Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 4/2021-A
Data da decisão: 2022-01-05  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público – Suplemento de risco.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 06 de maio de 2021, em que é Demandante A..., ..., ..., provido nos Quadros dos Funcionários da C..., a exercer funções na Diretoria do Sul, portador do cartão do cidadão n.º..., NIF..., residente na Rua..., n.º..., ...-... Faro, e Demandado o Ministério B...,  com o NIPC..., por ser a C... um serviço central deste Ministério nos termos do artigo 4.º, alínea f) do Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de dezembro, cuja vinculação à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa resulta do artigo 1.º, n.º 1, alínea d), da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, decide nos termos que se seguem:

 

I.             RELATÓRIO

 

O Demandante apresentou, no dia 12.02.2021, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), um pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite na mesma data pelo CAAD.

 

Nos termos do disposto no artigo 12.º do NRAA, o CAAD, através de ofício datado de 15.02.2021, citou o Demandado para contestar no prazo de 20 dias. A contestação veio a ser apresentada no dia 16.03.2021.

 

No dia 06.05.2021, o CAAD, nos termos do disposto no artigo 17.º do NRAA, notificou as Partes da constituição do Tribunal a da nomeação da signatária como árbitro do processo.

 

No dia 30.09.2021, o Tribunal proferiu despacho sobre a sequência processual, tendo, ainda, sintetizado as questões controvertidas no presente processo:

a) Saber se assiste, ou não, ao Demandante, o direito ao Suplemento de Risco previsto no artigo 99.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, alterado pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, e mantido em vigor pelo disposto nos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro de 2004 até 25 de Janeiro de 2015.

b)  Saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente do não pagamento atempado do Subsídio de Risco no valor devido;

c) Saber se são devidos juros moratórios ao Demandante;

d)  Saber se o Demandado litigou de má-fé e quais as respectivas consequências.

 

 

Posição do Demandante:

Através do pedido de pronúncia arbitral apresentado, o Demandante pretende o seguinte:

a) Que venha a ser considerado nulo o ato administrativo praticado pelo Demandado (…) pela prática do vício de violação de lei;

b) Que ao Demandante venha a ser reconhecido o direito ao Suplemento de Risco, conforme se acha previsto no artigo 99.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, alterado pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, e mantido em vigor pelo disposto nos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro de 2004 até 25 de Janeiro de 2015.

c) Que o Demandado seja condenado ao pagamento dos juros de lei vencidos e, bem ainda, dos juros vincendos até pagamento integral dos montantes relativos ao Suplemento de Risco, conforme decorre dos termos do artigo 85.º, n.º 1, do Código Civil;

d) Que, devido à imputação da Responsabilidade Civil Extracontratual que se invocou, a título de indemnização, de modo a ressarcir o Demandante e a repor, desse modo, a situação que não teve por não aplicação do diploma legal exaustivamente identificado, seja o Demandado condenado a pagar um valor pecuniário nunca inferior a 20% dos valores a receber relativamente ao Suplemento de Risco idêntico ao pessoal da investigação criminal. (…).

 

Posição do Demandado:

- O Demandado, Ministério B..., veio defender-se por exceção e por impugnação.

- Quanto à matéria de exceção´:

1) Alega que, por força da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, o Ministério B...e a C... encontram-se vinculados à jurisdição do CAAD, mas não em relação a todas as matérias. Nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), apenas pode ser constituído tribunal arbitral para julgamento de questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público quando não estejam em causa direitos indisponíveis. Entende que, por estar vedado às partes dispor do que quer que seja em matéria de remunerações, porque tal constitui prerrogativa legal, seja em matéria de enquadramento, seja de definição e quantum remuneratório, em face do n.º 2, al. a) do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, a matéria sobre a qual incide o litígio, atinente a remunerações e suplementos, encontra-se excecionada da competência do CAAD.

2) Por outro lado, considerando o objeto do pedido - valores devidos a título de subsídio de risco desde 02.11.2004 a 25.01.2015 – e que estes subsídios se integram no vencimento dos trabalhadores, entende o Demandado que se verifica a caducidade do direito de ação. De acordo com a jurisprudência reiterada do STA, os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos» se não forem objeto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo (cfr., por todos, os Acs. de 10.04.2008 (PLENO) – Rec. 544/06, de 19.12.2007 – Rec. 899/07, de 28.11.2007 – Rec. 414/07, de 06.12.2005 (PLENO) – Rec. 672/05, de 04.11.2003 – Rec. 48050, de 03.12.2002 – Rec. 42/02, de 19.03.2002 – Rec. 48065, de 07.03.2002 – Rec. 48338, e de 26.02.2002 – Rec. 48281.) Assim sendo, enquanto atos administrativos, estes atos são suscetíveis de impugnação no prazo de 3 meses (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA), pelo que a presente ação administrativa foi interposta fora do prazo legalmente previsto, já que a mesma deu entrada em 15 de dezembro de 2020 no CAAD, passados mais de três meses relativamente ao prazo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58. º do CPTA, conjugado com a alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA. Nestes termos e ao abrigo do n.º 2 e da alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, entende que deve a entidade demandada ser absolvida da instância.

3) Acrescenta que há trabalhadores da C... que são demandantes noutros processos com contornos semelhantes ao presente processo: cita, entre outros, os Processos CAAD n.ºs 16/2019-A, 79/2019-A e 160/2020-A. Atento o disposto nos artigos 89.º, n.º 4, al. l), do CPTA e nos artigos 580.º a 582.º do CPC, relativamente a trabalhadores que sejam demandantes nos processos 16/2019-A, 79/2019-A e 160/2020-A e demais processos idênticos, entende estar verificada a exceção de litispendência.

4) Por outro lado, sustenta que a matéria da presente ação já foi amplamente apreciada e decidida em caso já julgado: veja-se a decisão do CAAD, datada de 07.03.2016, Processo 46/2016-A, no qual se decidiu absolver o Ministério B... da instância por se verificar a exceção dilatória de caso julgado. Esta decisão do CAAD foi objeto de recurso, tendo, por acórdão do TCA Sul, de 19.06.2019 (Proc. 113/17.0BCLSB), sido negado provimento ao mesmo e confirmada a sentença arbitral recorrida, tendo esse Acórdão já transitado em julgado, tornando-se, assim, definitivo. Foi considerado que o processo 46/2016-A tinha a mesma identidade de sujeitos processuais, de pedido e de causa de pedir do processo que correu termos no CAAD, sob o n.º 66/2015-A (e no qual foi atribuído aos Demandantes o suplemento de risco peticionado), pelo que se julgou, necessariamente, procedente a exceção de caso julgado, evitando-se, desta forma, que se renovasse o litígio entre as mesmas pessoas, pelos mesmos fundamentos e sobre o mesmo assunto. Naquele Processo 46/2016-A solicitava-se, tal como agora, que fosse atribuído aos referidos especialistas adjuntos, com os mesmos fundamentos, o direito a receber o suplemento de risco, nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, com efeitos retroativos, desde, respetivamente, 01.12.2007 e 20.04.2009 até 30.09.2015, acrescidos dos respetivos juros legais (embora, no caso do Primeiro Demandante, se altere agora a data inicial para 15.02.2005). A presente ação é em tudo idêntica às referidas ações que correram termos no CAAD (Processo n.º 66/2015-A e Processo 46/2016-A), pelo que terá que ser igualmente julgada improcedente, dado que se encontram verificados todos os pressupostos do caso julgado.

- Por impugnação, sustenta o seguinte:

O Demandante é especialista auxiliar, fazendo parte do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, conforme decorria, à data dos factos, do disposto no n.º 5 do artigo 62.º do D.L. n.º 275-A/2000, de 9 de novembro (antiga LO...).

Nos termos do n.º 3 do artigo 161.º da antiga LO..., o pessoal de apoio à investigação criminal aufere o suplemento de risco “segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma, até à regulamentação prevista no artigo 91.º”.

Dado que não se procedeu a essa regulamentação, esse critério é o que se encontra estabelecido no artigo 99.º do D.L. n.º 295-A/90, de 21 de setembro, por força do disposto nos artigos 91.º e 161.º da antiga LO... (atualmente, por força do disposto no artigo 98.º do D.L. n.º 138/2019). O n.º 5 do referido artigo 99.º estabelece que “sem prejuízo do disposto no número anterior os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.”

O n.º 4 daquele artigo estabelece ainda que “Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança, têm direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado no número anterior.” (destinado ao pessoal da carreira de investigação criminal).

Na verdade, atento o disposto no n.º 1 do citado artigo 99.º, o legislador criou um suplemento de risco “graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal”, sendo que no caso das carreiras que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, apenas atribuiu o suplemento de risco de montante superior quando se trate de trabalhadores integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança.

Assim, embora seja legalmente reconhecido que todos os trabalhadores da C... correm riscos, razão pela qual a todos é atribuído um suplemento, a verdade é que o legislador estabeleceu critérios diferenciados para os diferentes grupos de pessoal em virtude do desempenho ou exercício de funções numa área específica, no pressuposto de que se trata de funções sujeitas a maior ónus de perigosidade especial.

Nestes termos, no caso das carreiras que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, apenas se atribui o suplemento de risco devido ao pessoal de investigação criminal quando se trate de trabalhadores que se encontrem a exercer funções nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança.

O que significa que a pretensão do Demandante apenas beneficiaria de proteção legal se ficasse demonstrado que, no período em apreço, se encontrava a exercer funções integrado na área funcional de criminalística, conforme este afirma.

Ora, nos períodos referenciados, o Demandante esteve colocado no Serviço de Informação de Investigação Criminal e Perícia Criminalística (SIICPC) da Diretoria do Sul, a exercer funções em diversas secções daquele serviço (SIIC-BP, SIIC-GAC e NPC), as quais dispõem de funções e competências diferenciadas.

Deste modo, verifica-se que as competências na área de criminalística cometidas ao SIICPC estão concentradas no Núcleo de Perícia Criminalística (NPC), no qual o Demandante esteve colocado no período compreendido entre 26.08.2011 a 13.10.2013, pelo que somente neste período temporal lhe poderia ser atribuído um suplemento de risco de valor acrescido, caso se verificasse que prestava, efetivamente, funções nesta área funcional.

No entanto, atento o conteúdo funcional do especialista auxiliar, coloca-se a questão de se saber se o requerente, no período em que esteve colocado no NPC, ou seja, entre 26.08.2011 e 13.10.2013, tem direito ao suplemento de risco de valor igual ao pessoal de investigação criminal.

Ora, de acordo com o conteúdo funcional definido no artigo 76.º da antiga LO..., parece não existir a possibilidade de exercício de funções que envolvem particularidades específicas a que corresponda um grau de risco acrescido por trabalhadores inseridos na carreira de especialista auxiliar, ainda que desempenhem funções numa unidade orgânica que detenha competências na área da criminalística, já que tais funções, genericamente, são de apoio, competindo-lhes, designadamente, “(…) executar, a partir de instruções superiores, todo o processamento de apoio relativo à unidade orgânica em que se encontra colocado.”

Esse apoio pode assumir contornos muito diversos em cada momento ou em cada período temporal, dada a abrangência das funções compreendidas nos respetivos conteúdos funcionais. Na verdade, as funções que envolvem particularidades especificas a que corresponde um grau de risco acrescido são legalmente exercidas por trabalhadores inseridos noutras carreiras, nomeadamente, especialistas-adjuntos ou especialistas superiores, conforme decorre dos artigos 73.º e 75.º da antiga LO... .

Relativamente à declaração emitida, em 04.05.2017, pelo Exmo. Senhor Diretor da Diretoria do Sul, quanto às funções exercidas pelo requerente entre 2004 e 2015, salienta-se o seu conteúdo necessariamente genérico, face ao período temporal a que se refere, bem como a referência feita à execução de (algumas) funções com caráter meramente pontual, eventualmente resultantes de possíveis vicissitudes momentâneas e esporádicas do exercício de cada função.

Desta forma, face ao seu conteúdo funcional, não é de considerar que as funções desempenhadas por um especialista auxiliar sejam funções sujeitas a maior ónus de perigosidade que justifiquem a atribuição daquele suplemento, embora se admita que se possa contemplar a atribuição do suplemento de risco de montante igual à investigação criminal a um trabalhador inserido na carreira de especialista auxiliar, desde que execute funções com um grau de risco acrescido, diversas daquelas que constam do conteúdo funcional da carreira em que está inserido.

No entanto, ainda assim, o reconhecimento do direito ao suplemento peticionado deve ter por fundamento o exercício efetivo de funções que justifiquem aquele suplemento, prestadas com caráter permanente e não de forma esporádica como foi o caso do Demandante. Tratar uma situação como esta da mesma forma da que cabe aos que têm por missão habitual e rotineira exercer funções específicas da área de criminalística seria tratar de igual forma o que é desigual. E seria, consequentemente, injusto para estes trabalhadores. 77.º Na verdade, a partir de 26-01-2015, data em que o Demandante foi colocado no Serviço de Telecomunicações e Informática da Diretoria do Sul, este passou a auferir o suplemento de risco de valor acrescido, por ali desempenhar efetivamente funções, com caráter permanente, na área de telecomunicações, área também considerada pelo legislador, como merecedora do suplemento de risco daquele montante.

Quanto ao pedido de atribuição de uma indemnização, por responsabilidade civil extracontratual, sempre se refere que a pretensão não deve proceder, desde logo, porque o Ministério B... não é parte legítima nesta matéria. Será o Estado Português, representado pelo Ministério Público, a quem cabe assegurar a defesa do Estado junto dos tribunais administrativos, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, do CPTA, com a redação dada pela Lei n.º 118/2019, 17 de setembro, conjugado com o Estatuto do Ministério Público e o n.º 1 do artigo 219.º da CRP.

Por outro lado, ainda que assim não se entenda, considera que não se encontram, de forma alguma, verificados os pressupostos, cumulativos, da invocada responsabilidade civil extracontratual do Estado, previstos na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, a qual pressupõe a existência de facto ilícito, praticado por órgão ou agente no exercício das suas funções, com culpa, que provoque um dano, lesão ou prejuízo e se comprove o respetivo nexo de causalidade.

Nos termos em que se encontra formulado, o pedido subsidiário de indemnização extracontratual do Estado não pode ser julgado procedente, desde logo porque decorre da jurisprudência que a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos só se verifica quando os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, dos quais resulta um dano para terceiro, sendo necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

In casu, não há lugar a qualquer indemnização extracontratual do Estado, porquanto não foram praticados atos ilícitos dos quais resultem violação de direitos ou interesses legalmente protegidos do Demandante, não podendo ser imputado ao Demandado nenhum comportamento culposo, não se verificando assim os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado por atos decorrentes do exercício de funções administrativas do Demandado e, mesmo que viesse a existir, tem que ser imputada ao Estado, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.

 

Foi apresentada Réplica a 16.04.2021, em que o Demandado sustentou não assistir razão à Entidade Demandada e remeteu, a propósito da exceção de incompetência e da exceção de caducidade, para o que foi decidido no processo 1297/2019-A. Quanto às exceções de litispendência e de caso julgado, defende-se dizendo que:

 

O Demandando não apresentou outros elementos no processo posteriormente à Réplica.

 

 

II.            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

II.1 Factos provados

 

A.           O Demandante ingressou no Quadro da C... a 02.11.2004 (doc. 1/13 a 1/17).

 

B.            Teve como primeira colocação a Diretoria de Faro, local onde até à presente data tem decorrido a sua carreira profissional (doc. 4/1).

 

C.            Ingressou com a categoria de Especialista Auxiliar e foi provido numa carreira de Apoio à Investigação Criminal.

 

D.           A 02.11.2004 ingressou na Secção de Informação Criminal e Polícia Técnica, passando pelas seguintes categorias profissionais (doc.1/15):

             02.11.2004 – Especialista Auxiliar Estagiário;

             03.11.2005 – Especialista Auxiliar, Escalão I

             04.03.2010 – Especialista Auxiliar de Polícia, Escalão II.

 

E.            De 02.11.2004 a 25.08.2011, exerceu funções na SIICPC (Secção de Investigação Criminal e Perícia Criminalística) conforme colocação publicada na Ordem de Serviço n.º .../2004, de 12 de novembro.

 

F.            De 26.08.2011 a 13.10.2013, exerceu funções na SIICPC-NPC (Secção de Investigação Criminal e Perícia Criminalística – Núcleo de Perícia Criminalística).

 

G.           De 14.10.2013 a 25.01.2015 exerceu funções na SIICPC-GAC (Secção de Investigação Criminal e Perícia Criminalística – Gabinete de Análise e Coordenação).

 

H.           As funções desempenhadas foram as seguintes:

I.            

 

J.             Durante o exercício dessas funções, o Demandante recebeu sempre o subsídio de risco no valor de € 129,66.

 

K.            O Demandante requereu ao Diretor da Diretoria do Sul da C... uma correção ao seu subsídio de risco (cf. Requerimento datado de 27.03.2019 junto com o pedido de pronúncia arbitral – doc. 1).

 

L.            Sobre o referido requerimento foi elaborado um parecer jurídico (cf. doc. 3/5 a 3/7 junto com o pedido de pronúncia arbitral), no qual se refere que:

M.         

 

N.           Na sequência do parecer, a Direção da DS-GAP respondeu ao pedido do Demandante nos seguintes termos:

 

O.           A 29.04.2019, o Demandante solicitou a reapreciação do seu pedido (doc. 3/3 e 3/4).

 

P.            A resposta, datada de 02.05.2019, foi a seguinte:

 

Q.           O Demandante apresentou pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD a 11.02.2021.

 

II.2 Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

II.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Por outro lado, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

Conforme se referiu supra, a Entidade Demandada defendeu-se por exceção e por impugnação. As exceções invocadas foram (i) incompetência material do tribunal arbitral; (ii) caducidade; (iii) litispendência; (iv) caso julgado.

 

Vejamos então.

 

(i)   Exceção de incompetência material

 

Na análise da competência do Tribunal, e ao abrigo do disposto no artigo 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14-12, cabe apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, face ao objecto do litígio, e subjetiva, face à posição das partes e do específico Tribunal Arbitral.

 

A competência do tribunal arbitral pressupõe, antes do mais, a arbitrabilidade do litígio (cujo objeto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem), a existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes e a regular constituição do Tribunal Arbitral.

 

A competência material do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD afere-se em função da Lei, dos seus Estatutos e do seu Regulamento de Arbitragem.

 

O CAAD tem por objeto, além de outros, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público – cfr. a alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º e 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

 

A matéria em causa nos autos constitui matéria emergente de relação jurídica de emprego público. Contudo, o Demandado entende que não está vinculado à jurisdição arbitral do CAAD relativamente ao objeto do litígio uma vez que está em causa uma discussão sobre matéria indisponível.

 

Nos termos do artigo 180.º, n.º 1, alínea d) do CPTA, é admissível a constituição de Tribunal Arbitral “(...) para o julgamento de questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis (...)”.

 

A Entidade Demandada vinculou-se à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 1120/2009, de 30-9, com exclusão dos litígios relativos à carreira de investigação criminal tendo por objeto matéria relativa a remunerações e suplementos [cfr. o artigo 1º-3/c), da citada Portaria].

 

No caso, está em causa um trabalhador pertencente ao grupo de pessoal de apoio à investigação criminal (artigo 62º-3 e 5, do DL n.º 275-A/2000, de 9-11), pelo que a norma excecional constante do artigo 1º, n.º 3, alínea c), da citada Portaria não é aplicável uma vez que não é o pessoal da carreira de investigação criminal que está aqui em causa, mas antes um elemento da carreira, distinta, de apoio à investigação criminal.

 

E será que estão em litígio direitos indisponíveis, como tal subtraídos à jurisdição do CAAD? Não nos parece. Na verdade, o que o legislador quis subtrair à jurisdição do CAAD foram os litígios que tenham por objeto direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

 

Ora, no caso, tratando-se de discutir a existência ou não do direito a subsídio de risco correspondente  a uma parte mínima da remuneração global do trabalhador em causa, a indisponibilidade do respetivo direito não abrange esta parcela porquanto a mesma não ultrapassa notoriamente um terço da remuneração e, consequentemente, encontra-se tal parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador à luz do que dispõe o artigo 175º, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei nº 35/2014, de 20-6): “o trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”.

 

Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima – cfr. o artigo 738.º, do Código de Processo Civil.

 

Conclui-se, assim, pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela demandada.

 

(ii)  Da caducidade do direito de ação

 

A Entidade Demandada fundamenta a exceção de caducidade do direito do Demandante no facto de serem os atos de processamento de vencimentos ou remunerações mensais verdadeiros atos administrativos e, consequentemente, sujeitos à caducidade de três meses prevista no artigo 58º-1/b), do CPTA.

 

Conforme explica Rogério Soares (Direito Administrativo, Coimbra) “o ato administrativo é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos positivos ou negativos”.

 

Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2012, 2ª edição) refere que “é o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

 

Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código de Procedimento Administrativo, comentado), vêm, ainda, referir que “ato administrativo é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz direta, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros.“

 

Como tem decidido o STA, “(...) os actos de processamento de vencimentos são atos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas e (...) são atos de mera execução os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de atos administrativos anteriores e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas neles (...)” – cf, o Acórdão do STA de 10-4-2008 – Processo n.º 0544/06.

 

Do exposto se infere que, como refere o próprio artigo 148º do CPA, para que estejamos perante um ato administrativo, temos de estar perante uma decisão da Administração que produza efeitos externos numa situação concreta. Por decisão tem de entender-se a resolução ou a tomada de posição sobre um assunto concreto colocado à Administração.

 

O ato de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado um ato administrativo quando ocorra, de novo, alguma intervenção da Administração que defina determinada situação concreta. Deste modo, não se pode considerar ato administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, onde não existe uma qualquer definição sobre uma situação concreta. Nestes casos estamos a falar de operações materiais e não de atos administrativos.

 

No caso dos autos, é justamente isso que sucede: o ato de processamento do vencimento do Demandado é um mero ato mecanizado, emitido mensalmente por um sistema informático instruído com um algoritmo de processamento de vencimentos nos termos das normas aplicáveis. Não se trata de uma decisão, mas sim de uma operação material de execução.

 

Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito de ação.

 

(iii) e (iv) Exceções de litispendência e de caso julgado

 

Relativamente a estas exceções, a Entidade Demandada sustenta que as mesmas se verificam porquanto “relativamente a trabalhadores que sejam demandantes nos processos 16/2019-A, 79/2019-A e 160/2020-A e demais processos idênticos”, está verificada a exceção de litispendência e, por outro lado, porque a matéria da presente ação já terá sido amplamente apreciada e decidida em caso já julgado.

 

Contudo, na Réplica apresentada, o Demandante defende-se dizendo que o seu nome é versado num dos processos mencionados pelo Demandado, no qual o seu pedido foi considerado procedente, contudo, no que diz respeito à causa de pedir, quer em termos de matéria funcional, quer em termos de espaço temporal, são diferentes dos que serviram de base àqueloutro processo, razão pela qual as referidas exceções não se verificam.

 

O Demandado não respondeu ao aqui invocado.

 

Consultado o processo administrativo, constata-se que do mesmo consta uma decisão arbitral que abrange o aqui Demandante sobre a seguinte matéria:

 

 

 

 

 

Nesse processo, o Tribunal decidiu:

 

 

 

Verifica-se, assim, que a causa de pedir e, consequentemente, o âmbito da matéria sobre a qual decidiu aquele tribunal, são diferentes dos que aqui estão em causa, pelo que, assistindo razão ao Demandante, se conclui pela improcedência das referidas exceções.

 

O Tribunal é assim competente.

O processo é o próprio e as partes, detendo personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas.

 

Avancemos, portanto, para a apreciação do mérito do pedido, em concreto, dando resposta às seguintes questões:

 a) Saber se assiste, ou não, ao Demandante, o direito ao Suplemento de Risco previsto no artigo 99.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, alterado pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, e mantido em vigor pelo disposto nos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro de 2004 até 25 de Janeiro de 2015.

b)  Saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente do não pagamento atempado do Subsídio de Risco no valor devido;

c) Saber se são devidos juros moratórios ao Demandante;

d)  Saber se o Demandado litigou de má-fé e quais as respetivas consequências.

 

A questão principal a decidir tem merecido uma resposta afirmativa na jurisprudência deste CAAD - ex. Decisões arbitrais proferidas nos Procs. nºs 62/2015-A, 17/2017-A, 142/2018-A, 16/2019-A, 1284/2019-A, 117/2020-A e 178/2020-A. Este Tribunal segue a jurisprudência já estabelecida, entendendo que o Demandante tem direito ao suplemento de risco pela função, segundo o disposto no art. 99º, nºs 4 e 5 do Dec.-Lei nº 295-A/90, o qual é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal.

 

Dispõe o art.º 99.º do Decreto-Lei 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 302/98, de 7 de Outubro, sob a epígrafe “Subsídio de risco”, o seguinte:

 “1. Os funcionários ao serviço da C... têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal.

2. O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.

3. O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 119.º.

4. Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança têm direito a suplemento de risco de igual montante ao fixado no número anterior.

5. Sem prejuízo do número anterior, os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.

6. O pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de risco de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação criminal.

7. O suplemento de risco referido nos números anteriores é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência”.

 

A razão de ser destes suplementos de risco e as condições da sua atribuição foram sintetizadas na decisão proferida no processo 17/2017-A do CAAD: “Ao contrário do regime geral dos suplementos por risco na relação jurídica de emprego público, em que o risco tem que ser efetivo, aqui a regra é o subsídio de risco seguir o ónus da «função». Tendo os diferentes grupos funções diferentes, entendeu o legislador que o ónus das funções das carreiras do grupo de pessoal de investigação criminal oferece um risco maior, pelo que para este grupo consagrou a taxa de subsídio maior, de 25%, conforme nº 3 do mesmo diploma e disposição legal. Já para o pessoal dirigente e de chefia, para o grupo de apoio à investigação criminal e para o pessoal operário e auxiliar, a taxa é de 20%.”

 

Não obstante a revogação do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, pelo Decreto-Lei 275-A/2000, de 9 de novembro (cfr. o art.º 179.º deste último diploma), a verdade é que, de acordo com o disposto nos artigos 91.º, 161.º e 178.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, até à aprovação do novo sistema remuneratório, o pessoal dirigente e o “restante pessoal da C... mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma” (art.º 161.º, n.ºs 1 e 3).

 

Importa, ainda, aludir ao artigo 2.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, que determinou o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios que não tivessem a natureza de remuneração base, devidos aos funcionários, agentes e demais servidores do Estado, congelamento esse prorrogado até 31 de dezembro de 2007 pelo art.º 2.º da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro.

 

Relativamente ao período posterior a 2008 em diante, socorremo-nos das considerações expendidas na decisão do CAAD proferida no processo n.º 62/2005:

“Para 2008, Lei 67-A/2007, de 31.12, no seu art. 15º/1 sobre «Carreiras e Suplementos Remuneratórios», determinou a suspensão, até 31 de Dezembro de 2008, das revisões de carreiras e do regime e montantes dos suplementos remuneratórios, apenas ressalvando as que «resultem da aplicação da lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005, de 30 de Junho, defina e regule os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e da actualização geral das remunerações e suplementos, bem como das que sejam indispensáveis para o cumprimento de lei ou para a execução de sentenças judiciais.»

A mesma lei, no art. 119º/9, sobre «Regime transitório de progressão nas carreiras e de prémios de desempenho na Administração Pública», determinou que a «actualização de suplementos remuneratórios em 2008 incide sobre o valor abonado em 2007, com referência à data de 31 de Dezembro desse ano.». Esta actualização só se aplica às carreiras e regimes revistos, uma vez que a própria lei manteve a suspensão de actualização dos suplementos iniciada em Agosto de 2005. Aliás, ao contrário do que refere o demandado na contestação, de resto fazendo referência ao Parecer da PGR P000…, homologado em 01-02-2010, a Lei 67-A/2007 não procedeu à actualização dos suplementos, antes suspendeu essa actualização, com as ressalvas mencionadas.

A actualização em 2,1 % prevista no art. 2º da Portaria 30-A/2008, de 10.01 foi apenas dos «índices 100 das escalas salariais dos cargos dirigentes e dos corpos especiais». Deste modo, continuando suspensa a actualização dos suplementos não poderiam ser os mesmo processados segundo o regime normal como pretende o Autor, improcedendo, mais uma vez o seu pedido quanto ao ano de 2008.

 

Para o ano de 2009 a Lei 64-A/2008, de 31.12, no seu art. 22º, sobre «Actualização de suplementos remuneratórios», estatui a «actualização dos suplementos remuneratórios para 2009», a efectuar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e devendo incidir «sobre o valor abonado a 31 de Dezembro de 2008». Pela Portaria 1553-D/2008, de 31.12 (art. 6º), vieram os suplementos a ser actualizados em 2,9% tendo por base os montantes abonados em 2008.”.

 

A partir de 2010, inclusive, como bem se nota no aresto acabado de transcrever parcialmente, cessaram quaisquer restrições legais ao pagamento do suplemento de risco, passando o respetivo pagamento a regular-se exclusivamente pelo disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.

Com efeito e citando novamente a Decisão Arbitral prolatada no Proc. N.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.

 

O regime relativo à actualização dos suplementos da Lei 64-A/2008, de 31.12, destinou-se a ter vigência apenas para esse ano. O art. 22º desta lei refere-se expressa e inequivocamente à «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», de resto acompanhando nesta parte o princípio da anualidade da lei do orçamento (art. 106º/1 da CRP) o que significa que em 01 de Janeiro de 2010 cessou a vigência da norma, regressando, a partir daí, a situação ao regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogada. A Portaria 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008 não poderia exceder o âmbito da mesma, sob pena de ilegalidade e nulidade. Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2009 a vigência do regime excepcional e temporário a partir de 2010 os suplementos deveriam ser processados na íntegra e pagos em montantes que tenham por base a remuneração-base e índices da tabela remuneratória em vigor, segundo o regime normal.”

 

Assim:

 

O Demandante encontra-se integrado na carreira de apoio à investigação criminal, tendo exercido, no período relevante, as funções que se deram como provadas supra. Tendo em conta essas funções, e na senda do que se decidiu na sentença arbitral proferida no Proc. N.º 17/2017-A,   “precisamente em coerência com o critério do «ónus das funções», o legislador do Decreto-Lei nº 275-A/2000, considerando que as funções das áreas de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm um risco e ónus de perigosidade idêntico ao das funções próprias do pessoal de investigação criminal, no respeito pelo princípio da igualdade e do direito fundamental à retribuição segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho, equiparou aquelas funções a estas para efeitos de valor da taxa de subsídio de risco. Esta equiparação é aplicável, nos termos do nº 4 do artigo em apreço, aos «funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança» (…) Para o referido nº 4, o relevante não são as funções próprias grupo de pessoal de apoio à investigação criminal que importam; nem são as funções específicas das carreiras de Especialista-superior, Especialista ou Especialista-adjunto, mas o estar integrado – independentemente do grupo de pessoal e carreira-, nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança. O que conta neste contexto são as particularidades das funções que constituem esta unidade num ónus mais agravado de perigosidade.”

 

Conclui-se, assim, que ao Demandante é devido o subsídio de risco à taxa de 25%.

  

Sobre a questão do pagamento de retroativos e dos juros, os mesmos são devidos nos termos que estão formulados no requerimento inicial do Demandante, tal como doutamente julgado na sentença arbitral do Proc. N.º 45/2014T do CAAD cujos fundamentos aqui se convocam e transcrevem:

«Os suplementos remuneratórios são devidos deste a data em que se iniciarem as funções que fundamentam a sua atribuição até à data em que cessem tais funções (cf. arts. 145.º, n.º1 e 2, 146.º, 159.º, 172.º e 173.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; os arts. 66.º, 67.º e 73.º da Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações; os artigos 217.º e 218.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (cf. art. 804.º do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). O devedor fica constituído em mora a partir da data do vencimento se a obrigação tiver prazo certo (cf. art. 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; o art. 173.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e o art. 218.º, n.º 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Os juros devidos são os juros civis legais (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), atualmente de 4% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril (cf. art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao valor do suplemento acresce, portanto, ainda os respetivos juros de mora, à taxa de juro legal, sucessivamente em vigor, ou seja, à taxa de 4% até à presente data sem prejuízo de outra taxa que, entretanto, venha a vigorar, a contar das datas do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento da dívida.»

 

Da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por parte do Demandado

 

O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas foi, durante décadas, regulado, essencialmente, pelo Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de novembro de 1967. Contudo este diploma foi expressamente revogado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

 

O regime jurídico a considerar para este efeito é o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado e publicado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, em especial os seus artigos 7º a 10º.

 

Apesar do regime legal especial, os pressupostos da responsabilização das entidades públicas são os mesmos que decorrem do princípio geral vertido no artigo 483º do Código Civil.

 

Assim sendo, no caso concreto, para que o Demandado seja responsabilizado é necessário que se apure a existência de um facto voluntário, ilícito e culposo, que tenha causado danos aos representados do Demandante e que se estabeleça o nexo de causalidade entre aquele facto e estes danos.

 

Se podemos assumir que no presente caso existe: i) um facto voluntário praticado por parte do Demandado (controlável pela vontade humana pois apenas se exclui aqueles que decorrem de causas alheias à vontade, tais como causas naturais) que decorre da atuação/prática contínua inerente ao processamento de vencimentos e mesmo o próprio o ato de indeferimento praticado pela Direção da DS-GAP; ii) ilicitude (artigo 9º) porque, como supra exposto, o pagamento do Suplemento de Risco foi pago em violação do disposto no n.º 2 do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro e tal traduziu-se no facto de o Demandante não ter recebido o valor do suplemento de risco legalmente devido; iii) que existe culpa, considerando que a Demandante beneficia da presunção de culpa leve, nos termos do n.º 2 do artigo 10º e o Demandando não carreou para o processo qualquer factualidade suscetível de afastar esta presunção, verifica-se, contudo, que a Demandante não prova o iv) dano.

 

Com efeito, com a procedência da ação, materializa-se na esfera jurídica da Demandante o direito que anteriormente lhe foi negado, acrescido de juros de mora destinados a compensar o atraso no pagamento devido. Assim, não se verifica o requisito do dano que seria necessário para que se pudessem considerar verificados os pressupostos da atribuição da indemnização peticionada.

 

Quanto à questão da litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, quando litigue de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, entendendo-se por litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; praticado omissão grave do dever de cooperação; feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

 

Compulsada a Contestação do Demandado, é certo que o mesmo invocou excepções – como a incompetência material do Tribunal Arbitral, a caducidade, a litispendência e o caso julgado – cuja falta de fundamento não deveria ignorar. Todavia, não estamos convencidos de que essa actuação, embora censurável, tenha ficado a dever-se a dolo ou a negligência grave. Importa ainda salientar que o Demandante também não alegou na sua Réplica qualquer facto que pudesse conduzir à prova do requisito de imputação subjectiva do facto ao Demandado.

Nestes termos, improcede o pedido de condenação do Demandado como litigante de má-fé.

 

IV. DECISÃO

 

Em face de tudo o que antecede, decide-se:

a) Reconhecer ao Demandante o direito ao Suplemento de Risco, conforme se acha previsto no artigo 99.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, alterado pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, e mantido em vigor pelo disposto nos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro de 2004 até 25 de Janeiro de 2015.

b) Considerar nulos, por vício de violação de lei, os atos administrativos praticado pelo Demandado que se consubstanciaram na negação ao Demandante do direito reconhecido em a);

c) Condenar o Demandado no pagamento ao Demandante a diferença entre o valor do subsídio de risco calculado nos termos explicitados em a) e os efetivamente pagos;

d) Condenar o Demandado no pagamento do Demandante dos juros de lei vencidos e, bem ainda, dos juros vincendos até pagamento integral dos montantes relativos ao Suplemento de Risco, conforme decorre dos termos do artigo 85.º, n.º 1, do Código Civil;

d) Absolver o Demandado do demais peticionado.

 

 

V. VALOR DA CAUSA

 

Fixa-se o valor da ação nos € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do NRAA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.

 

Custas pelo Demandado.

 

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.

 

Lisboa, 5 de janeiro de 2022

 

A Árbitro,

Raquel Franco