DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A – PARTES E OBJETO
Os Demandantes, AA…
A..., chefe de setor do quadro da D..., na situação de aposentado, desde 01.08.2018, portador do Cartão de Cidadão nº..., válido até 29.10.2029, com NIF ..., residente na Rua ..., nº..., ..., ...-... ...
e
C..., Especialista Superior, que desempenhou funções de Chefe de Núcleo do quadro da D... no período de Julho de 2000 a Maio de 2001, portadora do cartão de cidadão nº..., válido até 30.11.2028, com o NIF ..., residente na Rua ..., nº..., ..., ...-... ...
Instauraram neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente Ação contra
O Demandado, B…
Ministério B..., NIPC ..., com sede na ..., ...-..., Lisboa.
Peticionam os Demandantes coligados na presente ação:
a) Que venha a ser considerado nulo o ato administrativo praticado pela Demandada, conforme mencionado nos retro mencionados artigos 32.º ao 35.º da presente Petição Inicial, pela prática do vício de violação da lei;
b) Que aos Demandantes venha a ser reconhecido o Suplemento de Risco atribuído às chefias, este no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo, conforme se acha disposto no Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro e atualizações decorrentes dos aumentos salariais e aplicação do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de Novembro;
c) Que aos demandantes venham a ser pagos todos os valores conforme se acham devidamente discriminados nos Mapas e montantes mencionados no artigo 31.º da presente Petição Inicial;
d) Que ao demandante A... seja efetuado o recalculo da sua Pensão de Aposentado, o que deve ser ordenado à Caixa Geral de Aposentações.
e) Que lhes venham a ser pagos todos os juros legais, vencidos e vincendos, a que tenham direito, à taxa legal de em vigor e desde o dia em que deviam ter sido pagos os montantes em falta até efetivo e integral pagamento, e respeitantes aos períodos de tempo indicados nas já referidas Fichas Biográficas e Mapas;
f) Que, devido à imputação da Responsabilidade Civil Extracontratual que se invocou, a título de indemnização, de modo a ressarcir os lesados ora identificados, e a repor, desse modo, a situação que não tiveram por não aplicação do diploma legal exaustivamente identificado, que seja atribuído a cada um dos Demandantes, um valor pecuniário nunca inferior a 20% dos valores peticionados.
Regularmente citado, o Demandado aduziu, em tempo, a sua Contestação, na qual pugna pela improcedência dos pedidos e sua consequente absolvição, apresentando defesa por exceção e impugnação.
Em síntese, foram invocadas as seguintes exceções:
- Exceção dilatória de incompetência do CAAD para dirimir o presente litígio;
- Exceção dilatória de caducidade do direito de interpor ação;
- Exceção dilatória de ilegitimidade de parte (ilegitimidade passiva do B...);
- Exceção dilatória por falta de liquidação de juros vencidos;
Ademais, o Demandado impugna o sentido da interpretação jurídica de Direito Constituído e aplicável a remunerações e suplementos, formulada pelos Demandantes.
Impugna ainda o valor da causa por entender que, devido à omissão de operações aritméticas por parte dos Demandantes, o apuramento do mesmo não é possível de entendimento.
Os Demandantes apresentaram Réplica, na qual se pronunciaram sobre as exceções invocadas pelo Demandado, requerendo a sua improcedência e peticionando a procedência de todos os pedidos elencados na Petição Inicial.
B – DA LEGITIMIDADE DAS PARTES
Os Demandantes têm personalidade e capacidade judiciária, nos termos do artigo 8.º- A do CPTA, e legitimidade para agir, nos termos da norma do nº1 do artigo 9.º do CPTA.
O Demandado tem, igualmente, legitimidade, nos termos da norma do artigo 10.º do CPTA.
C – SANEAMENTO DO PROCESSO
Prioritariamente, cumpre apreciar as exceções invocadas pela entidade Demandada.
Vejamos então:
1. Exceção de incompetência do CAAD para dirimir matérias relativas a remunerações e suplementos remuneratórios.
A entidade Demandada exceciona a competência deste Tribunal para decidir sobre a matéria dos autos, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 1º da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de setembro, alegando que o objeto da lide respeita a remunerações e suplementos, os quais constituem direitos indisponíveis.
Em contrapartida, os Demandantes, na réplica, reiteram o alegado na Petição Inicial, pugnando pela legítima intervenção do CAAD.
Cumpre, então, decidir.
O artigo 18º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) consagra que compete ao tribunal arbitral decidir sobre a sua própria competência (n.º 1), podendo fazê-lo mediante decisão interlocutória ou aquando da prolação da sentença sobre o fundo da causa (n.º 8).
Isto posto:
A submissão de um litígio à arbitragem depende, antes do mais, da existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes, que abranja o objeto do litígio e regule a constituição do Tribunal Arbitral, conforme o disposto no artigo 8º do NRAA.
O CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa – foi criado por Despacho n.º 5097/2009 de 27 de janeiro do Secretário de Estado da Justiça, sendo um centro de arbitragem especializado, com competência para a resolução de litígios de direito público na área administrativa e tributária.
No que concerne às relações de direito administrativo, o CAAD tem por objeto, além de outros, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público, de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional – cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ainda artigo 1.º n.º 1 e 2 da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro.
Ora, se é certo que tanto os Demandantes como o Demandado estão, no caso dos autos, vinculados à jurisdição do CAAD, pela Portaria nº1120/2009 de 30 de Setembro, e que a matéria em causa nos autos constitui, indubitavelmente, matéria emergente de relação jurídica de emprego público, que a presente ação se enquadra dentro do limite de valor imposto, e que não resulta de acidente de trabalho nem de doença profissional, resta saber se estamos perante direitos indisponíveis [alínea a) do nº2 do artigo 1º da Portaria].
Neste conspecto, acompanhando-se a diversa jurisprudência do CAAD sobre a presente matéria, nomeadamente as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 1297/2019-A de 03 de março de 20201, n.º 117/2020-A de 10 de janeiro de 2021 e 161/2020-A de 29 de Junho de 2021, a resposta é perentoriamente negativa.
Efetivamente, estando em causa o pagamento do suplemento de risco, cujo valor consiste numa percentagem sobre a remuneração base mensal (máximo de 20%), é manifesto que não é posta em causa a indisponibilidade do direito, posto que não ultrapassa 1/3 da mesma (artigo 738.º do Código do Processo Civil conjugado com o artigo 175.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
De realçar, ainda, que o n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de Setembro, que exclui as remunerações e suplementos do âmbito de competência material do CAAD, se refere, apenas, à carreira de investigação criminal, na qual não se enquadram os Chefes de Setor ou Chefes de Núcleo, conforme o disposto na alínea b) n.º 1 e n.º 3 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 novembro.
Ora, se assim é, a sobredita norma excecional não deve ser trazida à colação, uma vez que não é o pessoal da carreira de investigação criminal que está aqui em causa, mas antes o pessoal de chefia de apoio à investigação criminal. De facto, resulta claro que a intenção do legislador foi excecionar determinadas matérias naquelas carreiras específicas, não devendo o normativo ser interpretado de forma generalista para todas as carreiras.
Em face do exposto, e sem necessidade de mais delongas, improcede a exceção de incompetência material suscitada pela entidade demandada.
2. Exceção de caducidade do direito de interpor ação
Os atos de processamento de vencimentos são, à luz da jurisprudência maioritária, tendencialmente atos administrativos. Não obstante, para que lhes seja atribuída tal classificação, estes atos têm que assumir, inequivocamente, uma posição efetiva sobre todas as questões colocadas e produzir efeitos externos numa situação concreta.
Realce-se, para o efeito, o sentido que lhe é atribuído pelo STA:
“(...) os atos de processamento de vencimentos são atos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas e (...) são atos de mera execução os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de atos administrativos anteriores e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas neles (...)” – Cf. Ac. do STA de 10-4-2008 – Proc. nº 0544/06.”
Ora, da posição da jurisprudência e do teor do disposto no artigo 148.º do CPA resulta que os atos administrativos consistem numa resolução ou tomada de posição sobre um assunto colocado à Administração, que produza efeitos externos numa situação específica.
Tal significa que, para que o procedimento de vencimentos fosse considerado um ato administrativo, era necessário que tivesse decorrido de uma decisão de um órgão da Administração em relação a uma questão especifica, e que esta tivesse sido dada a conhecer aos interessados.
Conforme resulta do Acórdão STA Proc. n.º 00715/03 de 30-10-2008, é necessário:
“a) Que o ato em causa se traduza numa decisão voluntária e unilateral da Administração, e não numa pura omissão definidora de uma situação concreta;
b) Que o ato tenha sido notificado nos termos do artigo 68.º do CPA.
III. Note-se, todavia, que o processamento de vencimentos não assume a natureza de ato administrativo em relação às questões sobre as quais não tenha explícita ou implicitamente tomado posição.”
Pelo exposto, o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, enquanto ritual quase automático, não raras vezes processado através de sistemas informáticos, consiste numa operação material e não num Ato administrativo.
Ora, descendo ao caso dos autos, não resulta claro que estejamos perante um ato administrativo ao qual se possa aplicar o disposto no artigo 162.º n.º 2 do CPA.
Pelo contrário, tal como ficou claro na jurisprudência anterior do CAAD, processo nº 3/2020-A:
“estando em causa um crédito laboral, o prazo de prescrição de créditos de tal natureza segue a disciplina contida na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (‘LGTFP’), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho e que estabelece um regime de prescrição de créditos laborais – no prazo de 1 ano após a cessação da relação jurídica laboral - equiparando-o, assim, ao regime do Código de Trabalho, por força da norma remissiva inscrita no artigo 4.º da LGTFP.”
Este era o prazo estabelecido, igualmente, pelo Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, tendo a este respeito, ainda na sua vigência, o STA de 30/11/17, processo n.º 0991/17, referido o seguinte:
“O n.º 1 do art.º 245.º, do RCTFP, em vigor à data da deliberação impugnada, dispunha que “todos os créditos resultantes do contrato e da sua violação ou cessação, pertencentes à entidade empregadora pública ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato”.
A prescrição a que se refere este preceito reporta-se aos créditos que são conexionados ou emergem da relação jurídica laboral e de que são titulares o trabalhador ou a entidade empregadora pública, estabelecendo-se que ela não corre enquanto se mantém o contrato de trabalho em funções públicas. Ao estabelecer que o prazo de prescrição apenas inicia o seu curso com a cessação do contrato, o legislador visou principalmente a defesa dos interesses do trabalhador subordinado que só depois dessa cessação readquire a sua independência e fica a salvo de eventuais represálias no trabalho.”
Daqui se conclui, no que respeita ao Demandante A..., aposentado desde 30 de Junho de 2018, que o prazo de 1 ano para agir terá caducado a 02 de Julho de 2019.
É, por isso, procedente a exceção relativa à caducidade do seu direito de agir invocada pelo Demandado, obstando-se à análise do mérito da causa no que a si diz respeito, e absolvendo-se o réu dos pedidos por si elaborados.
Todavia, o mesmo não sucede face à Demandante C..., que ainda não cessou o seu contrato de trabalho e, por isso, ainda não está sujeita ao prazo de 1 ano supramencionado.
Em relação a esta última improcede a exceção dilatória invocada pelo Demandado.
3. Exceção de ilegitimidade de parte (B...)
Fica prejudicada a apreciação da exceção de ilegitimidade passiva, uma vez que, conforme supra analisado, o direito de propositura da ação do Autor A... caducou.
4. Exceção por falta de liquidação dos juros vencidos
Apesar dos Demandantes não terem identificado qual o valor dos juros vencidos, esse valor é facilmente identificável.
Mais concretamente, os juros são quantificáveis à taxa legal de 4%, motivo pelo qual improcede a presente exceção dilatória invocada pelo Demando.
D – DO MÉRITO DO PEDIDO
Questões que ao Tribunal Arbitral cumpre decidir:
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido em relação à Demandante C... .
São três as questões a decidir, configuradas a partir da causa de pedir, do pedido, da posição assumida pela Demandante na Petição Inicial e do Demandado na Contestação:
1. Tem a Demandante direito ao Suplemento de Risco, devido no âmbito do exercício dos cargos de Chefe de Núcleo (Grupo de Pessoal de Chefia), no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo?
2. Tem, consequentemente, direito ao pagamento dos diferenciais devidos, pelo período de tempo em que exerceu o respetivo cargo (de 19 de Julho de 2000 até 23 de Maio de 2001), com juros incluídos?
3. Tem a Demandante direito ao pagamento de uma indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual, de 20% sobre os referidos diferenciais (alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 4.º do CPTA)?
II – FUNDAMENTAÇÃO
A. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Demandante exerce, atualmente, a função de Especialista Superior (grupo de pessoal de apoio à investigação criminal) da D... .
2. A Demandante exerceu o cargo de Chefe de Núcleo (grupo de pessoal de chefia de apoio à investigação criminal), no período de 19 de Julho 2000 a 23 de Maio de 2001.
3. A Demandante possui uma relação jurídica de emprego publico com o Demandado.
4. A Demandante não requereu à Direção da D... uma clarificação quanto à atualização e ao pagamento do valor correto relativamente ao Subsídio de Risco atribuído às chefias.
5. Na presente data encontram-se por pagar os valores devidos a título de Subsídio de Risco, desde 19 Julho de 2000 a 23 de Maio de 2001.
6. A Demandante apresentou a sua Petição Inicial em 08 de Setembro de 2021.
7. O Demandado apresentou a sua Contestação em 7 de Outubro de 2021.
8. A Demandante apresentou a Réplica em 19 de Outubro de 2021, de modo a pronunciar-se sobre as exceções levantadas pelo Demandado.
B. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos que devam ser considerados como não provados com relevo para a decisão.
C. DO DIREITO
Uma vez confirmada a improcedência das exceções invocadas pela Demandante, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos, cumpre apreciar a procedência ou improcedência dos pedidos da Demandante.
Destarte:
Com base do disposto no artigo 99.º, do Decreto-Lei n.º 295-A/1990 de 21 de Setembro e, posteriormente, o nº 1 e 2 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de Novembro, a Demandante entende ter direito a receber o Suplemento de Risco no valor de 20% da respetiva remuneração base mensal, no período que compreendeu o exercício do cargo de Chefe de Núcleo, ou seja, de 19 de Julho de 2000 a 23 de Maio de 2001.
Por sua vez, na argumentação aduzida na contestação, o Demandado defende que com o n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de Novembro, apenas no que respeita aos “demais trabalhadores” o suplemento de risco é apurado segundo o “critério” em vigor à data de entrada daquele diploma, ou seja, atento o critério do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro. Já “para o pessoal dirigente e de chefia” foi mantido não o critério, mas o “quantitativo” do suplemento de risco fixado à data da sua entrada em vigor.
Pois bem:
O artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de Setembro enumera os grupos de pessoal e as categorias profissionais que integram o corpo da D..., identificando, para o efeito, o “pessoal dirigente e de chefia” na sua alínea a).
Ademais, o Mapa I Anexo do dito diploma legal
integra a categoria de Chefe de Núcleo no “Pessoal de apoio à investigação criminal”, como consta dos seus artigos 127.º e 130.º, identificando como pessoal de carreira de investigação criminal, no artigo 119.º, apenas o inspetor-coordenador, inspetor, subinspetor e Agente.
Já o artigo 99.º do Decreto supramencionado, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 302/98, de 7 de Outubro, sob a epígrafe “Subsídio de risco”, dispõe o seguinte:
“1 – Os funcionários ao serviço da D... têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal.
2 – O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.
3 – O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.
4 – Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado no número anterior.
5 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.
6 – O pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de risco de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação (…).
7 – O suplemento de risco referido nos números anteriores é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência.”
Ora, na vigência deste diploma, que produziu efeitos, conforme consta do n.º 1 do artigo 178.º, a partir de 1 de Outubro de 1989, não restam dúvidas quanto à intenção do legislador:
O Suplemento de Risco aplica-se à generalidade dos funcionários ao serviço da D..., mas o seu montante varia em função da categoria em que se inserem.
Para o efeito, no caso do Pessoal Dirigente e de Chefia, o Suplemento de Risco corresponde a 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.
Foi com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que revoga o anterior, que a situação se pareceu tornar mais dúbia, não fosse tantas vezes questionada.
Então vejamos:
No que respeita ao grupo de pessoal que integra a D..., este D.L não trouxe quaisquer alterações, exceto autonomizar os funcionários “Dirigentes” e os funcionários detentores de um cargo de “Chefia”. Assim, os “Dirigentes” passam a estar consagrados na alínea a) e a “Chefia” na alínea c) do artigo 62.º desse diploma.
O mesmo não aconteceu, contudo, face à disciplina das Remunerações.
Ora, para o que nos interessa aprofundar, vem consagrado no artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de Novembro, relativo ao Suplemento de Risco, o seguinte:
“O suplemento de risco dos funcionários ao serviço da D..., graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal, será definido e regulamentado em diploma próprio, sem prejuízo do disposto no artigo 161.º”.
Ou seja, o Suplemento de Risco mantém-se para a generalidade dos funcionários, diferenciando-se, igualmente, o seu percentual consoante a categoria profissional na qual se inserem, mas o legislador manifesta o intuito de vir, futuramente, regulamentar o regime desse Suplemento em diploma próprio, sem prescindir das especificidades do artigo 161.º:
“1 – O pessoal dirigente e de chefia, enquanto no exercício de tais funções, mantém o direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma.
2 – O montante do suplemento referido no número anterior é atualizável nos termos gerais previstos para a atualização anual da função pública.
3 – O restante pessoal (…) mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma, até à regulamentação prevista no artigo 91.º
4 – O disposto nos números anteriores é aplicável ao pessoal que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontre a desempenhar funções na … em regime de requisição.”
Assim, da leitura deste artigo retira-se uma primeira conclusão:
Com a entra em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de Novembro, o pessoal Dirigente e de Chefia, enquanto dure o exercício das suas funções, continua a auferir o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.
Efetivamente, para a correta interpretação deste artigo, aquilo que se tem que saber, logo à partida, é qual era a regra que estava a ser aplicada quando o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, entrou em vigor. Assim, sendo esta regra a do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro, então, como vimos, o montante do Suplemento de Risco é de 20%.
No fundo, o legislador veio consagrar, desta feita de forma concreta e objetiva, a mesma regra que era já aplicada até então. Sendo que, de acordo com o n.º 2, o montante do suplemento é ainda atualizável nos termos gerais previstos para a atualização anual da função pública.
Aqui chegados,
cumpre ainda apreciar as normas do Decreto-Lei nº 42/2009 de 12 de Fevereiro, de forma a exteriorizar o impacto das mesmas nos normativos supra analisados.
De facto, o seu artigo 31º determina o seguinte:
“São revogados:
a) (…) os n.º 1 e 2 do artigo 161º, exceto no que respeita ao pessoal de chefia (…)”
Passando o n.º 1 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro a ter a seguinte redação:
“1 – O pessoal de chefia, enquanto no exercício de tais funções, mantém o direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma.”
Tal significa, que a revogação supramencionada se dirigiu exclusivamente ao Pessoal Dirigente,
pelo que para o Pessoal de Chefia a regra continua a ser a de que, enquanto se mantiver no exercício das suas funções, o funcionário aufere o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.
Esclarecido o sentido das normas anteriores, cumpre decidir as questões supra levantadas:
Antes de mais, cumpre referir que tendo em consideração que o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, vigorou até ao dia 31.12.2019, momento a partir do qual foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, esse será o diploma de que nos serviremos para produzir a presente decisão.
Além disso, sendo a atribuição do Suplemento de Risco, nos termos supra expostos, recorrentemente objeto de litigância no CAAD e nos Tribunais Administrativos, serão de realçar, para análise do caso em apreço, nomeadamente, as decisões do CAAD proferidas nos Processos n.º 1297/2019-A; n.º 117/2020-A e 161/2020-A.
Assim sendo:
Em resposta à primeira questão
A presente ação tem por base o exercício, por parte da Demandante, de um cargo de Chefe de Núcleo, de 19 de Julho 2000 a 23 de Maio 2001, ao qual são aplicáveis os Decreto-Lei n.º 295- A/90 de 21 de setembro e o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro.
Tal significa, pelo disposto no n.º 2 do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e, posteriormente, do n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro, que à Demandante deve ser reconhecido o direito ao suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo, pelo período em que esta exerceu as suas funções.
Em resposta à segunda questão
Em consequência da resposta anterior, fica o Demandado condenado a recalcular e restabelecer os pagamentos efetuados à Demandante, pelo período em que esta exerceu as funções de Chefe de Núcleo, devendo, para o efeito, apurar e proceder ao pagamento dos eventuais diferenciais mensais remuneratórios, com as devidas e legais consequências.
São igualmente devidos os juros de mora peticionados, à taxa legal em vigor (4%), desde o dia em que deviam ter sido pagos os montantes devidos, até ao seu efetivo e integral pagamento.
Em resposta à terceira questão
Não obstante o regime legal especial para a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, nomeadamente o artigo 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967, posteriormente revogado pela Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro, os pressupostos da responsabilização das entidades públicas são os mesmos que decorrem do princípio geral consagrado no artigo 483º do Código Civil.
Ora, para que possamos responsabilizar extracontratualmente o Demandado, devem verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos: Facto Voluntário do Agente; Ilicitude; Culpa; Dano e Nexo de Causalidade entre o Facto e o Dano:
1) Facto voluntário do agente: Facto controlável pela vontade humana, o que no caso dos autos decorre da ação/prática continua inerente ao processamento de vencimentos;
2) Ilicitude: Nomeadamente, por aplicação de uma disposição legal que se demonstrou não ser a correta e consequente violação do disposto no n.º 2 do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, levando a que a Demandante não tenha recebido o valor do Suplemento de Risco legalmente devido;
3) Culpa: no caso dos autos, o Demandante beneficia da presunção de culpa do artigo 10.º n.º 2 do regime especial aplicável e o Demandado não carreou para o processo qualquer facto suscetível de afastar essa presunção.
O Demandante não provou a existência de um dano. Pelo contrário, limitou-se, genérica e vagamente, a requerer uma indemnização que cataloga como uma espécie de sanção “por todos os danos patrimoniais causados (…) nunca inferior a 20% (…) dos valores a receber (…)”, sem, contudo, fundamentar este percentual ou provar a existência de danos que o justifiquem.
Assim sendo, na falta de um dos pressupostos legais de Responsabilidade Civil Extracontratual, improcede o pedido da Demandante no que diz respeito à indemnização requerida.
III – DECISÃO
Em face de tudo o que antecede, a presente ação dá-se por parcialmente procedente, pelo que se condena a entidade Demandada a:
a) Reconhecer à Demandante o direito ao subsídio de risco, pelo exercício da função de Chefe de Núcleo no período compreendido entre 19.07.2000 e 23.05.2001, segundo a taxa prevista no artigo 99.º nº2 do DL nº 295-A/1990, de 21 de Setembro e, posteriormente, do n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, ou seja, 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.
b) Pagar à Demandante a diferença entre o valor do subsídio de risco calculado sob a taxa de 20% suprarreferida e o valor efetivamente pago à trabalhadora.
c) Pagar à Demandante os juros de mora devidos, à taxa legal e sobre o valor em dívida, desde o dia em que devia ter sido pago o montante em falta, até efetivo e integral pagamento. A tais importâncias acrescerão, ainda, os juros de mora desde a data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos (8 de Setembro de 2021) até efetivo e integral pagamento.
Absolve-se a entidade demandada do demais peticionado.
Fixa-se a esta ação o valor indicado na PI.
Custas:
Observe-se, relativamente aos encargos processuais, o disposto no artigo 29.º, n.º 5, do Regulamento do Centro de Arbitragem Administrativa (encargos suportados pelas partes em partes iguais).
Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Porto, 9 de Janeiro de 2022,
O Árbitro
Durval Tiago Ferreira