conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2004]; (iii) o índice 264, a partir de 15 de maio de 2004 [face à progressão para o 5.º escalão da categoria de 2.º ajudante (cfr. supra 3.º facto considerado provado, in fine), a que já correspondia, à data dessa progressão – e por referência ao índice 255 inicial (cfr. supra 6.º facto considerado provado) –, o índice 264, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis].

 

13.º - O índice 100 da escala indiciária do regime geral foi atualizado para: (i) € 310,33, a partir de 2002/01/01 (cfr. Portaria n.º 88/2002, de 28 de janeiro); (ii) € 317,16, a partir de 2005/01/01 (cfr. Portaria n.º 42-A/2005, de 17 de janeiro); (iii) € 321,92, a partir de 2006/01/01 (cfr. Portaria n.º 229/2006, de 10 de março); (iv) € 326,75, a partir de 2007/01/01 (cfr. Portaria n.º 88-A/2007, de 18 de janeiro); (v) € 333,61, a partir de 2008/01/01 (cfr. Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro); (vi) € 343,28, a partir de 2009/01/01 (cfr. Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro). 

 

14.º - Da sua Nota Biográfica, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial, resulta não terem sido aplicadas à Demandante as alterações decorrentes dos anteriores 12.º e 13.º factos considerados provados, tal como resulta que, mesmo com tais alterações, o vencimento de categoria da Demandante seria inferior ao limite das remunerações acima do qual não podiam ser feitos os aumentos salariais fixados para os anos de 2003 e de 2004, identificados infra nos 17.º e 18.º factos considerados provados.

 

15.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 2 junto à Petição Inicial) uma impressão de uma tabela, obtida no sítio oficial da Direção-Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), na qual, quanto aos “Oficiais dos Registos e do Notariado” e especificamente quanto à categoria de “2.º ajudante”, surgem sequencialmente, relativamente ao ano de 2009, os seguintes índices: “218-€ 748,35”; “233-€ 790,84”; “244-€ 837,60”; “254-€ 871,93”; “264-€ 906,26”.

 

16.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 1 junto à Contestação) uma comunicação da Diretora-Geral do Gabinete de Gestão Financeira do C... para o Diretor-Geral dos  B... do mesmo Ministério, de 2000/05/29, na qual se esclarece que, considerando que legalmente o aumento salarial em 2000 não pode ser inferior a 3000$00 e que “somando o valor da atualização do vencimento de categoria e o de exercício, verifica-se em todas as situações um aumento superior a 3000$00, o mesmo acontecendo nas participações emolumentares variáveis”, “não se procedeu a alterações até ao índice 200” (referindo-se, certamente, às novas correspondências dos anteriores índices 110 a 200, previstas na Circular n.º 1271, de 2000/04/17, do Diretor-Geral do Orçamento, para o período posterior a 1 de janeiro de 2000).

 

17.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 2 junto à Contestação) o Despacho n.º 20/2003, de 2003/11/28, do Diretor-Geral dos B..., sobre o aumento salarial de 1,5% previsto legalmente para 2003, mas limitado às remunerações iguais ou inferiores a € 1008,57, o qual definiu assim os termos da passagem do índice 150 para o índice 152, “conforme Mapa I, anexo ao Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março”.

 

18.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 3 junto à Contestação) a Informação da Direção de Serviços de Recursos Humanos da Direção-Geral dos B..., de novembro de 2004, sobre o aumento salarial de 2% previsto legalmente para 2004, mas limitado às remunerações iguais ou inferiores a € 1024,09, tendo o Secretário de Estado da Justiça determinado que se procedesse a essa atualização como se procedera em 2003, assim se definindo os termos das passagens do índice 150 para o índice 153, do índice 152 para o índice 155 e do índice 165 para o índice 168.

 

19.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 6 junto à Contestação) o Despacho n.º 9499/2006 (2.ª série), de 2006/02/23, do Secretário de Estado da Justiça, determinando que a atualização salarial de 2,2% (relativa a 2005) “dos funcionários abrangidos pelos aumentos salariais de 2003 e 2004 seja efetuada tendo por base os ordenados percebidos pelos funcionários em questão em consequência dos mencionados aumentos”.

 

20.º - Conforme a Nota Biográfica da Demandante, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial: (i) a Demandante obteve sempre, entre 1988 e 2002, a classificação de “Bom”; (ii) em sede de aplicação do SIADAP (cfr. Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro), obteve as seguintes avaliações de desempenho: em 2008, desempenho “adequado” (3,700 valores); em 2009, desempenho “adequado” (3,380 valores); em 2010, desempenho “relevante” (4,300 valores); em 2011, desempenho “adequado” (3,480 valores); em 2012, desempenho “adequado” (3,840 valores); em 2013/2014, desempenho “relevante” (4,760 valores); em 2015/2016, desempenho “relevante” (4,920 valores); não estando concluído o processo de avaliação relativo a 2017/2018.

 

21.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 5 junto à Petição Inicial) uma comunicação de correio eletrónico, datada de 2021/01/13, subscrita pelo Diretor-Geral da DGAEP e dirigida a Eunice Martins (da Divisão de Recursos Humanos da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça), relativa à transição para a nova carreira de “oficial de registos”, referida supra no 9.º facto considerado provado, na qual se escreveu o seguinte: “De acordo com as normas gerais aplicáveis se, da transição para a tabela remuneratória das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, não tiver resultado qualquer acréscimo remuneratório, os pontos já obtidos serão mantidos. § Assim, em sede de transição de carreira, os trabalhadores das anteriores carreiras do B..., I.P., quer os que se encontrassem no topo da carreira, sem posições remuneratórias que permitissem a progressão (posicionados no último escalão e índice da tabela remuneratória prevista no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril), bem como os restantes trabalhadores poderão utilizar tais pontos para alterar o seu posicionamento remuneratório, desde que se encontrem reunidos os requisitos previstos no n.º 7 do artigo 156.º da LGTFP. § Neste contexto, afigura-se que para efeitos de contabilização de pontos para alteração obrigatória de posicionamento remuneratório dos trabalhadores em causa, poderão relevar as avaliações de desempenho anteriores à data da transição para a carreira especial, desde que se trate de avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que os trabalhadores se encontram atualmente, atribuídas nos termos do SIADAP.”

 

22.º - Constam dos autos da presente arbitragem (cfr. Documentos 1 e 2 juntos com as Alegações finais escritas do Demandado): (i) como Documento 1, uma comunicação do Demandado, datada de 2020/11/25, dirigida a ... (da Divisão de Recursos Humanos da Secretaria-Geral do C...), solicitando intervenção para obtenção de pronúncia da DGAEP “relativamente à interpretação quanto ao aproveitamento dos pontos sobrantes obtidos na situação jurídico funcional em que se encontravam os trabalhadores das carreiras de regime especial à data da transição, para efeitos de contabilização do estabelecido no n.º 7 do artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”; e acrescentando, com relevância para a situação sub judice, que “com a transição para as novas carreiras (...), alguns dos trabalhadores que nas anteriores tabelas estavam posicionados no último escalão e índice da tabela correspondente à carreira, e que por isso não podiam progredir ou beneficiar de uma promoção, passaram a estar posicionados nas novas tabelas, mas agora em situação remuneratória que já permite o aproveitamento dos pontos acumulados na anterior carreira, para efeitos de progressão ou promoção”; assim concluindo: “Ou seja, questiona-se sobre se os pontos obtidos no âmbito do processo avaliativo do SIADAP, pelos antigos trabalhadores das antigas carreiras do B..., I.P. – quer se encontrassem ou não posicionados no último escalão e índice da tabela remuneratória prevista no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril – e em momento prévio à sua integração na nova carreira de conservador ou oficial, podem ou não ser contabilizados/mantidos para efeitos de progressão numa carreira a qual só posteriormente passaram a integrar, com efeitos a 1 de janeiro de 2020 (e em função dos pontos detidos em 31 de dezembro de 2020), naturalmente, desde que assim o permitam as novas tabelas remuneratórias previstas no Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.”; (ii) como Documento 2, uma comunicação de correio eletrónico, datada de 2021/05/21, subscrita pela subdiretora-geral da DGAEP, respondendo às perguntas colocadas por Eunice Martins na sequência daquela comunicação do Demandado, da qual, no essencial, se extrai o seguinte: 1) a conclusão do processo avaliativo do ciclo 2019/2020 não releva para a transição de carreira, devendo proceder-se “ao reposicionamento em 1/1/2020, tendo em conta apenas os pontos acumulados até 01/01/2019”; 2) se da transição de carreira não tiver resultado qualquer acréscimo remuneratório, qualquer que seja a sua origem ou natureza, “os pontos já obtidos serão mantidos”, pelo que “poderão relevar as avaliações de desempenho anteriores à data da transição para a carreira especial, desde que se tratem de avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que o trabalhador se encontra atualmente, atribuídas em sede do SIADAP”, podendo “alterar mais do que uma posição remuneratória”; 3) que, dadas as Leis dos Orçamentos do Estado para 2018 e para 2019, entre si conjugadas, podem relevar “os pontos ainda não utilizados que o trabalhador tenha acumulado durante o período de proibição de valorizações remuneratórias, ou seja, só poderá acumular os pontos que tenha obtido até 31 de dezembro de 2017, os outros serão perdidos”, sendo que os pontos obtidos a partir de 2019/01/01 relevarão nos termos gerais do artigo 156.º, n.º 7, da LGTFP.

 

Inexistem outros factos, alegados e relevantes para a decisão da presente causa, considerados pelo Tribunal Arbitral como não provados.

 

III.2 – Todos estes factos considerados provados constituem, objetivamente e entre ambas as Partes, factos incontroversos.

 

Os 1.º a 3.º factos considerados provados resultam da própria Nota Biográfica neles identificada, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial.

 

Os 4.º a 8.º e 10.º factos considerados provados, sem prejuízo de serem considerados assentes por ambas as Partes, resultam diretamente dos diplomas normativos neles identificados, traduzindo, como traduzem, meras descrições, factualmente objetivas, de conteúdos textuais, despidos de quaisquer comentários ou interpretações.

 

O 9.º facto considerado provado, para além de ser incontroverso entre as Partes, resulta dos documentos nele próprio identificados.

 

Os 11.º, 15.º a 19.º, 21.º e 22.º factos considerados provados, sendo também aceites por ambas as Partes, resultam dos documentos neles próprios identificados.

 

Os 12.º e 13.º factos considerados provados resultam também diretamente dos diplomas normativos neles identificados, traduzindo, como traduzem, meras descrições, factualmente objetivas, de conteúdos textuais, despidos de quaisquer comentários ou interpretações.

 

A primeira parte do 14.º facto considerado provado resulta claramente, seja da análise da própria Nota Biográfica nele identificada, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial, seja da essência do próprio dissídio sub judice entre as Partes, pois, sendo factualmente inequívoco o que aí se dá por assente, a dimensão nuclear desse mesmo dissídio está precisamente em saber se as alterações decorrentes dos 12.º e 13.º factos considerados provados deveriam, ou não, ter sido aplicadas à Demandante; importando até não esquecer que, na lógica do que diz na impugnação constante da sua Contestação (cfr. infra IV.2), o próprio Demandado confessa a realidade factual agora dada por provada.

 

Por seu turno, a segunda parte do 14.º facto considerado provado resulta de uma mera comparação de montantes pecuniários, que são públicos, com o vencimento de categoria da Demandante, conforme documentado na sua Nota Biográfica, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial.

 

Por fim, o 20.º facto considerado provado, para além, uma vez mais, de ser incontroverso entre as Partes, resulta diretamente dessa mesma Nota Biográfica, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial.

 

Deve sublinhar-se, aliás, como anotação final, que a apreciação e decisão da presente ação não reclama a resolução de determinantes controvérsias factuais entre as Partes, reclamando, isso sim, essencialmente, a dilucidação de relevantes questões de Direito.   

 

IV – Da fundamentação de Direito

 

IV.1 – Comecemos por apreciar e decidir se o Demandado tem razão na defesa por exceção que deduz, a qual, como se viu, assenta na invocação: (i) da exceção dilatória de intempestividade da instauração do presente processo; (ii) da exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual.

 

IV.1.1 – Quanto àquela primeira exceção dilatória invocada pelo Demandado, note-se que, logo na Petição Inicial (cfr. artigos 51.º a 56.º e 98.º a 103.º), a Demandante procura sublinhar que os seus pedidos correspondem a algo que decorre imediatamente da lei e deve ocorrer de forma oficiosa, sem necessidade de requerimento do interessado nem de notificação a este, não importando uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo, tratando-se sim de mero reconhecimento de situações jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas (“Ou seja, perante a legislação vigente, aplicava-se de forma automatizada ao caso da Autora, bastando a inserção dos dados, tratando-se por isso de meras operações materiais.”), sendo por isso oportuna a sua reclamação. 

 

O Demandado, nos artigos 6.º a 25.º da Contestação, apresenta uma visão diferente das coisas (embora nem sempre coerente com o efetivo teor da Petição Inicial que se pretende contestar), alegando a existência “de um conjunto de atos e decisões administrativas, interpretativas daqueles diplomas e disposições legais, que ao longo dos anos foram sendo proferidos e notificados a todos os funcionários”.

 

Quanto à correção reclamada dos vencimentos, o Demandado invoca os referidos Documentos 1, 2 e 3 juntos à Contestação (cfr. 16.º, 17.º e 18.º factos considerados provados), afirmando que, “caso tivesse ocorrido qualquer desconformidade no âmbito do cálculo e/ou processamento das remunerações devidas à Demandante, anteriores à transição para a nova tabela remuneratória, tais atos deveriam ter sido impugnados nos termos e prazos estabelecidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA”; sendo que a Demandante, não só não impugnou os atos constantes daqueles Documentos, “como os aceitou e os achou conformes, pelo menos durante 20 anos”, e que não corresponde à realidade estarmos perante simples operações materiais de cálculo e processamento de vencimentos.

 

Por seu turno, quanto ao reposicionamento determinado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, invocando agora os referidos Documentos 4 e 5 juntos à Contestação (cfr., respetivamente, 11.º e 9.º factos considerados provados), afirma o Demandado que “se constata que o ato administrativo de transição para a nova tabela remuneratória, consubstanciado na deliberação do Conselho Diretivo de 20/01/2020 (que aprovou a lista nominativa de transições para as novas carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, estabelecidas de acordo com o Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, incluindo para as respetivas novas tabelas remuneratórias previstas nos anexos I, II e III do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, é conhecido da Demandante desde 29 de janeiro de 2020 – data em que foi notificada do seu reposicionamento remuneratório à luz das novas tabelas – pelo que há muito se verifica ultrapassado o prazo de impugnação estabelecido nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA”.

 

E o Demandado retoma esta linha argumentativa nos artigos 160.º a 169.º da Contestação, dizendo, entre o mais, o seguinte: “houve uma intervenção da Administração quando decidiu que, pelas razões já alegadas, a concreta situação da Demandante não se subsumia aos normativos dos diversos decretos-leis de execução orçamental, pelo que, e concludentemente, não procedeu a qualquer alteração da escala indiciária (ou do índice) onde se encontrava posicionada”; “no limite, tal intervenção da Administração ocorreu através da deliberação do Conselho Diretivo datada de 20/01/2020, que, precisamente, aquando da revisão do sistema remuneratório dos trabalhadores destas carreiras especiais, aprovou o reposicionamento remuneratório de cada um dos trabalhadores, nos termos previstos no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro”.

 

Respondeu a Demandante (cfr. a sua Pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado), dizendo, no essencial, o seguinte, para concluir pela tempestividade da apresentação da presente ação:

a)    Que as atualizações reclamadas decorrem imediatamente da lei, devem ser feitas oficiosamente e não importam uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo, nem têm de ser objeto de notificação aos interessados, pelo que “se trata do mero reconhecimento de situações jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas”;

b)    Que impugna aqueles Documentos 1, 2 e 3 juntos à Contestação, os quais, aliás, não permitem as conclusões que deles retira o Demandado nem podem afetar as legais pretensões da Demandante, sendo que, tão pouco, existe prova de que a Demandante tenha tomado conhecimento ou sido notificada dos respetivos teores e/ou de que com estes se tenha conformado;

c)    Que a informação de que precisava só lhe foi facultada após a instauração de processo judicial de intimação, o que retardou a análise necessária;

d)    Que não entende a notificação constituída pelo Documento 5 da Contestação como a notificação de um ato administrativo, dado que, “de acordo com a lei, apenas era necessário verificar quanto o funcionário auferia mensalmente a título de vencimento de categoria e vencimento de exercício e somar esses valores, passando esse número a corresponder à remuneração base”, pelo que “não era necessário um ato administrativo para definir a situação concreta da Recorrente” (“A lei fê-lo sozinha.”), razão por que “a deliberação em causa não consubstancia qualquer ato administrativo e por isso não a pretende impugnar”, apenas pretendendo “fazer valer o direito ao reconhecimento a auferir as quantias em falta – o que resulta da lei – e em face disso a colocação no nível e posição corretas, o que foi apurado tendo em conta as diferenças salariais a que anteriormente tinha direito”;

e)    Que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, “foi aplicado diretamente à Autora, mas na interpretação dada (...) pelo Réu”;

f)     Que não estão em causa direitos indisponíveis, “mas sim o reconhecimento de um direito a diferenças salariais e o reconhecimento do direito a reposicionamento remuneratório”, pelo que o CAAD é competente. 

 

Face a estas posições das Partes, que dizer?

 

O ponto determinante é saber se deve concluir-se que a presente ação tem por objeto uma impugnação de atos administrativos [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do CPTA] ou, diferentemente, um reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do CPTA] e/ou, até mesmo, uma condenação da Administração ao restabelecimento de direitos violados e ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alíneas i) e j), do CPTA]. 

 

Não restam dúvidas de que, na atuação refletida nos Documentos 1, 2, 3 e 6 juntos à Contestação (cfr. 16.º, 17.º, 18.º e 19.º factos considerados provados), o Demandado pressupõe – como, aliás, fica claríssimo (e melhor veremos ainda) da sua defesa por impugnação – uma sua interpretação jurídica genérica relativamente à aplicação no seu âmbito orgânico, no que agora relava, das atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 e das novas correspondências dos índices, conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março (cfr. 12.º e 13.º factos considerados provados).

 

Em contrapartida, essa mesma interpretação jurídica genérica do Demandado, tendo naturalmente efeitos indiretos na deliberação e na comunicação constantes dos Documentos 4 e 5 da Contestação (cfr., respetivamente, 11.º e 9.º factos considerados provados), nestas não está pressuposta, já que ambas incidem apenas sobre o que está em causa no artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro: a relação entre os anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a nova “remuneração base”, limitando-se a tomar em consideração aqueles para determinação desta.

 

Acontece que – e este é o ponto essencial – uma tal interpretação jurídica genérica do Demandado, podendo ser necessária à prolação de um ato administrativo, não é suficiente, só por si, para darmos por verificada a existência de um tal ato administrativo.

 

Conforme o artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a existência de um ato administrativo implica, obviamente se no exercício de poderes jurídico-administrativos, uma decisão que vise “produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

 

Ora, no caso dos Documentos 1, 2, 3 e 6 juntos à Contestação (cfr. 16.º, 17.º, 18.º e 19.º factos considerados provados), o que temos é uma comunicação interna, uma informação e dois despachos, todos de natureza genérica e não numa situação individual e concreta devidamente notificada, relativos à efetivação de aumentos salariais, sem qualquer referência específica à questão concreta sub judice colocada pela Demandante, qual seja a aplicação ao seu próprio vencimento de categoria das alterações remuneratórias decorrentes dos 12.º e 13.º factos considerados provados, com as consequências, estritamente decorrentes da lei, que isso possa também ter no seu vencimento de exercício e na sua transição para a nova carreira de “oficial de registos”.

 

Claramente, inexistem aqui atos administrativos impugnáveis pela Demandante que contendam com a presente ação.

 

Por outro lado, no caso dos Documentos 4 e 5 juntos à Contestação (cfr., respetivamente, 11.º e 9.º factos considerados provados), não está sequer pressuposta aquela interpretação jurídica genérica do Demandado, como dissemos ainda agora, pois incidem, incluindo a notificação constante do referido Documento 5, rigorosamente, apenas, repete-se, sobre o que está em causa no artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro: a relação entre os anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a nova “remuneração base”, limitando-se a tomar em consideração aqueles para determinação desta.

 

É certo que no referido Documento 5 estamos perante uma notificação à Demandante da sua individual e concreta situação decorrente de tal relação verificada entre os seus anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a sua nova “remuneração base” daí decorrente.

 

Mas, vendo bem as coisas, o objeto de tal notificação é o resultado da mera verificação dessa mesma relação entre montantes pecuniários, com o objetivo de a confirmar junto da interessada, incluindo quanto às imediatas decorrências legais a nível de posicionamento na nova carreira; não é, de todo, o resultado de um verdadeiro exercício de poderes (jurídico-administrativos).

 

Razão por que, também aqui, entendemos inexistir um verdadeiro ato administrativo impugnável pela Demandante que contenda com a presente ação.

 

Aliás, mesmo que entendêssemos diferentemente, nunca então um tal ato administrativo – que não revela mácula na estrita estatuição do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro – teria incidido, incluindo na sua notificação, sobre a questão concreta sub judice colocada pela Demandante, inerente, como dissemos, à aplicação ao seu próprio vencimento de categoria das alterações remuneratórias decorrentes dos 12.º e 13.º factos considerados provados, com as consequências, estritamente decorrentes da lei, que isso possa também ter no seu vencimento de exercício e na sua transição para a nova carreira de “oficial de registos”.

 

Deve, pois, nesta questão concreta sub judice colocada pela Demandante, entender-se a presente ação, não como uma impugnação de atos administrativos [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do CPTA], mas sim como tendo por objeto o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, com condenação da Administração ao restabelecimento de direitos violados e ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alíneas f), i) e j), do CPTA], numa matéria em que o Demandado está estritamente vinculado ao cumprimento da lei através das operações materiais estritamente necessárias à aplicação das disposições legais; sendo que uma tal ação administrativa pode ser proposta a todo o tempo [cfr. artigo 41.º do CPTA].

 

Por outro lado – e embora estejamos perante matéria não abordada expressamente pelo Demandado na invocação da exceção dilatória de intempestividade da instauração do presente processo –, temos de notar aqui que aqueles quarto e quinto pedidos da Demandante, inerentes aos pontos acumulados na decorrência das suas avaliações de desempenho, não envolvem qualquer apreciação e decisão sobre o próprio ato de avaliação, mas tão só a apreciação e decisão sobre os efeitos remuneratórios da disponibilidade de pontos resultante de avaliações consumadas ou a consumar, o que, uma vez mais, nos coloca na esfera do reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.  

 

Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.1.1, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente a exceção dilatória invocada pelo Demandado de intempestividade da instauração do presente processo.

 

IV.1.2 – O Demandado, como se viu, invoca também, agora nos artigos 26.º a 38.º da Contestação, uma exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual, dizendo, no que releva, o seguinte (com citação de jurisprudência):

Conforme expressamente preceituado nos termos do n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, verifica-se a proibição de recurso a outro meio processual para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável.

(...)

(...) os atos de processamento de vencimentos que a Demandante visa invalidar, com fundamento na tese de que foram incorretamente calculados a partir do ano 2000, e até à transição para a nova TRU, (...) constituem atos administrativos.

Porquanto, as diferenças salariais aqui reclamadas pela Demandante, decorrem da interpretação e aplicação dos vários diplomas legais sucessivamente aprovados, nesta matéria, e que consubstanciaram diversos despachos quer do Secretário de Estado da Justiça, quer do então Diretor-Geral dos B..., os quais foram, há muito, devidamente publicados e publicitados em todos os serviços de registo.

Pelo que, e caso se tivessem verificado quaisquer vícios ou irregularidades (...), teriam visto a sua anulabilidade sanada pelo facto de deles não ter sido interposto recurso no prazo legal.

Acrescerá, ainda, dizer que (a pretensão deduzida pela Demandante) configura um ato revogatório de atos jurídico-administrativos, constitutivos de direitos que não poderiam ser revogados depois do prazo de 1 ano, nos termos da legislação à data em vigor (...).

Tendo-se, por isso, consolidado, há muito, em termos definitivos, na esfera jurídica da Demandante.

Verificando-se, in casu, ter a Demandante optado por recorrer à ação aparentemente de reconhecimento de situações jurídicas, mas com o verdadeiro objetivo de fazer valer as suas efetivas pretensões impugnatórias, inquestionável será concluir pela impropriedade do meio processual utilizado.

 

Respondeu a Demandante (cfr. a sua Pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado), dizendo, no essencial – para além de contestar a aplicabilidade in casu da jurisprudência invocada pelo Demandado, de invocar ela própria doutrina, inerente à “ideia central do princípio da tutela jurisdicional efetiva”, e outra jurisprudência e de sublinhar que atualmente não existe no CPTA diferença entre a ação comum e a ação especial –, que o meio processual é o próprio “para reconhecimento de situações jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, dado que a legislação, grande parte dela leis de execução orçamental, aplicava-se de forma automatizada ao caso da Autora, bastando por isso a inserção dos dados, tratando-se de meras operações materiais, sendo por isso oportuna a sua reclamação”.

 

Com a simples anotação de que não se vê qualquer pertinência na citada referência do Demandado à revogação dos atos administrativos (conforme o artigo 165.º, n.º 1, do CPA, a revogação consiste na cessação por ato administrativo dos efeitos de um outro ato administrativo por razões de mérito, conveniência ou oportunidade), bastará que remetamos aqui para quanto se disse no ponto IV.1.1 supra para ficar imediatamente claro que se impõe que concluamos, inequivocamente, que haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente a exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual que o Demandado entendeu igualmente invocar.

 

IV.2 – Posto isto, olhemos então para as questões colocadas pelo referido primeiro pedido formulado pela Demandante, qual seja, relembre-se: ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor de € 7195,22 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia.

 

A fundamentação desta pretensão da Demandante assenta, no essencial (cfr. artigos 50.º a 58.º da Petição Inicial), no facto de não terem sido aplicadas ao seu vencimento de categoria (cfr. 14.º facto considerado provado, primeira parte), entre dezembro (inclusive) de 2002 e dezembro (inclusive) de 2019, e também para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos” (cfr. 9.º facto considerado provado), seja as novas correspondências aos anteriores índices retributivos 245 e 255 (cfr. 12.º facto considerado provado), seja as atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral (cfr. 13.º facto considerado provado).

 

Assim, tal montante pedido de € 7195,22 traduz-se na soma dos seguintes montantes considerados pela Demandante em dívida quanto aos seguintes anos: (i) € 25,34, no ano de 2002; (ii) € 195,18, no ano de 2003; (iii) € 416,36, no ano de 2004; (iv) € 507,40, no ano de 2005; (v) € 460,32, no ano de 2006; (vi) € 411,74, no ano de 2007; (vii) € 420,28, no ano de 2008; (viii) € 432,60, no ano de 2009; (ix) € 3460,80, nos anos de 2010 a 2017; (x) € 432,60, no ano de 2018; (xi) € 432,60, no ano de 2019.

 

O Demandado, na sua impugnação – descrevendo o teor das normas consideradas pertinentes para a situação sub judice, suportando-se nos Documentos juntos à Contestação e relatando a evolução da situação retributiva da Demandante –, diz, no que efetivamente releva, o seguinte (devendo considerar-se que esta impugnação, face à sistematização que adota, se refere ainda aos segundo e terceiro pedidos formulados pela Demandante):

a)    As escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, mantiveram-se em vigor, sem alteração, até este diploma ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro;

b)    Tem presente que o artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, estatui que as escalas indiciárias relativas às remunerações dos trabalhadores dos registos e do notariado “referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice”;

c)     Em 2002 não teve repercussão na remuneração da Demandante a atualização do valor base do índice 100 porque, na senda do teor do Documento 1 junto com a Contestação (cfr. 16.º facto considerado provado) “se manteve o entendimento de que não haveria lugar a qualquer alteração do índice em que se encontrava posicionada a Demandante”;

d)    Em 2003 não se efetuou a alteração do índice em que a Demandante estava posicionada, na senda do teor do Documento 2 junto com a Contestação (cfr. 17.º facto considerado provado);

e)     Em 2004 não se efetuou a alteração do índice em que a Demandante estava posicionada – não obstante a sua progressão (cfr. 3.º facto considerado provado, in fine) –, na senda do teor do Documento 3 junto com a Contestação (cfr. 18.º facto considerado provado);

f)     Em 2005 houve atualização do valor base do índice 100, mas nunca “a Demandante impugnou o valor que concretamente lhe estava a ser abonado a título de remuneração em função do índice em que estava posicionada”;

g)    Em 2006 houve atualização do valor base do índice 100, sem que a Demandante “tivesse impugnado ou reclamado do valor que concretamente lhe estava a ser abonado a título de remuneração e em função do índice em que estava posicionada”;

h)    Em 2007 houve atualização do valor base do índice 100, e, uma vez mais, “nunca, durante esse período, a Demandante impugnou o valor que concretamente lhe estava a ser abonado a título de remuneração e em função do índice em que estava posicionada”;

i)      Em 2008 houve atualização do valor base do índice 100, sem que “por qualquer meio ou forma a Demandante tivesse, durante esse período, impugnado o valor que concretamente lhe estava a ser abonado a título de remuneração em função do índice e escalão em que se encontrava posicionada”;

j)     Em 2009 houve atualização do valor base do índice 100, mas nunca “a Demandante impugnou o valor que concretamente lhe estava a ser abonado a título de remuneração e em função do índice em que estava posicionada”;

k)    O regime remuneratório dos trabalhadores dos registos e notariado “apresentava especificidades únicas”, acrescendo que a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, lhes assegurava uma participação emolumentar correspondente, no mínimo, a 100% do seu vencimento de categoria;

l)      “Ora, em termos práticos, estas diferenças de regime significavam que, quando um trabalhador de uma carreira geral (ou outra carreira especial que não a de registos e notariado) estava posicionado em determinado índice da escala salarial que lhe é aplicável, a sua remuneração mensal correspondia, apenas, e tão-só, ao valor correspondente a esse concreto índice. § Já um trabalhador dos registos e do notariado – por força da singularidade do seu regime remuneratório – quando posicionado em determinado índice da escala salarial que lhe era aplicável, a sua remuneração mensal correspondia, no mínimo, ao dobro do valor equivalente a esse concreto índice.”;

m)  “(...) demonstrada que está a singularidade do sistema remuneratório dos trabalhadores desta carreira especial – e face à necessidade do intérprete atender à unidade do sistema jurídico – evidente se torna que bem andou, na altura, o Gabinete de Gestão Financeira do C... e, mais recentemente, o ora Demandado quando, a fim de aferir da necessidade de alterar, ou não a ‘escala salarial (ou indiciária)’ aplicável ao vencimento de categoria de tais trabalhadores cuidou de atender a estas particularidades, e de as conjugar com os citados diplomas de execução orçamental, concluindo, afinal, que as revalorizações indiciárias previstas nos referidos diplomas de execução orçamental, não determinavam qualquer alteração aos específicos escalões indiciários previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, pois o valor da remuneração base dos trabalhadores em apreço incorporava já o aumento resultante dessas mesmas revalorizações.”;

n)    “E, atendendo ao seu concreto teor e ao contexto histórico em que surgiram, é indubitável que os aludidos diplomas de execução orçamental tiveram por escopo aumentar os índices salariais mais baixos, de molde a assegurar aumentos mínimos que, através da mera atualização do índice 100 (...) não seriam atingidos; (...).”;

o)    E, embora nesses diplomas de execução orçamental, o legislador se referisse expressamente a revalorizações dos índices das carreiras de regime geral e de regime especial, “não se conhece qualquer outra carreira de regime especial em que a particularidade inerente às designadas componentes ‘vencimento de categoria’ e ‘vencimento de exercício’ resultava (no mínimo, atente-se!) numa duplicação do valor estabelecido para o índice em que se encontrava posicionado o trabalhador!”; sem esquecer ainda os emolumentos pessoais;

p)    Importando ainda não esquecer que, em 2003, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1008,57 e que, em 2004, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1024,09, integrando-se nestes limites ambas aquelas componentes retributivas existentes na carreira da Demandante, pelo que não estavam preenchidos “os requisitos para a atribuição do direito a que a Demandante se arroga na presente ação”;

q)    Quanto à tabela da DGAEP identificada no 15.º facto considerado provado, “não dispõe de qualquer força vinculativa, além de não ter aplicação ao caso concreto dos presentes autos”, sendo que “a mesma não reproduz qualquer normativo legal, traduzindo apenas a interpretação – refira-se incorreta – efetuada por aquela Direção-Geral dos diversos dispositivos dos diplomas de execução orçamental em análise”; “partiu do (erróneo) pressuposto de que – à semelhança do que sucede na maioria dos sistemas retributivos da Administração Pública – igualmente no caso das carreiras especiais dos registos e do notariado, os índices reconduziam-se à totalidade da remuneração base dos trabalhadores, o que, como já se demonstrou, não corresponde à verdade”;

r)     A Demandante integrou – de forma legalmente correta e vendo “a sua remuneração inalterada” na transição para a “remuneração única” – a nova carreira de “oficial de registos” conforme previsto no Documento 4 da Contestação (cfr. 11.º facto considerado provado), tendo disso sido notificada conforme o Documento 5 da Contestação (cfr. 9.º facto considerado provado); assim se respeitando o regime imperativo do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (que aprova a LGTFP), o qual pretende “assegurar a manutenção da remuneração base auferida até à transição”.

 

Importa reconhecer que a argumentação do Demandado acabada de enunciar revela seriedade e merece ponderação. Mas será que pode ter-se como a argumentação jurídica a perfilhar? Antecipamos que cremos que não. E pelas razões que vão, desde já, expressar-se.

 

Não restam dúvidas de que foi erigido, anteriormente ao Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, um regime retributivo particular dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado, seja na existência de “vencimento de categoria” de par com o “vencimento de exercício” e os “emolumentos pessoais” (cfr. 4.º e 5.º factos considerados provados), seja nas escalas indiciárias próprias para o “vencimento de categoria”, fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, vigentes até àquele Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro (cfr. 6.º facto considerado provado).

 

Um tal sistema retributivo particular obviamente distingue-se do “novo sistema retributivo” geral da função pública, erigido contemporaneamente ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril; sendo que a “unidade do sistema jurídico” – para que o Demandado chama a atenção – é constituída por ambas as realidades, bem conhecidas do legislador, que as concebeu atendendo à sua margem de livre conformação normativa e à especificidade dos interesses em causa que pretendeu acautelar. 

 

Ou seja, o legislador garantiu a particularidade do regime retributivo dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado por razões que considerou ponderosas, devendo considerar-se que na regulação posterior das matérias retributivas públicas o legislador tem sempre presente tal particularidade.

 

Quanto às escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, deve anotar-se, como há pouco se deixou antever – e não esquecendo que (cfr. 4.º facto considerado provado), conforme o Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, o “ordenado” equivale precisamente ao “vencimento de categoria” –, que as mesma se referem ao “vencimento de categoria”, só repercutindo de per se efeitos no “vencimento de exercício” precisamente nos casos concretos em que tiver de ser assegurado o mínimo correspondente a 100% do “vencimento de categoria”, conforme o artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro (cfr. 4.º facto considerado provado, in fine).

 

É que, como resulta dos 4.º e 5.º factos considerados provados, quer o “vencimento de exercício”, quer os “emolumentos pessoais”, assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários, respetivamente, na “proporção” dos respetivos “vencimentos de categoria” e na “proporção” dos respetivos “ordenados”.

 

O que significa que, porque aferidos sempre “proporcionalmente” no âmbito de um determinado universo de pessoas sujeitas a idênticos procedimentos retributivos, os “vencimentos de exercício” e os “emolumentos pessoais” não são, por princípio, diretamente e imediatamente influenciados pelas escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.

 

É certo que existem aqueles casos concretos em que tem de assegurar-se um “vencimento de exercício” correspondente a 100% do “vencimento de categoria”. Mas até estes casos concretos – por mais ou menos numerosos que sejam – devem ser vistos como inerentes à criteriosa ponderação e regulação pelo legislador dos interesses em causa relativos ao regime retributivo particular dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado, no seu permanente e consciente paralelo com o sistema retributivo geral da função pública. 

 

Ora, quando o legislador – à semelhança do que já fizera noutros momentos – entendeu, em 2003 e em 2004 (cfr. 12.º facto considerado provado), alterar os escalões dos índices retributivos através do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, ambos diplomas de execução orçamental, fê-lo certamente, como refere o Demandado, tendo nesses momentos “por escopo aumentar os índices salariais mais baixos, de molde a assegurar aumentos mínimos que, através da mera atualização do índice 100 (...) não seriam atingidos”.

 

O ponto é que o legislador fê-lo igualmente, e necessariamente, plenamente consciente, seja da existência de “vencimentos de exercício” e de “emolumentos pessoais” auferidos por conservadores e notários e oficiais dos registos e do notariado, seja dos efeitos da repercussão direta – “repercussão direta”, sublinhe-se – apenas nos “vencimentos de categoria” desses incrementos dos índices retributivos.

 

E o mesmo se diga, mutatis mutandis, das atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas entre 2002 e 2009 (cfr. 13.º facto considerado provado).

 

É certo, como também refere o Demandado, que, em 2003, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1008,57 e que, em 2004, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1024,09; mas também é certo que o mesmo legislador, em 2003 e em 2004, paralelamente à fixação destes limites, determinou autonomamente os referidos incrementos dos escalões dos índices retributivos, com a inevitável consciência dos efeitos resultantes da sua correspondência nos “vencimentos de categoria” inerentes às escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.

 

E, neste preciso ponto, importa não esquecer que, conforme o 14.º facto considerado provado, segunda parte, resulta que, mesmo com tais alterações, o vencimento de categoria da Demandante seria inferior ao limite das remunerações acima do qual não podiam ser feitos os aumentos salariais fixados para os anos de 2003 e de 2004.

 

O ponto essencial é que, quer as alterações dos escalões dos índices retributivos identificadas no 12.º facto considerado provado, quer as atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas entre 2002 e 2009 identificadas no 13.º facto considerado provado, constituem realidades autónomas dos demais aumentos salariais legalmente determinados e, certamente, o legislador teve bem consciência destes ao determinar também aquelas.

 

Aliás, aquela norma expressa do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril – ao referenciar a escala indiciária particular dos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e ao determinar o  acompanhamento da atualização deste índice –, claramente fortalece o sentido hermenêutico da evolução paralela das duas escalas (a particular e a geral), em detrimento de uma qualquer outra hermenêutica jurídica.

 

E esta argumentação jurídica sai muito reforçada da própria expressão textual utilizada pelo legislador (como já antes, noutros anos, acontecera) no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, referindo, como efetivamente refere (e o Demandado bem reconhece), que as correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial se aplicam, quer às carreiras de regime geral, quer às carreiras de regime especial.

 

E, sublinha-se outra vez, o legislador di-lo na plena consciência da especialidade retributiva dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado.

 

O que, em termos de interpretação jurídica, nitidamente impõe que, in casu, se conceda prevalência ao cânone hermenêutico “onde o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir” (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

 

É igualmente certo, como diz o Demandado, que a tabela da DGAEP identificada no 15.º facto considerado provado “não dispõe de qualquer força vinculativa” e “não reproduz qualquer normativo legal, traduzindo apenas a interpretação” da DGAEP.

 

Mas não deixa de ser especialmente significativo, em prol daquela que deve considerar-se a melhor interpretação jurídica, que precisamente a DGAEP tenha sido naturalmente levada a fazer a interpretação jurídica que publicitou: no sentido de que, contrariamente ao preconizado pelo Demandado, quer as atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas entre 2002 e 2009 identificadas no 13.º facto considerado provado, quer as revalorizações indiciárias previstas nos referidos diplomas de execução orçamental e identificadas no 12.º facto considerado provado, determinavam efetivamente alteração nos índices e escalões previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.

 

Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.2, haverá de decidir-se julgar totalmente procedente este primeiro pedido da Demandante de (com subordinação ao limite do montante pedido de € 7195,22) aplicação ao seu vencimento de categoria, quer, a partir de dezembro de 2002, das atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (cfr. 13.º facto considerado provado), quer das seguintes novas correspondências dos escalões dos índices retributivos (cfr. 12.º facto considerado provado): (i) o índice 249, a partir de 1 de janeiro de 2003 (conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2003); (ii) o índice 254, a partir de 1 de janeiro de 2004 (conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2004); (iii) o índice 264, a partir de 15 de maio de 2004, por efeito da progressão para o 5.º escalão da categoria de 2.º ajudante, a que já correspondia, à data dessa progressão (e por referência ao índice 255 inicial) esse índice 264, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis.

 

IV.3 – Por seu turno, a fundamentação da pretensão da Demandante quanto ao citado segundo pedido (ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor total de € 4199,21 a título de diferenças de vencimento de exercício e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia) assenta, no essencial (cfr. artigos 59.º a 72.º da Petição Inicial), no facto de, segundo alega, o seu vencimento de exercício (participação emolumentar) ter de ter, como mínimo, uma correspondência a 100% do seu vencimento de categoria (cfr. 4.º facto considerado provado, in fine).

 

E isto conjugadamente com as referidas correções que defende terem de ser feitas inerentes, seja às correspondências aos índices retributivos 245 e 255 referidas no 12.º facto considerado provado, seja às atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral referidas no 13.º facto considerado provado (cfr. supra IV.2).

 

O que leva a Demandante a dizer o seguinte (cfr. artigo 71.º da Petição Inicial): “(...) tendo em conta que o vencimento de categoria foi incorretamente calculado, nos termos supra, e face ao disposto na lei, isso mesmo assim teve consequências ao nível da participação emolumentar a que a Autora tinha direito.”

 

Discorda, pois, a Demandante dos montantes dos seus vencimentos de exercício (conforme constam da Nota Biográfica identificada no 1.º facto considerado provado), pagos entre 2004 (inclusive) e 2019 (inclusive), e também para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos” (cfr. 9.º facto considerado provado).

 

Sendo que tal montante pedido de € 4199,21 traduz-se na soma dos seguintes montantes considerados pela Demandante em dívida quanto aos seguintes anos: (i) € 128,45, no ano de 2004; (ii) € 374,85, no ano de 2005; (iii) € 371,89, no ano de 2006; (iv) € 245,00, no ano de 2007; (v) € 250,04, no ano de 2008; (vi) € 257,18, no ano de 2009; (vii) € 2057,44, nos anos de 2010 a 2017; (viii) € 257,18, no ano de 2018; (ix) € 257,18, no ano de 2019.

 

Ora, face à norma do artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, que assegura uma participação emolumentar (vencimento de exercício) mínima de 100% do vencimento de categoria, e face ao decidido supra em IV.2, haverá, necessariamente, de decidir-se julgar totalmente procedente este segundo pedido da Demandante de que (com subordinação ao limite do montante pedido de € 4199,21) o seu vencimento de categoria, conforme resultante da aplicação daquelas atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (cfr. 13.º facto considerado provado) e daquelas novas correspondências dos escalões dos índices retributivos (cfr. 12.º facto considerado provado), seja tomado em consideração para efeitos desse artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, assegurando assim uma participação emolumentar (vencimento de exercício) correspondente, no mínimo, a 100% daquele mesmo vencimento de categoria.

 

IV.3.1 – Anote-se, contudo, que parece extrair-se dos artigos 73.º a 77.º da Petição Inicial que a Demandante pretende, para além da referida correção do vencimento de exercício (de molde a que o mesmo não seja concretamente inferior ao vencimento de categoria), que o Demandado recalcule ainda – relativamente ao período entre 2004 (inclusive) e 2019 (inclusive) e também para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos” (cfr. 9.º facto considerado provado) – o seu vencimento de exercício nos termos gerais, isto é (cfr. 4.º facto considerado provado), de acordo com os montantes resultantes das percentagens da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, a distribuir por todos os oficiais dos registos na proporção dos respetivos vencimentos de categoria, “face às diferenças salariais supra identificadas a favor da Autora”.

 

Acontece que, para além de este aparente pedido não constar dos pedidos formulados a final pela Demandante na sua Petição Inicial, sempre o mesmo teria de considerar-se improcedente, pois, como resulta dos 4.º e 5.º factos considerados provados, quer o “vencimento de exercício” (participação emolumentar), quer os “emolumentos pessoais”, assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria”/“ordenados”.

 

O que significa que, porque aferidos sempre “proporcionalmente” no âmbito de um determinado universo de pessoas sujeitas a idênticos procedimentos retributivos, os “vencimentos de exercício” e os “emolumentos pessoais” não são direta e imediatamente influenciados, como se disse, pelas escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.

 

Ora, como também ficou claro no ponto IV.2 supra, o Demandado, sob o entendimento de que as alterações indiciárias e de escalões do regime geral se não deveriam repercutir nos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, generalizadamente não alterou estes; o que terá permitido preservar aquela “proporcionalidade”, ou seja, terá permitido preservar a posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários, e, assim mesmo, preservar a integridade dos “vencimentos de exercício” e dos “emolumentos pessoais” desses mesmo funcionários.

 

Não se põe obviamente de parte que, se o Demandado tivesse atuado diferentemente, isso pudesse implicar, em maior ou menor medida, eventuais alterações naquela posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários.

 

Só que, sejamos muito claros neste ponto, a Demandante nada alega nesta precisa matéria, nada concretiza quanto aos efeitos na sua esfera jurídica (maiores ou menores e favoráveis ou desfavoráveis) dessas eventuais alterações na posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários e, menos ainda, nada comprova sobre a questão, como só a si competia comprovar.

 

Aliás, se a Demandante o tivesse feito, certamente ter-se-ia apercebido da sua falta de legitimidade para, por si só, litigar com o Demandado na presente ação quanto ao pedido ora em análise, pois este envolve, pelo que vem de afirmar-se, interesses relevantes de terceiros, também funcionários do Demandado.

 

A Demandante parece pressupor que as correções do seu “vencimento de categoria”, à luz dos fundamentos expressos no ponto IV.2 supra, seriam suficientes para suscitar correções consequentes nos seus “vencimentos de exercício” e nos seus “emolumentos pessoais”; ou seja, a Demandante parece pressupor que a alteração singular da sua situação relativa ao “vencimento de categoria” seria o quanto basta para, sem mais, extrair para si, e só para si, reflexos positivos nos seus “vencimentos de exercício” e nos seus “emolumentos pessoais”.

 

Só que a Demandante esquece que isso é uma impossibilidade legal, já que (cfr. 4.º e 5.º factos considerados provados) o regime jurídico geral dos “vencimentos de exercício” e dos “emolumentos pessoais” pressupõe procedimentos uniformes por parte do Demandado para precisamente respeitar aquela “proporcionalidade”; sendo que quaisquer alterações singulares produzem efeitos na esfera jurídica de terceiros, que não podem ser arredados da discussão sobre as mesmas.

 

Mas o ponto essencial é mesmo aquele que enunciámos há pouco: tendo presente que os “vencimentos de exercício” e os “emolumentos pessoais” assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria”/“ordenados”, a Demandante nada alegou, nada concretizou e nada comprovou sobre se o facto de o Demandado não ter, generalizadamente, aplicado aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, as alterações indiciárias e de escalões do regime geral afetou, nalguma medida, o montante dos seus “vencimentos de exercício” e dos seus “emolumentos pessoais”.

 

Na verdade, a Demandante, com este seu aparente pedido, limita-se a equacionar uma possibilidade, meramente eventual, de afetação do seu “vencimento de exercício”, mas sem concretizar e comprovar se, e em que medida, isso efetivamente aconteceu, nem atentar minimamente no enquadramento jurídico da questão que deve ser tido em conta. 

 

E um tal pedido é insuscetível de conduzir ao reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de determinar ao Demandado qualquer restabelecimento de direitos violados ou cumprimento de deveres de prestar.

 

Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.3.1, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente o aparente pedido da Demandante de que seja recalculado o seu vencimento de exercício e, consequentemente, do mesmo absolver o Demandado.

 

IV.4 – O citado terceiro pedido da Demandante (ser reconhecido o direito da Autora a receber o valor mensal de € 1817,96 desde 1 de janeiro de 2020, atendendo  às atualizações dos escalões ao longo dos anos) surge-nos tratado nos artigos 85.º a 91.º e 98.º a 103.º da Petição Inicial, sendo, no essencial, fundamentado no facto de a transição para a carreira especial/categoria de “oficial de registos”, especificada no 9.º facto assente, não ter considerado (cfr. supra IV.2) as referidas correções inerentes, seja àquelas atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (cfr. 13.º facto considerado provado), seja àquelas novas correspondências dos escalões dos índices retributivos (cfr. 12.º facto considerado provado); e não ter considerado tais correções, quer quanto ao vencimento de categoria (cfr. supra IV.2), quer quanto ao vencimento de exercício (cfr. supra IV.3).

 

Assim, sustenta a Demandante que o montante retributivo a considerar nessa transição não deveria ter sido € 1768,54 (com a atualização de 0,3% determinada pelo Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de março), correspondente, em dezembro de 2019, à soma do vencimento de categoria de € 875,36 e do vencimento de exercício de € 887,89; deveria sim ter sido € 1817,96 (também com aquela atualização de 0,3%), correspondente, em dezembro de 2019, à soma do vencimento de categoria de € 906,26 e do vencimento de exercício de € 906,26.

 

Razão por que alega a Demandante ter direito a receber a diferença mensal de € 49,42, correspondente a € 1383,76, inerentes aos 28 meses retributivos dos anos de 2020 e de 2021.

 

Ora, face aos fundamentos enunciados supra em IV.2 e IV.3, compreende-se bem que, sem necessidade de mais, haja necessidade de (com subordinação ao limite do valor mensal pedido de € 1817,96, desde 1 de janeiro de 2020) decidir-se pela procedência deste terceiro pedido da Demandante, determinando que o seu vencimento de categoria e a sua participação emolumentar (vencimento de exercício), conforme resultantes da aplicação daquelas atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (cfr. 13.º facto considerado provado) e daquelas novas correspondências dos escalões dos índices retributivos (cfr. 12.º facto considerado provado), sejam tomados em consideração para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos”, nos termos dos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, assim mesmo se reconhecendo o direito da Demandante a ser recolocada em conformidade, desde 1 de janeiro de 2020, na nova tabela remuneratória inerente àquela nova carreira de “oficial de registos”.

 

IV.5 – Quanto ao citado quarto pedido da Demandante [ser reconhecido o direito da Autora a receber pelo nível remuneratório 27, ou seja, € 1824,84 a partir de 1 de janeiro de 2020 dado que acumulava mais de 10 pontos tendo direito a ser catapultada para o nível seguinte ao que tinha direito (estava entre níveis)], fundamenta-o ela nos artigos 92.º a 97.º e 98.º a 103.º da Petição Inicial, dizendo, no essencial, que [conforme o Documento 5 junto à Petição Inicial (cfr. 21.º facto considerado provado)] o Demandado “comprometeu-se a considerar os pontos detidos pelos funcionários na anterior categoria detida aquando da mudança para a nova categoria, com a reforma do estatuto profissional”, que, aquando dessa mudança, detinha mais de 10 pontos acumulados (em concreto, 18), os quais, à semelhança do que aconteceu com colegas seus, deveriam ter sido considerados no posicionamento na atual tabela remuneratória, mediante o posicionamento no nível 27 da tabela remuneratória, correspondente mensalmente a € 1824,84 e não, como ocorreu, a € 1768,54 (cfr. 9.º facto considerado provado), reclamando assim receber desde 2020/01/01.

 

Por seu turno, quanto ao citado quinto pedido (ser reconhecido o direito da Autora a receber pelo nível remuneratório 31, ou seja, € 2031,43, logo que se tenha tornado definitiva a avaliação de desempenho de 2017/2018, face à acumulação de mais de 10 pontos com o consequente pagamento das diferenças salariais apuradas), fundamenta-o a Demandante nos artigos 97.º, in fine, a 103.º da Petição Inicial, dizendo, em complemento do que disse relativamente ao pedido anterior, que, “tornando-se definitiva a classificação de serviço de 2017 e 2018 (até porque se trata de classificação de período anterior à entrada em vigor do novo estatuto remuneratório)”, atingirá mais 10 pontos, “tendo por isso direito a subir para o nível 31 correspondente a € 2031,43/mês”.

 

A Demandante fundamenta estas pretensões com a conjugação do SIADAP (cfr. Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro) com o artigo 156.º, n.º 7, da LGTFP, norma esta que estatui o seguinte:

Há lugar a alteração obrigatória para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, quando a haja, independentemente dos universos definidos nos termos do artigo 158.º, quando aquele, na falta de lei especial em contrário, tenha acumulado 10 pontos nas avaliações de desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra (...).  

 

É nos artigos 188.º a 196.º da Contestação que o Demandado impugna estas duas pretensões da Demandante, dizendo que as mesmas improcedem e fundamentando tal conclusão começando por afirmar o seguinte: o preconizado pela Demandante apenas parece ser possível desde que se encontrem reunidos os requisitos previstos na norma acabada de transcrever “e apenas com efeitos para o futuro – ou seja, a considerar eventualmente” após a transição da Demandante para a nova carreira de “oficial de registos”; razão por que não tem “sustentação legal e fundamento, a pretensão da Demandante a que, tais pontos, possam ser considerados para efeitos da sua integração na tabela, em posição remuneratória superior ou mais favorável do que a que resulta da lei, e na qual foi efetivamente posicionada”, logo “a Demandante apenas poderá requerer o seu reposicionamento a partir de 1/1/2020, caso reúna os requisitos previstos e exigidos nos termos do n.º 7 do artigo 156.º da LGTFP – que não alega, nem demonstra nos presentes autos”.

 

E o Demandado diz mais: “Contudo, e contrariamente à pretensão da Demandante, a regra geral de alteração do posicionamento remuneratório, previsto nos termos da LGTFP pressupõe inexistência de lei especial, assim como prevê a possibilidade de revalorização para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, uma vez, sem possibilidade de ‘cumulação’ de processos de revalorização...”

 

Acrescentado que “a Demandante assenta a sua pretensão no documento que junta à sua petição inicial, sob o n.º 5, que mais não é que uma mera pronúncia a pedido de parecer, sem caráter vinculativo, e que pressupõe, tal como já referido, a instrução e análise dos elementos que possibilitem aferir se a Demandante reúne os requisitos legalmente exigíveis – pelo que se impugna o referido documento, para os efeitos probatórios pretendidos pela Demandante”.

 

Por outro lado, afirma ainda o Demandado: “Sucede, porém, que a Demandante não demonstra ter requerido a alteração do seu posicionamento remuneratório junto do Demandado, possibilitando-lhe a análise dos requisitos exigidos, bem como decidir sobre se aquela regra geral, aplicável aos trabalhadores das carreiras gerais da Administração Pública é, efetivamente aplicável, e não colide com norma especial que disponha de modo diferente para a carreira especial dos oficiais de registos.” § “E, sendo o poder e dever de decisão atribuição e competência do Demandado, não se reputa legítimo, smo, o recurso à presente instância arbitral para, sem que lhe sejam facultados os elementos instrutórios e probatórios necessários, se sub-rogue à entidade administrativa competente – o aqui Demandado – na tomada de decisão relativamente à matéria em causa.”  

 

Já em sede das suas Alegações finais escritas, o Demandado retoma a questão, altura em que junta aos autos os Documentos identificados no 22.º facto considerado provado e em que acrescenta, em síntese, o seguinte:

a)    No momento da transição para a nova carreira de “oficial de registos”, a Demandante já estava posicionada no último escalão e índice da tabela correspondente à carreira, pelo que “não podia já beneficiar dos pontos obtidos no âmbito do processo avaliativo do SIADAP”; algo que a nova carreira já permite;

b)    Nos termos do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a nova “remuneração base” prevista “é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei”; o que também inviabiliza a pretensão da Demandante;

c)     O Demandado, por sua iniciativa, obteve da DGAEP os esclarecimentos pertinentes, tudo nos termos dos Documentos identificados no 22.º facto considerado provado, razão pela qual o Demandado “está a proceder à análise de todas as situações com vista a proceder ao eventual reposicionamento remuneratório dos trabalhadores abrangidos, incluindo o da Demandante”, com a condicionante de os pontos em causa se referirem “às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório e no período de proibição de valorizações remuneratórias, com o limite de 31/12/2017” e “não com os efeitos retroativos pretendidos e reclamados pela Demandante”. 

 

Em 2022/10/03 veio a Demandante aos autos pronunciar-se sobre tais Documentos identificados no 22.º facto considerado provado, dizendo, em síntese e no que releva, o seguinte:

a)    A sua última subida de escalão ocorreu em 2004 (cfr. 3.º facto considerado provado); conforme a sua Nota Biográfica (cfr. 20.º facto considerado provado), acumulou, entre 2008 e 2016, 14 pontos por avaliação de desempenho nos termos do SIADAP, 6 deles relativos ao ciclo avaliativo de 2008 a 2012; porque entre 2004 e 2007 inexistiu avaliação, recebeu no total 4 pontos; pelo que, no ciclo avaliativo entre 2004 e 2012 acumulou 10 pontos; e com a conclusão do processo de avaliação relativo a 2017/2018 acumula mais 10 pontos, agora relativos ao período entre 2013 e 2018;

b)    O Documento 2 identificado no 22.º facto considerado provado refere que “se deve proceder ao reposicionamento em 1/1/2020 apenas com os pontos acumulados até 01/01/2019” e que pode alterar-se mais do que uma posição remuneratória, tendo ela, na presente data, 20 pontos;

c)     Tal Documento 2 parece contraditório quando refere depois que apenas se pode acumular pontos obtidos até 2017/12/31. 

 

Apreciando e decidindo estas duas pretensões da Demandante, importa começar por frisar que as mesmas colocam, à partida, a necessidade de diversas ponderações, maxime(i) saber se podem efetivamente relevar os pontos (4) relativos ao período entre 2004 e 2007, anteriores ao SIADAP; (ii) saber se podem efetivamente relevar os pontos (2) relativos ao período de 2017 e 2018; (iii) saber se a Demandante trouxe aos presentes autos a prova necessária e suficiente, pois não bastam as suas alegações, nem basta o que se extrai da sua Nota Biográfica (cfr. 20.º facto considerado provado), sendo que, de todo, permanece por demonstrar aquela sua afirmação de que o Demandado considerou pontos acumulados por colegas seus na transição dos mesmos para a nova tabela remuneratória; (iv) saber se na apreciação dos pontos acumulados nos processos de avaliação de desempenho e na relevância dos mesmos não se imporá, até por imperativo do princípio da reserva de administração, uma intervenção do Demandado aquém de qualquer intervenção dos tribunais, o que colocaria uma questão da competência do CAAD para apreciação destes pedidos da Demandante – questão esta que é diferente, sublinhe-se, das questões relativas às exceções arguidas na presente ação pelo Demandado, de intempestividade da instauração do presente processo e de impropriedade do meio processual (cfr. supra IV.1).

 

Acontece que, face ao modo como a Demandante formulou os seus dois pedidos ora em análise – em síntese, que se considerem todos os pontos decorrentes das suas avaliações de desempenho acumulados entre 2004 e 2018 no próprio posicionamento remuneratório inerente à sua transição para a nova carreira de “oficial de registos” –, está este Tribunal Arbitral em condições de, à face da lei, analisar e decidir tais pedidos.

 

Assim sendo, confirmando-se – como se confirma – que a Demandante, aquando da sua transição para a nova carreira de “oficial de registos”, estava já posicionada no último escalão e índice da tabela correspondente à sua carreira anterior (cfr. 3.º facto considerado provado, in fine), e sendo que, conforme o artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a nova “remuneração base” prevista “é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei” (cfr. 10.º facto considerado provado), há que reconhecer imediatamente que a relevância dos pontos (sejam estes quantos forem) pretendida pela Demandante só poderá ocorrer, em qualquer caso, após a sua transição para a nova carreira de “oficial de registos”, algo que não foi peticionado, estando fora do objeto da presente ação e, por isso, não estando abrangido pelo efeito de caso julgado que se venha a constituir com base na decisão que nesta matéria se vai proferir.

 

Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.5, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedentes os citados quarto e quinto pedidos da Demandante e, consequentemente, dos mesmos absolver o Demandado.

 

IV.6 – Quanto, por fim, ao citado sexto pedido (ser reconhecido o direito da Autora a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu), fundamenta-o a Demandante, no essencial (cfr. artigos 78.º a 84.º da Petição Inicial), no facto de tais emolumentos pessoais dependerem normativamente, entre o mais, da proporção dos ordenados (vencimento de categoria) dos funcionários com direito aos mesmos em serviço na respetiva conservatória (cfr. 5.º facto considerado provado).

 

O que leva a Demandante a pedir o seguinte (cfr. artigos 82.º e 84.º da Petição Inicial): “Ora, atendendo a que se peticionou supra o reconhecimento de que os ordenados se encontravam incorretamente calculados, consequentemente também os emolumentos foram incorretamente calculados, dado que estes eram pagos na proporção dos respetivos ordenados. (...) Pelo que se peticiona o reconhecimento à correção e o pagamento dos mesmos na proporção do que esteja em falta, (...).”

 

Sendo inequívoco, como ficou claro supra no ponto IV.3.1, que os montantes a receber por cada funcionário como “emolumentos pessoais” estão dependentes da posição relativa dos “vencimentos de categoria”/“ordenados” dos vários funcionários com direito a tais “emolumentos pessoais”, tem obviamente integral aplicação aqui a fundamentação expendida naquele ponto IV.3.1 supra.

 

Razão pela qual, sem necessidade de mais, importa concluir que, face a tal fundamentação, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente este pedido da Demandante de que sejam recalculados os seus “emolumentos pessoais” e, consequentemente, do mesmo absolver o Demandado.

 

V – Da Decisão Arbitral

 

À luz dos fundamentos expostos, decide-se:

 

a)    Conforme o ponto IV.1 supra, julgar totalmente improcedentes as exceções dilatórias deduzidas pelo Demandado de “intempestividade da instauração do presente processo” e de “impropriedade do meio processual”;

 

b)    Conforme, respetivamente, os pontos IV.2, IV.3 e IV.4 supra, julgar totalmente procedentes os seguintes três pedidos da Demandante, condenando, em conformidade, o Demandado a restabelecer os direitos da Demandante e a pagar-lhe as diferenças pecuniárias concretamente apuradas:

 

ü  Primeiro, o pedido (neste caso subordinado ao limite do montante pedido de € 7195,22) de aplicação ao seu vencimento de categoria, quer, a partir de dezembro de 2002, das atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral ocorridas em 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, quer das seguintes novas correspondências dos escalões dos índices retributivos: (i) o índice 249, a partir de 1 de janeiro de 2003 (conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2003); (ii) o índice 254, a partir de 1 de janeiro de 2004 (conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2004); (iii) o índice 264, a partir de 15 de maio de 2004, por efeito da progressão para o 5.º escalão da categoria de 2.º ajudante, a que já correspondia, à data dessa progressão (e por referência ao índice 255 inicial) esse índice 264, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis;

 

ü  Segundo, o pedido (neste caso subordinado ao limite do montante pedido de € 4199,21) de que o seu vencimento de categoria, conforme resultante da aplicação daquelas atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral e daquelas novas correspondências dos escalões dos índices retributivos, seja tomado em consideração para efeitos do artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, que assegura uma participação emolumentar (vencimento de exercício) mínima de 100% do vencimento de categoria;

 

ü  Terceiro, o pedido (neste caso subordinado ao limite do valor mensal pedido de € 1817,96, desde 1 de janeiro de 2020) de que o seu vencimento de categoria e a sua participação emolumentar (vencimento de exercício), conforme resultantes da aplicação daquelas atualizações do índice 100 da escala indiciária do regime geral e daquelas novas correspondências dos escalões dos índices retributivos, sejam tomados em consideração para efeitos da transição para a nova carreira de “oficial de registos”, nos termos dos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, assim mesmo se reconhecendo o direito da Demandante a ser recolocada em conformidade, desde 1 de janeiro de 2020, na nova tabela remuneratória inerente àquela nova carreira de “oficial de registos”;

 

c)     Conforme, respetivamente, os pontos IV.3.1 e IV.6 supra, por um lado, e o ponto IV.5 supra, por outro lado, julgar totalmente improcedentes, deles absolvendo o Demandado, todos os restantes pedidos da Demandante, inerentes, respetivamente, seja ao recálculo dos montantes do seu vencimento de exercício (para além do decidido na alínea anterior) e dos seus emolumentos pessoais, seja à consideração dos pontos decorrentes das suas avaliações de desempenho acumulados entre 2004 e 2018 no próprio posicionamento remuneratório relativo à sua transição para a nova carreira de “oficial de registos”, nos termos daqueles mesmos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.

 

Registe e notifique.  

 

10 de novembro de 2022

 

O Árbitro,

 

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Abílio de Almeida Morgado