Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 11/2022-A
Data da decisão: 2022-05-03  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relações jurídicas de emprego público – Vencimento de categoria e de exercício, remuneração de base, suplementos remuneratórios
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DECISÃO ARBITRAL

 

I              - Relatório

 

N…, veio intentar a presente acção arbitral contra o I…, I.P., pedindo que a acção seja “julgada provada e procedente e em consequência, nos termos do artigo 37.º, n.º 1, alíneas b), f), g), i) e n) do CPTA:

 

1             - Ser reconhecido ao autor o direito de poder optar, mediante a assinatura de aditamento ao contrato de trabalho em funções públicas, por passar a exercer as funções de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, posto de trabalho para o qual foi selecionado na sequência do procedimento concursal aberto em agosto de 2009, pelo aviso “Ref.ª 1/2019-…)”, apenas após a definição, pelo trânsito em julgado da decisão da presente ação, do enquadramento remuneratório das referidas funções;

 

2             - Ser reconhecido que, caso o autor aceite o posto de trabalho de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, terá direito aos suplementos remuneratórios previstos no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março (subsídio de fixação e subsídio de compensação);

 

3             - Ser reconhecido que, no caso de o autor aceitar o posto de trabalho de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, terá direito a uma remuneração de base igual à soma das parcelas correspondentes:

 

3.1          - ao vencimento de categoria índice 500 que consta do mapa I anexo ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril (primeiro escalão de conservador de primeira classe); e

 

 

3.2          - ao vencimento de exercício (participação emolumentar) calculado por aplicação do n.º 6 da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro”.

 

Para o efeito o Demandante alegou, em síntese, que é trabalhador do Demandado, inicialmente mediante nomeação e, desde 1 de Janeiro de 2009, mediante contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, exercendo as funções de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …; concorreu ao procedimento concursal aberto pelo Aviso “Ref.ª 1/2019-…)” para 150 postos de trabalho da carreira de conservador de registos; na lista final de colocação que lhe foi comunicada em 14/09/2021, figura como colocado na Conservatória do Registo Civil de …; no mesmo dia 14/09/2021, o Demandado remeteu ao Demandante a minuta de aditamento ao contrato de trabalho, para o mesmo, em cinco dias úteis, comunicar se pretendia, ou não, outorgar esse aditamento, bem como para confirmar/completar os dados pessoais, verificar o teor do clausulado, suscitar eventuais dúvidas; igualmente remeteu uma minuta de declaração de não aceitação do lugar; no n.º 1 da cláusula sexta da minuta de aditamento é estipulada a base legal para determinação da remuneração de base do Demandante, referindo-se que à mesma acrescem “os suplementos remuneratórios legalmente devidos”; Demandante e Demandado divergem quanto a estes suplementos, entendendo o Demandado que se tratará de Subsídio de Insularidade (artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 145/2019) enquanto o Demandante considera que se trata dos suplementos previstos no Decreto- Lei n.º 66/88, de 1 de Março, por serem aqueles que vigoravam à data da abertura do procedimento concursal; além disso, o Demandante igualmente não concorda com o modo como o Demandado calcula a remuneração de base, prevista no n.º 2 da Cláusula sexta da minuta de aditamento, pois considera que esse cálculo deveria ter tido em consideração as quantias a que o mesmo teria direito em Agosto de 2019 (data da abertura do procedimento concursal), a qual era constituída por vencimentos de categoria e de exercício, emolumentos pessoais, subsídio de fixação e subsídio de compensação de montante igual ao fixado para os magistrados judiciais e não, como defende o Demandado, um valor de vencimento de exercício idêntico ao valor do vencimento de categoria (€ 1.721,55 de cada componente); o Demandante entende que o vencimento de exercício deverá ser calculado com base numa ficção de receita mensal líquida de 20 milhões de escudos da Conservatória do Registo Civil de … e que à mesma conclusão se chegaria por aplicação do princípio “a trabalho igual, salário igual”, bem como dos princípios do mérito e da

 

 

igualdade, consagrados na Constituição [alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º e n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa]. Juntou 30 documentos.

 

*

 

O Demandado, regularmente citado, contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Invocou as excepções dilatórias do erro na forma de processo ou da impropriedade do meio processual. Por impugnação, o Demandado procurou contradizer o alegado pelo Demandante. Juntou 17 documentos.

 

Foi proferido despacho arbitral, concedendo-se prazo ao Demandante para se pronunciar quanto à matéria de excepção e concedendo-se prazo simultâneo a ambas as partes para alegações finais.

 

O Demandante pronunciou-se tempestivamente quanto à matéria de excepção alegada pelo Demandado, pugnando pela sua improcedência.

 

Subsequentemente, as partes ofereceram as suas alegações, onde sustentaram as suas posições.

 

Foi proferido novo despacho arbitral, em 8 de Abril de 2022, onde oficiosamente se suscitou as excepções dilatórias da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, ou da ilegitimidade activa, concedendo-se prazo de 10 dias para a pronúncia das partes.

 

As partes pronunciaram-se tempestivamente, sendo que o Demandante pugnou pela improcedência das excepções oficiosamente suscitadas.

 

*

 

O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 10 de Março de 2022, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).

 

 

II             - Saneamento

 

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.

 

O Ministério da Justiça encontra-se vinculado à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, no que respeita ao I…, I.P. [alínea j) do artigo 1.º], sendo que, essa vinculação diz respeito a litígios com valor igual ou inferior a € 150.000.000 e que tenham por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público [primeira parte da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 1.º], o que sucede neste caso quanto aos dois referidos aspectos.

 

Por isso, o Tribunal é competente.

 

*

 

Foram oficiosamente suscitadas as excepções dilatórias da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, ou da ilegitimidade activa, e foram pelo Demandado invocadas as excepções dilatórias do erro na forma de processo ou da impropriedade do meio processual.

 

Cumpre delas conhecer em primeiro lugar, na medida em que a eventual procedência de uma delas obstará ao conhecimento do mérito da causa e conduzirá à absolvição do Demandado da instância.

 

 

 

A.           Fundamentação de facto

i)             Factualidade assente

 

Em termos factuais, considera-se assente, com interesse para a decisão, o seguinte:

 

1             - O Demandado é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, prosseguindo atribuições do Ministério da Justiça sob superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da justiça.

 

 

2             - O Demandante é trabalhador do Demandado, exercendo as funções de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, serviço desconcentrado do Demandado.

 

3             - A relação laboral entre o Demandante e o Demandado assenta numa relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado: inicialmente através de um vínculo de nomeação e, desde 1 de Janeiro de 2009, ope legis, através de contrato de trabalho em funções públicas.

 

4             - Em agosto de 2019 o Demandado, no uso dos seus poderes em matéria de recursos humanos, através do aviso “Ref.ª 1/2019-…)” abriu procedimento concursal para ocupação de 150 postos de trabalho, na carreira de conservador de registos, do mapa de pessoal do …, I.P., na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, circunscrito a trabalhadores já integrados na mesma carreira.

 

5             - O procedimento concursal regeu-se pelo Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro e pela Portaria n.º 134/2019, de 10 de maio, sendo a candidatura e demais comunicações estabelecidas por correio electrónico.

 

6             - O Demandante apresentou a sua candidatura ao posto de trabalho de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, que no aviso de abertura do procedimento concursal é identificado como sendo de 1.ª classe.

 

7             - Por mensagem de correio electrónico de 14 de Setembro de 2021, o Demandado informou o Demandante da decisão de homologação da lista final de colocações, onde o Demandante consta como colocado na Conservatória do Registo Civil de ….

 

8             - Por mensagem de correio electrónico do mesmo dia, o Demandado notificou o Demandante para que, no prazo de cinco dias úteis, este comunicasse se pretendia ou não outorgar aditamento ao contrato de trabalho com vista a ocupar o posto de trabalho de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de ….

 

9             - Para o efeito, em anexo à comunicação identificada no ponto 8, o Demandado juntou:

 

 

a)            Uma minuta de aditamento ao contrato de trabalho em funções públicas “com a finalidade de serem confirmados/corrigidos/completados os dados pessoais dele constantes, bem como para verificação do teor das respectivas cláusulas”, convidando o Demandante a apresentar eventuais dúvidas quanto ao teor das cláusulas; e

b)           Uma declaração de não aceitação do lugar, para o caso de não aceitar passar a exercer funções na Conservatória do Registo Civil de ….

 

10           - A referida minuta do aditamento ao contrato de trabalho, no ponto 1 da cláusula sexta, estabelece que “A remuneração base do Segundo Outorgante, prevista no artigo 3.º do Decreto- Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, é fixada, em função das regras previstas no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (vencimento de categoria), e nos termos a que alude o artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, (vencimento de exercício), este, apurado de harmonia com o disposto na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro (transitoriamente), e na Portaria 942/99 de 27 de outubro, aplicáveis por força do disposto no artigo 15.º do Decreto- Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, a que acrescem, os suplementos remuneratórios legalmente devidos.

 

11           - Por mensagem de correio electrónico de 15 de setembro de 2021, o Demandante solicitou ao Demandado “informação complementar relativamente à remuneração a auferir na Conservatória do Registo Civil de …, designadamente, quanto ao montante e base legal dos suplementos remuneratórios a que se refere a parte final do ponto 1 da cláusula sexta do aditamento ao contrato de trabalho.

 

12           - O Demandado prestou os esclarecimentos solicitados por mensagem de correio electrónico de 20 de Setembro de 2021, com o seguinte teor:

“o subsídio a que se alude, encontra-se, com efeitos a 1 de janeiro de 2020, previsto no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 145/2019.

A atribuição do subsídio de insularidade está, contudo, condicionada à emissão de despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que, ainda não sobreveio.

Donde, e nesta conformidade, será de concluir que, no actual enquadramento legal, não se encontram reunidas as condições legais para a atribuição do subsídio mensal de insularidade.”

 

 

13           - Por mensagem de correio electrónico de 22 de setembro de 2021, o Demandante, discordando da posição do Demandado, alegou que teria direito a receber os suplementos remuneratórios devidos pelo exercício de funções na Região Autónoma dos Açores, previstos no Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março e que considerava serem devidos à data da abertura do procedimento concursal.

 

14           - Por mensagem de correio electrónico de 27 de Setembro de 2021, o Demandado reafirmou o entendimento descrito em 12 deste articulado, anexando a informação n.º 62/DRH/2020 que analisa os reflexos da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro – atribuição de subsídio mensal de insularidade aos trabalhadores que exercem funções na Região Autónoma dos Açores.

 

15           - Por mensagem de correio electrónico de 27 de Setembro de 2021, o Demandante alegou que a referida informação n.º 62/DRH/2020 não aprecia os reflexos da ressalva contida no artigo 15º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro quanto aos suplementos remuneratórios dos trabalhadores que, na sequência de procedimento concursal aberto antes da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, venham a assumir funções na Região Autónoma dos Açores, solicitando uma posição expressa e fundamentada quanto ao sentido e alcance da ressalva remuneratória, eventualmente mediante a emissão de informação complementar.

 

16           - Por mensagem de correio electrónico de 27 de outubro de 2021, o Demandado apoiando- se em informação que atribuiu à Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, manteve o entendimento descrito em 12.

 

17           - Por mensagem de correio electrónico de 29 de outubro de 2021, o Demandante requereu a disponibilização de cópia da deliberação do I…, IP que sancionou o entendimento transmitido e o prolongamento em 10 dias do prazo concedido para aceitar ou não aceitar a assinatura do aditamento ao contrato de trabalho em funções públicas, pedido reiterado em 11 de novembro.

 

 

18           - Por mensagem de correio electrónico de 21 de dezembro de 2021, o Demandado remeteu cópia do despacho de 27/10/2021 da Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos …, IP que validou o entendimento referido em 12 e 16.

 

19           - Por mensagem de correio electrónico de 5 de janeiro de 2022, o Demandante requereu o prolongamento em mais 10 dias do prazo concedido para aceitar ou não aceitar a assinatura do aditamento ao contrato de trabalho em funções públicas.

 

20           - A cláusula sexta da minuta de aditamento ao contrato de trabalho, tem a seguinte redacção:

 

“1. A remuneração base do Segundo Outorgante, prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, é fixada, em função das regras previstas no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (vencimento de categoria), e nos termos a que alude o artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, (vencimento de exercício), este, apurado de harmonia com o disposto na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro (transitoriamente), e na Portaria 942/99 de 27 de outubro, aplicáveis por força do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a que acrescem, os suplementos remuneratórios legalmente devidos.

2.            O Segundo Outorgante tem direito a auferir a remuneração base, de 3 443,10€, que corresponde à posição remuneratória, entre 5.ª e 6.ª e ao nível remuneratório entre 58 e 62, da tabela única, constante dos mapas I e III, anexos ao DL nº 145/2019, de 23 de setembro, que do mesmo fazem parte integrante, e que corresponde ao posto de trabalho a ocupar na Conservatória do Registo Civil de …”.

 

21           - O Demandante não concorda com o valor da remuneração base proposto pelo Demandado.

 

22           - O Demandante não concorda com a recusa do Demandado em reconhecer o direito a auferir os subsídios de fixação e de compensação previstos no Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março, devidos a conservadores de registos que exerciam funções na Região Autónoma dos Açores em agosto de 2019, cujo direito mantiveram após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.

 

 

ii)            Factualidade não provada

 

Nada mais se provou com interesse para a presente decisão.

 

*

 

A convicção do tribunal quanto à factualidade considerada provada e não provada resulta da sua alegação na Petição Inicial, dos Documentos n.ºs 1 a 17 juntos com o mesmo articulado e da sua não impugnação na Contestação, pelo que além de provados documentalmente, igualmente se considera os mesmos factos admitidos por acordo das partes.

 

 

 

B.            Fundamentação de direito

 

A primeira questão que importa apreciar é a de saber se procede, ou não, a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial.

 

Como se referiu, o Demandante pede, na presente acção, que:

 

a)            Lhe seja reconhecido o direito de poder optar, mediante a assinatura de aditamento ao contrato de trabalho em funções públicas, por passar a exercer as funções de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, posto de trabalho para o qual foi seleccionado na sequência do procedimento concursal aberto em agosto de 2009, pelo aviso “Ref.ª 1/2019- … (CR)”, apenas após a definição, pelo trânsito em julgado da decisão da presente acção, do enquadramento remuneratório das referidas funções;

 

b)           Lhe seja reconhecido que, caso aceite o posto de trabalho de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil de …, terá direito aos suplementos remuneratórios previstos no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março (subsídio de fixação e subsídio de compensação);

 

c)            Lhe seja reconhecido que, no caso de aceitar o posto de trabalho de conservador de registos na Conservatória do Registo Civil …, terá direito a uma remuneração de base igual à soma das parcelas correspondentes (i) ao vencimento de categoria índice 500 que consta do mapa

 

 

I anexo ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril (primeiro escalão de conservador de primeira classe); e (ii) ao vencimento de exercício (participação emolumentar) calculado por aplicação do n.º 6 da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro.

 

No que toca aos segundo e terceiro pedidos, o Demandante pretende que o Tribunal reconheça um “direito” hipotético, ou seja, pretende que o Tribunal decida sobre se o mesmo Demandante, caso decida aceitar o lugar a que concorreu, terá direito a determinada remuneração de base e a determinados suplementos remuneratórios.

 

Todavia, o Tribunal apenas pode decidir com base em factos e não com base em hipóteses. No caso vertente, o direito a determinada remuneração de base depende do preenchimento da previsão legal de que depende a sua atribuição, como é o caso do início do exercício de funções. Ora, o Demandante não alega ter aceitado o posto de trabalho e iniciado o exercício de funções; antes admite expressamente não o ter aceitado ainda, por considerar que o conhecimento do valor do vencimento e dos suplementos a auferir são para si essenciais. Nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 145.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, «A remuneração é devida com o início do exercício de funções …».

 

No caso dos suplementos remuneratórios, a sua atribuição, além da aceitação do posto de trabalho, depende ainda da efectiva prestação do trabalho, que, naturalmente, também ainda não sucedeu, pelas mesmas razões.

 

Nos termos do artigo 159.º da mesma Lei:

 

«1 - São suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.

2 - Os suplementos remuneratórios estão referenciados ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos na primeira parte do número anterior, sendo apenas devidos a quem os ocupe.

 

(…)».

 

 

Não foi alegado pelo Demandante o seu início de exercício de funções como Conservador do Registo Civil em … nem a sua ocupação do mesmo posto de trabalho.

 

 

 

Considera-se, por conseguinte, que não está em causa nesta acção o reconhecimento de “situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo”, porque os factos alegados pelo Demandante na Petição Inicial não permitem concluir que o mesmo tenha direito a uma qualquer remuneração base ou que tenha direito aos suplementos remuneratórios, inerentes àquele posto de trabalho a que se candidatou, mas que ainda não aceitou. Pelo que não está em causa uma pronúncia ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.

 

Também não está em causa o “Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições”, pois não se discute qualquer qualidade do Demandante; igualmente não se discute o preenchimento pelo mesmo de qualquer condição. Não está, por isso, em causa o disposto na alínea g) do mesmo n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.

 

Por último, o pretendido reconhecimento do “direito de poder optar” pela aceitação do lugar “apenas após a definição” do enquadramento remuneratório não configura nenhuma das duas referidas providências de reconhecimento, nem configura nenhuma das duas providências condenatórias previstas nas alíneas b) ou i) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA (invocadas na Petição Inicial) ou da providência condenatória prevista na alínea h) do mesmo n.º 1 (invocada apenas na pronúncia sobre a excepção oficiosamente suscitada).

 

Como se decidiu no Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 18 de Outubro de 2016, proferido no Processo n.º 203848/14.2YIPRT.C1:

 

«No conhecimento do mérito do recurso julgamos ser pacífico que a ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

 

 

Sabemos que a petição inicial tem de formular um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suas premissas (as razões de facto e de direito explanadas) e a conclusão (o pedido deduzido) e que a sua falta se traduz numa ausência ou inexistência de objecto do processo. Porém, dizer isto não resolve a concreta apreciação que em cada caso, em cada processo, é necessário realizar para concluir se a alegação consistente na causa de pedir é feita em termos genéricos tais que não ilustre e evidencie, em factos concretos, o objecto do litígio, ou se essa generalidade, ou deficiência por escassez ou falta de completa inteligibilidade, permite sem esforço de imaginação compreender qual é a causa de pedir, de tal forma que, em si mesma e mesmo sem aperfeiçoamento, autoriza um julgamento e uma decisão sobre o seu mérito.

 

É este juízo que deve ser realizado para obter solução do objecto do presente recurso.

 

Nos termos dos arts. 5 nº1 e 552 nº1 al.d) do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as excepções, sendo pois na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. Isto é, o autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido».

 

No mesmo sentido, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 7034/15.9T8VIS.C1:

 

« Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as e xcepções invocadas (art.º 5º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC)[2]. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (n.º 2).

 

O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, q uando a sanação dependa

 de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (art.º 6º, n.º 2).

 

 

É n ulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (art.º 186º, n.º 1). D iz-se inepta a petição:

a) Q uando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (n.º 2, alínea a)). Se o réu

contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (n.º 3).

 

A ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar   à absolvição da instância (art.ºs 186º, 278º, n.º 1, alínea b); 576º, n.ºs 1 e 2; 577º, alínea b) e 578º).

 

Na petição, com que propõe a acção, deve o autor e xpor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art.º 552º, n.º 1, alínea d)).

 

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto

j     urídico. N as acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas

e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art.º 581º, n.º 4).

 

Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida  quando o  pedido  seja  manifestamente improcedente  ou ocorram,  de  forma  evidente, e xcepções

 dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º (art.º 590º, n.º 1). Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6º; Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes (n.º 2, alíneas a) e b)). Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da

 matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (n.º 4).

 

3.            Na petição inicial o A. propõe a acção, deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respectivos.

 

 

O pedido é a pretensão do autor (art.º 552º, n.º 1, alínea e)); o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial/e o modo por que intenta obter essa tutela; o efeito jurídico pretendido pelo autor (art.º 581º, n.º 3).

 

A c ausa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar  ou  produzir – o  acto  ou  facto jurídico c oncreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar.[3]

 

Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real em causa (art.º 581º, n.º 4).

 

4.            A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios,  o núcleo  factual  essencial integrador da causa petendi, omita a densificação de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial).

 

E é só nesta segunda situação, de mera insuficiência de concretização factual relevante (de factualidade de que depende a procedência da pretensão do A.), que a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução (art.º 5º, n.º 2, alínea b)), sendo que, persistindo mesmo assim a dita insuficiência concretizadora, a consequência de tal insuficiência da matéria de facto processualmente adquirida não será a anulação de todo o processo, mas antes a improcedência, em termos de juízo de mérito, da própria acção, por o A. não ter logrado, afinal, apesar das amplas  possibilidades  processuais  de  que beneficiou, alegar e provar cabalmente todos  os elementos factuais constitutivos de que dependia o reconhecimento do direito por ele invocado…[4]

 

 

(…)

 

Na situação em análise, a Mm.ª Juíza a quo não proferiu, nem tinha que proferir, despacho convidando ao suprimento de deficiência ou insuficiência de articulado (art.º 590º, n.º 4 - normativo que só se aplica aos casos em que a causa de pedir esteja insuficientemente concretizada, e não às situações em que falte de todo a formulação da ´causa petendi`).

 

Estamos perante uma p. i. em que falta a causa de pedir (falta, de todo, a indicação da causa de pedir – maxime, os factos concretos que suportassem a aquisição originária e/ou derivada do direito de propriedade pelos AA.), e não perante p. i. deficiente ou incompleta, no que concerne à descrição dos factos constitutivos do direito nela invocado.

 

Os AA. não indicaram o facto genético ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão deduzida em juízo[ 5]; a p. i. é omissa quanto à fonte do direito invocado (causa de pedir).

 

7. Perante a completa falta de alegação de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir, inviabilizou-se o conhecimento do mérito da causa (art.ºs 186º, 278º, n.º 1, alínea b); 576º, n.ºs 1 e 2; 577º, alínea b) e 578º), nenhum relevo podendo ser dado ao arrazoado de fls. 214, onde, de resto, vemos também admitida a total ausência, na p. i., de factos idóneos a produzir o pretendido efeito jurídico…

 

Ao julgar inepta a petição por omissão de causa de pedir, decidiu-se, pois, em conformidade com o descrito regime jurídico e o entendimento unânime da doutrina  e  da  jurisprudência.[6]».

 

 

 

Sob uma outra perspectiva, importa salientar que as acções visando o reconhecimento de direitos são acções de simples apreciação. A Lei exige a invocação, pelo respectivo autor, da “utilidade ou vantagem imediata” para o próprio na providência requerida, exemplificando com a existência de uma situação de incerteza – que a doutrina e a jurisprudência defendem dever ser objectiva e proveniente de fonte exterior.

 

 

Como se decidiu no Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, proferido no Processo n.º 01145/05:

 

«… no que aos pedidos de simples apreciação respeita, como é o caso dos autos, existe no CPTA uma norma especial, o artigo 39º,que diz assim: “ Os pedidos de simples apreciação podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação, por parte da Administração, da existência de determinada situação jurídica, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorrecta da situação jurídica existente”. Ou seja, decorre da actual lei processual administrativa que nas acções de simples apreciação, coexiste com os restantes pressupostos processuais, o pressuposto processual do interesse em agir. Este pressuposto processual não se confunde com a legitimidade, pois tanto a doutrina, como a jurisprudência tem entendido que o autor pode ser o titular da relação material controvertida e não ter, face às circunstâncias do caso em concreto, a necessidade de recorrer à acção. Escrevem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in, 2ª ed. do

“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, a pp. 232/233: ” O interesse em agir, distinguindo-se da legitimidade processual apresenta-se assim como um “interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário, e tem por objecto a providência solicitada ao tribunal, através da qual se procura ver satisfeito aquele interesse primário, lesado pelo comportamento da contraparte, ou mais genericamente, pela situação de facto objectivamente existente”. Por isso assume particular relevo nas acções de simples apreciação, que visam obter unicamente a declaração de existência ou inexistência dum direito ou dum facto. De notar que o interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de uma qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto ou com um interesse meramente académico de ver o caso definido pelos tribunais, exigindo-se uma situação de incerteza objectiva e grave, que resulte de um facto exterior e que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude de vantagens que ele comporta. (   ) Este pressuposto exige, portanto, a verificação objectiva de um interesse real

e actual, que se deverá traduzir na utilidade da procedência do pedido, e que se encontra

 

 

interligado à ideia de economia processual”. Ou dito por outras palavras, a acção de simples apreciação exige, como complemento da legitimidade, que o autor (a) demonstre o estado actual e objectivo de incerteza do direito que arroga e que pretende tornar certo com uma declaração judicial. Escreveu-se no Acórdão da Rel. de Lisboa, de 14.05.92, in CJ, tomo III, pág. 177 que “o estado de incerteza sobre determinada situação, que possibilita a instauração de uma acção de simples apreciação, tem de ser um estado de incerteza objectivo, não podendo ser colocada uma mera questão jurídica, que se reconduz a um problema de interpretação”.

 

(…)

 

E do que vem dito se vê que a recorrente não demonstrou o interesse no próprio processo em si dado que não invocou um direito, um interesse juridicamente protegido e que o mesmo se encontrava em situação tal, que necessitava do processo para sua tutela; ou seja, a recorrente não mostrou interesse no objecto do processo e interesse no próprio processo. Destarte, não se vislumbra in casu, qualquer situação de incerteza atributiva de um poder jurídico ou possibilidade de exigência de certa conduta respectiva, que legitime a agora recorrente a instaurar a acção, isto é, falta interesse processual à autora, exigível, por força do artigo 38º do CPTA, para demandar o R. nos termos em que o fez».

 

Sucede, porém, que, no caso vertente, não só não se vislumbra, sequer, alegada essa vantagem imediata – a este propósito, refira-se que não se nos afigura que a alegação do Demandante de que apenas lhe interessará o lugar se a remuneração de base e os suplementos forem aqueles que considera aplicáveis – porque, como se referiu, os “reconhecimentos” que pretende não podem assentar em factos hipotéticos e que ainda não se verificaram, sendo certo que neste momento nenhum direito existe para reconhecer.

 

 

 

Considera-se inepta a petição inicial quando “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir” [alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, subsidiariamente aplicável].

 

 

Dispõe o n.º 3 do mesmo artigo 186.º que “Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

 

Com base neste preceito, pugnou o Demandante pela improcedência da excepção em causa, argumentando que o Demandado contestou, tendo demonstrado ter bem entendido a petição inicial.

 

Sucede, todavia, que o mecanismo de sanação previsto no citado n.º 3 do artigo 186.º do CPC apenas procede – não relativamente a toda a alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º, mas – relativamente à eventual ininteligibilidade da petição inicial. Só neste caso fará sentido considerá-la sanada quando o réu demonstrar ter bem entendido a petição – o que significa que verdadeiramente a peça não seria ininteligível.

 

Já o mesmo não sucede quando na petição inicial não sejam alegados factos essenciais à procedência do(s) pedido(s). Nesta hipótese, por muito bem que o réu tenha entendido a petição, o tribunal não pode decidir, por falta de alegação dos factos essenciais. Note-se que esta não é, sequer, uma situação de improcedência da acção, pois não se trata de uma situação de “não prova” dos factos, mas sim de um problema que lhe é anterior, que é o de “não alegação” dos mesmos e que redunda no incumprimento do ónus de alegação previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.

 

Neste sentido, o citado acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 18 de Outubro de 2016, é claro quando afirma:

 

«Diga-se que o critério para aferir se uma petição é apta ou inepta (maximé com fundamento na inexistência ou ininteligibilidade da causa de pedir) não reside em os réus haverem reclamado esses vícios, ou haverem contestado sem os protestarem. E o óbvio desta conclusão parte desde logo de se ter por inequívoco que a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir se estabelece em relação ao processo e ao que nele fica expresso e não ao que eventualmente o réu possa ter conhecimento para lá do que seja expresso na petição inicial.

 

 

De forma mais clara e no limite do absurdo, se um Autor se limitar a dizer que pretende uma determinada indemnização do Réu porque este lhe causou dano pelas razões que ele bem sabe, se este último contestar dizendo que não causou dano algum ao demandante e que tudo aquilo que ele sabe que aquele pretende referir como causa, mas não diz, é inteiramente falso, dúvidas não podemos ter que essa petição seria absolutamente inepta ainda que se argumentasse que, afinal, o réu não arguiu a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e que havia entendido bem o que o Autor pretendia. É que não se trata de o Réu entender ou não mas sim, diferentemente, de tal ter de ser entendido no processo nomeadamente por aquele que vai ter de julgar.

 

A locução normativa segundo a qual “se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando ouvido o autor se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” (art. 186 nº3 do NCPC) - não significa, pois, que a ausência de arguição de nulidade por parte do réu torne boa a petição quando a esta falte a causa de pedir ou esta seja ininteligível.

 

A previsão da norma é diversa e quer tão só significar que ainda que o Réu tenha arguido essa nulidade, se o que o Autor alegou puder permitir um julgamento de mérito, ainda que mais dificultado pela falta de clareza ou completude do que alegou, tal não obsta ao prosseguimento do processo quando se revele que interpretou bem, e/ou até esclareceu com a contestação, essa falta de clareza ou incompletude».

 

Refira-se, ainda, que o presente meio processual não é o único à disposição do Demandante, no caso de o mesmo vir a aceitar – caso ainda esteja em tempo, questão de que aqui não cumpre conhecer – o posto de trabalho a que concorreu, porquanto, celebrado o aditamento ao contrato e iniciadas funções, o mesmo Demandante sempre poderia reclamar judicialmente a condenação do Demandando no pagamento das quantias que considere serem devidas e que, porventura, este não satisfaça integralmente.

 

Em face de tudo o que antecede, considera-se inepta a petição inicial apresentada nestes autos pelo Demandante, nos termos da primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, por não terem sido alegados os factos essenciais que constituem a causa de pedir da presente acção, o que se declara.

 

A ineptidão da petição inicial torna nulo todo o processo, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 186.º, o que igualmente se declara.

 

A nulidade de todo o processo constitui excepção dilatória, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (n.º 2 do mesmo artigo 89.º), o que se decidirá a final.

 

*

 

Face à resposta dada a esta excepção, fica prejudicado o conhecimento das demais excepções e questões suscitadas pelas partes.

 

*

 

Deve ser fixado à presente causa o valor de € 30.000,01, por se tratar de causa de valor indeterminável [n.º 1 do artigo 31.º e n.º 1 do artigo 34.º do CPTA].

 

*

 

Porque lhes deu causa, deve o Demandante suportar os encargos deste processo [n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais e do n.º 2 do artigo 189.º do CPTA e n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD].

 

C - Decisão

 

Nestes termos, decido:

 

a)            Julgar procedente, por provada, a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e absolver o Demandado da instância;

 

b)           Fixar à presente causa o valor de € 30.000,01;

 

c)            Condenar o Demandante nos encargos do processo.

 

Notifique, registe e publique.

 

CAAD, 3 de Maio de 2022

 

O Árbitro,

(Aquilino Paulo da Silva Antunes)