Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 178/2020-A
Data da decisão: 2021-05-26  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 1.255,04
Tema: Relações jurídicas de emprego público – Subsídio de Risco
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

F…, Especialista Adjunto dos Quadros de Funcionários da P…, com os demais sinais nos autos, veio, em 14 de Dezembro de 2020, demandar, neste Centro de Arbitragem Administrativa, o M…, pedindo: (a) que o despacho da Direcção Nacional da P… seja dado como nulo face ao disposto no artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA; (b) que o Demandado seja condenado ao pagamento do valor total de € 1.255,04 referente à aplicação do valor percentual de 2,9% no Subsidio de Risco, conforme decorre do preceito legal anteriormente referido, desde 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017; (c) que, devido à imputação da Responsabilidade Civil Extracontratual que se invocou, a título de indemnização, de modo a ressarcir o Demandante e a repor, desse modo, a situação que não teve por não aplicação do diploma legal exaustivamente identificado, devendo ser-lhe atribuído um valor pecuniário nunca inferior a 20% do valor a receber relativamente ao acerto do Suplemento de Risco idêntico ao pessoal da investigação criminal; (d) que o Demandado seja condenado ao pagamento dos juros de lei vencidos, bem ainda, dos vincendos até pagamento integral dos referidos montantes relativos ao acerto do Subsídio de Risco, conforme decorre dos termos do artigo 85.º [SIC], n.º 1, do Código Civil.

Para tanto, o Demandante alegou, em síntese, que faz parte dos quadros da P…, enquanto Especialista Adjunto, Escalão 4, exercendo funções da Directoria do Norte, onde presta serviço desde 15 de Fevereiro de 2006, no Sector das Telecomunicações e Informática. Por este motivo, assiste-lhe o direito a, além da remuneração base, receber o suplemento de risco, nos termos do disposto no artigo 91.º e 161.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, bem ainda, do artigo 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respectiva tabela indiciária [SIC]. As remunerações base foram actualizadas em 2,9% por força da Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de Dezembro, actualização que igualmente deveria ter ocorrido com todas as demais remunerações acessórias, mormente o Subsídio de Risco, como foi reconhecido pela Direcção Nacional da P… através do seu Despacho n.º 20/2019-SEC/DN, onde se refere que o Subsídio de Risco vinha sendo pago pelo valor de € 390,63, quando deveria sê-lo no valor de € 402,43, facto que se confirma pelos recibos de vencimento. Com o objectivo de lhe serem pagos os € 1.255,04 que considera serem seu direito fez requerimento à mesma Direcção Nacional, o qual foi respondido, por email, no sentido de que a P… estaria a diligenciar junto da tutela para alcançar a melhor solução quanto à decisão e forma de pagamento de anos anteriores (2010 a 2017) relativamente a todos os trabalhadores.

Refere, ainda, o Demandante que voltou a insistir, solicitando a indicação de uma data para regularização, não tendo obtido resposta até à data do recurso à arbitragem para a composição deste litígio.

O incumprimento do dever de remunerar o valor devido, nos termos da legislação invocada, constitui violação de lei, apesar de a legalidade do pagamento ter sido reconhecida e de ter sido pago o valor devido do Subsídio de Risco nos anos de 2018 e 2019, os quais aqui não são reclamados.

O despacho da Direcção Nacional da P…. deve ser considerado ilegal, por padecer de nulidade (artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA), tendo em conta que põe em causa o estatuído no artigo 59.º da CRP, devendo “ser anulado”. A citada disposição constitucional é aplicável, pois existe ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental sempre que seja diminuído o alcance do conteúdo essencial desse direito, em termos de o fazer desaparecer ou de o desfigurar; quando se determina que o exercício de funções ocorre sem o pagamento, total ou parcial, da remuneração prevista na lei, pois há supressão de tal direito e, em consequência, a nulidade do acto administrativo. O Demandante imputa ainda ao acto o vício da anulabilidade, por violação de vários princípios, nomeadamente do procedimento administrativo.

Alega, ainda, o Demandante que o Demandado lhe causou danos patrimoniais por diminuição do valor do Suplemento de Risco que deveria ter sido recebido, desde 1 de Janeiro [de 2010] a 31 de Dezembro de 2017, bem como que se mostram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, pelo que pretende uma “indemnização pecuniária, que nunca deve ser inferior a 20% (vinte por cento) do valor a receber” pelo Demandante, “de modo a ressarci-lo como reposição da situação que deveria ter”.

Termina requerendo o pagamento dos respectivos juros vencidos e vincendos desde 1 de Janeiro de 2010 até à data do efectivo e integral pagamento nos termos “do artigo 85.º, n.º 1, do Código Civil”.

O Demandado contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Na primeira das indicadas sedes, arguiu: (a) a incompetência do CAAD em razão da matéria, por estarem alegadamente em causa direitos indisponíveis; (b) a falta de lesividade do acto impugnado, porque considera que o mesmo não indefere qualquer requerimento do Demandante; (c) a ineptidão da Petição Inicial por ininteligibilidade dos pedidos, por não invocar os vícios que geram a nulidade do acto e por pedir a condenação do Demandado ao abrigo dos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, bem como do artigo 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, com a actualização da Portaria n.º 1553-D/2008, a que se refere o Despacho n.º 20/2019-SEC/DN, pelo que ocorre contradição entre os pedidos e a causa de pedir; (d) a caducidade do direito de acção, por estarem em causa actos mensais de processamento de vencimentos praticados há mais de três meses à data da propositura desta acção arbitral; (e) a litispendência, por haver trabalhadores da P… que são demandantes noutros processos com contornos semelhantes; (f) o caso julgado, por considerar que a matéria da presente acção já foi amplamente apreciada e decidida em caso já julgado.

Em sede de impugnação, o Demandado alega que “não é plausível” que a P… e os seus trabalhadores tivessem entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2017 a processar valores errados, pois sempre processou as remunerações dos seus trabalhadores de acordo com a legislação vigente. Mais alega não estarem preenchidos os requisitos de que depende a indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito.

O Demandante, notificado da Contestação, veio oferecer Réplica, onde respondeu à matéria de excepção alegada pelo Demandado e pediu a condenação deste por litigância de má-fé.

O Demandado, instado para o efeito, pronunciou-se quanto a este último pedido.

*

O presente Tribunal Arbitral é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 4 de Maio de 2021, data da aceitação do encargo (artigo 17.º do Regulamento do CAAD).

*

Em 6 de Maio de 2021, foi proferido despacho arbitral (artigo 18.º do Regulamento do CAAD), onde o Demandado foi convidado a pronunciar-se quanto ao pedido de condenação por litigância de má-fé e onde as partes foram convidadas a, em prazo simultâneo, requererem o que tivessem por conveniente ou produzir alegações escritas. O prazo concedido para esses convites foi de 10 dias.

O despacho foi notificado às partes no mesmo dia.

*

O Demandado pronunciou-se sobre o pedido de condenação por litigância de má-fé e apresentou as suas alegações escritas, em 17 de Maio de 2021, onde, no essencial, reitera o alegado na Contestação.

*

O Demandante apenas ofereceu as suas alegações escritas em 19 de Maio de 2021. Tendo em conta que, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento do CAAD, a notificação se considera feita em 7 de Maio de 2021, segue-se que o prazo de 10 dias fixado para alegações terminou a 17 de Maio de 2021.

Por este motivo, as alegações oferecidas dois dias após o termo do prazo são extemporâneas, devendo ser desentranhadas e devolvidas ao apresentante, o que se ordena.

 

II - Saneamento

As partes dispõem de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade ad causam, e encontram-se devidamente representadas.

Tendo em conta as excepções invocadas pelo Demandado, nas quais se questiona, inclusivamente, a competência material do Tribunal Arbitral para conhecer do presente litígio, importa delas conhecer, designadamente à luz da jurisprudência do CAAD.

Assim:

(a)          Excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria e da incompetência para dirimir litígios quando estejam em causa remunerações.

A questão da competência do Tribunal Arbitral na matéria já tem sido objecto de apreciação em várias decisões. Tal como se decidiu no Processo n.º 117/2020-A, que aqui seguimos de perto, com a devida vénia, importa apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, por referência ao objecto do processo, e na sua vertente subjectiva, por referência à posição das partes no litígio e ao concreto tribunal arbitral.

A Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária), subsidiariamente aplicável, dispõe na primeira parte do n.º 1 do seu artigo 18.º que o “tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência”, naquilo que geralmente se considera um afloramento do “princípio da Kompetenz-Kompetenz”, e pode fazê-lo “quer mediante decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa” (n.º 8 do mesmo artigo).

Para que o tribunal arbitral seja competente, necessário se torna que o litígio seja arbitrável, ou seja, que o mesmo se mostre abrangido por uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes, e que o tribunal arbitral se mostre regularmente constituído.

De acordo com a lei, os Estatutos do CAAD e o seu Regulamento, a sua competência material inclui, nomeadamente, dirimir os litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público. É isto que resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

Não obstante, a parte final da alínea d) do citado artigo 180.º ressalva da competência do tribunal arbitral o julgamento de questões respeitantes a relações de emprego público quando “estejam em causa direitos indisponíveis”.

Não se discute nestes autos que a matéria que constitui o objecto do processo diga respeito a relações jurídicas de emprego público, pelo que esse aspecto factual se mostra admitido por acordo das partes.

Igualmente não se discute nos autos que está em causa o alegado não pagamento de um suplemento remuneratório – o Subsídio de Risco – no montante previsto na legislação aplicável, pelo que se trata de uma prestação remuneratória, facto igualmente admitido por acordo das partes.

O M… encontra-se vinculado à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, no que respeita à P… [alínea d) do artigo 1.º], sendo que, essa vinculação diz respeito a litígios com valor igual ou inferior a € 150.000.000 e que tenham por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público [primeira parte da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 1.º], o que sucede neste caso quanto aos dois referidos aspectos.

A segunda parte da mesma alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da citada Portaria reitera a ressalva consagrada na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que a vinculação não abrange questões sobre “direitos indisponíveis”.

A alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo 1.º da Portaria citada vai mais longe, quanto ao pessoal de investigação criminal da P…, excluindo da vinculação as questões sobre relações jurídicas de emprego público relativas a esse pessoal que, mesmo de valor inferior a € 150.000.000, respeitem a remunerações e suplementos.

No caso dos autos não sofre discussão que o Demandante é Especialista Adjunto e, por isso, não faz parte do pessoal de investigação criminal, antes pertencendo ao pessoal de apoio à investigação criminal, tal como decorre da alínea c) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, na sua redacção actual.

Por este motivo, a exclusão da alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, não se aplica ao caso dos autos.

Subsiste a questão de saber se estarão em causa direitos indisponíveis que façam aplicar a excepção da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria citada.

Como tem sido jurisprudência uniforme do CAAD em casos similares ao ora em apreço, o que verdadeiramente se pretendeu subtrair à arbitrabilidade – para além dos já referidos remunerações e suplementos do pessoal de investigação criminal – foi os litígios cujo objecto respeite a direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

Aliás, se assim não fosse, não se compreenderia que o Legislador tivesse utilizado uma fórmula para o pessoal de investigação criminal e uma fórmula distinta para o pessoal de apoio à investigação criminal. Com efeito, a diferença de redacção entre a alínea c) do n.º 3 e a alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, demonstram à saciedade que a matéria das remunerações e dos suplementos não se encontrava abrangida pela alínea a) do n.º 2, pois, se o estivesse, não careceria de autonomização expressa.

Ora, “Na fixação do sentido e alcance da Lei, o interprete presumirá que o Legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil).

Por isso, manifestamente não poderá entender-se que a matéria dos direitos indisponíveis abranja suplementos remuneratórios.

Importa ainda referir que a questão da irrenunciabilidade da retribuição coloca-se essencialmente nas relações entre entidade empregadora e trabalhador e visa, de alguma forma, obstar à especial fragilidade do trabalhador no seu relacionamento directo com o empregador, nomeadamente, quando esteja e causa um acordo entre ambos, pelo qual o trabalhador renuncie à retribuição, dada a sua posição de fragilidade perante o empregador.

Já não se coloca – ou, ao menos, não se coloca com a mesma acuidade – no caso de uma pretensão deduzida em Juízo ou perante um tribunal arbitral, em que o trabalhador se encontra representado por mandatário judicial ou pelos serviços jurídicos do seu sindicato e em que a decisão adjudicatória não compete a nenhuma das partes, mas a um Juiz, ou a um árbitro, imparcial, que decide de acordo com o direito constituído.

De resto, não deixa de ser curioso que o M… venha alegar que a matéria de remuneração e suplementos remuneratórios constituem direitos indisponíveis, quando é o mesmo M… que, no endereço https://justica.gov.pt/Servicos/Pedir-mediacao-laboral, considera susceptíveis de mediação laboral e, por isso, disponíveis, matérias como “o pagamento de subsídios em atraso (…), as promoções, (…) o trabalho suplementar”. Julga-se que não existem “direitos indisponíveis” para trabalhadores em funções públicas que sejam distintos daqueles respeitantes a trabalhadores sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho. E também não parece que existam dois M… (o que contesta a presente acção e aquele que coloca a citada informação na sua página electrónica).

Por este motivo a matéria de excepção em apreço causa-nos, no mínimo, alguma perplexidade.

Adicionalmente e como já foi doutamente referido em outras decisões arbitrais do CAAD, está em causa a discussão de uma diferença de valor do Subsídio de Risco de, no máximo, € 11,80 mensais (= 402,43 - 390,63), o que corresponde a uma ínfima parte de um terço da remuneração mensal do Demandante. Por este motivo, o referido valor sempre deveria considerar-se incluído na esfera de disponibilidade do trabalhador, considerando que, nos termos do artigo 175.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, “O trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis” (note-se que o preceito tem o mesmo sentido que o artigo 280.º do Código do Trabalho, embora este se encontre redigido pela positiva).

Tendo em conta que a impenhorabilidade da retribuição corresponde a um terço, com o mínimo do salário mínimo nacional, e o máximo de três salários mínimos nacionais (n.º 3 do artigo 738.º do Código de Processo Civil), segue-se que o trabalhador Demandante não está impedido de dispor dos seus € 11,80 mensais (no máximo) referentes ao período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017 que reclama nesta acção.

Face ao que antecede, mesmo que se entendesse estar-se perante direitos indisponíveis, teria de se entender subtraída a essa indisponibilidade a parte do Subsídio de Risco em causa nestes autos, pelo seu valor, por se enquadrar na parte da retribuição da qual o trabalhador pode dispor e ceder.

Em face do que antecede, improcede a alegada excepção, pelo que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer deste pleito.

(b)          Da excepção da falta de lesividade do acto impugnado

O Demandado excepciona ainda a falta de lesividade do acto impugnado. Esta alegada excepção assenta na consideração, por parte do Demandado, de que o acto praticado pela … não terá negado a pretensão do Demandante e, nessa medida, não seria lesivo.

Todavia, encontra-se documentalmente provado que, em 21 de Agosto de 2020, o Demandante, por intermédio do seu advogado, requereu o pagamento (Documento n.º 4 junto com a Petição Inicial) e que, por mensagem de correio electrónico de 8 de Setembro de 2020, a Senhora Directora dos Serviços de Gestão e Administração de Pessoal da P… lhe respondeu “que a … está a diligenciar junto da tutela para alcançar a melhor solução quanto à decisão e forma de pagamento dos anos anteriores (2010 a 2017) relativamente a todos os trabalhadores” (Doc. 5 junto com a Petição Inicial).

Está igualmente provado por documento (Doc. n.º 6 junto com a Petição Inicial) que, no mesmo dia 8 de Setembro de 2020, o mandatário do Demandante solicitou ao Director Nacional da P… que se pronunciasse sobre a data expectável para a tomada dessa decisão.

E está admitido por acordo que esse pedido nunca obteve resposta, pelo menos durante mais de três meses à data da instauração desta acção. É, além disso, inequívoco que o “acto” mencionado pelo Demandante não é o Despacho n.º 20/2019-SEC/DN, ao contrário do que o Demandado pretende dar a entender.

No caso vertente, assistiu-se ao chamado “veto de gaveta”, ou seja, a P… não decidiu, como era seu dever, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, a pretensão do requerente, limitando-se a manter o pedido num limbo que é inequivocamente lesivo do direito do Demandante que – a proceder a sua pretensão – se encontra desembolsado do que lhe é devido desde 1 de Janeiro de 2010, isto é, há mais de 11 anos. E não há dúvida que tal comportamento afecta o direito do Demandante.

Será, pois, de perguntar ao Demandado se este comportamento não é lesivo, o que será? Nem na Contestação nem nas Alegações Escritas o Demandado deu qualquer justificação para tal alegação. Aliás, a proceder a tese do Demandado, estaria encontrada a solução miraculosa para toda a actividade administrativa: bastaria nada decidir e os particulares ficariam completamente desprotegidos nos seus direitos …

Improcede, por conseguinte, a alegada excepção da falta de lesividade do acto.

(c)          Ineptidão da Petição Inicial por ininteligibilidade dos pedidos, por não invocar os vários vícios que geram a nulidade do acto e por pedir a condenação do Demandado ao abrigo dos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, bem como do artigo 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, e contradição entre os pedidos e a causa de pedir.

O Demandado alega a ineptidão da Petição Inicial. A excepção da ineptidão da petição inicial ocorre quando, nomeadamente, falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir [cfr. alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável].

Sucede que, no caso vertente, o Demandante alegou os factos essenciais de que depende a procedência dos pedidos que formulou, não sendo ininteligível a causa de pedir ou cada pedido formulado. Questão diversa será a de saber se todos ou alguns desses pedidos são procedentes.

Também inexiste qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir, sendo certo que o Demandado não demonstrou essa ininteligibilidade. Bem pelo contrário, o Demandado na sua Contestação demonstrou bem ter compreendido e ter interpretado convenientemente a Petição Inicial (n.º 3 do mesmo artigo 186.º). Além disso e como adiante melhor se explanará, o n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 foi mantido em vigor pelo artigo 91.º e pelo n.º 3 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2020.

Nestes termos, improcede a invocada excepção.

(d)          Caducidade do direito da acção

O Demandado invoca ainda a excepção da caducidade do direito da acção, alegando que cada acto mensal de processamento de vencimentos constitui verdadeiro acto administrativo e que, por este motivo, esse acto se encontra sujeito ao prazo de caducidade de três meses para a respectiva impugnação em sede de contencioso administrativo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Sucede, porém, que nem todos os actos mensais de processamento de vencimentos são actos administrativos. Só o serão aqueles actos que reúnam as características estabelecidas no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo: decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativo, vise produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Bem pelo contrário, o que resulta do Documento n.º 3 /1 a 138 da Petição Inicial é que se trata de actos automatizados de processamento de vencimento, sem qualquer decisão ou inovação.

De resto, o Demandado não só não alega como não demonstra, como lhe competia (parte final do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil) que esses actos mecanizados de processamento mensal do vencimento do Demandante revestem as características legais dos actos administrativos.

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2008, proferido no Proc. n.º 0544/06, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Políbio Henriques, decidiu:

«… os actos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos são verdadeiros actos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta (artº. 120º CPA), quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória (vide, entre outros, os acórdãos da Secção de 2007.12.19 – recº nº 899/07, de 2007.11.28 – recº nº 414/07, de 2006.01.17 – recº nº 857/05, de 2004.03.16 – recº nº 1682/02 e de 2001.12.11- recº nº 47 140).

Por sua vez, são actos de mera execução “os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de outros actos administrativos anteriores” e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas nos primeiros (vide acórdãos STA de 2003.07.08- recº nº 44411, de 2003.12.16 – recº nº 1272/03 e de 2004.10.10 – recº nº 719/03)».

É este último caso que se verifica na situação ora em apreço.

Em face do que antecede, improcede a alegada excepção da caducidade do direito de acção.

(e)          Litispendência e caso julgado

O Demandado alega ainda as excepções da litispendência e do caso julgado. Dada a similitude de situações, analisá-las-emos em simultâneo. Em ambos os casos, para que se verifique qualquer das alegadas excepções, é pressuposto que ocorra a repetição de uma causa, sendo que, se a causa anterior ainda estiver em curso, há litispendência; se a causa anterior já estiver decidida por sentença insusceptível de recurso ordinário, existe caso julgado (n.º 1 do artigo 580.º do Código de Processo Civil).

Pretende, com estas excepções, evitar-se que o tribunal na segunda acção seja colocado perante a alternativa de contradizer ou de reproduzir a sentença anterior (n.º 2 do mesmo artigo).

Considera-se existir repetição da causa quando se verifique identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, entendendo-se como tal a identidade das partes quanto à sua qualidade jurídica, a identidade do pedido quanto ao efeito jurídico pretendido e a identidade da causa de pedir, quando a pretensão em ambas as causas proceda do mesmo facto jurídico (artigo 581.º do Código de Processo Civil).

Compulsada a Contestação, verifica-se que o Demandado não alega nem demonstra – ao contrário do que lhe competia (parte final do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil) – que o Demandante nesta acção foi parte em qualquer das acções anteriores que refere, pendentes ou já decididas.

Assim, não se encontrando alegada nem demonstrada a identidade de sujeitos, falta um dos requisitos legais de que depende a repetição da causa, pelo que improcedem as invocadas excepções de litispendência e caso julgado.

 

III - Do mérito da causa

A.           Questões a decidir

As questões a decidir neste caso, decorrentes da causa de pedir e do pedido, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados são as seguintes:

a)            Saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito à actualização do valor do Subsídio de Risco no período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017, por aplicação do disposto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro;

b)           Saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente do não pagamento atempado do Subsídio de Risco no valor devido;

c)            Saber se são devidos juros moratórios ao Demandante;

d)           Saber se o Demandado litigou de má-fé e quais as respectivas consequências.

 

B.            Fundamentação

i)             Factualidade

Com relevância para a decisão da causa, considera-se provados os seguintes factos:

a)            O Demandante faz parte dos quadros da P…, como Especialista Adjunto, Escalão 4, e exerce funções na Directoria do Norte;

b)           O Demandante presta funções no Sector das Telecomunicações e Informática dessa Directoria desde 15 de Fevereiro de 2006;

c)            Desde 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017, o valor do Subsídio de Risco pago ao Demandante teve por base o montante de € 390,63, embora entre 1 de Janeiro de 2011 e 30 de Setembro de 2016, o mesmo haja auferido montantes inferiores por virtude das reduções remuneratórias, dos descontos legais e das reposições determinadas por sucessivos diplomas legais, designadamente as Leis do Orçamento do Estado, que tiveram por base de cálculo aquele valor:

c1)          Entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2013, o Demandante auferiu € 376,96 mensais, a título de Subsídio de Risco;

c2)          Entre 1 de Janeiro e 31 de Maio de 2014, o Demandante auferiu € 348,11 mensais, a título do mesmo Subsídio;

c3)          Entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2014, o Demandante auferiu € 376,96 mensais, a título do referido Subsídio;

c4)          Entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2015, o Demandante auferiu € 379,69 mensais ao mesmo título;

c5)          Entre 1 de Janeiro e 31 de Março de 2016, o Demandante auferiu € 382,43 mensais, a título de Subsídio de Risco;

c6)          Entre 1 de Abril e 30 de Junho de 2016, o Demandante auferiu € 385,16 mensais, ao mesmo título;

c7)          Entre 1 de Julho e 30 de Setembro de 2016, o Demandante auferiu € 387,90 mensais, ao indicado título.

d)           Por requerimento de 21 de Agosto de 2020, o Demandante, por intermédio do seu Mandatário, requereu ao Director Nacional da P… o pagamento da quantia de € 1.255,04, acrescida de juros vencidos e vincendos, referente a diferenças salariais decorrentes da não aplicação ao Subsídio de Risco do aumento de 2,9% previsto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro;

e)           Através de mensagem de correio electrónico da Directora de Serviços de Gestão e Administração de Pessoal da P…, datado de 8 de Setembro de 2020, foi respondido ao mencionado Mandatário o que consta do Doc. n.º 5 junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por reproduzido;

f)            No mesmo dia 8 de Setembro de 2020, o Mandatário do Demandante remeteu ao Director Nacional Adjunto da P… uma mensagem de correio electrónico do teor que consta do Doc. n.º 6 junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por reproduzido;

g)            O Demandante e o seu Mandatário não obtiveram resposta à mensagem referida em f) até à data da propositura da presente acção;

h)           O Demandante recebeu o Subsídio de Risco, no valor actualizado, referente aos doze meses da cada um dos anos de 2018 e 2019;

i)             O Demandante nunca recebeu a actualização do Subsídio de Risco decorrente da aplicação da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, referente ao período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017;

j)             A Senhora Directora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da P…, por despacho de 21 de Junho de 2018, concordou com uma Informação interna, onde se propunha o seguinte:

“… somos de parecer que a tese constante da sentença do CAAD [que considerava devido o Subsídio de Risco no valor resultante da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, desde 1 de Janeiro de 2010], no tocante aos suplementos analisados merece acolhimento.

Razão pela qual se justifica, julgamos, que os efeitos da sua decisão sejam estendidos a todos os trabalhadores das várias carreiras/categorias, tendo em conta os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da boa-fé. Embora apenas a partir de 1 de Janeiro de 2010, já que, como elucidou a sentença do CAAD, a …, até aquela data, agiu de acordo com o quadro legal aplicável”;

 

k)            Teor do ofício n.º …, de 5 de Junho de 2018, da … (fls. 5 a 7 do “Processo Administrativo” junto com a Contestação);

l)             Teor do ofício n.º …, de 16 de Janeiro de 2019, do Gabinete do Director Nacional da P… (fls. 8 a 11 do mesmo “Processo Administrativo”);

m)          Teor do ofício n.º …, de 8 de Agosto de 2018, do Gabinete do Director Nacional da P… (fls. 12 a 15 do citado “Processo Administrativo”);

n)           Teor do Despacho de 23 de Janeiro de 2019, do Director Nacional da P… (fls. 16 e 17 do “Processo Administrativo”);

o)           Teor do Despacho n.º 20/2019-SEC/DN, de 27 de Maio de 2019, do Director Nacional Adjunto da P… (fls. 18 do “Processo Administrativo”);

p)           Teor do Despacho n.º 48/2019-SEC/DN, de 9 de Dezembro de 2019, do Director Nacional da … (fls. 20 a 23 do “Processo Administrativo”);

q)           A proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2021 apresentada pelo Governo à Assembleia da República não previu nenhuma rúbrica para regularização do Subsídio de Risco da P… referente ao período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017.

Não se provou a seguinte factualidade:

1)            Que a P…, no quadro das suas competências, sempre processou as remunerações dos seus trabalhadores de acordo com a legislação vigente.

*

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e com o Processo Administrativo e não impugnados, quanto aos factos considerados provados sob as alíneas a) e b) (Doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial); sob a alínea c) e i) (Doc. n.º 3/1 a 138, junto com a Petição Inicial); sob a alínea d) (Doc. n.º 4 junto com a Petição Inicial); sob a alínea e) (Doc. n.º 5 junto com a Petição Inicial); sob a alínea f) (Doc. n.º 6 junto com a Petição Inicial); sob as alíneas j) a p) pelos documentos juntos com o “Processo Administrativo” mencionados em cada uma dessas alíneas.

Quanto aos factos considerados provados sob as alíneas g), h) e q), a convicção do Tribunal resultou da sua admissão por acordo das partes, face à sua alegação na Petição Inicial e à sua não impugnação na Contestação.

No que respeita ao facto considerado não provado, a convicção do Tribunal resultou, em primeiro lugar, da falta de oferecimento de prova nesse sentido e, em segundo lugar, da sua incompatibilidade com os factos considerados provados sob as alíneas c), n) e p).

 

ii)            Do Direito

Apreciemos agora as questões decidendas supra identificadas. A primeira é a de saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito à actualização do valor do Subsídio de Risco no período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017, por aplicação do disposto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro.

Nos termos do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, os funcionários ao serviço do Demandado têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal, sendo que, para os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança têm direito a Suplemento de Risco fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de agente de investigação criminal [cfr. n.ºs 1, 3 e 4 do citado artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 119.º do citado Decreto-Lei].

O mencionado Suplemento de Risco é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência [n.º 7 do mesmo artigo 99.º].

Apesar de o Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, ter sido revogado pelo artigo 179.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, sucede que, por força do artigo 91.º e do n.º 3 do artigo 161.º deste Decreto-Lei, o pessoal dirigente e o restante pessoal ao serviço do Demandado mantém o direito a auferir o Suplemento de Risco nos termos vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, até à aprovação do novo sistema remuneratório.

Tal regime remuneratório não foi publicado, pelo que permanece em vigor o disposto no citado artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro.

No que espeita ao racional destes suplementos de risco, bem como das condições da sua atribuição, dá-se aqui por reproduzido o que se decidiu no Processo n.º 17/2017-A do CAAD: “Ao contrário do regime geral dos suplementos por risco na relação jurídica de emprego público, em que o risco tem que ser efetivo, aqui a regra é o subsídio de risco seguir o ónus da «função»”.

O legislador entendeu   que o ónus das funções das carreiras do grupo de pessoal de investigação criminal, bem como do pessoal das telecomunicações, oferece um risco maior, pelo que, para este grupo, consagrou a taxa de subsídio maior, de 25%, conforme n.ºs 3 e 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro.

E foi este Subsídio de Risco que foi sendo processado ao Demandante, no valor de € 390,63 mensais, como se vê dos boletins de vencimento que constituem os Doc. n.º 3/1 a 138, embora nestes se refira o subsídio como sendo do valor correspondente à categoria de Inspector. E, como se vê do Despacho n.º 20/2019-SEC/DN, em vez desse valor, deveria ter sido processado e paga a quantia de € 402,43. De resto, é isto que resulta do artigo 6.º da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, segundo o qual, «Os suplementos remuneratórios não mencionados na presente portaria são actualizados em 2,9 %».

Deste modo, ao contrário do sucedido com outros casos apreciados no CAAD, no caso vertente não se suscitam, sequer dúvidas sobre o montante que seria devido ao Demandante, pois sabe-se o montante que foi pago e o próprio Demandado reconhece, em documentos oficiais, qual o valor que deveria ter sido pago.

Também ao contrário do sucedido com outros casos apreciados no CAAD, não se suscita nem se discute no presente caso, a questão dos congelamentos do Subsídio de Risco anteriores a 2010.

Como se lê da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 117/2020-A:

«A partir de 2010 […] cessaram quaisquer restrições legais ao pagamento do suplemento de risco, subsídio de turno e trabalho extraordinário passando o respetivo pagamento a regular-se exclusivamente pelo disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.

Com efeito e citando novamente a Decisão Arbitral prolatada no Proc. n.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.

O regime relativo à actualização dos suplementos da Lei 64-A/2008, de 31.12, destinou-se a ter vigência apenas para esse ano. O art. 22º desta lei refere-se expressa e inequivocamente à «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», de resto acompanhando nesta parte o princípio da anualidade da lei do orçamento (art. 106º/1 da CRP) o que significa que em 01 de Janeiro de 2010 cessou a vigência da norma, regressando, a partir daí, a situação ao regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogada. A Portaria 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008 não poderia exceder o âmbito da mesma, sob pena de ilegalidade e nulidade. Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2009 a vigência do regime excepcional e temporário a partir de 2010 os suplementos deveriam ser processados na íntegra e pagos em montantes que tenham por base a remuneração-base e índices da tabela remuneratória em vigor, segundo o regime normal.”

Ora, circunscrevendo-se o pedido dos Demandantes ao pagamento do suplemento de risco, subsídio de turno e trabalho extraordinário dos respetivos ao período posterior a 1 de janeiro de 2010, dúvidas não restam quanto à sua contabilização exclusivamente com base no regime constante do acima transcrito art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro».

Veja-se, ainda, a propósito deste assunto e no que toca à dúvida de saber se o pessoal ao serviço da unidade ou sector de Telecomunicações e Informática deve auferir o referido suplemento no valor previsto no n.º 4 do citado artigo 99.º, o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 17 de Dezembro de 2020, proferido no Processo n.º 115/19.1BCLSB, em que foi Relatora a Exma. Desembargadora Sofia David, assim sumariado:

«III - A partir da estrutura orgânica das várias unidades da Polícia Judiciária (PJ), designadamente a partir da estrutura da Unidade de Telecomunicações e Informática (UTI) não é possível distinguir e delimitar diferentes tipos de serviços, de estruturas, que se distingam em função de também diferentes “áreas funcionais”;

IV- Na UTI existe apenas uma área funcional, que abarca as competências de apoio à investigação criminal relacionadas com os sistemas de telecomunicações e informática, áreas que são tratadas pelo legislador de forma paralela, interligada ou interconexa;

V - Não se distinguindo na estrutura da PJ e dentro da UTI uma área funcional de telecomunicações e outra de informática, não há que restringir o suplemento de risco que vem previsto no art.º 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 295/A/99, de 21/09, apenas a uma parte dos trabalhadores dessa Unidade, designadamente aos trabalhadores que exercem funções relacionadas com os sistemas de telecomunicações, deixando de fora aqueles que exercem funções relacionadas com sistemas de informática;

VI – Os especialistas-adjuntos que desempenham funções na UTI têm um conteúdo funcional alargado, ou genérico, pois as suas funções podem abranger quer a área de sistemas de informação, quer de sistemas de telecomunicações;

VII - Considerando a indistinção legal das competências adstritas à UTI na área das telecomunicações e da informática, associado a um inespecífico conteúdo funcional da carreira de especialista-adjunto e à interpenetração entre essas duas áreas, deve-se concluir que que todos os trabalhadores da UTI que exercem funções em tal carreira no âmbito da UTI têm direito ao suplemento de risco que vem previsto no art.º 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 295/A/99, de 21/09».

Veja-se, também, o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 29 de Setembro de 2019, proferido no Processo n.º 145/17.8BCLSB, em que foi Relatora a Exma. Desembargadora Ana Celeste de Carvalho, assim sumariado:

«II. Os trabalhadores com a categoria de Especialista Auxiliar, que integram o pessoal de apoio à investigação e de Assistente Operacional, que integra o pessoal operário e auxiliar, colocados na Unidade de Telecomunicações e Informática, na Área de Equipamentos e Sistemas Especiais, Grupo Forense de Perícias Informáticas, da Polícia Judiciária, têm direito à atribuição do suplemento de risco dos trabalhadores da Polícia Judiciária previsto no artigo 99.º, n.º 4 do D.L. n.º 295-A/90, de 21/09, mantido em vigor por força dos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, ambos do D.L. n.º 275-A/2000, de 09/11, por não se introduzida qualquer diferenciação entre pessoal das telecomunicações e da informática.

III. Existe um tratamento unitário como apenas uma área funcional, sem qualquer distinção funcional no artigo 17.º do D.L. n.º 42/2009, de 12/02 e na Instrução Permanente de Serviço n.º 1/2015».

Os suplementos remuneratórios são devidos deste a data de início das funções que justificam a sua atribuição e esta mantém-se enquanto se mantiver o exercício de tais funções (n.ºs 1 e 2 do artigo 145.º, artigos 146.º, 159.º, 172.º e 173.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e, antes desta, artigos 66.º, 67.º e 73.º da Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações, conjugados com os artigos 217.º e 218.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas). No caso vertente, o Subsídio de Risco é devido ao referido valor mensal de € 402,43 desde o dia 1 de Janeiro de 2010, na medida em que o Demandante exerce as indicadas funções desde 15 de Fevereiro de 2006.

É, pois, cristalino que o Demandante deveria ter auferido um Subsídio de Risco no valor de € 402,43 mensais e não apenas no valor de € 390,63 que em certos meses lhe foi pago, ou sobre cujo valor foi calculado o montante do suplemento remuneratório efectivamente pago noutros meses, após aplicação de descontos legais.

Por isso, assiste ao Demandante o direito ao pagamento das correspondentes diferenças, no período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017, pois comprovadamente não auferiu o valor correcto nesse período e a situação foi regularizada após esta data mais recente. O Demandado omitiu, por conseguinte, a prática do acto devido, que é o mencionado pagamento.

Por este motivo, o valor da condenação do Demandado deverá corresponder à diferença entre o montante abonado entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2017 e aquele que deveria ter sido liquidado nesse mesmo período, nos termos do preceituado no artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, sem prejuízo dos descontos legais que ao caso couberem.

Estão em causa 96 meses de diferenças ao valor máximo de € 11,80 mensais, sem prejuízo do recálculo dos valores pagos em alguns meses, em que houve lugar a descontos legais com base em € 390,63, quando deveriam ter sido feitos com base em € 402,43. Por isso, o valor máximo que, a título principal, o Demandado terá de ser condenado a pagar ao Demandante é de € 1.132,80, sem prejuízo dos referidos acertos, a liquidar em execução de sentença (dada a impossibilidade de o fazer nesta sede), pelo que este pedido apenas parcialmente procede.

*

A segunda questão a apreciar é a de saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente do não pagamento atempado do Subsídio de Risco no valor devido.

Como é sabido, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas depende da demonstração dos requisitos cumulativos de que a mesma depende: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.

Nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, «A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor».

Ora, sem curar de saber se estão preenchidos os demais requisitos, é inequívoco que, ao menos, faltará o requisito da culpa, pois ficou demonstrado que a Direcção Nacional da P… diligenciou junto da Tutela pela obtenção de autorização financeira para regularização dos anos anteriores a 2018 e que, faseadamente, regularizou os anos de 2019 e 2018. Tendo em consideração os elevados valores em jogo para a regularização dos valores devidos ao universo dos trabalhadores afectados, parece que não seria de exigir maior diligência do que aquela que foi adoptada – cfr. MARIANA MELO EGÍDIO, “Artigo 10.º (Culpa)”, in O regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas: comentários à luz da jurisprudência, CARLA AMADO GOMES, RICARDO PEDRO, TIAGO SERRÃO (Coords.), Lisboa, 2017, AAFDL, pp. 587 e ss –, pois – embora tal não retire a ilicitude da omissão de pagamento – não se vê como é que, sem um reforço orçamental, seria possível ao Demandado fazer face ao encargo correspondente.

Tanto basta para votar ao insucesso a pretensão do Demandante, pelo que improcede este pedido.

*

A terceira questão a apreciar é a de saber se são devidos juros moratórios ao Demandante.

Conforme foi decidido no Processo n.º 45/2014-A do CAAD:

«A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (cf. art. 804.º do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). O devedor fica constituído em mora a partir da data do vencimento se a obrigação tiver prazo certo (cf. art. 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; o art. 173.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e o art. 218.º, n.º 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Os juros devidos são os juros civis legais (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), atualmente de 4% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril (cf. art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao valor do suplemento acresce, portanto, ainda os respetivos juros de mora, à taxa de juro legal, sucessivamente em vigor, ou seja, à taxa de 4% até à presente data sem prejuízo de outra taxa que, entretanto, venha a vigorar, a contar das datas do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento da dívida».

Os juros moratórios devem ser calculados à taxa legal em vigor de 4%, sobre o capital em dívida ao Demandante, desde o dia em que, em cada mês, devia ter sido pago o valor correcto do Subsídio de Risco (€ 402,43 ou outro valor, legalmente descontado, com base neste montante) até à data da entrada no CAAD da petição inicial dos presentes autos – 14 de Dezembro de 2020. A estas importâncias acrescerão ainda os juros de mora desde a data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos até efetivo e integral pagamento, à mesma taxa legal de 4%.

Termos em que se considera procedente o pedido de condenação no pagamento pelo Demandado ao Demandante dos juros moratórios, calculados sobre as quantias em dívida, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

*

A quarta e última questão que importa apreciar é a de saber se o Demandado litigou de má-fé e, em caso afirmativo, quais as respectivas consequências.

Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, quando litigue de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, entendendo-se por litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; praticado omissão grave do dever de cooperação; feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Compulsada a Contestação e as Alegações Escritas do Demandado, é certo que o mesmo invocou excepções – como a incompetência material do Tribunal Arbitral, a litispendência e o caso julgado –, bem como alegou o correcto processamento de vencimentos, cuja falta de fundamento não deveria ignorar. Todavia, não estamos convencidos de que essa actuação, embora censurável, tenha ficado a dever-se a dolo ou a negligência grave. Importa ainda salientar que o Demandante também não alegou na sua Réplica qualquer facto que pudesse conduzir à prova do requisito de imputação subjectiva do facto ao Demandado.

Nestes termos, improcede o pedido de condenação do Demandado como litigante de má-fé.

 

iii) Do valor da causa

O Demandante atribuiu à presente causa o valor de € 1.255,04, que corresponderia à soma das diferenças salariais computadas. O Demandado não se opôs ao valor da causa oferecido pelo Demandante.

Nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CPTA, o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido. Conforme vimos referindo, o Demandante formulou três pedidos, sendo o primeiro o do pagamento das diferenças salariais, o segundo o da condenação por responsabilidade civil e o terceiro o do pagamento dos juros moratórios.

Nos termos do n.º 7 do artigo 32.º do mesmo Código, quando sejam cumulados na mesma acção vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma do valor desses pedidos.

Ora, no que toca ao primeiro pedido, o Demandante pretende obter o pagamento de uma quantia certa. Por este motivo, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do mesmo Código, o valor da causa deverá ser a quantia de € 1.132,80, valor máximo das diferenças salariais devidas.

Quanto ao segundo pedido e por aplicação dos mesmos preceitos legais, como o Demandante pediu uma indemnização no valor de 20% das quantias devidas por virtude das diferenças referentes ao Subsídio de Risco, segue-se que o valor da causa deverá ser € 226,56.

No que respeita ao terceiro pedido, como o mesmo é formulado a título acessório e não se mostram liquidados nem sequer os juros vencidos, não há lugar à fixação do respectivo valor.

Assim, deverá fixar-se à causa o valor de € 1.359,36, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º e dos n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º do CPTA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

IV - Decisão

Face às considerações que antecedem, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a)            Condenar o Demandado pagar ao Demandante as diferenças salariais correspondentes à diferença entre o valor do Subsídio de Risco efectivamente pago, que teve por base o valor mensal de € 390,63, e o valor devido, que devia ter tido por base o valor mensal de € 402,43, referentes ao período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2017, a liquidar em execução de sentença, com um máximo total ilíquido, isto é, sujeito a descontos legais, de € 1.132,80;

b)           Absolver o Demandado do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização no valor de 20% dos valores devidos nos termos da alínea anterior, a título de responsabilidade civil extracontratual do Estado;

c)            Condenar o Demandado no pagamento ao Demandante dos juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde do momento em que deveria ter sido pago cada valor mensal do Subsídio de Risco, e calculado sobre o valor correcto, em conformidade com o decidido em a), até integral pagamento.

Fixa-se à causa o valor de € 1.359,36. A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. Os encargos são suportados por Demandante e Demandado nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

Registe, notifique e publique.

 

CAAD, 26 de Maio de 2021

O Árbitro,

 

(Aquilino Paulo da Silva Antunes)