Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 159/2021-A
Data da decisão: 2022-11-08  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 10.000,00
Tema: Relações jurídicas de emprego público – Diferenças de vencimento – Reposicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I  - Da Petição Inicial

Na sequência da ação intentada por A... contra o B... IP, foi o demandado notificado para contestar em 4 de novembro de 2021, o seguinte pedido:

a)           que lhe seja reconhecido o direito a auferir o valor de €7.774,73 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;

b)          que lhe seja reconhecido o direito a auferir o valor total de €25,40 a título de diferenças de vencimento de exercício e o Reu seja condenado no pagamento
de tal quantia e a recalcular corretamente o vencimento de exercício da Autora;

c)           que lhe seja reconhecido o direito a receber a título de diferenças de vencimento o valor de €792,12 e o Reu seja condenado no pagamento de tal quantia assim como ser reconhecido o direito a ser colocada entre o nível 35 e 37 e entre a posição 6 e 7 da TRU;

d)          que lhe seja reconhecido o direito a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu;

e)           que seja afastada a aplicação do art. 10.º n.º 1 e n.º 4 do DL n.º 145/2019 de 23/09 á Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações;

f)           que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro e o disposto na Portaria n.º 940/99 de acordo com os quais se fixa a forma de calculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito á data da entrada em vigor do DL 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um primeiro ajudante no 3.º escalão e aplicá-lo á Autora com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar á Autora o vencimento médio nacional de um primeiro ajudante no 3.º escalão á data da entrada em vigor do DL 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

II – Da contestação

Regularmente citado para contestar veio o B..., IP, na qualidade de demandado, contestar o pedido em 29/11/2021 reconhecendo que se encontrava vinculado à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30/09, e declarando não prescindir de, caso se justifique, interpor recurso da decisão arbitral que venha a ser proferida, para o tribunal estadual competente.

Sem conceder, invocou ainda as exceções da incompetência do tribunal arbitral, da intempestividade da instauração da presente ação (caducidade do direito de ação) e da impropriedade do meio processual, defendendo, quanto a estas, em resumo, que o meio próprio seria a ação impugnatória, a intentar nos três meses após a prática dos atos a impugnar.

Mais solicitou o demandado a exceção de incompetência material desta instância arbitral para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de atos legislativos e normativos legais, absolvendo-se o demandado da instância ou, caso assim não se entenda:

- O reconhecimento da exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual (in caso, de instauração da presente ação), e concludentemente, absolver-se o Demandado da instância, ao abrigo do estatuído no art.° 89° n° 1, alínea k) e n.° 2 do CPTA;

- Julgar procedente a invocada exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual, com a consequente absolvição do Demandado da instância, nos termos do disposto nos art.º 89°, n.° 2 do CPTA, 278° n.° 1 al. e) e 576° n.° 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex. vi artigos 1° do CPTA;


- em todo e qualquer caso, e mesmo que assim não se entenda, deve julgar-se absolutamente improcedente a presente ação, absolvendo-se a entidade demandada dos pedidos.


 

III – Do pedido de apensação de processos

Na sequência do pedido de apensação dos processos n.º 127/2021-A, 31/2021-A, 163/2021-A, 159/2021-A e 27/2021-A veio o Ex.mo Senhor Presidente da CAAD, em despacho de 01/02/2022, indeferir esta pretensão por não serem estes os autos em que a apensação deve ser requerida, nem aqueles aos quais estes processos devem ser apensados.

 

IV – Saneamento 

Verificada a legitimidade das partes, a competência e aceitação da intervenção do tribunal e a inexistência de qualquer impedimento processual, cumpre agora analisar e decidir sobre o pedido pela demandante.

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade processual, encontrando-se devida e regularmente representadas pelos ilustríssimos mandatários por si constituídos conforme procuração que juntaram, estando ambas de acordo quanto à recorribilidade da presente decisão, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.

Na sua Contestação, o Demandado invoca as exceções: 

(i) da incompetência do tribunal arbitral;

(ii) da intempestividade da instauração da presente ação; 

(iii) da impropriedade do meio processual.

No que concerne à primeira questão, temos a dizer que:

(i)           Da incompetência do tribunal arbitral

O Demandado alega a incompetência deste Tribunal para conhecer da presente ação, nomeadamente no que toca aos pontos referidos nas alíneas f) e e).

Efetivamente, de acordo com a lei, os Estatutos do CAAD e o seu Regulamento, a competência material deste órgão inclui, nomeadamente, dirimir os litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público (cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD).

E apesar de a parte final da alínea d) do citado artigo 180.º fazer referencia à competência do tribunal arbitral para julgar questões respeitantes a relações de emprego público quando “estejam em causa direitos indisponíveis”, a verdade é que o que pretende a demandante discutir nas alíneas e) e f), tem sido jurisprudência uniforme do CAAD que o que verdadeiramente se pretendeu subtrair à arbitrabilidade foi os litígios cujo objeto respeite a direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

Por isso, manifestamente não poderá entender-se que a matéria dos direitos indisponíveis abranja remunerações e suplementos remuneratórios.

Importa ainda referir que a questão da irrenunciabilidade da retribuição coloca-se essencialmente nas relações entre entidade empregadora e trabalhador e visa, de alguma forma, obstar à especial fragilidade do trabalhador no seu relacionamento direto com o empregador.

O presente Tribunal Arbitral, que julga segundo o direito constituído, deve julgar de acordo com a Constituição (cfr. artigo 204.º da Lei Fundamental) e com a lei e, por isso, pode e deve desaplicar normas legais que julgue desconformes com a Constituição da República, cabendo dessa decisão recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da Lei Fundamental.

Conforme esclarecem, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a competência dos tribunais arbitrais para conhecer de questões de inconstitucionalidade é incontroversa na doutrina, como defendem, por exemplo, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 108.º a 296.º, Volume II, 4.ª Edição Revista, 2010, Coimbra Editora, Coimbra, p. 521: «Naturalmente, que a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais, …».

Neste sentido veja-se a jurisprudência do CAAD, no Acórdão de 22 de Setembro de 2020, que se pronunciou pela improcedência da exceção da incompetência nos seguintes termos: «Os tribunais arbitrais, nos casos submetidos ao seu julgamento, podem recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, assim como devem pronunciar-se sobre as questões de constitucionalidade que tenham sido suscitadas pelas partes durante o processo, pelo que haverá sempre possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, de decisões positivas ou negativas de constitucionalidade proferidas pelos tribunais arbitrais. Nesse sentido, aponta o disposto no artigo 204. ° da CRP, que, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade refere- se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e no artigo 280. ° da CRP, que, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

De resto, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade de decisões dos tribunais (incluindo os tribunais arbitrais) decorre diretamente do próprio texto constitucional (artigo 280.° da CRP) e de lei de valor reforçado (artigo 70.° da LTC), e não depende de disposição legal que o especificamente o preveja em sede de arbitragem, e, nesse sentido, é irrelevante que o artigo 2.º do RJAT, ao definir a competência dos tribunais arbitrais no âmbito da arbitragem tributária, não faça expressa menção ao recurso de constitucionalidade.

O Tribunal Constitucional tem, aliás, vindo a afirmar que os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitrais e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.

Pelos fundamentos que antecedem, julga-se improcedente a exceção da incompetência do Tribunal.

O Tribunal é, por isso, competente.

 

(ii)          Da intempestividade da instauração da ação

Alega o Demandado que a Demandante discorda do modo como,  entre 2011 e o final de 2017 por força da aplicação das normas da Lei do Orçamento de Estado e dos Decretos Leis de Execução Orçamental (nomeadamente, o art. 24.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro sucessivamente replicado nas leis orçamentais sucessivas e o art. 38.º da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada pelas Leis n.º 7-A/2016 de 30 de março – art. 18.º - e Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro – art. 18.º). Estas normas vedaram as alterações ou valorizações remuneratórias, para todas as carreiras, nomeadamente as não revistas, como era o caso dos oficiais.

Para o feito, refere, em suma, que a Demandante pretende impugnar atos administrativos, que consistem na verificação do facto de se mostrarem reunidos os pressupostos previstos na lei para atribuição de certa quantia remuneratória a cada trabalhador.

Por estes motivos, não está em causa a impugnação de atos administrativos, mas apenas o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas decorrentes de normas jurídico-administrativas nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.

Diga-se, ainda, que as disposições legais que constituem a causa de pedir dos indicados pedidos nem sequer reclamavam da Administração a prática de qualquer cato administrativo, tal como não a habilitavam a sua prática.

Nestes termos considera-se improcedente, por não provada, a invocada exceção da intempestividade da instauração da presente ação.

Pelo que a presente ação é tempestiva.

 

(iii)         Da impropriedade do meio processual

Invocou, ainda, o Demandado a exceção da impropriedade do meio processual, considerando que o meio processual adequado ao exercício do direito que a Demandante pretende fazer valer na presente ação seria a ação impugnatória e não a ação de reconhecimento de direitos.

Além disso e como se referiu, a presente ação é idónea, como se vê da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA, para o efeito pretendido pela Demandante.

Nestes termos, improcede a invocada exceção da impropriedade do meio processual. Pelo que o presente processo é o adequado.

 

A - Do pedido

As partes ofereceram atempadamente alegações finais, conforme determinado pelo mesmo despacho.

Nas suas alegações, as partes reiteraram essencialmente as suas posições expressas nos articulados.

O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 11 de março de 2022, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).

 

B - Questões a decidir

As questões a decidir nestes autos, decorrentes das causas de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e outras peças processuais são, em suma, as seguintes:

a) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e de integração na Carreira Especial de Oficial de Registos com remuneração de base inferior à devida;

b)  Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos;

c) Saber se assiste, ou não, à Demandada o direito de ver desaplicadas, entre 2011 e 2017 as normas decorrentes das sucessivas Leis do Orçamento de Estado e respetivos Decretos-Leis de Execução Orçamental que determinavam a proibição de valorizações remuneratórias.

c) Saber se os n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e, em consequência, deve ser repristinado regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, pagando à Demandante as diferenças salariais daí resultantes.

 

C -  Fundamentação

Fundamenta a Demandante o seu pedido com base nos elementos de facto e de direito que passaremos a expor:

Dos factos

Da análise dos elementos alegados e provados por ambas as partes, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão do pleito:

a) A Demandante A... está, presentemente, integrada na carreira(categoria) de oficial de registos, com contrato de trabalho em funções publicas por tempo indeterminado;

b) O seu percurso profissional iniciou-se em Agosto de 1983 com a nomeação, por integração, na categoria de escriturária de 2ª classe da Conservatória do Registo Civil de ..., lugar de que tomou posse em 11/10/1983; quase três anos mais tarde, mais concretamente em Março de 1986 foi nomeada escriturária de 2ª classe da Conservatória do Registo Civil de ..., lugar de que tomou posse em 08/05/1986; em Maio de 1994 foi promovida à categoria de 2ª Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ..., lugar que aceitou em 04/08/1994; em Agosto de 1997 e de 2000 progrediu na carreira, tendo passado para o escalão seguinte; em Março de 2001 foi promovida a 1ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil de ..., lugar que aceitou em 02/05/2001; em Maio de 2004, progrediu na carreira e, em 2018, por força do disposto no art. 41.º do DL 115/2018 de 21 de dezembro, transitou para a carreira/categoria de oficial de registos, com efeitos reportados a 01.01.2018.

Sucede, porém, que da análise dos seus vencimentos e da confrontação dos mesmos com os vencimentos devidos de acordo com as revisões salariais, resultante da alteração da tabela e do valor do índice 100 a demandante deveria estar a receber os valores que agora peticiona e que, dando por reproduzido o que consta dos artigos 20.º a 50.º da Douta Petição:

Data

Carreira/categoria

Índice e escalão

Valor auferido

Valor devido (peticionado)

Agosto de 1983 – tomou posse a 11/10/1983

Escrituraria de 2.ª classe da Conservatória do Registo Civil de ...

 

 

 

Março de 1986 – tomou posse em 08/05/1986

escriturária de 2ª classe da Conservatória do

Registo Civil de ...

 

 

 

Maio de 1994 – aceitou a promoção em 04/08/1994

2.ª Ajudante da Conservatória dos Registos Civil e Predial de ...

Índice 210 do 1º escalão 

 

 

Agosto de 1997

 

Índice 225 do 2.º escalão 

 

 

Agosto de 2000

 

Índice 235 do 3.º escalão 

 

 

Janeiro e fevereiro de 2001

 

Índice 235, posição 3

137.200$00(€684,35)

Por força da atualização do valor do índice 100

para €302,02, a Autora devia ter recebido€709,75.

Estes dois meses recebeu menos €25,40

x 2= €50,80.

Março de 2001 - aceitou a promoção em 02/05/2001

1ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil

De ... 

Índice 255 do 1.º escalão 

153.966$00 (€767,98)

770,14€ (recebeu 2,16€)

Janeiro de 2002

 

Índice 255 do 1.º escalão 

€770,15

€791,34 (recebeu a menos €21,19)

2003

 

 

 

Índice 255 do 1.º escalão – nesse ano o índice 255 atualizou para 259

€791,34

€803,75 (recebeu menos €12,41 x 14 meses), ou seja, €173,74

Janeiro a maio de 2004

 

Índice 255,

escalão 1 – o índice 259 atualizou para 264 (€819,27)

€791,34

819,27€ (recebeu menos €27,93 x 5 meses = €139,65)

Junho a dezembro de 2004

 

Índice 265 do 2.º escalão – com a atualização deveria estar no índice 274

€822,37

850,30€ (recebeu menos €27,93 x 9 meses (inclui subsídio de férias e Natal)

=€251,37

Janeiro de 2005

 

Por força da atualização do valor do índice 100 para €317,16 

 

€822,37

€869,02 (recebeu menos 46,65€)

Fevereiro a dezembro de 2005

 

Por força da atualização do valor do índice 100 para €317,16, 

 

€840,47

€869,02 (recebeu menos €28,55 x 13 meses (incluindo o subsídio de ferias e de Natal = €371,15)

Janeiro a março de 2006

 

O valor do índice 100 foi
atualizado para €321,92

€840,47

€882,06

(recebeu a menos €41,59 x 3 meses = €124,77)

Abril a dezembro de 2006

 

Atualização do valor do índice 100 para €321,92

€853,09

Recebeu menos €28,97 x 11 meses (inclui subsídio de férias e de Natal) =
€318,67

2007

 

Apenas o valor do índice 100

foi atualizado para (índice 274)

€865,89

€895,30 – recebeu menos €29,41 multiplicada por 14 meses, ou seja, uma diferença negativa de €411,74 

2008

 

O valor do índice 100

foi atualizado para €333,61 - 

índice 274

€884,07

€914,09 (recebeu menos €30,02, multiplicada por 14 meses, perfaz

o valor de €420,28)

2009

 

Apenas o valor do índice 100

foi atualizado para €343,28 – índice 274 

€909,69

€940,59 (recebeu menos €30,90 valor que, multiplicado por 14 perfaz uma diferença de €431,60

2010 a 2017

 

Nestes anos, não houve
atualização do índice 100

Índice 274

€909,69

€940,59 (recebeu menos €30,90 por mês durante 8 anos X 14 meses = €3.460,80 

01/01/2018

Carreira/categoria de oficial de registos

Índice 280 do 3.º escalão - o índice 280 tinha passado a corresponder ao índice 290 a que
correspondia o valor de €995,51

€935,43

€995,51 (recebeu menos €60,08 x 14 meses = €841,12)

Nesse ano foi paga 50% da progressão em falta, no valor de

€467,72 (€935,43:2), mas deveria ter sido paga a quantia de €497,76 (€995,51:

2), sendo a diferença de €30,04, que está em falta

Janeiro a novembro de 2019

 

Índice 290

€948,31

€995,51 (recebeu menos €47,20 x 13 = €613,60)

Dezembro de 2019

 

 

Índice 290

€961,18

€995,51 (recebeu menos €34,33 Nesse ano foi paga em janeiro 25% da progressão em falta, no valor de €233,86

(€935,43:4), mas deveria ter sido paga a quantia de €248,88 (€995,51: 4), sendo

a diferença de €15,02, que está em falta.

Em 1 de dezembro foi paga 25% da progressão em falta, no valor de €935,43:4,

ou seja, €233,86, mas deveria ter sido pago o valor de €995,51: 4, ou seja,

€248,88. Pelo que a diferença é de €15,02,

Num total de €678,00 (€647,93 + €15,02+ €15,02)

A partir de 2020

 

 

Posicionamento remuneratório - entre o nível 31 e 35 e entre a posição 5 e 6
da tabela remuneratória única.

Com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 145/2019, foi revisto

o estatuto remuneratório dos oficiais de registos e foram definidas as regras de

transição remuneratória dos trabalhadores integrados anteriormente na carreira

de ajudante e de escriturário de registos e do notariado que transitaram para a

carreira especial de oficial de registos.

€2.221,58

 

 

Do resumo dos valores recebidos e devidos, conforme exposto no quadro supra e melhor explicitado nos artigos 18.º a 50.º da Douta Petição Inicial, resulta um pedido de €7.774,73 a título de valores devidos e não pagos.

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e não impugnados e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos e aceites.

 

Do direito

Tendo dado como provados os factos anteriormente referidos, resta agora saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e de integração na Carreira Especial de Oficial de Registos com remuneração de base inferior à devida.

a)    Do vencimento de categoria

Consta no preambulo do Decreto-lei n.º 131/91 de 2 de abril (que apenas foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019), que “as disposições estatutárias dos conservadores, notários e oficiais de registos, no atinente ao seu estatuto remuneratório, têm a particularidade de integrar duas componentes – o vencimento base, reportado ao antigo sistema de letras da função pública que, em articulação com os novos princípios salariais, se passará agora a referir a uma escala indiciária, e a componente variável – participação emolumentar, que é fixada de acordo com o rendimento produzido pela respetiva repartição.

Durante o ano de 1990 foi alterado o estatuto remuneratório deste pessoal, no tocante a esta segunda componente, impondo-se, numa perspetiva de coerência interna, alterar a outra componente – a que ora se referencia às escalas indiciárias –, respeitando a data em que aquela outra iniciou a sua produção de efeitos, por forma a haver tratamento unitário no que tange à fixação do seu vencimento.”

Consta ainda deste diploma, no seu artigo 1.º n.º 1 que “as escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado constam, respetivamente, dos mapas I e II anexos ao presente diploma, do qual fazem parte integrante”.

 No n.º 2 do artigo 1.º consta que “as escalas salariais que constam do número anterior referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice.”

Assim, as escalas indiciárias relativas aos vencimentos dos oficiais de registos acompanham a atualização da escala indiciária do regime geral.

O que decorre diretamente da lei. 

E, ao longo do tempo, o índice 100 foi variando.

- 1 de janeiro de 2000 - Portaria n.º 239/2000 de 29 de abril - o índice 100 foi fixado em 58.383$00 ou seja, €291,2;

- 1 de janeiro de 2001 - Portaria n.º 80/2001 de 8 de fevereiro - o índice 100 foi fixado em 60.549$00, ou seja, €302,02;

- 1 de janeiro de 2002 - Portaria n.º 88/2002 de 28 de
janeiro - o índice foi atualizado para €310,33;

- Em 2003 e 2004 o valor do índice manteve-se;

- 1 de janeiro de 2005 - Portaria n.º 42-A/2005 - o índice 100 foi fixado em €317,16;

- 1 de janeiro de 2006 - Portaria n.º 229/2006 de 10 de
março - o índice 100 foi fixado em €321,92;

- 1 de janeiro de 2007 - Portaria n.º 88-A/2007 de 18 de
janeiro - o índice 100 foi fixado em €326,75;

- 1 de janeiro de 2008 - Portaria n.º 30-A/2008 de 10 de
janeiro - o índice 100 foi fixado em €333,61;

- 1 de janeiro de 2009 - Portaria n.º 1553-C/2008 de 31 e
dezembro – o índice 100 foi fixado em €343,28;

- Em 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 o índice 100 manteve o mesmo valor.

Constatamos assim, do alegado na douta Petição Inicial e documentado através da prova feita nos autos, que se verificaram, concomitantemente vários fatores que determinaram alterações salariais que não se refletiram de forma direta e automática na remuneração base mensal da Demandante. 

A saber: a atualização e alteração da tabela de vencimentos; atualização dos índices; atualização do valor do índice 100 como se pode ver infra; o aumento da retribuição mínima na Administração Publica em 2019, que produziu alterações na Tabela Única de Remunerações; a entrada em vigor em 2020 do regime remuneratório da carreira especial de oficial de registos e as atualizações na Tabela Única de Remunerações em 2020 (Decreto-lei n.º 10-B/2020) e em 2021 (Decreto-Lei n.º 10/2021).

Das atualizações e correções salariais resultantes destes diplomas resulta para a demandante uma diferença salarial como se viu no quadro anterior que resume o que consta dos artigos 20.º a 50.º da Douta Petição Inicial.

As atualizações acima expostas e aqui reclamadas, decorriam imediatamente da lei (conforme os diplomas acima identificados) e deveriam ter sido feitas de forma oficiosa, ou seja, não careciam de requerimento do interessado para serem levadas a cabo.

Alem de que não importava uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo.

Nem eram objeto de concreta notificação aos interessados.


Pelo que se trata do mero reconhecimento de situação jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.

Ou seja, perante a legislação vigente, aplicava-se de forma automatizada ao caso da Autora, bastando a inserção dos dados, tratando-se por isso de meras operações materiais.

Sendo por isso oportuna a sua reclamação.

 

Do atual (incorreto) posicionamento na tabela remuneratória

Aquando da transição para a nova tabela remuneratória, devia ter sido considerado que a Autora, na categoria de origem, auferia pelo índice 290, no valor de €995,51 e não pelo índice

 280 no valor de €961,18. 

Pelo que a Autora foi penalizada pelo não recebimento da totalidade dos valores a que tinha direito, assim como pela colocação errada na nova tabela remuneratória.

 

Da participação emolumentar

De acordo com o Decreto-lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro a remuneração dos oficiais de registo e notariado era composta por uma parte fixa que consistia no vencimento de categoria e uma participação emolumentar - determinada pela aplicação de determinadas percentagens sobre a receita mensal líquida do serviço (art. 54.º) a qual deveria ser mensalmente apurada mensalmente, a que acresceriam ainda emolumentos pessoais, correspondentes aos cobrados pela realização de atos de registo civil fora das repartições.

Tendo a Portaria n.º 940/99 imposto limites ao cálculo da participação emolumentar, determinando que deveria ser distribuída por todos os oficiais, na proporção dos respetivos vencimentos de categoria, sendo o cálculo feito mensalmente. Determinou ainda este diploma que, no mínimo, era assegurada uma participação emolumentar correspondente a 100% do vencimento de categoria do oficial de registo (art. 4.º) e que aos oficiais das Conservatórias de Registo Centrais e do Arquivo Central seria assegurado, como mínimo, uma participação emolumentar igual ao respetivo vencimento de categoria acrescido de 70% (art. 5.º).

Resultando da Portaria n.º 1448/2001 de 22/12 que, de forma transitória no ano de 2002, a parte emolumentar passaria a ser constituída pela média aritmética da participação emolumentar apurada de janeiro a outubro de 2001 na conservatória onde os funcionários se encontrassem a exercer funções em tal período. Resultando desta portaria que os oficiais de registos e notariado que entrassem após a data de novembro de 2001 teriam direito a que esta parte do vencimento fosse calculado sobre uma receita mensal líquida de 2.500.000$00, 15.000.000$00 e 20.000.000$00, consoante se tratasse respetivamente de serviço de 3.º, 2.º ou 1.º classe (n.º 6).

Durante o ano de 2003 mantiveram-se as regras sobre a determinação do vencimento da parte emolumentar dos oficiais de registo, previsto na Portaria n.º 1448/2001 de 22 de dezembro, acrescentando que aos oficiais de registos e notariado que entraram entre 1 de janeiro e 31 de outubro de 2001 seria assegurado que esta parte do vencimento era calculado sobre uma receita mensal líquida de 2.500.000$00, 15.000.000$00 e 20.000.000$00, consoante se tratasse respetivamente de serviço de 3.º, 2.º ou 1.º classe; exceto se a receita mensal ilíquida gerada nesse período foi superior à que lhes estaria garantida por efeito da aplicação do n.º 6 da Portaria n.º1448/2001. 

Por outro lado, esta nova Portaria determinou que as participações emolumentares calculadas de acordo com as regras deste diploma serão atualizadas de acordo com a taxa que vier a ser fixada para o índice 100 da escala indiciária do regime geral. 

A Portaria n.º 110/2004 de 29 de janeiro entrou em vigor a 1 de janeiro de 2004, e manteve integralmente o regime das duas portarias anteriores (Portaria n.º 1448/2001 e 110/2003), o mesmo sucedendo entre 2005 e 2019, por força das várias portarias e leis do Orçamento de Estado que mantiveram em vigor os efeitos das normas anteriores.

Ora, apesar de a Autora ter tido o seu vencimento de exercício quase sempre superior ao vencimento de categoria à exceção de janeiro de 2001, a verdade é que, uma vez que o seu vencimento de categoria estava a ser incorretamente calculado, e uma vez que este era determinante para calcular o valor da sua participação emolumentar, a autora solicita que lhe seja reconhecido o direito a:

- em 2001: em Janeiro Autora recebeu 137.200$00 (€684,35) - índice 235, posição 3, quando devia ter recebido €709,75 (recebeu menos €25,40).


- de acordo com o art. 61.º do Dl 519-F2/79 de 29 de dezembro aos oficiais de registo e do notariado é abonada, a titulo de participação emolumentar uma percentagem da receita global liquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês a favor do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça (n.º 1), a proporção da distribuição dessa percentagem pelo pessoal que a ela tenha direito e as normas a que devem obedecer a respetiva atribuição e liquidação são fixadas por portaria - Portaria n.º 940/99 de 27 de outubro, estabelece que a participação emolumentar atribuída aos oficiais de registos e do notariado, terá por limite a percentagem de 15% da receita global líquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês a favor do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça (art.1.º).
Além de que por conta da verba apurada nos termos desse n.º 1, a participação emolumentar dos oficiais dos registos e do notariado é determinada pela aplicação das seguintes percentagens (art. 2.º), conforme continua a portaria:- até 1.500.000$00, 16,5% - sobre o excedente, 8% para os oficiais de registos e 9,2% para os oficiais de notariado.

A que acresce que a participação apurada nos termos do art. 2.º será distribuída por todos os oficiais, na proporção dos respetivos vencimentos de categoria (artigo 3.º dessa mesma portaria).

Solicita a demandante que seja o Réu também condenado a proceder a esse recalculo, face às diferenças salariais supra identificadas a favor da Autora.

 

Emolumentos pessoais


Os emolumentos pessoais têm natureza de suplementos remuneratórios dos trabalhadores integrados nas carreiras da Autora e são verbas definidas nas tabelas do notariado e dos registos civil, predial, comercial, automóveis e navios, anexas à portaria n.º 996/98 de 25 de novembro que visam remunerar os trabalhadores pelo “estudo e preparação em função do grau de complexidade, bem como a realização dos atos fora das instalações do serviço ou fora das horas regulamentares” – art. 9.º n.º 1 do DL n.º 322-A/2001 de 14 de dezembro e art. 63.º do DL n.º 519-F2/79 de 29-12.

De acordo com o Regulamento dos Serviços dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto n.º 55/80 de 8 de outubro, no seu art. 137.º n.º 1 consta que os emolumentos especiais cobrados pela realização de atos de registos civil e de notariado fora das repartições e pela elaboração de requerimentos para atos de registo predial, nos termos da lei, revertem para os funcionários da repartição na proporção dos respetivos ordenados (e consubstanciam uma receita efetiva da conservatória), desde que direta ou indiretamente neles colaborem.
Estes emolumentos são entendidos sob o prisma de compensação pelo trabalho causado ao funcionário que pratica o ato fora da repartição e (ou) das horas regulamentares e (ou) se substitui ao interessado, por vontade deste, na elaboração de requerimentos, são repartidos pelos funcionários que executado o ato ou diligencia.

Ora, atendendo a que se peticionou supra o reconhecimento de que os
ordenados se encontravam incorretamente calculados, consequentemente também os emolumentos foram incorretamente calculados, dado que estes eram pagos na proporção dos respetivos ordenados.

O máximo dos emolumentos pessoais a receber pelos funcionários encontra-se normativamente fixado em montante não superior a metade do respetivo vencimento de categoria (Despacho normativo n.º 299/91 de 21 de outubro).

Em face do exposto, pede a Autora que seja reconhecido o seu direito à correção e pagamento dos mesmos na proporção do que esteja em falta, devendo ser notificado o Réu para informar quais os valores efetivamente pagos à Autora a título de emolumentos pessoais ao longo dos anos, dado que isso está omisso na nota biográfica junta.

Da transição para a nova tabela remuneratória


Em 21 de dezembro de 2018, foi publicado o Decreto-Lei n.º 115/2018, que estabeleceu o regime da carreira especial de oficial de registos, revendo assim as atuais carreiras de ajudante e escriturário dos registos e notariado. De acordo com o mesmo diploma, transitaram para a carreira especial de oficial de registos, categoria de oficial de registos, os ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes integrados nos quadros do registo civil e predial; transitaram igualmente para a mesma categoria os ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes que na sequencia da privatização optaram pela integração em serviço do B..., IP, bem como aqueles que regressam ao serviço do B..., IP; transitam igualmente para a mesma categoria os atuais ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes dos serviços de notariado não abrangidos pela privatização; transitam igualmente para a mesma categoria os atuais escriturários e escriturários superiores da carreira de escriturário dos registos e do notariado, assim como os escriturários e escriturários superiores que na sequencia da privatização do notariado, regressem ao serviço do B..., IP. Nesse mesmo diploma previu-se que até à entrada em vigor do previsto no art. 6.º (a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos respetivos níveis remuneratórios faz-se por diploma próprio, a aprovar) mantem-se em vigor a situação remuneratória dos trabalhadores que transitam para a carreira especial de oficial de registos (art. 43.º).

Em 23 de setembro de 2019, foi publicado o Decreto-Lei n.º 145/2019, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020, que estabelece o regime remuneratório da carreira especial de oficial de registos constando no seu preambulo que:

houve atualização do conceito de remuneração base, eliminou-se a divisão entre vencimento de categoria e vencimento de exercício (participação emolumentar), que foram integrados num só; a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios; a transição dos trabalhadores para a nova tabela retributiva garantindo o princípio do não retrocesso salarial.

Neste diploma consta que a remuneração base é o montante pecuniário
correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na carreira e/ou categoria de que é titular (art. 3.º).


Consta ainda que na transição para a nova tabela remuneratória da carreira especial de oficial de registos (anexo II), os trabalhadores desta carreira são reposicionados na posição remuneratória da categoria de oficial de registos a que corresponde nível remuneratório cujo montante pecuniário seja equivalente à remuneração base a que têm direito na data de entrada em vigor do presente decreto-lei (1 de janeiro de 2020), mas não inferior ao da primeira posição remuneratória da carreira e categoria de oficial de registos (art. 10.º n.º 2).
Não se verificando identidade quanto aos níveis remuneratórios, os trabalhadores deverão ser reposicionados em posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam, de montante pecuniário equivalente à remuneração base a que têm direito na data de entrada em vigor do presente decreto-lei. Mais importa esclarecer que, no caso em apreço, a remuneração base devera corresponder à soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.

Ora, à data de entrada em vigor deste diploma, o Réu pagava à Autora, a título remuneratório:
- como vencimento de categoria €961,18;

- Como vencimento emolumentar €1.253,76.

Quando a Autora deveria receber, conforme o supra exposto:

- Como vencimento de categoria €995,51;

- como vencimento emolumentar €1.253,76 (se valor mais elevado não for apurado)
Assim, a Autora, em 1 de janeiro de 2020, auferia €2.221,58 [(€961,18 +€1.253,76) + €6,64 referente à atualização de 0,3% - DL 10-B/2020 de 20/03] e por isso foi colocada entre o nível 31 e 35 e entre a posição 5 e 6 da tabela remuneratória única, quando deveria ser considerado o vencimento de €2.256,02 [(€995,51 + €1.253,76) + €6,75 referente à atualização de 0,3% - DL 10-B/2020 de 20/03], pelo que devia ter sido colocada entre o nível 35 e 37 e entre a posição 6 e 7 da TRU. Além de que até ao momento da aposentação, a Autora deveria ter auferido mais €792,12 a título de diferenças salariais (2.256,02– 2.221,58 = 34,44) x (14 meses de 2020 = 482,16) e x (9 meses de 2021=309,96).


A transposição acima exposta e aqui reclamada, decorria imediatamente da lei (conforme os diplomas acima identificados) e era feita de forma oficiosa, ou seja, não carecia de requerimento do interessado para ser levada a cabo.


Aliás, bastou apenas aos serviços verificar o vencimento de categoria e emolumentar (de exercício) da Autora, somá-los e integrar a totalidade no nível correspondente da TRU.

Alem de que não importava uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo.
Pelo que o que aqui se peticiona resulta do mero reconhecimento de situação jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.

Ou seja, perante a legislação vigente, aplicava-se de forma automatizada ao caso da Autora, bastando a inserção dos dados, tratando-se por isso de meras operações materiais.

Consideramos assim, oportuna a reclamação da autora a qual merece ainda a nossa concordância.

 

DECISÃO

Do supra exposto, resulta claro que a demandante esteve a receber – até à integração na nova TRU – por um nível e valor inferior àquele pelo qual, de acordo com a simples aplicação automática da lei deveria ter estado a receber e, consequentemente, são devidas as diferenças salariais solicitadas nas alíneas a), b), c) e d) da Douto Requerimento Inicial e que supra transcrevemos.

De facto, aplica-se à demandante o índice 100 do regime geral da função pública (n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril), até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 21 de Dezembro e tendo este sofrido as revisões que expusemos anteriormente, deveria a remuneração da demandada ter sido atualizada em conformidade e sem que esta tivesse que requerer tal atualização, uma vez que tal se deveria verificar ope legis.

Em face do que antecede, considera-se que os dois primeiros pedidos formulados pela Demandante deverão ser considerados procedentes.

No mesmo sentido, considerando ainda que nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020 (n.º 1 do artigo 15.º do mesmo diploma), a remuneração de base, para efeitos de reposicionamento remuneratório na Carreira Especial de Oficial de Registos, é a resultante do somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito na data da entrada em vigor do mesmo diploma. Ora, como a demandada estava a ser remunerada por um valor inferior ao devido – conforme tabela que consta deste documento – não poderia o Demandado ter reposicionado a Demandante na nova Carreira e categoria entre as posições remuneratórias 1.ª e 2.ª do Anexo II do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, e entre os níveis remuneratórios 15.º e 19.º da Tabela Remuneratória Única aprovada pela Portaria n.º 1553- C/2008, de 31 de Dezembro, mas sim entre a posição remuneratória 6 e 7 da TRU, entre o nível 35 e 37. Direito que reconhecemos à demandante.

De facto, tendo a remuneração base dos trabalhadores nesta nova tabela passado a corresponder ao somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício, e uma vez que a Demandante teria direito em 28 de Setembro de 2019 a auferir €1434,92 – valor superior ao valor do referido 19.º nível remuneratório (2.ª posição remuneratória da Carreira Especial de Oficial de Registos), mas inferior ao 23.º nível remuneratório – € 1.613,42, em 2019 e € 1.618,26, em 2020 – correspondente à 3.ª posição remuneratória da mesma Carreira, deveria o Demandado ter colocado a Demandante entre as 2.ª e 3.ª posições remuneratórias, correspondentes aos 19.º e 23.º níveis da Tabela Remuneratória Única, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 10.º do citado Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.

Considerando que, desde 1 de janeiro de 2020, o Demandado tem pago à Demandante a quantia de € 1.377,24 mensais, a título de remuneração de base, incluindo subsídios de férias e Natal, quando deveria ter pago € 1.434,92 mensais, são devidas diferenças mensais de € 57,68, o que considerando as catorze prestações em 2020, corresponde a € 807,52 e, considerando as onze prestações até ao final do corrente mês de novembro de 2021, incluindo subsídios de férias e de Natal, corresponde a € 749,84.

Deve, por isso, o Demandado reposicionar a Demandante nos termos expostos e pagar-lhe as mencionadas diferenças salariais, que totalizam € 1.557,36.

 

Do direito ao pagamento das diferenças a título de emolumentos pessoais

Cumpre agora decidir sobre o quarto pedido da demandante, a saber: sobre o seu direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos. Alega a demandante, para suportar este pedido, que os emolumentos pessoais devem ser atribuídos aos funcionários da repartição na proporção dos respetivos ordenados, nos termos do n.º 1 do artigo 137.º do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro, bem como do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e das tabelas anexas à Portaria n.º 996/98, de 25 de novembro.

E que estando a sua remuneração base mal calculada, também estes valores o estariam incorretamente calculados, na medida em que os mesmos são pagos na proporção dos ordenados.

E, não obstante, tenha sido possível constatar, dos elementos carreados para os autos, inclusivamente do pedido de apensação de vários processos similares, que foi, como vimos infra indeferido pelo Senhor Presidente do CAAD, que o Demandado não terá calculado mal apenas os ordenados da Demandante, mas também os ordenados de muitos outros funcionários em idênticas circunstâncias, a verdade é que esse facto em nada prejudica o direito que a demandante pretende fazer valer.

Na verdade, sem pôr em causa o princípio da igualdade como resulta da Constituição e da Lei do Trabalho em Funções Publicas, não podemos deixar de dar razão à demandante pelo facto de esta padecer das mesmas irregularidades salariais de outros trabalhadores, pois o direito que ela reclama é um direito pessoal e direto e não tem qualquer interferência, relação ou dependência de idêntico direito relativamente aos demais trabalhadores.

Somos, pois, de entendimento que este quarto pedido deve proceder.

Do pedido de desaplicação das normas constantes das Leis do Orçamento de Estado e dos respetivos Decretos-Leis de Execução Orçamental e demais diplomas que, entre 2005 e 2020 determinaram o congelamento e a proibição de valorizações remuneratórias nas carreiras dos funcionários públicos, em especial dos oficiais dos registos

Sabemos todos que os períodos referidos nos artigos 98.º a 206.º foram períodos de crise financeira com contornos atípicos e excecionais que determinaram a publicação de normas (Portarias, Leis do Orçamento de Estado e Decretos-Leis de Execução Orçamental) com medidas que, noutro contexto, seriam suscetíveis de violar o princípio da irredutibilidade, da igualdade e da proporcionalidade salarial.

Sabemos inclusivamente que, aquando da publicação da Lei do Trabalho em Funções Públicas – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, estando à data em vigor a Lei do Orçamento de Estado de 2014, o legislador reconheceu de forma expressa e categórica a importância dessa e de qualquer outra Lei do Orçamento de Estado e a sua prevalência sobre, em concreto, a própria LTFP.

Efetivamente, o art. 44.º, n.º 2 das disposições preambulares estabelece que: O disposto na presente lei não prejudica a vigência das normas da Lei do Orçamento do Estado em vigor.

Se este não é o reconhecimento da excecionalidade e força jurídica deste diploma e das normas que encerra, não sei que outra interpretação possa ter.

Somos, pois de entendimento que, não está em causa o reconhecimento da inconstitucionalidade destas normas, mas tao só a compreensão de que as mesmas se justificaram pelas circunstâncias excecionais vividas e, no pressuposto de que circunstancias excecionais carecem de medidas excecionais, as normas que a demandada pretende ver desaplicadas, têm total cabimento, no tempo e circunstâncias em que se verificaram.

Assim, no que concerte ao quinto e sexto pedidos da Demandante não logrou esta demonstrar que da sua aplicação tivesse resultado um efetivo tratamento discriminatório do ponto de vista salarial, entre si e os demais trabalhadores do mesmo serviço. Pelo exposto, o congelamento da carreira e a proibição das valorizações remuneratórias que afetaram todos os trabalhadores em funções publicas foram gerais e abstratos e não dependeram de nenhum ato administrativo que comportasse tratamentos distintos.

Em face desta igualdade e da compreensão da excecionalidade, mas também do valor reforçado destas normas, não foi possível identificar aqui quaisquer questões de inconstitucionalidade que importasse apreciar.

Pelo exposto, somos de entendimento que estas normas não padecem da inconstitucionalidade pretendida pela demandante e uma vez que a sua aplicação não dependeu de qualquer ato administrativo concreto, a sua desaplicação poderia sim determinar a desigualdade tao contestada pela demandante.

 

Do valor da causa

A Demandante atribuiu à presente ação o valor de € 10.000,00, o que corresponde a um pouco mais do que as diferenças salariais computadas na Petição Inicial. O Demandado não se opôs ao valor da causa oferecido pela Demandante.

Representando o valor da causa a utilidade económica imediata do pedido, a demandante pretende obter os seguintes pagamentos:

- Primeiro pedido - €7.774,73 correspondente às diferenças de vencimento de categoria;

- Segundo pedido - €25,40 a título de diferenças de vencimento
de exercício acrescido do cálculo correto do valor de vencimento de exercício da Autora;
- terceiro pedido - €792,12 a título de diferenças de vencimento e reconhecimento do direito a ser colocada entre o nível 35 e 37 e entre a posição 6 e 7 da TRU;

- quarto pedido – reconhecimento direito da Autora a receber os
emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu.

Da soma dos três primeiros pedidos ( €7.774,73 + €25,40 + €792,12 = 8.592,25 acrescido do valor resultante do calculo correto do valor do vencimento de exercício da autora (2.ª pedido) e do direito a ser colocada entre o nível 35 e 37 e entre a posição 6 e 7 da TRU) resulta claro que a demandante desconhecia o valor que poderia implicar o seu quarto pedido, bem como o benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Sem falar no que respeita aos quinto e sexto pedidos em que a Demandante pede a declaração de inconstitucionalidade de preceitos legais e a repristinação de normas revogadas, e a sua aplicação à Demandante, com consequente reposicionamento remuneratório, não tendo dado qualquer noção quanto às quantias que poderiam estar em causa nem ao benefício económico que daí poderia resultar, o valor da causa relativo a cada um desses pedidos terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Considerando-se assim, o disposto no n.º 7 do artigo 32.º, entende-se que o valor da presente causa deverá corresponder ao somatório dos valores dos três primeiros pedidos com o valor próprio dos pedidos de valor indeterminável, que assegura o recurso para o Tribunal Central Administrativo, devendo assim fixar-se a esta causa o valor de € 40.000,01, nos termos e para os efeitos das normas constantes do n.º 1 do artigo 31.º, dos n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º, dos n.ºs 1, 2 e 4 do CPTA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

Decisão 

Da análise dos factos e do direito que os enforma e decorrendo das considerações por mim feitas anteriormente, decido julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

 

 

a)           Condenar o demandado a reconstituir a carreira salarial da demandante desde agosto de 1983 até à data, reconhecendo o direito da Autora a auferir o valor de €7.774,73 a título de diferenças de vencimento de categoria e atualizações do índice 100 e condenar o Réu ao pagamento desta quantia, nos termos que melhor se explicitam no quadro resumo infra, valores sujeitos aos descontos legais;

b)          Condenar o Reu ao pagamento de €25,40 a título de diferenças de vencimento de exercício, bem como ao cálculo correto do vencimento de exercício da Autora, sujeito aos descontos legais;

c)           Diretamente dependente do exposto nas alíneas a) e b), condenar o Reu ao reconhecimento do direito a receber a título de diferenças de vencimento o valor de €792,12 e ao pagamento desta quantia bem como ao reconhecimento do direito da Autora a ser colocada entre o nível 35 e 37 e entre a posição 6 e 7 da TRU, valores sujeitos aos descontos legais;

d)          Em conformidade com o disposto nas alíneas anteriores, condenar o Reu a calcular os valores dos emolumentos pessoais em falta, devendo os mesmos ser pagos pelo Reu, nos termos anteriormente referidos;

e)           Absolver o Demandado do pedido de afastamento da aplicação do art. 10.º n.º 1 e n.º 4 do DL n.º 145/2019 de 23/09 á Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações;

f)           Absolver o Demandado do pedido de repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro e o disposto na Portaria n.º 940/99 de acordo com os quais se fixa a forma de calculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito á data da entrada em vigor do DL 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um primeiro ajudante no 3.º escalão e aplicá-lo á Autora com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar á Autora o vencimento médio nacional de um primeiro ajudante no 3.º escalão á data da entrada em vigor do DL 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

Fixa-se à causa o valor de € 40.000,01. 

A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. 

Os encargos são suportados por Demandante e Demandado nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

Registe, notifique e publique.

 

CAAD, 8 de novembro de 2022

 

O Árbitro,

 

(Ana Filipa Borges Matias Gilsanz Magalhães)