Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 12/2022-A
Data da decisão: 2022-07-26  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 1.000,00
Tema: Relação jurídica de emprego público; transição de carreiras
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SENTENÇA ARBITRAL

 

1)    Relatório

 

a)    Identificação das Partes

 

A..., solteiro, maior, titular do Cartão de Cidadão n.º ... residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., titular do número de identificação fiscal ..., propôs a presente ação arbitral contra o B..., departamento central do Estado Português.

 

b)    Convenção de arbitragem

 

Por meio da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, o Demandado vinculou-se à jurisdição de tribunais arbitrais a constituir sob a égide do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para a “composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros e que tenham por objeto [...] questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”.

 

O Demandante dirigiu-se ao CAAD para a resolução de um litígio emergente de relação jurídica de emprego público, peticionando a condenação do Demandado a incluí-lo “na lista de trabalhadores a transitar para a carreira de especialista de polícia científica”. Não estão em causa direitos indisponíveis, nem questões resultantes de acidente de trabalho, tendo sido atribuído à causa o valor de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). Trata-se, por conseguinte, de um litígio abrangido pelo âmbito da vinculação do Demandado à jurisdição arbitral. 

 

Neste sentido, a convenção de arbitragem resulta do encontro de vontades emergente da vinculação do Demandado à arbitragem por via regulamentar e do exercício pelo Demandante do direito potestativo de acesso à arbitragem que lhe foi conferido pelo Demandado, nos termos do n.º 2 do artigo 187.º do CPTA.

 

c)     Constituição do Tribunal Arbitral

 

O Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro único Raul Relvas Moreira, que aceitou o encargo, tendo a composição do Tribunal Arbitral sido comunicada às Partes em 1 de abril de 2022, data em que aquele se considera constituído, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 17.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa (“RAA”).

 

d)    Sede da arbitragem

 

De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 2.º do RAA, a presente arbitragem tem sede no CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, 1050-091 Lisboa.

 

e)     Objeto do litígio

 

O litígio em apreço incide sobre o direito do Demandante a transitar para a carreira de especialista de polícia científica da C... .

 

f)     Resumo da tramitação processual

 

Em 31 de janeiro de 2022, o Demandante apresentou, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 10.º do RAA, um requerimento de constituição de tribunal arbitral, ao qual juntou a sua petição inicial. Em tal petição, deduziu um pedido de condenação do Demandado a incluí-lo nas listas de trabalhadores a transitar para a carreira de especialista de polícia científica da C..., invocando o direito consignado no n.º 2 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro (“DL 138/2019”). 

 

Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação em 23 de fevereiro de 2022, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido deduzido pelo Demandante. Na sua contestação, o Demandado impugnou o valor atribuído à causa pelo Demandante.

 

Em 1 de abril de 2022, foi comunicada às Partes a composição do Tribunal Arbitral.

 

Em 7 de abril de 2022, foi proferido despacho sobre o valor da causa, tendo sido fixado o valor de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) e determinada a notificação do Demandante para proceder ao pagamento da quantia devida a título de taxa de justiça resultante da fixação de valor superior ao inicialmente atribuído pelo Demandante.

 

Em 12 de abril de 2022, o Demandante requereu a junção aos autos de documento comprovativo do pagamento da quantia devida a título de encargos processuais, bem como de documento relativo à sua avaliação profissional de desempenho respeitante ao ano de 2020.

 

Em 13 de maio de 2022, o Tribunal Arbitral proferiu despacho por meio do qual admitiu a junção aos autos daquela documentação e determinou a notificação das Partes para se pronunciarem, querendo, sobre a dispensa da realização de diligências de produção prova adicionais e da produção de alegações finais.

 

Em 16 de maio de 2022, o Demandante manifestou a sua oposição à dispensa da realização de diligências instrutórias adicionais, pugnando pela produção de prova testemunhal.

 

            Na mesma data, o Demandado manifestou a sua concordância com a aludida dispensa.

 

Em 17 de maio de 2022, foi proferido despacho determinando a notificação do Demandante para, querendo, fundamentar a sua posição relativamente à referida dispensa, bem como do Demandado para, querendo, exercer o contraditório relativamente a uma tal pronúncia do Demandante.

 

Em 18 de maio de 2022, o Demandante apresentou os fundamentos da sua oposição à dispensa da realização de diligências instrutórias adicionais.

 

Em 19 de maio de 2022, o Demandado pronunciou-se sobre aqueles fundamentos, mantendo a sua posição.

 

Tendo tomado conhecimento da existência de outros processos arbitrais com objeto idêntico, o Tribunal Arbitral, por despacho proferido em 25 de maio de 2022, convidou as Partes a pronunciar-se sobre a eventual apensação dos mesmos aos presentes autos.

 

Em 27 de maio de 2022, o Demandado manifestou a sua oposição à aludida apensação, invocando, entre o mais, o avançado estado dos presentes autos face ao estado preliminar em que se encontravam aqueles processos. Na mesma data, o Demandante manifestou a sua concordância com a referida apensação.

 

Em 20 de junho de 2022, ponderadas as posições das Partes, o Tribunal Arbitral decidiu não determinar a apensação de qualquer daqueles processos aos presentes autos.

 

*

 

Notificadas para se pronunciar sobre a intenção do Tribunal Arbitral de dispensar a realização de diligências instrutórias adicionais e a produção de alegações finais, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 18.º, n.º 4, e 24.º do RAA, as Partes manifestaram posições divergentes a este propósito. O Demandante afirmou a sua oposição a uma tal dispensa, tendo pugnado pela produção da prova testemunhal requerida na petição inicial, enquanto o Demandado declarou a sua concordância com a referida dispensa.

 

Compulsados os autos, e devidamente ponderados os fundamentos da oposição do Demandante à dispensa da realização de diligências instrutórias adicionais, verifica-se que a prova documental produzida e os factos confessados e admitidos por acordo nos articulados se mostram suficientes para a apreciação, sem necessidade de mais indagações, do pedido deduzido pelo Demandante. 

 

O Demandante peticiona a condenação do Demandado a incluí-lo “na lista de trabalhadores a transitar para a carreira de especialista de polícia científica”. Para fundamentar o seu pedido, afirma-se titular do direito de transitar para a carreira de especialista de polícia científica consignado no n.º 2 do artigo 94.º do DL n.º 138/2019. Conforme indubitavelmente resulta da interpretação conjugada das disposições contidas nos n.ºs 1 e 2 daquele artigo, o direito nele previsto depende do preenchimento de um conjunto de requisitos, podendo ser exercido “no prazo de 10 dias, contados da data de entrada em vigor do presente decreto-lei”. 

 

Ora, nos termos do artigo 106.º daquele diploma, o mesmo entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2020, reportando-se, pois, a esta data o marco temporal relevante para efeitos de preenchimento dos requisitos de que depende a referida transição para a carreira de especialista de polícia científica.

 

Resulta do requerimento do Demandante que a prova testemunhal requerida não se destina à demonstração, direta ou indireta, de qualquer dos factos constitutivos daquele direito, uma vez que não se afiguram, para esse efeito, relevantes i) o âmbito das funções exercidas pelo Demandante após o termo daquele prazo iniciado em 1 de janeiro de 2020; nem ii) a transição dos agentes para inspetores operada pelo artigo 156.º do revogado Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, aliás invocada pelo Demandante nos artigos 30.º e 31.º da petição inicial somente para sustentar não ser inédita a solução que considera resultar do n.º 2 do artigo 94.º do DL 138/2019 no sentido de admitir a transição para nova carreira de trabalhadores não titulares da habilitação de ingresso. 

 

Ademais, importa verificar que, no artigo 61.º da sua petição inicial, o Demandante afirma “[ser] verdade que - à data da entrada em vigor do atual EP... - o Demandante não desempenhava as atuais funções, materialmente equivalentes às de especialista, há pelo menos um ano”, não havendo, por conseguinte, ao contrário do que poderia sugerir a leitura isolada do n.º 6 do seu requerimento, qualquer desacordo entre as Partes quanto a este ponto.

 

Assim, considerando que a prova documental produzida e os factos admitidos por acordo nos articulados se mostram suficientes para a apreciação, sem necessidade de mais indagações, do pedido deduzido pelo Demandante, determino, nos termos do n.º 4 do artigo 18.º do RAA, a dispensa da realização de diligências instrutórias adicionais. Por outro lado, verificando-se que as Partes explicitaram suficientemente as suas posições nos respetivos articulados, e não havendo lugar a diligências instrutórias adicionais, afigura-se dispensável a produção de alegações finais, o que igualmente determino, nos termos do artigo 24.º do RAA.

 

*

 

O Demandante indicou na petição inicial como entidade demandada a C... . Na ausência de norma específica sobre a legitimidade em processo arbitral, deve entender-se, como decorrência da natureza consensual da jurisdição arbitral, que a legitimidade para a arbitragem obedece aos mesmos critérios de legitimidade fixados para a jurisdição estadual. Assim, a legitimidade para a presente ação pertence ao B..., o que, porém, não impede que aquela deva considerar-se regularmente proposta contra este, tal qual sucederia perante a jurisdição estadual, nos termos do n.º 5 do artigo 8.º-A e dos n.os 2 e 4 do artigo 10.º do CPTA.  

 

As Partes são legítimas e têm personalidade e capacidade arbitrais.

 

*

 

As regras e os princípios cogentes da arbitragem foram observados ao longo do processo arbitral e quanto a todos os atos nele praticados, não havendo qualquer obstáculo à prolação de decisão sobre o mérito da causa. 

 

Cumpre decidir.

 

2)    Fundamentação

 

a)    De facto

 

i)      Factos provados

 

Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal Arbitral julga provada a seguinte factualidade:

 

a)     O Demandante é trabalhador da C..., tendo sido admitido em 10 de julho de 2018, na carreira de segurança;

 

b)    O Demandante possui a habilitação de licenciado desde 28 de janeiro de 2021, data em que concluiu o curso de licenciatura em Estudos de Segurança pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias;

 

c)     Na sequência de convite à apresentação de candidaturas formulado por despacho de 29 de outubro de 2019 do Diretor Nacional da C..., foi determinada, por despacho proferido em 10 de janeiro de 2020 pelo Diretor Nacional Adjunto da C..., a afetação temporária do Demandante à realização de perícias informáticas;

 

d)    Em janeiro de 2020, o Demandante realizou formação específica com a duração total de 50 (cinquenta) horas para o exercício da função referida na alínea c);

 

e)     Na sequência da conclusão da formação referida na alínea d), o Demandante iniciou funções de salvaguarda e de recolha de vestígios digitais, como perito informático na USIC, até transitar, a convite, para a SCID da UNC3T, com funções de investigador digital;

 

f)     Atualmente, o Demandante encontra-se ao serviço da Direção de Serviços de Inovação e Desenvolvimento, onde mantém as funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no Quadro 2 do Anexo I ao DL 138/2019;

 

g)    Por despacho de 19 de novembro de 2021, o Diretor Nacional da C... aprovou as listas nominativas a que se refere o n.º 5 do artigo 96.º do DL 138/2019, de 13 de setembro, nelas se determinando a transição do Demandante para a nova carreira de segurança;

 

h)    Notificado do teor das referidas listas, e não se conformando, o Demandante interpôs recurso hierárquico para a Ministra ..., o qual veio a ser indeferido por despacho de 16 de fevereiro de 2022, já na pendência da presente ação.

 

 

A convicção do Tribunal Arbitral quanto aos factos enunciados resulta das posições assumidas pelas Partes nos seus articulados, bem como da análise conjugada dos documentos juntos pelas Partes.

 

ii)    Factos não provados

 

Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

b)    De Direito

 

Por meio da presente ação, o Demandante pretende obter a condenação do Demandado a incluí-lo na lista de trabalhadores da C... a transitar para a carreira de especialista de polícia científica. Para tanto, invoca o regime contido no artigo 94.º do DL 138/2019, alegando, em síntese, que se encontram verificados os pressupostos que integram a aludida previsão normativa, devidamente interpretada à luz dos princípios da igualdade, da justiça e da razoabilidade. Em sentido oposto, o Demandado considera que aqueles pressupostos não estão verificados, pelo que o Demandante não tem direito a transitar para a carreira de especialista de polícia científica.

 

Cumpre, antes de mais, verificar que, por meio do DL 138/2019, o legislador procedeu à revisão global das carreiras da C..., assumindo, de acordo com o respetivo preâmbulo, o propósito de empreender “uma reestruturação das carreiras que responda aos desafios que decorrem da modernização administrativa da C... e dos novos instrumentos de gestão e de avaliação dos seus trabalhadores”. Para este efeito, o legislador criou três carreiras especiais – as carreiras de investigação criminal, de especialista de polícia científica e de segurança – e regulou especificamente a transição dos trabalhadores integrados nas carreiras então existentes para aquelas novas carreiras. 

 

Diversamente do que sucede com a transição para as novas carreiras de investigação criminal e de segurança, correspondentemente prevista nos artigos 93.º e 95.º do DL 138/2019, a transição para a nova carreira de especialista de polícia científica depende, nos termos previstos no artigo 94.º do DL 138/2019, da manifestação de vontade dos trabalhadores, podendo estes optar por permanecer nas antigas carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar ou, mediante a verificação dos pressupostos legalmente fixados, optar pela transição para a nova carreira de especialista de polícia científica.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 94.º do DL 138/2019, “[o]s trabalhadores integrados nas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar, nos termos das alíneas a) a d) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na sua redação atual, que cumpram o requisito de ingresso na carreira de especialista de polícia científica previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, e que exerçam, há pelo menos um ano, funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, podem transitar para esta, caso manifestem declaração de vontade nesse sentido, no prazo de 10 dias, contados da data de entrada em vigor do presente decreto-lei”. 

 

Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “[p]odem ainda transitar para a carreira de especialista de polícia científica, os trabalhadores integrados na carreira de especialista adjunto que, há pelo menos um ano, exerçam funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, e possuam formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

 

Estes preceitos consagram o direito dos trabalhadores integrados nas antigas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar a transitar para a nova carreira de especialista de polícia científica da C... instituída pelo DL 138/2019, mediante a verificação de certos pressupostos, podendo um tal direito ser exercido no prazo de dez dias a contar da entrada em vigor daquele diploma. 

 

Com efeito, de acordo com o n.º 1 do artigo 94.º do DL 138/2019, os trabalhadores integrados nas antigas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar podem transitar para a nova carreira de especialista de polícia científica, mediante declaração de vontade apresentada no prazo de dez dias a contar da entrada em vigor daquele diploma, desde que:

 

a) exerçam, há pelo menos um ano, funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no Quadro 2 do Anexo I ao DL 138/2019; e 

 

b) cumpram o requisito de ingresso na carreira de especialista de polícia científica previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do DL 138/2019, isto é, possuam a habilitação académica exigida para o ingresso na referida carreira, a qual, nos termos conjugados dos artigos 36.º, n.º 2, do DL 138/2019 e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, tal como subsequentemente alterada, corresponde ao curso de licenciatura.

 

Especificamente no caso dos trabalhadores integrados na antiga carreira de especialista adjunto, o n.º 2 do artigo 94.º do DL 138/2019 prevê que possam transitar para a nova carreira de especialista de polícia científica sem aquela habilitação académica superior, desde que, em alternativa à titularidade do grau de licenciado, possuam formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

 

Revertendo ao caso concreto, importa, em primeiro lugar, assinalar que o Demandante foi admitido na C... em 10 de julho de 2018, na antiga carreira de segurança, tendo sido determinada respetiva a afetação temporária à realização de perícias informáticas por despacho de 10 de janeiro de 2020 do Diretor Nacional Adjunto da C... . Após a realização de formação específica para o efeito, o Demandante iniciou funções de salvaguarda e de recolha de vestígios digitais, como perito informático na USIC, até transitar, a convite, para a SCID da UNC3T, com funções de investigador digital, encontrando-se ao serviço da Direção de Serviços de Inovação e Desenvolvimento, onde mantém as funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no Quadro 2 do Anexo I ao DL 138/2019.

 

Fundando a sua pretensão no regime de transição para as novas carreiras instituído pelo artigo 94.º do DL 138/2019, o Demandante considera que, não obstante ter ingressado na antiga carreira de segurança, poderá beneficiar do regime previsto para os trabalhadores integrados na carreira de especialista adjunto. Alega, para tanto, que as disposições contidas naquele artigo devem ser interpretadas como compreendendo no universo de “trabalhadores integrados na carreira de especialista adjunto” aqueles que materialmente exerçam funções correspondentes às legalmente previstas para uma tal carreira, invocando em auxílio dessa interpretação os princípios da igualdade, da justiça e da razoabilidade. A alegação do Demandante suscita, pois, a questão de saber se o regime do artigo 94.º do DL 138/2019 deve ter-se por aplicável também aos trabalhadores que se encontrem temporariamente afetos ao desempenho de funções correspondentes às antigas carreiras nele referidas.

 

No entanto, independentemente do modo como se responda a uma tal questão, certo é que, no caso do Demandante, assoma como evidente que não estão preenchidos os pressupostos de cuja verificação cumulativa dependeria, em qualquer caso, a transição para a nova carreira de especialista de polícia científica com fundamento no regime contido no artigo 94.º do DL 138/2019. Torna-se, consequentemente, inútil para a decisão da causa a apreciação da questão atinente à delimitação do recorte de trabalhadores abrangidos por aquele regime ou mesmo da questão de saber quais as implicações jurídicas das alterações ocorridas no âmbito das funções materialmente exercidas pelo Demandante, sobre a qual o Tribunal Arbitral não foi chamado a pronunciar-se.

 

Com efeito, tanto o n.º 1 como o n.º 2 do artigo 94.º do DL 138/2019 fazem depender a atribuição do direito de transitar para a nova carreira de especialista de polícia científica do exercício, há pelo menos um ano, de funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no Quadro 2 do Anexo I ao DL 138/2019. E tanto basta para que se conclua pela improcedência da pretensão do Demandante. Em boa verdade, o referente temporal da verificação do pressuposto relativo ao exercício daquelas funções pelo período mínimo de um ano, de que depende a constituição daquele direito na esfera jurídica dos trabalhadores, não pode, na ausência de indicação normativa em sentido diverso, deixar de ser anterior ao termo do prazo expressamente previsto no mesmo DL 138/2019 para o exercício de um tal direito: dez dias a contar da data de entrada em vigor daquele diploma. Da verificação de um tal pressuposto depende a constituição daquele direito na esfera dos trabalhadores abrangidos pela previsão normativa e, naturalmente, o seu exercício no prazo legalmente fixado para o efeito.

 

Dito de outro modo, poderão beneficiar do direito consignado no artigo 94.º do DL 138/2019 os trabalhadores integrados naquelas carreiras relativamente aos quais se possa afirmar que, aquando da entrada em vigor daquele diploma, haviam completado, pelo menos, um ano no exercício de funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no Quadro 2 do Anexo I ao DL 138/2019. É assim que, independentemente da data em que forem publicadas as listas nominativas por meio das quais se opera a transição para a nova carreira, os efeitos de uma tal transição reportam-se sempre à data da entrada em vigor do DL 138/2019, conforme expressamente decorre do n.º 6 do artigo 96.º deste diploma. Na lógica subjacente ao regime em apreço, o marco temporal relevante para a transição dos trabalhadores das antigas para as novas carreiras e, inversamente, para a estabilização da situação jurídico-funcional dos trabalhadores no serviço público em apreço é aquele em que se opera a criação das novas carreiras, com a entrada em vigor do diploma em apreço, havendo, por isso, a fixação de um prazo de dez dias após o início da vigência desse diploma para manifestar a vontade de transitar para a nova carreira e de um prazo de trinta dias após a entrada em vigor do mesmo diploma para a publicação das listas nominativas por meio das quais se opera a transição. 

 

Do regime contido nos n.os 1 e 2 do artigo 94.º do DL 138/2019 decorre que o legislador optou por limitar a possibilidade de transição para a nova carreira de especialista de polícia científica aos trabalhadores integrados nas antigas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar que, aquando da entrada em vigor daquele diploma, marco temporal escolhido como referente para a definição da situação jurídico-funcional dos trabalhadores, reuniam os pressupostos neles consignados, incluindo a experiência de pelo menos um ano no exercício das funções compreendidas nos conteúdos funcionais daquela nova carreira. Os demais trabalhadores integrados nas antigas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar que, naquela data, não reuniam aqueles pressupostos cumulativos ou que, reunindo-os, não manifestaram a vontade de transitar para a nova carreira no prazo previsto para o efeito permanecem naquelas antigas carreiras, nos termos previstos nos artigos 94.º, n.º 3, e 97.º, n.º 1, do DL 138/2019. 

 

No que toca à conformidade do regime em apreço com as normas que vinculam o legislador no desempenho da sua atividade, nomeadamente o princípio da igualdade, cumpre verificar que a exigência de um ano de experiência nas funções aquando da entrada em vigor do diploma que opera a reestruturação de carreiras para acesso à nova carreira de especialista de polícia científica poderá ter criado situações de desigualdade, nomeadamente entre os trabalhadores que, naquela data, possuíam tal experiência e os que a não possuíam e só mais tarde viriam a possuí-la. Todavia, a diferenciação operada pelo legislador não pode ter-se por arbitrária, nem desconforme com os valores fundamentais do nosso ordenamento, assentando, por um lado, na adoção de um marco temporal para a estabilização das carreiras na C..., com a criação de um prazo para o exercício do direito de transitar para a nova carreira, e, por outro lado, na exigência, para a atribuição do direito de transitar para a nova carreira, de um mínimo de experiência no exercício de funções compreendidas nos respetivos conteúdos funcionais. A solução acolhida pelo legislador não é, numa perspetiva de política legislativa, isenta de crítica. No entanto, uma tal solução não se afigura incompatível com o princípio da igualdade, não resultando igualmente violado qualquer outro parâmetro constitucional, o que, aliás, no tocante àqueles dois aspetos – a criação de um marco temporal relevante e a exigência de um mínimo de experiência nas funções –, não é também alegado pelo Demandante. 

 

No caso do Demandante, a sua afetação temporária à realização de perícias informáticas, enquadrável no âmbito funcional da nova carreira de especialista de polícia científica, apenas foi determinada por despacho de 10 de janeiro de 2020, já depois da entrada em vigor do DL 138/2019, pelo que, no momento legalmente fixado como relevante para a verificação dos pressupostos de que depende a transição para a nova carreira, o Demandante não possuía a experiência legalmente exigida no exercício de funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no Quadro 2 do Anexo I ao DL 138/2019. Não estava, por conseguinte, verificado o pressuposto do exercício pelo período mínimo de um ano de funções compreendidas nos conteúdos funcionais da nova carreira de especialista de polícia científica, de que sempre dependeria a eventual constituição, na sua esfera jurídica, do direito de transitar para a nova carreira. Neste sentido, independentemente da questão de saber se o Demandante poderia, para estes ou outros efeitos, ser tido como trabalhador integrado na carreira de especialista adjunto, certo é que não poderia beneficiar do direito consignado no artigo 94.º do DL 138/2019 de transitar para a nova carreira, por não reunir os pressupostos cumulativos nele previstos para esse efeito.

 

3)    Decisão

 

Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo o Demandado do pedido formulado.

 

Não há lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 29.º do RAA.

 

Notifique.

Lisboa, 26 de julho de 2022.

 

O Árbitro

 

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Raul Relvas Moreira