SUMÁRIO:
I-A fundamentação de toda e qualquer decisão administrativa, mais simples ou complexa, de acordo com o caso concreto sobre a qual recaiu, implica da parte do titular do órgão decisor que a profere e por ela é responsável, um discurso justificado e coerente que esteja suportado em raciocínio explicativo motivado de modo claro, coerente e suficiente.
II-Esse raciocínio fundamentado deve ser exteriorizado em todos os tipos de atos administrativos potencialmente lesivos, nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo (CPA), sendo essencial para se tornar compreensível e possível o exercício e o controlo da legalidade e da adequada juridicidade da atividade administrativa.
Sem essa exteriorização não há verdadeira fundamentação do ato administrativo, não se cumprindo o disposto no n.º 3 do artigo 268.º “Direitos e garantias dos administrados” da Constituição da República Portuguesa (CRP).
III-A jurisprudência vem sustentando de modo unânime que uma decisão administrativa se encontra fundamentada quando um destinatário normal possa ficar ciente e tomar consciência do sentido e das razões que a justificam, não interessando conhecer quaisquer e todos os motivos da decisão, tão só os seus motivos determinantes, isto é, os motivos de facto e de direito sem cuja valoração o órgão administrativo decisor não teria decidido como decidiu, não devendo essas razões, por norma, traduzir-se em apreciações genéricas, que, no fundo, acabam por servir de “camuflagem” do cumprimento do dever de fundamentação.
IV-Sucede que a violação do dever de fundamentação constitui um dos mais frequentes vícios do ato administrativo.
V- No caso presente não se afigura possível e compreensível detetar e reconstituir esse raciocínio justificativo pelo que o ato impugnado padece de vício de forma por falta de fundamentação, bem como do vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da igualdade constante do artigo 13.º CRP e do artigo 6.º do CPA, que consistiu, na situação em apreço, em ser dado tratamento discriminado desfavorável ao Demandante.
VI-Quando um assunto é levado à consideração superior, do dirigente máximo do serviço, para se proferir a resolução final e fundamentada, nos termos propostos, o despacho nele exarado que apresente o teor “Visto. Homologo a presente Informação” deve ser entendido como significando a adoção integral da resolução proposta, por inexistência de qualquer alternativa legal, que seja explicativa e razoável da atitude do superior hierárquico.
VII-Constitui praxis administrativa reiterada e sistemática a emissão de despachos pelos Serviços da Administração Pública do seguinte teor: "Concordo", “Visto”, “Homologo”, “Cumpra-se”, que sendo exarados nas Propostas/Informações/Pareceres que lhe estão subjacentes, os absorvem integralmente, traduzindo-se em verdadeiras resoluções destinadas à produção de efeitos jurídicos.
DECISÃO ARBITRAL
I-Relatório
I-Identificação das partes e objeto do litígio
A) – A..., Contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, detentor de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, com a categoria de Técnico superior , da carreira Técnica superior, integrado, presentemente, no Mapa de Pessoal da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) exercendo as suas funções no respetivo Gabinete ... (...) doravante designado, abreviadamente, Demandante apresentou requerimento para a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, através da qual, o Ministério da Justiça (MJ), vinculou à jurisdição do CAAD os seus serviços e entidades nela melhor indicados, para submeter a litígio esta relação jurídica de emprego público,
Contra:
Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), doravante designada, abreviadamente, Demandada, aqui representada pela Secretaria- Geral do Ministério da Justiça pessoa coletiva n.º 600017613, com sede na Rua do Ouro, n.º 6, 2.º, 1149-019, Lisboa com demais sinais dos autos, pedindo que seja declarado inválido por este Tribunal arbitral, o Despacho do Senhor Diretor Geral da DGRS, de 14.05.2020, que se encontra exarado na Informação n.º .../... /2020, de 6 de abril de 2020, nos seguintes termos:
a) “ Declarar anulabilidade parcial, nos termos do disposto no artigo 163, n.º1 do CPA do Despacho do Senhor Diretor Geral da DGRSP de 14/05/2020, exarado na Informação n.º .../.../2020, na parte que não atribui aos trabalhadores do ..., o suplemento de ónus de função, por vício de violação de lei, em concreto, do artigo 67.º n.º 6 do capítulo V do Decreto-Lei n.º 204-A-2001 de 26.07, aplicável ex vi do artigo 36.º do Decreto Lei n.º 215/2012, bem como por violação do princípio da igualdade, proteção da confiança, da boa-fé e por vício de forma, por falta de fundamentação;
b) Proceder ao reconhecimento do direito ao recebimento do suplemento de ónus de função dos trabalhadores em exercício de funções no ..., tal como foi reconhecido a todos os trabalhadores das unidades orgânicas do DGRSP referidos no ponto 4 da Informação n.º .../... /2020 e referido no Despacho de 14.05.2020.
c) “ Proceder ao reconhecimento do direito ao suplemento de ónus de função do Demandante pelo exercício de funções no ... desde outubro de 2012 , até à presente data a que acresce , data da criação da DGRSP, até à presente data a que acresce, portanto, ainda, os respetivos juros de mora (…)”
O Demandante juntou documentos e juntou comprovativo do pagamento dos encargos processuais.
Atribuiu à causa o valor de € 30 000, 01, (trinta mil euros e um cêntimo).
B) Regularmente citada a Entidade Demandada apresentou a sua Contestação, em devido tempos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º do NRAA, na qual se defendeu por Exceção e por Impugnação tendo propugnado pela total improcedência do pedido apresentado pelo Demandante, do seguinte modo:
Por EXCEÇÃO a Demandada invocou a:
i) Exceção dilatória de Incompetência do CAAD.
Por entender que se verifica a incompetência absoluta do CAAD para dirimir o presente litígio, atento o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.
ii) Exceção dilatória de falta de constituição de mandatário judicial. Falta de constituição de advogado ou representante legal pelo Demandante, que se encontra prevista alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º e n.º1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
A Demandada no ponto V “Necessidade de representação, do artigo 15.º da sua Contestação alega que “ O interessado apresenta-se à lide por si” adiantando no artigo 16.º “ Saberá o interessado que, nos termos do direito constituído, é obrigatória a constituição de mandatário, ou seja, advogado, ex vi do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA e do n.º 1 do art.º 40.º do CPC”
iii) Exceção dilatória de caducidade do direito de ação prevista na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º e 59.º do CPTA.
Entende a Demandada no artigo 56.º da Contestação que: “Ora, de acordo com jurisprudência reiterada os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como casos decididos se não forem objeto de atempada impugnação (…) e que “Assim sendo, enquanto atos administrativos, estes atos são suscetíveis de impugnação no prazo de 3 meses.”
Todas as exceções dilatórias deduzidas pela Demandada supra elencadas nos pontos i), ii) e iii), a serem reconhecidas pelo Tribunal, implicam que o mesmo não possa conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)
Por IMPUGNAÇAO alegou a Demandada:
Impossibilidade de confissão pela Demandada.
A Demandada não pode confessar o articulado pelo Demandante nos artigos 13.º e seguintes da petição inicial (p. i.) face ao disposto no artigo 352.º do Código Civil, uma vez que alega no artigo 62.º “ Tanto mais porque a informação n.º .../.../2020 foi elaborada pelo próprio A., que evidencia falta de cumprimento do princípio da imparcialidade a que se refere, designadamente, o art.º 9.º do Código do Procedimento Administrativo” adiantando no artigo 63.ª “ Efetivamente, do modo como o A. construiu a lide, tal implica a consideração em como as circunstâncias referidas pelo A. e que foram inteiramente por si elaboradas, encontrando-se o A. em causa própria de ambos os lados do procedimento e do processo.”
Entende a Demandada no artigo 67.º que “O tema da lide tem a ver, essencialmente, com interpretação de normas e matéria de direito aplicável a remunerações, no caso, suplementos ( cfr. Art.s 13.º e segs. bem como o petitório, a final da P.I”
Alega no artigo 80.º “(…) Não assiste razão ao A. na interpretação que faz de enunciados normativos, sobretudo, na sua pretensão e desconhecida aplicação ao A.” concluindo, no artigo 81.º “ Pelo que, fica impugnada, por ser contrário à interpretação dos enunciados legais, toda a P.I.”
A Demandada alega que “(…) não identifica qualquer vício no ato objeto dos presentes autos, designadamente, as invocadas genericamente -ilegalidades (…)” sustentando também que não existe falta de fundamentação por que “os atos de homologação dados pelos superiores hierárquicos não carecem de fundamentação, nos termos do n.º 2 do art.º 152 do Código do Procedimento Administrativo.”
A Demandada defende que “(…) Também não se deteta evidência da, pretendida, anulação parcial, reconhecimento do direito do suplemento de ónus de função, como vem peticionado, a final da P.I.”
Por fim, e sobre o valor atribuído à causa pelo Demandante alega “que não se deteta na P.I. o conjunto de operações materiais que permitem ao A. alcançar esse valor de € 30 000,01” aceitando este valor no artigo 102.º
A Demandada informou que não existe processo administrativo, razão pela qual não o apresenta, não sendo possível, consequentemente, dar cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 12.º do NRAA.
Juntou Despacho de designação de mandatários judiciais
Juntou comprovativo de pagamentos dos encargos processuais.
C) O Demandante apresentou a sua Réplica, de acordo com o disposto no artigo 85.º-A do CPTA, na qual propugnou pela improcedência das exceções dilatórias invocadas.
Sucede que, neste articulado o Demandante ultrapassou o âmbito legalmente admissível da resposta às exceções, nos pontos “VII Impossibilidade de confissão Artigos 61.º a 66.º da Contestação” , “VIII Impugnação Artigos 67.º a 94.º da Contestação” e “XI O Valor da causa-Artigos 97.º a 102.º da Contestação”, que se destina e serve apenas “para o autor responder, por forma articulada, às exceções deduzidas na contestação” n.º 1 do artigo 85.º-A “ Réplica e Tréplica” do CPTA , motivo pelo qual o Tribunal decide que serão desconsiderados os pontos VII, VIII e IX, da Réplica mantendo-se válida a demais argumentação apresentada pelo Demandante.
O Demandante apenas poderia responder à Impugnação da Demandada, se a demanda consistisse numa ação de simples apreciação negativa , nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 85.º-A do CPTA.
Findos os articulados das partes, foi proferido Despacho inicial, em 26.11.2020, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 18.º do NRAA convidando-se o Demandante a vir informar e esclarecer o Tribunal arbitral nas seguintes matérias:
1-Considerando que a Petição Inicial (p. i.) vem acompanha de 2 anexos e foram listados e numerados Documentos 1,2,3,4,5 e 6 constatou-se que não existia no procedimento arbitral documento 5, solicitando-se esclarecimento par apurar se se tratou de lapso na numeração, ou se existe um documento 5 que o Demandante pretenda agora apresentar;
2-Considerando que o Demandante peticiona ao Tribunal que lhe reconheça e abone o suplemento de ónus de função, desde o ano de 2002, até à presente data, acrescido de juros legais, situação que configura um pedido de pagamento de quantia certa, convidou-se o Demandante a indicar o valor concreto do seu pedido, atento o disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 10.º do NRAA;
3-Por fim, perguntou-se ao Demandante se pretende admitir recurso jurisdicional para o Tribunal estadual competente, se se verificarem os requisitos legais, exigíveis para tanto, da decisão arbitral que vier a ser proferida neste processo.
O Demandante apresentou requerimento, no qual respondeu a todas as questões colocadas no Despacho supra indicado, da seguinte forma:
O Documento 5 em referência, não está na sua posse, e corresponde a um ficheiro Excel com uma listagem de trabalhadores da DGRSP, “cuja divulgação poderia acarretar problemas a nível de proteção de dados pessoais.”
Atenta esta explicação do Demandante, o Tribunal declara, que não existe nem nunca neste processo arbitral, Documento 5 apresentado pelo Demandante.
Em relação ao valor da causa declarou que recorreu ao critério supletivo fixado no n.º2 do artigo 34.º do CPTA para valores indetermináveis por se tratar “ utilidades, posições jurídicas ou interesses insuscetíveis de avaliação económica ou pecuniária direta ou imediata”
Sobre o valor da causa, cumpre referir que A Demandada questiona e discute este valor na Contestação, por alegar que não “deteta na P.I. o conjunto de operações materiais que permitem ao A. alcançar esse valor de € 30 000,01”, mas aceitou este valor como foi já referido supra.
Cumpre decidir:
O Tribunal entende, considerando a explicação feita pelo Demandante de que o pagamento do ónus de função peticionado, não resulta de cálculo arimético simples, sendo certo que o seu pedido abrange um período temporário longo, com início em outubro de 2012, até ao momento presente, que se revela difícil de expressão remuneratória imediata, direta, sendo, também referido pela Demandada no art.º 76.º “ Quantum esse sobre o qual -como o A. bem saberá-existirem reduções remuneratórias decorrentes de normativos legais, designadamente, em sequência do Programa de Assistência Económica e Financeira 2011-2014, as quais se prolongaram no tempo para além do de ano de 2014.”
Nestes termos, atenta a posição das partes, e devidamente considerada toda a situação, o Tribunal aceita e declara que a causa tem o valor de 30 000,01, (trinta mil euros e um cêntimo) e que competirá, se for caso disso, aos competentes Serviços de Recursos Humanos/Financeiros da Demandada determinar o quantum exato devido, preciso, procedendo às operações e cálculos necessários para abonar o valor do pedido peticionado pelo Demandante.
Considerando a tomada de posição no ponto 6 pelo Demandante na sua resposta ao Despacho arbitral, em que admite a interposição de recurso, e no artigo 13.º da Contestação por banda da Demandada, em que se assume posição idêntica, o Tribunal determina nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do NRAA que caberá recurso desta Decisão Arbitral nos termos legalmente previstos.
Foi proferido Despacho, de 26.11.2020, para a Demandada vir esclarecer se pretende apresentar o Documento 1, que corresponde à Decisão Arbitral n.º 1294/2019-A, que alegou ter apresentado na Contestação, não o tendo, contudo, feito.
A Demandada através de requerimento, de 27.11.2020, apresentou esta Decisão arbitral, requerendo a sua junção aos autos.
O tribunal admitiu a junção deste documento aos autos, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 21.º do NRAA.
Foi proferido o Despacho, de 11.12.2020, dirigido às Partes para indagar se não se opõem a que com base no n.º 4 do artigo 18.º do NRAA o Tribunal conduza o processo com base na prova documental produzida, visando-se, deste modo, a adoção , nestes autos, de um mecanismo de adequação formal simplificação e de agilização processuais que implicam a dispensa da produção de prova testemunhal, sendo o processo conduzido apenas com base na prova documental apresentada, com dispensa de realização de audiência de julgamento e dispensa de produção de alegações finais
As Partes declararam nada ter a opor a que o presente processo arbitral seja conduzido com base na prova documental produzida.
O tribunal decide que o processo arbitral será conduzido com base na prova documental produzida, e nos restantes elementos juntos ao processo.
Finalmente, foi proferido Despacho, em 13.04.2021, por o Tribunal se ter apercebido, nesta data, de que a Contestação não se encontrava assinada pelo mandatário, pelo que foi a Demandada convidada a apresentar a mesma Contestação, oportunamente apresentada, devidamente assinada a fim de prevenir a arguição futura de alegadas irregularidades formais.
Foi apresentado o mesmo articulado, em 14 de abril de 20121, assinado digitalmente pelo mandatário judicial da Demandada, tendo o Tribunal aceitado a sua junção aos presentes autos.
O Tribunal Arbitral singular foi constituído, em 13 de novembro de 2019, com a aceitação do encargo efetuado pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
Saneamento do processo
Cumpre agora apreciar e decidir, uma a uma, as exceções dilatórias invocadas pela Entidade Demandada.
1) Incompetência do CAAD para dirimir o presente litígio.
Cumpre referir, antes de mais, que o Tribunal arbitral pode apreciar e decidir sobre a sua própria competência nos termos do disposto no artigo 18.º da Lei da arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, (LAV) ex vi do disposto no artigo no n.º2 do artigo 26 do NRAA e do n.º 1 do artigo 181.º do CPTA.
Dispõe o n.º 1 do artigo 18.º da LAV, com a epígrafe “Competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua competência” que “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”
Este preceito legal acolhe o a regra designada como da Kompetenz-Kompetenz segundo a qual, o Tribunal arbitral é competente para apreciar a sua própria competência.
Verificando-se, assim, que o Tribunal arbitral é competente para decidir a questão cumpre referir o seguinte:
A Demandada alegou que se verifica a incompetência absoluta do CAAD para dirimir o presente litígio, face à Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, na medida em que “ Acontece que, tendo o A. definido como objeto da ação matérias atinentes ao suplemento pelo ónus de função” art. 29.º“ tanto mais que é consabido que é consabido que a alínea s) do n.º 2 do art.º 1.º da Portaria n.º 1120/2009, estabelece três situações, em matéria de questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, relativamente às quais o CAAD não pode decidir, a saber:
-quando estejam em causa direitos indisponíveis;
Quando resultem de acidente de trabalho; ou
Doença profissional;”
Vejamos:
É admissível a constituição do Tribunal Arbitral, sem prejuízo do disposto em lei especial, para, dirimir conflitos respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional, de acordo com o que estatui a alínea d) do n.º1 do artigo 180.º do CPTA epigrafado “Tribunal arbitral”.
O (MJ)/DGRSP vinculou-se à jurisdição arbitral do CAAD, através Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, com exceção de litígios atinentes às carreira de Inspeção da Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça, de investigação criminal da Polícia Judiciária e do pessoal do corpo da Guarda prisional da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, tendo por objeto matéria relativa a remunerações e suplementos, de acordo com o estatuído na alínea c) do nº3 do artigo 1.º da supra citada Portaria.
Sucede que o Demandante não é trabalhador de nenhuma daquelas carreiras, sendo trabalhador em funções públicas, detendo contrato em funções públicas, por tempo indeterminado, integrado na carreira geral Técnica Superior, como se assinalou na antecedentes notas de fim de página 1 e 2.
O Demandante integra a carreira técnica Superior, não se encontrando integrado em nenhuma daquelas carreiras.
A competência do tribunal pressupõe antes de mais a arbitrabilidade do litígio (cujo objeto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem) bem como a existência de convenção de arbitragem válida e eficaz celebrada entre as partes e a regular constituição de Tribunal arbitral.
Nestes termos, a competência material do CAAD para dirimir este litígio é aferida em função do disposto artigo 3.º dos seus Estatutos, no Despacho n.º 5880/2018, de 15 de junho, do artigo 18.º da LAV e do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 180.º e 187.º do CPTA.
O CAAD tem, por objeto, entre outros, a resolução de litígios respeitantes às relações jurídicas de emprego público.
Discute-se, nos presentes autos, a existência, ou não, por parte do Demandante do direito ao suplemento de ónus de função correspondente a uma parte menor da sua remuneração, verificando-se que não se ultrapassa 1/3 da mesma, encontrando-se esta parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador, como dispõe o art.º 175.º “Insusceptibilidade de cessão de créditos laborais” da Lei da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, LGTFP.
Neste sentido, pode consultar-se a Decisão n.º 1297/2019-A do CAAD, Tema “Emprego público-Suplemento de risco-Artigos 99.º-3 e 4, do DL 295-A/9 e 156.º-1 do DL 275-A/2000”, de 3 de março de 2020, subscrita pelo Coletivo de Árbitros José Falcão, Filipe Carvalho e Miguel Lucas Pires, que considerou que “ (…) Na verdade, o que o legislador quis decididamente subtrair à jurisdição do CAAD foram, como se viu supra, por um lado os litígios relativos a remunerações e suplementos de funcionários da carreira de investigação criminal e, por outro lado, todos os litígios tendo por objeto direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis (…)
Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima, de acordo com o disposto no artigo 738.º do Código de Processo Civil.”
No mesmo sentido pode consultar-se a Decisão arbitral n.º 82/2015, “ Suplemento de risco” do CAAD, de 8 de janeiro de 2016, proferida pela Árbitro Mariana Melo Egídio.
O Tribunal julga, consequentemente, improcedente esta exceção pelos motivos supra expostos.
Exceção dilatória de falta de constituição de mandatário judicial. Falta de constituição de advogado ou representante legal pelo Demandante, situação regulada na alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º e n.º1 do artigo 11.º do CPTA
O Demandado no ponto V “Necessidade de representação, artigo 15.º da sua Contestação alega que “ O interessado apresenta-se à lide por si” adiantando no artigo 16.º “ Saberá o interessado que, nos termos do direito constituído, é obrigatória a constituição de mandatário, ou seja, advogado, ex vi do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA e do n.º 1 do art.º 40.º do CPC”
Cumpre apreciar:
A matéria respeitante ao processo arbitral encontra-se regulada no artigo 181.º “ Constituição e funcionamento” do CPTA cujo n.º 1 dispõe que “ O tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem voluntária, com as devidas adaptações.”
Tiago Serrão “Arbitragem Administrativa: direito constituído e direito a constituir” Comunicação realizada no XX Seminário de Justiça Administrativa, dais 5 e 6 de julho de 2019, considera que “Para além do CPTA, releva, por expressa remissão do mesmo, a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV). É assim em matéria de constituição e funcionamento dos tribunais arbitrais administrativos. ( cfr o art.º 181.º do CPTA) e é ainda o que sucede quanto à impugnação judicial das decisões arbitrais administrativas ( cfr o art.º 185-A, n.º1 do CPTA. Quer isto dizer que, quanto a aspetos essenciais da arbitragem administrativa a LAV revela-se fundamental.” negrito nosso)
Nestes termos, o Tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da LAV.
Vejamos as regras constantes do NRAA do CAAD:
Estatui artigo Art.º 10.º “Pedido de constituição de tribunal”:
“1-A parte que pretenda a constituição de tribunal no CAAD deve apresentar o seu pedido por via eletrónica, acompanhado do comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem, fazendo constar do requerimento: (sublinhado nosso)
a) A identificação das partes, de eventuais contrainteressados, domicílios ou sedes, endereços de correio eletrónico e contactos telefónicos”
Dispõe ao artigo12.º “Contestação e reconvenção” do NRAA:
“1. Recebida a petição inicial, o CAAD procede à citação do demandado e dos eventuais contrainteressados para contestarem no prazo de 20 dias, podendo ser deduzida reconvenção no mesmo prazo, adiantando o seu .º 5 “-Se tiver sido deduzida reconvenção, o demandante pode responder no prazo de 20 dias a contar da data da respetiva notificação.
Dispõe a LAV no seu artigo Art.º 33 da LAV “Início do processo; petição e contestação” ( sublinhado nosso)
1- (…) O demandante apresenta a sua petição, em que enuncia o seu pedido os factos em que se baseia.
2 - Nos prazos convencionados pelas partes ou fixados pelo tribunal arbitral, o demandante apresenta a sua petição, em que enuncia o seu pedido e os factos em que este se baseia, e o demandado apresenta a sua contestação, em que explana a sua defesa relativamente àqueles, salvo se tiver sido outra a convenção das partes quanto aos elementos a figurar naquelas peças escritas. As partes podem fazer acompanhar as referidas peças escritas de quaisquer documentos que julguem pertinentes e mencionar nelas documentos ou outros meios de prova que venham a apresentar.”
Constamos que, a LAV não exige a constituição de mandatário judicial, o mesmo sucedendo com o NRAA, em sede de Arbitragem Administrativa levada a cabo no CAAD, diferentemente do que sucede com a Arbitragem Tributária praticada sob a sua égide, como centro de Arbitragem institucionalizada.
Com efeito, a alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ( (RJAMT) que “ São de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos : As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais norma tributárias.”, ou seja, remete para o artigo 6.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, que estatui:
Artigo 6.º “Patrocínio judiciário e representação em juízo”
1 - É obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos na lei processual administrativa.
Neste sentido, a Decisão do CAAD, do Árbitro Ricardo Rodrigues Pereira, 28 de setembro de 2018, “Arbitragem Tributária Processo n.º 287/2018-T Tema IRC-Patrocínio judiciário-Constituição obrigatória de advogado. Indeferimento liminar” considerou na página 3 ponto 11 [“ O patrocínio judiciário, concretamente quando a constituição de advogado é obrigatória, consubstancia um pressuposto processual positivo, ou seja, é um dos “ requisitos cuja existência é essencial para que o Juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou improcedência da ação”]( Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio”]
Assim, considerou esta Decisão Arbitral, acertadamente, que a falta de patrocínio judiciário, nos casos em que a constituição de advogado é obrigatória , em sede de Arbitragem Tributária no CAAD, provoca os efeitos próprios da falta de um pressuposto processual respeitante às partes -o patrocínio judiciário-situação que configura uma exceção dilatória, não podendo o Tribunal conhecer do mérito do pedido.
Não é esse o caso dos presentes autos, em que, reitera-se, aprecia-se matéria relativa a relação jurídica de emprego público, inserida jurisdição Administrativa do CAAD.
De iure condendo, “A Lei de Arbitragem Administrativa Voluntária/Proposta de Articulado elaborada pelo Grupo de Trabalho sobre Arbitragem Administrativa, do Centro de Estudos Jurídico-administrativos do Conselho Regional de Lisboa, da Ordem dos Advogados” advoga a consagração dessa obrigatoriedade no n.º1 do seu artigo 9.º “ Patrocínio judiciário” que dispõe que : Sem prejuízo do disposto no número seguinte, nos tribunais arbitrais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.” (bold nosso)
Na doutrina pode consultar-se o estudo de Joana Granadeiro, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 79, Vol III, IV, julho/dezembro de 2019, “A Representação das Partes em Arbitragens Localizadas em Portugal”
Assim sendo, entende este Tribunal arbitral, que não se torna necessária a constituição de mandatário judicial nestes autos de Arbitragem administrativa, sob a égide do CAAD, na medida em que essa obrigatoriedade não existe nem no NRAA nem na LAV.
O Demandante, em conclusão, pleiteia por si, como parte, pessoalmente, não estando na lide como advogado em causa própria, já que o Tribunal não lhe solicitou nem o mesmo juntou prova de que tem inscrição válida e, em vigor, presentemente, na Ordem dos Advogados, de acordo com o disposto no n.º1 do artigo 61.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. (EOA).
Só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem praticar atos próprios da profissão e, designadamente, advogar em causa própria, nesse sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 03118/15.1BEBRG TAF, Braga, de 13 de janeiro de 2017, Relator Alexandra Alendouro que pontifica: “Só os advogados com a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem praticar atos próprios da profissão e, designadamente, advogar em causa própria, salvo as exceções previstas na lei (cfr., atualmente, o artigo 66º do EOA aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro).
A verdade é que a obrigatoriedade de cumprimento deste pressuposto processual relativo às partes (patrocínio judiciário) é estabelecido tendo em vista a proteção dos interesses da parte que litiga, não podendo a mesma operar como restrição do acesso da parte ao processo jurisdicional e à tutela jurisdicional efetiva princípios também assegurados em sede de jurisdição arbitral.
O Tribunal decide, consequentemente, que o Demandante pode estar por si, como PARTE, pessoalmente, nesta lide processual nos termos do disposto no artigo 33.º da LAV e do disposto nas normas do NRAA supra explicitadas, ex vi do disposto no nº1 do artigo 181.º do CPTA, julgando improcedente a exceção dilatória invocada pela Demandada, de falta deste pressuposto processual relativo ao Demandante.
Exceção dilatória Caducidade do direito de ação prevista na alínea k) do n.º 4 do art.º 89.º e 59.º do CPTA.
Entende a Demandada no artigo 56.º da Contestação que:“ Ora, de acordo com jurisprudência reiterada os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como casos decididos se não forem objeto de atempada impugnação (…) e que “ Assim sendo, enquanto atos administrativos, estes atos são suscetíveis de impugnação no prazo de 3 meses”
Sucede que os atos de processamento de vencimentos são atos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade unilateral, decisória, enquanto consubstanciam efetivamente decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas.
De acordo com o disposto no Art.º 148. “Conceito de ato administrativo” do CPA “ Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos num situação individual e concreta.”
O ato de processamento de vencimentos apenas será um ato administrativo quando haja intervenção da Administração e que tenha definido e decidido certa situação concreta. Ou seja, quando um órgão da Administração Pública decida sobre uma qualquer questão e a dê a conhecer ao interessado.
De acordo com o artigo 155.º do CPA “1-O ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada.
2.O ato administrativo considera-se praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo.”(sublinhado nosso)
Não se pode considerar ato administrativo o processamento mecanizado e mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto.
As situações constantes do processamento de vencimentos há muito que estão definidas, no caso em apreço. Nestes casos, estamos a falar de operações materiais e não de atos administrativos.
Pode consultar-se a Decisão do CAAD, Processo 1297/2019-A, de 3 de março de 2020, citada supra, pág 9 “
“ Ora, o ato de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado, como se viu, um ato administrativo quando ocorra, de novo alguma intervenção da Administração e que tenha definido determinada situação concreta. Isto é, quando um órgão da Administração decida sobre uma qualquer questão e a dê a conhecer ao interessado.”
Ou seja, e em conclusão: não se pode considerar ato administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto. As situações constantes do processamento de vencimentos há muito que estão definidas e o processamento é um ritual quase automático, muitas vezes, ou quase sempre, processado através do sistema informático. Nestes casos estamos a falar de operações materiais e não de atos administrativos.”
Também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 30/10/2008, Processo n.º 049/08 na mesma linha sustenta que “Cada ato de processamento de vencimentos e abonos só constitui um verdadeiro ato administrativo e não mera operação material se traduzir uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade , da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo.”
Não houve, no caso em apreço, qualquer definição voluntária e inovatória da Demandada em relação ao suplemento ónus de função (ao seu efetivo abono) que não é/não foi processado ao Demandante.
O aludido ato de processamento do suplemento remuneratório ónus de função apenas poderia constituir ato administrativo, se traduzisse uma definição jurídico-administrativa relativamente ao suplemento em causa, situação que não se verificou.
No caso presente, e, em conclusão, não se constata e/ou surpreende por parte da Demandada que tenha havido qualquer definição voluntária e inovatória no que se refere ao suplemento do ónus de função.
Assim, o Tribunal julga improcedente a alegada exceção da caducidade do direito de ação, determinando que a presente ação é tempestiva e foi proposta no presente Tribunal arbitral dentro do prazo legalmente previso, inexistindo a caducidade do direito de ação que foi alegada prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA.
O Tribunal é competente, o processo é próprio, detendo as partes personalidade e capacidade judiciária, são legitimas, apresentando-se o Demandante à lide, como Parte, por si.
Do mérito do pedido: Questão a decidir.
Tudo visto cumpre ao Tribunal apreciar do mérito do pedido que consiste em apurar se é devido ao Demandante o suplemento do ónus de função, previsto no artigo 67.º n.º 6 do capítulo V do Decreto-Lei n.º 204-A-2001 de 26.07, aplicável ex vi do artigo 36.º do Decreto Lei n.º 215/2012, de 28 de setembro, que não lhe foi reconhecido pelo Despacho do Sr. Diretor-Geral da DGRSP, de 14/05/2020, exarado na Informação n.º .../.../2020, na medida em este despacho, não reconheceu e não atribuiu aos trabalhadores do Gabinete ..., no qual o Demandante se integra, o suplemento peticionado.
Factos considerados provados
O Demandante é detentor de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, com a categoria de Técnico superior da carreira Técnica superior, integrado e exercendo presentemente as suas funções no Mapa de Pessoal da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) exercendo as suas funções no respetivo Gabinete ... (...)
O Demandante possui vínculo de emprego público na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 3, e na primeira parte do n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).
O Demandante pertence à carreira geral de Técnico superior, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 88.º da LGTFP.
O Demandante ingressou na Direção-Geral dos Serviços Prisionais, em outubro de 2002, de acordo com documento 1 junto com a p. i. conforme Despacho conjunto n.º 713/2002, de 16 de setembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º214, de 16 de setembro de 2002.
Posteriormente, e através do Decreto-Lei n.º 215/2012, de 28 de setembro, foi criada a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), cujo artigo 34.º “Sucessão” determinou que “A DGRSP sucede nas atribuições da Direção-Geral dos Serviços Prisionais e da Direção-Geral de Reinserção Social.”.
O Decreto lei 204-A/2001 de 26 de julho, que aprovou a Lei orgânica do Instituto de Reinserção Social foi o diploma que fixou as condições de atribuição do subsídio de risco/ónus de função previsto no artigo 89.º do Decreto-lei n.º 204/83, regulamentado à luz e de acordo com os princípios gerais do então sistema retributivo e de gestão da função pública estabelecidos pelo Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de junho.
O regime do suplemento pelo ónus do exercício de função, acolhido no n.º6 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 204-A/2001, de 26 de julho manteve-se em vigor na DGRSP , após o processo de fusão entre a DGRSP e a ex-DGSP e, no seu artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 215/2012, de 28 de setembro, atual Lei Orgânica da DGRSP, como consta do seu Preâmbulo com o seguinte teor:“Por fim, mantêm-se, sem acréscimo de despesa, os suplementos remuneratórios existentes atribuídos aos trabalhadores das atuais Direções-Gerais de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais, em razão do especial desgaste físico e psicológico, risco e disponibilidade permanente, pois que se mantêm os fundamentos que estiveram na sua génese, exponenciados, na atualidade, pelo aumento da população prisional, associada muitas vezes à criminalidade grave, violenta e organizada, ao contacto permanente efetuado com indivíduos de perigosidade acrescida, em locais onde se executam penas e medidas na comunidade, e em espaços onde se realiza a medida educativa de internamento de jovens.”
Dispõe o artigo 67.º do Decreto-lei n.º 204-A/2001, de 26 de julho:
6 - Pelo ónus do exercício das funções desenvolvidas para a prossecução das atribuições previstas nas alíneas b) a f) do n.º 1 do artigo 3.º do presente diploma é atribuído um suplemento nos seguintes termos: (sublinhado nosso)
a) 20% da remuneração base para os titulares dos cargos de diretor e subdiretor de centro educativo, coordenador de equipa de centro educativo e da unidade operativa do Sistema de Monitorização Eletrónica de Arguidos, técnicos superiores de reinserção social e outros técnicos superiores, técnicos profissionais de reinserção social, técnicos de orientação escolar e social e auxiliares técnicos de educação afetos a centros educativos ou à utilização de meios de vigilância eletrónica e outro pessoal que exerça funções de formação de menores em centro educativo;
b) 15% da remuneração base para os titulares dos cargos de presidente, vice-presidente, diretor regional, diretor dos serviços de reinserção social na Madeira e nos Açores, diretor dos núcleos de extensão, coordenador de equipa de reinserção social, técnicos superiores de reinserção social e outros técnicos superiores, técnicos profissionais de reinserção social, técnicos de orientação escolar e social e auxiliares técnicos de educação afetos a equipas de reinserção social ou a equipamentos residenciais previstos no n.º 6 do artigo 24.º e outro pessoal que exerça funções em centros educativos;
c) 10% da remuneração base para os titulares de outros cargos dirigentes, para o pessoal afeto aos serviços de auditoria e inspeção e para outro pessoal afeto a equipas de reinserção social.
7 - A atribuição do suplemento referido no número anterior é abonado em 12 mensalidades e não prejudica as compensações devidas, nos termos da lei, designadamente pelo trabalho extraordinário efetivamente prestado e pelo exercício de funções em regime de turnos.
A Informação/Proposta/Parecer n.º 19/DSRH/2010, de 7 de janeiro, elaborada pela Sr.ª Diretora de Serviços de Recursos Humanos, sobre a qual se se encontra exarado Despacho de concordância da Sr.ª Diretora-Geral da então, Direção-Geral de Reinserção Social, de 14 de janeiro de 2010, ( documento 1) da p. i. refere na página 19: “Proponho à Sr.ª Diretora-Geral a autorização para pagamento de 10% da remuneração-base:
A todo o pessoal afeto a equipas de reinserção social, entendendo aqui afetação numa interpretação extensiva, ao trabalho real prestado no âmbito do apoio técnico aos tribunais na tomada de decisões, no âmbito dos processos penal, de execução de penas, de participação em programas e ações de prevenção do crime ( alínea b) a f) do artigo 3.º do Decreto-lei 204-A/2001, de 26 de julho.” (sublinhado nosso)
Factos não provados
Compulsados os autos e analisada a prova documental que consta dos mesmos, não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do presente conflito, com relevância para a decisão da causa.
A questão que ao Tribunal cumpre apreciar e decidir consiste é a de saber se o Demandante tem direito a perceber o ónus de função, previsto no artigo 67.º n.º 6 do capítulo V do Decreto-Lei n.º 204-A-2001 de 26.07, aplicável ex vi do artigo 36.º do Decreto Lei n.º 215/2012, de 28 de setembro, situação que não foi reconhecida pelo Despacho do Senhor Diretor Geral aqui posto em crise pelo Demandante.
FUNDAMENTAÇÃO
Factos relevantes
Os factos relevantes para a decisão da causa não se afiguram controvertidos, inexistindo factos não provados relevantes para a decisão da causa, sendo muito claro, preciso e rigoroso o ponto de discórdia entre o Demandante e a Demandada que consiste em saber se tem ou não o Demandante direito a receber o suplemento do ónus de função, supra indicado, desde 2012 até à data presente acrescido dos devidos juros legais.
Entende a Demandada no artigo 67.º que “O tema da lide tem a ver, essencialmente, com interpretação de normas e matéria de direito aplicável a remunerações, no caso, suplementos ( cfr. Art.s 13.º e segs. bem como o petitório, a final da P.I”( sublinhado nosso)
Alega no artigo 80.º “(…) Não assiste razão ao A. na interpretação que faz de enunciados normativos, sobretudo, na sua pretensão e desconhecida aplicação ao A.” concluindo, no artigo 81.º “ Pelo que, fica impugnada, por ser contrário à interpretação dos enunciados legais, toda a P.I.”
A Demandada defende que “(…) Também não se deteta evidência da, pretendida, anulação parcial, reconhecimento do direito do suplemento de ónus de função, como vem peticionado, a final da P.I.”
Por fim, e sobre o valor atribuído à causa pelo Demandante alega “que não se deteta na P.I. o conjunto de operações materiais que permitem ao A. alcançar esse valor de € 30 000,01” aceitando este valor no artigo 102.º
Vejamos:
O Demandante abalançou-se a elaborar a Informação n.º .../.../2020, de 6 de abril de 2020, “Assunto: Suplemento de ónus de função. Caracterização e aplicação atual à DGRSP. Proposta futura” na qualidade de Técnico superior/jurista, em exercício de funções no Gabinete ... da DGRSP , definindo a respetiva finalidade do seguinte modo: “A presente informação tem como objeto central de análise da aplicação do suplemento de ónus da função na DGRSP e está estruturada de molde a analisar o quadro legal, quer em termos gerais no que tange à matéria dos suplementos na Administração Pública, quer em termos gerais específicos na DGRSP” sendo esta Informação constituída por 45 páginas.
Sobre esta Informação/parecer , foram prolatados despachos de concordância da Sr.ª Chefe de Divisão, 2020.04.16, e do Dirigente máximo do serviço, Sr. Diretor-Geral da DGRSP, de 14 de maio de 2020, que determinou a sua eficácia a 1 de junho de 2020, como referido supra.
Sobre a natureza da Informação/Parecer subscrito pelo Demandante, refere-se no Código do Procedimento Administrativo anotado CPA anotado de M. Esteves de Oliveira J Pacheco de Amorim, 2001. Pg, 441 “ Pareceres são estudos fundamentados, com as respetivas conclusões, sobre questões científicas, técnicas ou jurídicas, elaboradas pelos serviços, colégios ou instâncias administrativos, funcionalmente vocacionados (apenas ou também) para o exercício de tarefas consultivas, emitidos por determinação da lei, ou a solicitação dos órgãos com competência para a instrução ou decisão do procedimento, para auxiliarem a tomada de dessa decisão ( ou a solução de outra questão procedimental) (…)
IV – A qualificação de um determinado trâmite como “ parecer” tem, de qualquer modo-mesmo que isso não resulte da relação estatutária que exista entre o órgão que o solicita e aquele que o elabora-, para além do que já se referiu, uma importantíssima implicação jurídica, pois ela pressupõe que aquele a quem cabe emiti-lo fica, no que respeita a essa incumbência , desligado de eventuais vínculos de (qualquer) subordinação, que tenha em relação ao órgão a cuja apreciação o parecer se destina.
A única subordinação que pode existir entre ambos, é a de aquele dever emitir o parecer quando este lho “encomende” e de dar reposta às questões que sejam formuladas.(…)
O parecer pode, portanto, ser “encomendado” no que respeita ao dever da sua emissão (mas não em relação ao modo como o órgão consultivo se há- de desempenhar da sua tarefa, aos aspetos a considerar na sua fundamentação e, nomeadamente, quanto ao sentido das suas conclusões ou fundamentos.). Se tudo isto não estiver na liberdade do órgão consultivo (ou do consultor), não há técnico-juridicamente, um parecer.”
Soçobra, assim, a posição da Demandada quando refere que o Demandante tem interesse por ter realizado a Informação de suporte do ato impugnado. Ainda que tenha interesse na solução final acolhida pelo dirigente máximo da DGRSP, o parecer foi-lhe solicitada superiormente, isto é, a análise técnico-jurídica da questão que aqui se discute e foi elaborada enquanto jurista em exercício de funções no ... da DGRSP.
Entendemos que ao elaborar a Informação exprimiu a sua opinião técnica, no âmbito da unidade orgânica em que exerce funções, informação sobre a qual recaiu despacho de concordância do seu superior hierárquico direito, Sr.ª Chefe de divisão de 16 de abril de 2020 do seguinte teor: “ Com a minha concordância apresente-se ao Ex.mo Senhor Diretor- Geral”. Sobre este despacho, como se referiu supra, recaiu o despacho do dirigente máximo do serviço-Diretor Geral da DGRSP-que exarou na referida informação o ato impugnado.
Não é pelo facto do Demandante ter realizado a supra indicada Informação, que ficará impedido de exercer legitimamente os seus direitos de defesa, enquanto titular de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, caso entenda que foi/é lesado pela prática do ato administrativo em análise, ta, como estabelecido no artigo 186.º n.º1 alínea a) do Código do Procedimento Administrativo (CPA).”
O Despacho do Senhor Diretor-Geral da DGRSP, de 14 de maio de 2020, foi do seguinte teor:“ Visto. Homologo a presente Informação. À Sr.ª ... Dr.ª ... a fim de que tão cedo quanto possível, se reconheça e atribua o ónus de função (suplemento)aos trabalhadores que a ele tendo direito não o recebem, (…) Com efeitos a partir de 1 de junho”
O Despacho explicita adiante e indica o universo dos trabalhadores abrangidos, pelo reconhecimento ao suplemento remuneratório do ónus de função, excluindo o Demandante que se encontra integrado no DJC:
A aplicação do ónus de função a estes trabalhadores resultou/resulta da interpretação extensiva do artigo 67.º n.º6 do Decreto-Lei n.º 204-A 2001, de 26 de julho, nos termos da Informação Informação/Proposta/Parecer n.º 19/DSRH/2010, de 7 de janeiro, elaborada pela Sr.ª Diretora de Serviços de Recursos Humanos, supra citada, sobre a qual se se encontra exarado Despacho de concordância da Sr.ª Diretora-Geral da então, Direção-Geral de Reinserção Social, de 14 de janeiro de 2010, ( documento 1) junto com a Petição inicial do Demandante.
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0554/10, de 02-12-2010, Relator, Pais Borges, considera: “ I- Segundo a jurisprudência uniforme deste STA, e atendendo à funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, ou seja, ao fim instrumental que o mesmo prossegue, um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
II-A fundamentação por remissão, expressamente prevista no artigo 125.º , n.º1 1 do CPA consiste na remissão para os termos de uma informação, parecer ou proposta que contenha, ela mesma, a motivação do ato, de tal modo que essa remissão deve ser entendida no sentido de que o ato administrativo absorveu e se apropriou da respetiva motivação ou fundamentação, que, assim, dela ficará a fazer parte integrante.”( sublinhado nosso)
O Professor Cabral de Moncada no seu Código do Procedimento Administrativo anotado, 3.ª edição Quid júris , 2019, pg 503 refere: “ 2.2. Admite a lei a fundamentação por declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas oficiosas (…) A declaração de concordância tem que ser expressa e inequívoca. Basta a fundamentação por referência ( per relationem ) ou remissão para aqueles elementos que são presumidos por força da lei passar a constituir a respetiva fundamentação. (…)
O regime legal é este; perante um parecer, informação, ou proposta oficial das duas uma: o autor do acto ou concorda ou decide contrariamente. (sublinhados nossos). Se concorda isso mesmo fará constar do despacho sendo os fundamentos do ato, neste caso, os constantes daqueles elementos. Se decide contrariamente deve fundamentar a discordância de acordo coma regra da alínea c) do n.º 1 do artigo 152.º ou seja deve apresentar uma fundamentação própria .”
“A concordância concretiza-se num despacho de concordo aposto à informação, parecer ou proposta anterior acompanhada da assinatura da entidade competente para decidir assim incorporando os fundamentos daqueles constantes e constitui o próprio ato administrativo.
Para decidir em contrário, não se exige do autor do ato uma declaração de discordância. Basta ao autor do ato onerado com o dever de decidir, ignorar soberanamente os fundamentos constantes daqueles elementos. Se os ignora tem de arranjar outros.(…) (sublinhado nosso)
A fundamentação deve ainda ser clara, não contraditória e suficiente. A violação destas regras equivale à falta de fundamentação segundo reza a lei no n.º2 na medida em que fundamentos imperfeitamente aduzidos não esclarecem concretamente a motivação do ato.”
Sucede que o Despacho do Sr. Diretor-Geral ora impugnado é do seguinte teor: Visto: Homologo a presente Informação”, indicando depois o universo dos trabalhadores abrangidos pela sua decisão dela excluindo o Demandante e demais trabalhadores integrados no DJC da DGRSP.
O Tribunal entende e decide que a Informação n.º .../.../2020, de 6 de abril de 2020, e sobre a qual recaiu despacho de concordância da Sr. ª Chefe de Divisão, primeiro, e, de seguida, do Sr. Diretor Geral foi a de total acolhimento do seu conteúdo, devendo entender-se ( não é legalmente possível outro entendimento) que se pretendeu proceder à fundamentação por remissão, expressamente prevista no artigo153.º nº1, segunda parte do CPA, que consistiu na remissão para os termos desta Informação de tal modo que essa remissão operada pelo Despacho do Sr. Diretor Geral, deve ser entendida no sentido de que o seu ato administrativo a absorveu integralmente e se apropriou da respetiva motivação ou fundamentação, na sua totalidade, que, assim, dela ficou a fazer parte integrante, e que tinha que acolher, também, necessariamente, o seu ponto xxx) página 32, que se transcreve: “xxx) Gabinete ...-9 trabalhadores” da referida Informação n.º .../... /2020, de 6 de abril, quando refere: “O ... é a unidade orgânica responsável pelo apoio técnico-jurídico aos órgãos e serviços da DGRSP, cujas competências constam do ponto 7.1 do Despacho n.º 8140/B/2019, de 12.09, a quem incumbe, entre outros, assegurar o apoio técnico jurídico necessário à prossecução das atribuições da DGRSP, prestar colaboração ao Ministério Público nos processos judiciais em que intervenha em representação do Estado , em quaisquer matérias relacionadas com a atuação da DGRSP, representar a DGRSP enquanto Autoridade Central Portuguesa, no âmbito da promoção e proteção de crianças e jovens, bem como nos aspetos civis do rapto internacional de crianças, no âmbito da União Europeia, da Conferência da Haia e da IberRed, atentas as competências transversais que possui esta U.O. em matérias técnico-jurídicas prossegue as atribuições constantes das alíneas b) e c) do artigo 3.º da L.O. da DGRSP, que corresponde às atribuições constantes b) a f) do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 204-A/2001. Têm os seus trabalhadores direito ao recebimento do ónus do exercício de funções.”
Em conclusão. O Despacho do Sr. Diretor-Geral, de 14 de maio de 2020, ao acolher todo o conteúdo da Informação, também, necessariamente, acolheu esta parte. Se o não tivesse feito/por dele discordar teria que o fundamentar. O que não sucedeu.
Assim, ocorreu o vício de forma por falta de fundamentação do ato administrativo do Sr. Diretor-Geral da DGRSP.
Não é possível aferir no caso a sua fundamentação, que inexiste.
Não é possível a um destinatário normal colocado na posição de qualquer um dos trabalhadores do ..., não contemplados pelo Despacho de 14.05.2020, (são nove os trabalhadores que o integram) entender e perceber qual a motivação em fundamentação seguida pelo Sr. Diretor -Geral para a tomada da sua decisão.
Concluímos, pela violação do dever de fundamentação do despacho exarado na Informação supra mencionada, o que implica a invalidade do ato do Diretor-Geral, que deve ser anulado por força do disposto no artigo art.º 135.º do CPA “por violação e ofensa dos princípios e normas jurídicas aplicáveis para cuja violação não se preveja outra sanção.
Com a devida vénia não podemos acolher a tese sustentada pela Demanda de que o ato do Sr. Diretor Geral não carece de ser fundamentado por que nos termos alegados no artigo 88.º do seu articulado “Quanto ao-eventual e sem conceder-vício de falta de fundamentação, será consabido do A. que os atos de homologação dados pelos superiores não carecem de fundamentação, nos termos do n.º2 do art.º 152.º do Código do Procedimento Administrativo, CPA)”
No caso em apreço, não estamos em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 152.º “Dever de fundamentação” do CPA que estatui: “2- Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal. (sublinhado nosso)
Não se trata da homologação de deliberação tomada por júri; Não existe, no caso em apreço, qualquer júri a deliberar;
Também não é uma ordem de serviço dada pelo(s) superior (s) hierárquico(s) da Demandada ao seu subalterno (Demandante), em matéria de serviço e com a forma legal.
As ordens não necessitam efetivamente de fundamentação desde que se mantenham dentro da sua relação funcional, emitidas em matéria de serviço.
O ato sobre o qual recaiu o despacho do Sr. Diretor Geral do DGRSP reveste a natureza de um parecer jurídico, figura que já foi sobejamente caraterizada supra.
E, caso o Sr. Diretor-Geral dele discordasse e que se não o quisesse acolher, recuperando Cabral de Moncada “Para decidir em contrário, não se exige do autor do ato uma declaração de discordância. Basta ao autor do ato onerado com o dever de decidir, ignorar soberanamente os fundamentos constantes daqueles elementos. Se os ignora tem de arranjar outros.(…)
O ato praticado padece do vício de violação de lei, por inobservância do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e 6.º do Código do Procedimento Administrativo.
Sobre o principio da igualdade, pode consultar-se a Constituição da República Portuguesa anotada de Vital Moreira G. Canotilho IV pg 338 “O principio da igualdade tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de direitos e deveres ( daí a sua colocação sistemática nesta sede de princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais.) Essencialmente ele consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever. (…) No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos ou na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens devem beneficiar a todos; os deveres e encargos devem impender sobre todos.(…)
Como se viu o princípio da igualdade proíbe tanto as vantagens, como as desvantagens legítimas na atribuição de direitos ou na imposição de deveres ou encargos. Mas no caso de atribuição de um direito ou imposição de um dever apenas a parte do universo de pessoas elegível para beneficiar do primeiro ou para arcar com o segundo, importa saber se se está perante um privilégio de quem beneficia ou perante uma exclusão ilegítima de quem não é abrangido( por exemplo no caso da atribuição de um suplemento de pensão apenas destinado aos homens, há que apurar se se trata de um privilégio ilegítimo destes ou de uma discriminação ilegítima das mulheres.”
Tem assim o Demandante direito ao peticionado suplemento de ónus de função que lhe é devido, acrescido de juros de mora.
O Estado deixou há muito de estar isento do pagamento de juros de mora.
Ou seja: constituído em mora, está obrigado, como, em geral, qualquer outro devedor, a indemnizar o credor de obrigação pecuniária pela forma legal supletiva, ou seja, através de pagamento de juros.
Foi a Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, que veio estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária.
A Questão está em saber em que condições devem ser preenchidas para que se considere o Estado devedor de indemnização por não cumprimento, culposo, das suas obrigações.
Lembra-se ou traz-se à colação o conceito de mora previsto no Código Civil: “O devedor constitui-se em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido”, de acordo com o disposto no artigo 804º-n.º2 do Código Civil.
Os juros de mora são a forma legal de reparar os danos do credor derivados do não pagamento pontual culposo de uma obrigação pecuniária – Confrontar artigo 804º-1 e 806º, do Código Civil.
No caso concreto, e sendo os juros moratórios calculados à taxa legal em vigor de 4% , às importâncias em dívida ao Demandante desde outubro de 2002, acrescem os juros de mora.
DECISÃO
I- Termos em que se julga a ação procedente, por provada, e, em consequência, em face de tudo o que antecede, declara-se a anulação parcial do Despacho do Senhor Diretor-Geral da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), de 14 de maio de 2020, que recaiu sobre a Informação n.º .../... /2020, de 6 de abril de 2020, na parte em que não reconheceu ao aqui Demandante, o direito ao recebimento do suplemento do ónus de função, em situação de plena igualdade com o universo dos trabalhadores da DGRSP que foram contemplados e abrangidos por este Despacho, com efeitos a 1 de junho de 2020;
II- A Demandada é condenada a pagar ao Demandante o suplemento do ónus de função desde outubro de 2012, até à presente data, acrescida dos juros legais devidos.
Valor da causa:
Fixa-se o valor da ação em 30 000,01 ( trinta mil euros e um cêntimo) fixado pelo Demandante na petição inicial.
Custas: Observe-se o disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA) do CAAD.
Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da Decisão Arbitral nos termos do disposto n.º3 do artigo 5.º do NRAA.
Lisboa, 5 de maio de 2021
O Árbitro
Eduardo Brandão