DECISÃO ARBITRAL
Sumário:
Numa situação como a sub judice, de ingresso na carreira/categoria de especialista auxiliar, no âmbito do pessoal de apoio à investigação criminal da B..., fora de uma situação de mobilidade, nesse mesmo âmbito, de carreira/categoria inferior para carreira/categoria superior, prevalece a regra geral do n.º 1 do artigo 132.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, fazendo-se tal ingresso no primeiro escalão remuneratório da carreira/categoria de especialista auxiliar, ainda que, por previsão expressa do n.º 3 do artigo 138.º do mesmo Decreto-Lei, durante o estágio anterior a esse ingresso pudesse optar-se pela remuneração da categoria de origem que o estagiário funcionário público já detivesse.
I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual
I.1 – É Demandante na presente ação arbitral A... e é Demandado, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Ministério da Justiça.
I.2 – A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa.
Não oferece qualquer dúvida a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada [cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113], nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.
Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, no qual se integra a B... (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da referida Portaria].
Seja pelo valor da presente ação, seja pelo seu objeto, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação do Ministério da Justiça à jurisdição do CAAD, que é, pois, competente para o julgamento da mesma.
Este Tribunal Arbitral, constituído em 29 de junho de 2020, é composto por um Árbitro, conforme estatuição do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem [cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD, disponível em www.caad.org.pt/]; e, nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o Árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa, devendo fazê-lo segundo o direito constituído, conforme estatuem os artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, também desse Regulamento [cfr., ainda, artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA].
Logo no Despacho n.º 1, proferido em 18 de agosto de 2020, o Tribunal explicitou que, à luz dos artigos 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 26.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, poderia recorrer subsidiariamente às normas da Lei da Arbitragem Voluntária e do CPTA.
E nesse mesmo Despacho n.º 1 se anotou, tendo presente o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, que as Partes não renunciaram ao recurso que possa caber da presente Decisão Arbitral [cfr., ainda, artigos 39.º, n.º 4, e 46.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º-A do CPTA]; tendo até o Demandado terminado a contestação dizendo expressamente que “não prescinde do direito a recurso”.
I.3 – Ainda no Despacho n.º 1 o Tribunal Arbitral saneou o processo, declarando-se competente, declarando que as Partes têm legitimidade e capacidade judiciárias e que estão regularmente representadas, declarando que não se verificam nulidades processuais ou questões prévias – sem prejuízo da questão, suscitada pelo Demandado, de um alegado excesso de pronúncia da Demandante na resposta às exceções que aquele deduziu, a qual o Tribunal, como melhor se verá (cfr. infra II.3), logo considerou improcedente –, declarando que toda a matéria relativa a essas exceções invocadas pelo Demandado seriam decididas na presente Decisão Arbitral (cfr. artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento da Arbitragem) e fixando o valor da presente causa em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, à luz do artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, conjugado com o artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o artigo 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Nesse mesmo Despacho n.º 1 o Tribunal Arbitral promoveu a pronúncia simultânea das Partes nos termos seguintes:
a) Considerando que o Tribunal Arbitral tem por suficiente a prova documental junta aos autos, devem as Partes pronunciar-se sobre a possibilidade de condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”, conforme previsão do artigo 18.º, n.º 3, do Regulamento da Arbitragem;
b) Devem as Partes pronunciar-se ainda sobre, se delas não prescindirem expressamente, a “produção de alegações finais, escritas ou orais, sucessivas ou simultâneas”, nos termos e para os efeitos da previsão do artigo 24.º do Regulamento da Arbitragem.
E mais foi o Demandado convidado a juntar aos autos a decisão judicial por si invocada nos artigos 63.º e 64.º da contestação.
Pronunciaram-se tempestivamente as Partes e, no essencial, ambas declararam expressamente, seja concordarem com a condução do processo arbitral com base na prova documental e nos restantes elementos juntos aos autos, seja prescindirem da produção de alegações finais, escritas ou orais, sucessivas ou simultâneas.
Assim – e para além do que sobre este tema ainda se dirá (cfr. infra II.3) –, ficou prejudicado o requerimento probatório feito pela Demandante juntamente com a sua resposta às exceções deduzidas pelo Demandado (a tomada das suas próprias declarações e do testemunho de D..., bem como que o Demandado juntasse aos autos “documentação comprovativa da notificação feita na pessoa da Demandante relativa ao pagamento a que se achava obrigada para restituição dos montantes alusivos ao suposto excedente que recebeu e que acabou por fazer em diversas prestações”).
O Demandado juntou aos autos aquela decisão judicial por si invocada nos artigos 63.º e 64.º da contestação.
Tendo sobre essa decisão judicial dito a Demandante, em suma, que a mesma “foi, praticamente, sobre a interpretação do artigo 84.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro”, que ela “nada tem a ver com o peticionado no âmbito deste processo que ora se encontra em causa” e que, “quanto ao Princípio da Justiça, ali versado e constante do atual artigo 8.º, anteriormente artigo 6.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem ainda, no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República, concordamos e aguardamos a sua aplicação nestes autos”.
II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes
II.1 – Como se disse no Despacho n.º 1, a Demandante termina a petição inicial – que deu entrada no CAAD em 13 de março de 2020 e na qual se cinge à prova documental que junta – formulando o seguinte pedido:
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente ação ser julgada procedente e provada, declarando-se:
a) Que a Demandante tem o direito a ser retribuída pelo montante que auferia enquanto Coordenadora Técnica no Hospital ..., desde o términus do ano de estágio e que ocorreu em 27.10.2011 e até ao momento em que, por força da aplicação da Tabela correspondente a Especialista Auxiliar pudesse progredir para a posição seguinte e tendo em consideração o valor de € 1156,85;
b) Que a todas as quantias a que a Demandante tenha direito sejam acrescidos os devidos juros de mora à taxa legal, desde a data dos descontos até à data de integral cumprimento.
Como também se enunciou no Despacho n.º 1, o que especificamente está em causa no presente dissídio é saber se a Demandante, que em abril de 2009 era coordenadora técnica vinculada ao Hospital ... e auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 1156,85, vencimento que manteve enquanto, a partir de 1 de maio de 2009, passou a desempenhar funções na B..., primeiro em regime de mobilidade e, depois, em regime de estágio na carreira/categoria de especialista auxiliar, tem ou não direito a manter esse mesmo vencimento a partir do momento em que, em 27 de outubro de 2011, passou (após o referido estágio, de um ano) a integrar definitivamente a carreira/categoria de especialista auxiliar, do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, na qual foi provida mediante prévio concurso público interno de ingresso, até ao momento em que, por aplicação da tabela salarial própria da carreira/categoria em que foi provida (cujo escalão 1 correspondia ao vencimento mensal ilíquido de € 935,12 e que efetivamente lhe foi aplicado), se verifique a sua progressão salarial para vencimento mensal ilíquido não inferior àquele montante de € 1156,85.
Disse-se ainda no Despacho n.º 1 que, assim configurada a presente ação, em coerência, aliás, com os termos da referida formulação do pedido, estamos perante uma ação administrativa tendo por objeto o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei, com o propósito de condenação do Demandado ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável, à luz das atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.
Está essencialmente em causa a adequada interpretação do artigo 132.º (sob a epígrafe “Regra geral” e inaugurando uma subsecção específica relativa ao “Pessoal de apoio à investigação criminal”) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro (que aprovou a então Lei Orgânica da B...), o qual estatui o seguinte:
1 – O ingresso nas carreiras do pessoal de apoio à investigação criminal faz-se no escalão 1, precedido de um período de estágio.
2 – É condição de acesso a carreira de nível superior nas situações de mobilidade a classificação mínima de Bom nos anos relevantes para a mesma.
3 – Nos casos em que houver lugar a procedimento interno de seleção, a progressão faz-se no escalão em que o funcionário se encontra posicionado até que seja integrado no escalão seguinte, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 103.º.
4 – O tempo de serviço prestado nos termos do número anterior conta como prestado no novo escalão sempre que a integração se efetue na sequência do primeiro procedimento interno de seleção ao qual se possa submeter.
5 – Nos casos em que a integração se faça para escalão com índice remuneratório inferior ao detido no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, o funcionário vence pelo índice de origem.
E anote-se o que estatui o artigo 103.º (sob a epígrafe “Promoção e progressão”) do mesmo diploma legal:
1 – Constitui requisito indispensável para promoção e progressão a classificação de serviço mínima de Bom, salvo disposição em contrário.
2 – A mudança de escalão, em cada categoria, opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, vencendo-se o direito à remuneração no 1.º dia do mês imediato.
Anote-se, ainda, o que estatui (no que agora releva) o artigo 138.º (sob a epígrafe “Ingresso”) também do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro:
1 – O estágio para ingresso nas carreiras do pessoal de apoio à investigação criminal obedece às seguintes regras:
a) A admissão ao estágio faz-se por concurso;
b) (...);
c) O estágio tem a duração de um ano;
d) A frequência do estágio é feita em regime de contrato administrativo de provimento, no caso de indivíduos não vinculados à função pública, e em regime de comissão de serviço extraordinária, caso exista vínculo;
e) Os estagiários aprovados são providos a título definitivo na respetiva carreira e os não aprovados regressam ao lugar de origem ou veem o contrato rescindido, sem direito a qualquer indemnização, consoante se trate de indivíduos vinculados ou não à função pública;
f) (...).
2 – (...).
3 – Os estagiários são remunerados nos termos da tabela indiciária constante do anexo V ao presente diploma, sendo reconhecido aos que já são funcionários a faculdade de optar, a todo o tempo, pela remuneração correspondente à categoria de origem.
4 – O tempo de estágio, quando seguido de provimento definitivo, é contado como prestado na carreira.
II.2 – Tal como também se clarificou no Despacho n.º 1, a Demandante, na sua petição inicial, alude ainda (para além de a jurisprudência do CAAD): (i) a um abuso de direito (e ao seu próprio temor reverencial) quanto à reposição da quantia (inerente ao período entre 27 de outubro de 2011 e 31 de janeiro de 2012) que o Demandado considerou lhe ter sido paga a mais; (ii) à coerência inerente à promoção da mobilidade entre serviços; (iii) aos termos do aviso do concurso ora em causa e ao seu próprio entendimento desses termos; (iv) ao regime das compensações e descontos do artigo 174.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (cfr. Lei n.º 35/2014, de 20 de junho); (v) à não aplicação em matéria de contrato de trabalho em funções públicas do disposto no n.º 2 do artigo 36.º (sobre a reposição de dinheiros públicos) do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho (que estabelece o regime da administração financeira do Estado), frisando, neste ponto, que “a Demandante é titular de um contrato de trabalho em funções públicas” e não de um vínculo de nomeação (à luz da distinção consagrada na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que define e regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas).
No Despacho n.º 1 o Tribunal enunciou igualmente o teor mais relevante da contestação do Demandado, tempestivamente deduzida (face ao regime de suspensão dos prazos judiciais então em vigor por causa da pandemia de COVID-19), em 10 de abril de 2020, e cingindo-se também à prova documental que junta.
O Demandado defende-se, em síntese, nos termos seguintes, logo encimados com a afirmação de parecer “decorrer do excurso da Demandante que a única preocupação que lhe assiste é a de que lhe seja restituído o diferencial remuneratório respeitante ao período de 27 de outubro de 2011 a 31 de janeiro de 2012”:
a) Por exceção, alegando a ineptidão da petição inicial, por falta de identificação, seja do ato jurídico impugnado, à luz do artigo 78.º, n.º 2, alínea e), do CPTA, seja da causa de pedir, à luz do artigo 78.º, n.º 2, alínea f), do mesmo Código, preconizando assim a sua absolvição da instância;
b) Por exceção, alegando a ilegitimidade da Demandante por aceitação do ato impugnado, à luz do artigo 56.º do CPTA, pois estar-se-ia “perante um caso de aceitação tácita, já que tendo (a Demandante) sido notificada para efeitos de reposição das diferenças das remunerações recebidas, veio, posteriormente, em 12 de janeiro de 2012, solicitar que a restituição das quantias indevidamente recebidas (...) tivessem lugar em prestações”, voltando por isso a preconizar a sua absolvição da instância;
c) Por exceção, alegando a caducidade do direito à ação, pois, conte-se a partir da notificação do recibo do vencimento de fevereiro de 2012 (no qual já se repercute aquela reposição) ou conte-se a partir da notificação do despacho, de 8 de janeiro de 2012, que declarou a conclusão, com sucesso, do período experimental (de estágio) da Demandante e o ingresso desta, com efeitos reportados a 27 de outubro de 2011, na carreira/categoria de especialista auxiliar, do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, sempre estaria ultrapassado o prazo de interposição da presente ação, previsto no artigo 58.º do CPTA, razão por que, uma vez mais, se requer a sua absolvição da instância;
d) Por impugnação, alegando (também invocando apoio jurisprudencial), face à posição que expressa quanto à correta aplicação do Direito, que tinha efetivamente a Demandante, a partir de 27 de outubro de 2011, de auferir a remuneração mensal ilíquida correspondente ao escalão 1 da carreira de especialista auxiliar, do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal da B..., propugnando, desta feita, pela improcedência da presente ação, com a sua absolvição “de todos os pedidos formulados”.
Quanto a esta última defesa por impugnação, a posição determinante (que não exclusiva) do Demandado assenta nas afirmações, complementadas com apelo ao princípio da igualdade, de que aquela transcrita norma do n.º 1 do artigo 132.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, tem caráter imperativo e de que aquela outra transcrita norma do n.º 5 do mesmo artigo 132.º “diz respeito a situações específicas de integração de trabalhadores na B... e não a situações de ingresso de trabalhadores nas carreiras especiais da B..., após procedimento concursal”.
Em 28 de abril de 2020, tempestivamente, apresentou a Demandante uma “Resposta” à contestação do Demandado, na qual:
a) Remetendo para os termos concretos do seu pedido, desdiz aquela afirmação inicial do Demandado de que “a única preocupação que lhe assiste é a de que lhe seja restituído o diferencial remuneratório respeitante ao período de 27 de outubro de 2011 a 31 de janeiro de 2012”;
b) Desdiz a alegação de ineptidão da petição inicial, pois (para além de uma tal eventual situação ser suprível), no essencial, a “Petição Inicial está bem evidenciada e justificada na Matéria de Facto e de Direito, isto como Causa de Pedir e, não ‘obedecendo’ a nenhum formulário, que, de todo, não é necessário, é devidamente formulado o subjacente e obrigatório, Pedido, como reconhecido, aliás, pelo Demandado no seu espírito contraditório”;
c) Desdiz a alegação de ilegitimidade por aceitação do ato impugnado, pois (para além de reincidir nalgumas afirmações da sua petição inicial) o seu requerimento de 12 de janeiro de 2012, para reposição em prestações da referida quantia, lhe foi imposto mediante coação moral (“documento esse que não foi por si dactilografado, tendo-lhe sido colocado à frente e com a exigência de que o tinha de assinar”) – trazendo à colação o regime do dolo e seus efeitos (cfr. artigos 253.º e 254.º do Código Civil), do erro, neste caso conforme os artigos 247.º e 251.º do Código Civil, e da nulidade e anulabilidade, agora conforme os artigos 286.º a 289.º do Código Civil – e, adicionalmente, o próprio artigo 56.º do CPTA, invocado pelo Demandado, prevê, no seu n.º 3, que a “execução ou acatamento por funcionário ou agente não se considera aceitação tácita do ato executado ou acatado” e mais prevê, agora no seu n.º 2, que a “aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”.
Quanto a esta última resposta, a Demandante explicita, seja que a sua vontade de impugnar foi realizada através da presente ação, seja que “resulta que o ato pelo qual a Demandante requereu o pagamento da quantia exigida em prestações, deve ser tido como nulo, logo, podendo ser invocável a todo o tempo pelo interessado, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, acolhendo-se nos artigos 161.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas d), f), g) e l), e 162.º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 58.º, n.º 1, do CPTA; assim desdizendo também a alegação do Demandado de caducidade do direito à ação.
II.3 – Face a esta “Resposta” da Demandante, o Demandado, em 8 de maio de 2020, disse, entre o mais, em síntese, que tal resposta, quanto às questões da ilegitimidade por aceitação do ato impugnado e da caducidade do direito à ação (em concreto os pontos 8.4 a 27), se deve julgar como não escrita, por não se cingir às exceções invocadas na contestação, o limite permitido pelo artigo 85.º-A do CPTA à réplica; com a Demandante, nesse mesmo dia, a contrapor, em síntese, que não escrita deve sim julgar-se uma tal processualmente inadmissível “tréplica” do Demandado; e com este, em 11 de maio de 2020, a esclarecer, também em síntese, que “não apresentou ‘Tréplica’, mas apenas a sua pronúncia, ao abrigo e no exercício do direito do contraditório, quanto aos novos vícios alegados e, no essencial, sinalizar a inadmissibilidade do Requerimento da Demandante, na parte que ultrapassa a resposta às exceções formuladas”.
Como se disse já (cfr. supra I.3), logo no Despacho n.º 1 o Tribunal considerou improcedente um tal alegado excesso de pronúncia da Demandante na resposta às exceções deduzidas pelo Demandado. Decidiu então o Tribunal esta questão nos termos seguintes:
Apreciando esta questão, importa não esquecer que o Demandado, como se viu, alegou a ilegitimidade da Demandante, à luz do artigo 56.º do CPTA, dizendo que esta havia aceitado tacitamente o ato determinativo da reposição das diferenças das remunerações recebidas precisamente porque ela solicitou, em 12 de janeiro de 2012, que tal reposição pudesse ser feita em prestações.
Ora, face a esta alegação, a Demandante defende-se na senda do abuso de direito e do seu próprio temor reverencial já invocados na petição inicial, concretizando agora que tal solicitação de reposição em prestações deveria considerar-se nula, com base essencialmente em vícios da sua vontade que expressou, mais requerendo a produção de prova quanto aos mesmos. E invoca a mesma alegada nulidade para responder também à exceção de caducidade do direito à ação que o Demandado deduziu.
Não é, por ora, o momento de apreciar e decidir a pertinência, seja da dedução das exceções, seja da resposta que a Demandante lhes deu.
Mas há de, desde já, constatar-se que, de todo, não pode considerar-se que esta resposta excedeu o âmbito delimitado pelos termos que o próprio Demandado entendeu utilizar para deduzir tais exceções, razão por que se indefere o requerimento deste no sentido de se declarar não escritos os pontos 8.4 a 27 da resposta/réplica da Demandante às mesmas; tal como se indefere, por prejudicado, o pedido idêntico desta quanto àquele requerimento.
E o Tribunal acrescentou:
Questão diferente é saber qual a relevância, na perspetiva da decisão das exceções invocadas e, eventualmente, do mérito da causa, que o Tribunal Arbitral desde já atribui a essa alegada nulidade do requerimento da Demandante para reposição em prestações da quantia a restituir e, bem assim, do requerimento probatório por esta apresentado para tomada das suas próprias declarações e do testemunho de D..., bem como para que o Demandado junte aos autos a notificação para que tal reposição fosse feita.
Ora, afigura-se desde já seguro ao Tribunal Arbitral, conforme resulta, aliás, da delimitação feita do objeto da presente ação, que a apreciação e decisão desta, seja quanto às exceções invocadas, seja (sendo o caso) quanto ao seu mérito, assenta essencialmente em matéria de Direito, que não depende da verificação da validade daquele requerimento da Demandante para reposição em prestações da quantia a restituir, nem da prova inerente a tal verificação.
Razão por que, como se disse supra em I.3, no Despacho n.º 1 o Tribunal Arbitral logo promoveu a pronúncia simultânea das Partes para, considerando que aquele tinha por suficiente a prova documental junta aos autos, dizerem se anuíam na condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”, conforme previsão do artigo 18.º, n.º 3, do Regulamento da Arbitragem; o que, como também se disse, efetivamente ocorreu.
Cumpre, pois, apreciar e decidir a presente ação.
III – Da fundamentação de facto
O Tribunal decide considerar provados os factos que, tendo sido alegados e que relevam para a decisão da presente causa, a seguir se especificam, incluindo, em cada uma dessas especificações, a fundamentação da respetiva decisão:
1.º - Em abril de 2009, a Demandante era coordenadora técnica, vinculada ao Hospital ..., auferindo a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85; como se comprova pelo documento 1, junto com a petição inicial, e é aceite pelo Demandado.
2.º - Mantendo aquela remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, a partir de 1 de maio de 2009 a Demandante passou a desempenhar funções na B..., primeiro em regime de mobilidade e, depois, a partir de 27 de outubro de 2010, mediante concurso interno de ingresso, em regime de estágio, de um ano, na carreira/categoria de especialista auxiliar, decorrendo tal estágio até 26 de outubro de 2011; como se comprova pelos documentos 2, 3, 4, 5, 6 (A e B), 8 e 9 (A e B), juntos com a petição inicial, e é aceite pelo Demandado.
3.º - O referido concurso interno de ingresso na carreira/categoria de especialista auxiliar do mapa de pessoal da B... foi aberto por Aviso n.º 23376/2009 (publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 252 – 31 de Dezembro de 2009, páginas 52723 a 52725), constando de “6 – Vencimento e regalias” desse mesmo Aviso a seguinte menção: “O vencimento é fixado nos termos da Tabela n.º 2 e do anexo V ao Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, acrescida do suplemento de risco a que se refere o artigo 91.º do mesmo diploma. As regalias sociais são as genericamente vigentes para os trabalhadores da administração central.”; como se comprova pelo documento 3, junto com a petição inicial, e é aceite pelo Demandado.
4.º - Findo o período experimental inerente àquele estágio de um ano, a Demandada, a partir de 27 de outubro de 2011, passou a exercer funções em provimento definitivo como especialista auxiliar, tendo-lhe continuado a ser paga aquela remuneração mensal ilíquida de € 1156,85 até, inclusive, janeiro de 2012; como se comprova pelos documentos 6 (C e D) e 8, juntos com a petição inicial, e resulta aceite pelo Demandado.
5.º - A conclusão com sucesso do período experimental inerente àquele estágio de um ano foi declarada por despacho de 5 de janeiro de 2012 (com efeitos reportados a 27 de outubro de 2011), proferido pelo Diretor Nacional-Adjunto da B..., C...; como se comprova pelo documento 8 (A-1), junto com a petição inicial, e pelo primeiro documento junto com a contestação, e é aceite pelo Demandado.
6.º - No mês de fevereiro de 2012, a B... efetuou acertos às remunerações mensais auferidas pela Demandante entre 27 de outubro de 2011 e 31 de janeiro de 2012, acertos esses resultantes da consideração pela B... de que, a partir de 27 de outubro de 2011, a remuneração mensal ilíquida a auferir pela Demandante seria a correspondente ao escalão 1 da carreira/categoria de especialista auxiliar e, portanto, seria de € 935,12 (e não de € 1156,85); como se comprova pelos documentos 6 (D) e 8 (A-1), juntos com a petição inicial, e resulta aceite pelo Demandado.
7.º - Os referidos acertos determinaram reposições pecuniárias inerentes às quantias consideradas indevidamente recebidas pela Demandante, no montante total de € 923,88 (não de € 1108,65, como afirmado pelas Partes, porque a reposição relativa ao mês de outubro de 2011 equivaleu a apenas 5 dias, no montante de € 36,96, e não a um mês completo, no montante de € 221,73); como se comprova pelo documento 6 (D), junto com a petição inicial, e resulta aceite pelo Demandado.
8.º - E, a partir de fevereiro de 2012, foi aquela remuneração mensal ilíquida de € 935,12 que passou a ser paga à Demandante; como se comprova pelo documento 6 (D) e pelo terceiro documento 8, juntos com a petição inicial, e resulta aceite pelo Demandado.
9.º - A Demandante assinou uma comunicação, datada de 12 de janeiro de 2012, dirigida à Diretora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da B..., na qual, entre o mais, escreveu o seguinte; como se comprova pelo segundo documento 8, junto com a petição inicial, e pelo segundo documento junto com a contestação, e é aceite pelo Demandado:
Fui agora notificada que verificando-se estar ultrapassado o ano de estágio e reunidos que estão os requisitos necessários para a conclusão com sucesso daquele período experimental foi declarada a referida conclusão, por despacho (...), de 05.01.2012. Mais fui informada que o posicionamento no escalão 1 da carreira de especialista auxiliar produz efeitos remuneratórios a 27.10.2011.
O vencimento correspondente a especialista auxiliar de escalão 1 é 935,12 €, pelo que a diferença entre o meu vencimento atual e o dessa categoria é de 221,73 € mensais.
Sendo certo que a signatária quando aceitou o lugar sabia que iria perder vencimento, também é certo que quando tomou esta opção ainda não existiam todas as dificuldades económicas que assolam o País e que nos afetam a todos.
Considerando que apenas está previsto para fevereiro ou março a concretização deste processo, data a partir da qual terei que repor as diferenças que recebi a mais (...) e considerando ainda que sou divorciada, tendo a meu cargo um filho que se encontra desempregado, razão pela qual sou a única titular de rendimentos, solicito (...) que as quantias que venham a ser apuradas para repor, as possa vir a repor, com descontos mensais no meu vencimento, no máximo de prestações possíveis.
10.º - Este requerimento da Demandante veio a ser deferido, com determinação dos termos concretos da solicitada reposição em prestações, por despacho de 16 de janeiro de 2012; como se comprova pelo terceiro documento 8, junto com a petição inicial, e pelo segundo documento junto com a contestação, e é aceite pelo Demandado.
11.º - À data da propositura da presente ação, a Demandante já repusera toda a referida quantia pecuniária de € 923,88; como se comprova pelo terceiro documento 8, junto com a petição inicial, e constitui um dos pressupostos da presente ação, como tal assumido expressamente por ambas as Partes.
Inexistem outros factos, alegados e relevantes para a decisão da presente causa, considerados pelo Tribunal Arbitral como não provados.
IV – Da fundamentação de Direito
IV.1 – Como atrás se sublinhou (cfr. supra II.1), na sequência do afirmado no Despacho n.º 1, a Demandante formula o seguinte pedido:
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente ação ser julgada procedente e provada, declarando-se:
a) Que a Demandante tem o direito a ser retribuída pelo montante que auferia enquanto Coordenadora Técnica no Hospital ..., desde o términus do ano de estágio e que ocorreu em 27.10.2011 e até ao momento em que, por força da aplicação da Tabela correspondente a Especialista Auxiliar pudesse progredir para a posição seguinte e tendo em consideração o valor de € 1156,85;
b) Que a todas as quantias a que a Demandante tenha direito sejam acrescidos os devidos juros de mora à taxa legal, desde a data dos descontos até à data de integral cumprimento.
E igualmente se sublinhou que o que está em causa na presente ação é saber se a Demandante, que em abril de 2009 era coordenadora técnica vinculada ao Hospital ... e auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 1156,85, vencimento que manteve enquanto, a partir de 1 de maio de 2009, passou a desempenhar funções na B..., primeiro em regime de mobilidade e, depois, em regime de estágio na carreira/categoria de especialista auxiliar, tem ou não direito a manter esse mesmo vencimento a partir do momento em que, em 27 de outubro de 2011, passou (após o referido estágio, de um ano) a integrar definitivamente a carreira/categoria de especialista auxiliar, do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, na qual foi provida mediante prévio concurso público interno de ingresso, até ao momento em que, por aplicação da tabela salarial própria da carreira/categoria em que foi provida (cujo escalão 1 correspondia ao vencimento mensal ilíquido de € 935,12 e que efetivamente lhe foi aplicado), se verifique a sua progressão salarial para vencimento mensal ilíquido não inferior àquele montante de € 1156,85.
Como também já afirmado, considerando os termos acabados de referir do que está em causa na presente ação (coerentes com os termos da referida formulação do pedido), deve assentar-se que estamos perante uma ação administrativa tendo por objeto o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei, inerente à adequada interpretação de certas normas do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, que aprovou a então Lei Orgânica da B..., com o propósito de condenação do Demandado ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável, à luz das atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.
Na verdade, entende a Demandante, sobretudo interpretando essas normas do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, que lhe assiste o direito a continuar a receber a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85 a partir de 27 de outubro de 2011, quando foi definitivamente provida como especialista auxiliar no quadro de pessoal da B... e a manter essa mesma remuneração mensal ilíquida até que ocorra a sua progressão salarial no âmbito da B... para remuneração mensal ilíquida não inferior àquele montante de € 1156,85.
E é porque assim entende que a Demandante pretende obter com a presente ação, em síntese, três resultados:
a) A devolução daquela quantia pecuniária de € 923,88 que repôs;
b) O recebimento, a partir de fevereiro de 2012, da remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, até que a sua progressão salarial no âmbito da B... lhe assegure uma remuneração mensal ilíquida não inferior a esse montante de € 1156,85;
c) O recebimento de juros de mora relativos às quantias pretéritas que lhe venham a ser entregues.
IV.2 – Dito isto, não compete ao Tribunal Arbitral tecer comentários sobre o apuro da petição inicial, mas importa reconhecer, em primeiro lugar, que está comprovadamente assegurada a defesa do Demandado, face à contestação e demais contraditório que trouxe à presente ação, que demonstram adequada perceção do objeto do presente litígio conforme a Demandante entendeu arquitetá-lo.
Por outro lado, não pode, em verdade, dizer-se que da petição inicial não resulta, seja uma suficiente enunciação dos factos que fundamentam a ação, seja uma perscrutável coerência e articulação entre a matéria de facto que constitui a causa de pedir e as razões de Direito que servem de fundamento à ação (cfr. artigo 78.º, n.º 2, alínea f), do CPTA); não podendo esquecer-se, aliás, que compete ao Tribunal Arbitral conhecer do Direito (“O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”, na expressão do artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Por fim, não pode, certamente, considerar-se ocorrer, in casu, falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, contradição do pedido perante a causa de pedir ou cumulação incompatível de qualquer deles, permitindo fundar um juízo de ineptidão da petição inicial (cfr. artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Assim, ponderados nesta matéria os argumentos das Partes, o Tribunal Arbitral entende considerar não verificada a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial invocada pelo Demandado.
IV.3 – Sem prejuízo do que acabou de decidir-se, não se ignora que o debate das Partes fluiu para a questão da impugnabilidade da atuação determinante da reposição da referida quantia pecuniária de € 923,88.
Assim é que, logo na petição inicial, a Demandante alega abuso de direito do Demandado (e o seu próprio temor reverencial) quanto à assinatura da referida comunicação de 12 de janeiro de 2012 (cfr. facto 9.º considerado provado).
E assim é que o Demandado:
a) Afirma que a única preocupação da Demandante “é a de que lhe seja restituído o diferencial remuneratório respeitante ao período de 27 de outubro de 2011 a 31 de janeiro de 2012”; com a Demandante a contradizê-lo;
b) É levado – segundo se intui de uma possível perspetivação da petição inicial como cingida à impugnação da atuação administrativa tendente à efetivação da reposição pela Demandante da referida quantia pecuniária € 923,88 – a deduzir, para além daquela já decidida exceção dilatória de ineptidão da petição inicial [por alegada falta de identificação do ato jurídico impugnado e da causa de pedir, à luz do artigo 78.º, n.º 2, alíneas e) e f), do CPTA], também as exceções dilatórias de:
i) Ilegitimidade da Demandante, por, à luz do artigo 56.º do CPTA, ter aceitado tacitamente o ato de reposição da referida quantia pecuniária € 923,88, pois, em suma, solicitou que tal reposição ocorresse em prestações (cfr. facto 9.º considerado provado); com a Demandante a contradizê-lo;
ii) Caducidade do direito à ação – face à notificação do recibo do vencimento de fevereiro de 2012 (cfr. facto 6.º considerado provado) ou face à notificação do despacho que declarou, em termos definitivos, o ingresso da Demandante, com efeitos reportados a 27 de outubro de 2011, na carreira de especialista auxiliar (cfr. facto 5.º considerado provado) –, por ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 58.º do CPTA; com a Demandante, uma vez mais, a contradizê-lo.
Acontece que, perspetivada a presente ação como deve sê-lo – isto é, como uma ação administrativa visando o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei e a condenação do Demandado ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável, à luz das alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA –, a atuação administrativa conducente à reposição da referida quantia pecuniária de € 923,88 tem de ser vista como uma mera execução decorrente da interpretação da lei feita pelo Demandado no sentido de que a remuneração mensal ilíquida da Demandante entre 27 de outubro de 2011 e 31 de janeiro de 2012 deveria ter sido € 935,12 e não € 1156,85.
Assim, tal atuação administrativa só é impugnável quanto aos seus vícios próprios (cfr. artigo 53.º, n.º 3, do CPTA), importando deixar aqui claro qual, no contexto da presente ação, o possível sentido útil de uma tal impugnação por vícios próprios.
Caso se reconheça que a Demandante tem direito a auferir, a partir de 27 de outubro de 2011, a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, até que progrida em termos salariais para uma remuneração mensal ilíquida não inferior, ter-se-á, em consequência e logicamente, de, entre o mais, logo reconhecer a necessidade de reverter a reposição da referida quantia pecuniária € 923,88, inexistindo qualquer espaço de utilidade para a discussão sobre a consolidação na ordem jurídica de tal reposição e, assim mesmo, para a discussão sobre as referidas exceções dilatórias de ilegitimidade da Demandante e de caducidade do direito à ação.
Mas, em contrapartida, caso se reconheça que a Demandante não tem direito àquela remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, pode, ainda assim, utilmente, discutir-se se tem cobertura legal a efetivamente consumada reposição da referida quantia pecuniária € 923,88. E só no caso de esta questão merecer resposta negativa (propugnando-se por que tal reposição não tem base legal) é que – então e só então – seria útil a discussão sobre a consolidação na ordem jurídica dessa reposição com fundamento naquelas exceções dilatórias de ilegitimidade da Demandante e de caducidade do direito à ação.
Acontece que este Tribunal Arbitral não vê, de todo e desde já, qualquer ausência de enquadramento legal para aquela efetivamente consumada reposição da referida quantia pecuniária € 923,88 (assumindo, obviamente, por agora, como mero pressuposto transitório de um raciocínio abstrato, que a Demandante não teria direito àquele vencimento mensal ilíquido de € 1156,85).
Na verdade (caso se verificasse um tal pressuposto), não se vê, de todo, como a reposição ocorrida não pudesse ser efetuada à luz do n.º 2 do artigo 36.º (sobre a reposição de dinheiros públicos) do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, que estabelece o regime da administração financeira do Estado.
Conforme resulta do documento referenciado no 10.º facto considerado provado, a reposição ocorreu em prestações e ter-se-á consumado integralmente antes do ano de 2014, altura em que vigorava, sem restrições, a norma daquele n.º 2 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, estatuindo o seguinte:
As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza.
É certo que, já depois de consumada integralmente a reposição, foi aditado, em 2016, um novo número (o n.º 4) a esse artigo 36.º, com a seguinte redação:
O disposto no n.º 3 do artigo 174.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, é aplicável, com as necessárias adaptações, à reposição por compensação prevista no presente artigo.
Ora, uma tal aplicação do n.º 3 do artigo 174.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas traduz-se na estatuição de uma limitação às compensações como a que agora temos perante nós, restringindo as mesmas mensalmente a uma quantia que não pode exceder um sexto da remuneração.
Acontece que, mesmo que a referida limitação já se aplicasse à compensação sub judice – e não se aplica –, a verdade é que, porventura com exceção da quantia referente ao subsídio de Natal, todas as compensações efetivamente feitas respeitam tal limitação, como se extrai do documento referenciado no 10.º facto considerado provado.
E também não oferece dúvida a legalidade da reposição em prestações que foi autorizada, face agora ao artigo 38.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
Por outro lado, aliás, uma tal aplicação do n.º 3 do artigo 174.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas às compensações previstas no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, permite, em termos de hermenêutica jurídica, extrair claramente duas outras conclusões, que infirmam duas afirmações da Demandante, sendo tais conclusões as seguintes:
a) Do artigo 174.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não resulta a impossibilidade de aplicação à situação sub judice do regime do n.º 2 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho;
b) Nada permite excluir o contrato de trabalho em funções públicas da aplicação do mesmo regime do n.º 2 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
Concluindo-se, pois, pela legalidade que, em qualquer caso, sempre se verificaria da efetivamente consumada reposição da referida quantia pecuniária € 923,88, nenhum sentido faz a discussão sobre a consolidação na ordem jurídica dessa reposição com fundamento naquelas exceções dilatórias de ilegitimidade da Demandante e de caducidade do direito à ação.
Sendo que, sem prejuízo de tal inutilidade, dificilmente se conceberia na situação sub judice, como preconizado pelo Demandado, uma aceitação pela Demandante da atuação administrativa tendente a tal reposição, para efeitos do artigo 56.º do CPTA; independentemente até das alegações da Demandante quanto ao seu temor reverencial e ao seu erro e quanto ao abuso de direito, à coação moral e ao dolo do Demandado, alegações essas trazidas aos autos a propósito da assinatura da referida comunicação de 12 de janeiro de 2012 (cfr. facto 9.º considerado provado).
E sendo que, por outro lado, sem prejuízo daquela mesma inutilidade, não pode deixar de reconhecer-se inexistir caducidade do direito à presente ação – mesmo sem entrar, como entrou a Demandante, na dilucidação da natureza das consequências (anulabilidade ou nulidade) do vício imputado àquela mesma reposição –, pois, como sublinhado à exaustão, estamos perante uma ação administrativa visando o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei, com o propósito de condenação do Demandado ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável, à luz das atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA, numa matéria em que o Demandado está estritamente vinculado ao cumprimento da lei através das operações materiais necessárias à aplicação das disposições legais.
E uma tal ação administrativa pode ser proposta a todo o tempo (cfr. artigo 41.º do CPTA), não dependendo de uma impugnação de um ato administrativo no prazo limitado respetivo.
Face aos fundamentos acabados de enunciar, impõe-se decidir pela improcedência das exceções dilatórias de ilegitimidade da Demandante e de caducidade do direito à presente ação invocadas pelo Demandado.
IV.4 – Somos assim remetidos para a única questão de fundo, ou de mérito, objeto do presente dissídio entre as Partes:
Tem a Demandante, como reclama, direito a auferir, a partir de 27 de outubro de 2011, a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, até que no seio da B... progrida em termos salariais para uma remuneração mensal ilíquida não inferior?
Como antes se sublinhou (cfr. supra II.1), a resposta a esta questão assenta essencialmente na adequada interpretação do artigo 132.º (sob a epígrafe “Regra geral” e inaugurando uma subsecção específica relativa ao “Pessoal de apoio à investigação criminal”) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro (que aprovou a então Lei Orgânica da B...), o qual estatui o seguinte:
1 – O ingresso nas carreiras do pessoal de apoio à investigação criminal faz-se no escalão 1, precedido de um período de estágio.
2 – É condição de acesso a carreira de nível superior nas situações de mobilidade a classificação mínima de Bom nos anos relevantes para a mesma.
3 – Nos casos em que houver lugar a procedimento interno de seleção, a progressão faz-se no escalão em que o funcionário se encontra posicionado até que seja integrado no escalão seguinte, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 103.º.
4 – O tempo de serviço prestado nos termos do número anterior conta como prestado no novo escalão sempre que a integração se efetue na sequência do primeiro procedimento interno de seleção ao qual se possa submeter.
5 – Nos casos em que a integração se faça para escalão com índice remuneratório inferior ao detido no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, o funcionário vence pelo índice de origem.
E anote-se o que estatui o artigo 103.º (sob a epígrafe “Promoção e progressão”) do mesmo diploma legal:
1 – Constitui requisito indispensável para promoção e progressão a classificação de serviço mínima de Bom, salvo disposição em contrário.
2 – A mudança de escalão, em cada categoria, opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, vencendo-se o direito à remuneração no 1.º dia do mês imediato.
Anote-se, ainda, o que estatui (no que agora releva) o artigo 138.º (sob a epígrafe “Ingresso”) também do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro:
1 – O estágio para ingresso nas carreiras do pessoal de apoio à investigação criminal obedece às seguintes regras:
a) A admissão ao estágio faz-se por concurso;
b) (...);
c) O estágio tem a duração de um ano;
d) A frequência do estágio é feita em regime de contrato administrativo de provimento, no caso de indivíduos não vinculados à função pública, e em regime de comissão de serviço extraordinária, caso exista vínculo;
e) Os estagiários aprovados são providos a título definitivo na respetiva carreira e os não aprovados regressam ao lugar de origem ou veem o contrato rescindido, sem direito a qualquer indemnização, consoante se trate de indivíduos vinculados ou não à função pública;
f) (...).
2 – (...).
3 – Os estagiários são remunerados nos termos da tabela indiciária constante do anexo V ao presente diploma, sendo reconhecido aos que já são funcionários a faculdade de optar, a todo o tempo, pela remuneração correspondente à categoria de origem.
4 – O tempo de estágio, quando seguido de provimento definitivo, é contado como prestado na carreira.
À luz da norma transcrita do artigo 138.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, não podem restar quaisquer dúvidas de que a Demandante auferiu corretamente a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85 até 26 de outubro de 2011, momento em que terminou o seu período de estágio.
Mas terá direito, a partir de 27 de outubro de 2011, data em que foi provida definitivamente como especialista auxiliar, a continuar a receber essa mesma remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, até que no seio da B... progrida em termos salariais para uma remuneração mensal ilíquida não inferior?
A Demandante entende que sim, alegando em prol desta sua pretensão, como se viu, essencialmente a coerência inerente à promoção da mobilidade entre serviços e os termos do aviso do concurso ora em causa e o seu próprio entendimento desses termos.
Neste ponto, não pode deixar de notar-se que tais argumentos em nada contribuem para a resposta à questão que agora temos perante nós, seja porque a mobilidade entre serviços não pode deixar de respeitar estritamente o respetivo enquadramento legal, seja porque, como se viu (cfr. facto 3.º considerado provado), os termos do Aviso n.º 23376/2009 (publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 252 – 31 de Dezembro de 2009, páginas 52723 a 52725) relativamente à matéria dos vencimentos e regalias, limitam-se a remeter para a Tabela n.º 2 e para o anexo V ao Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, e para o suplemento de risco a que se refere o artigo 91.º do mesmo diploma, bem como para as demais regalias sociais genéricas.
Diga-se até que, se há conclusão relevante a retirar dessa redação do Aviso n.º 23376/2009 em termos de hermenêutica jurídica, ela é a de que, muito embora tal redação não refira o escalão 1 da carreira/categoria de especialista auxiliar para efeitos de ingresso definitivo na mesma, tal redação também não prevê – como a lei prevê (e só a lei pode efetivamente prevê-lo) para os estagiários – a faculdade de optar-se pela remuneração correspondente à categoria de origem que já se detenha na função pública aquando daquele ingresso definitivo.
Aliás, a Tabela n.º 2 e o anexo V, publicados junto ao Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, para os quais tal Aviso n.º 23376/2009 remete, identificam precisamente as remunerações a auferir pelos especialistas auxiliares, não considerando quaisquer opções remuneratórias.
A Demandante aduz ainda, em favor da sua pretensão, a referência a jurisprudência do próprio CAAD sobre questão semelhante à questão sub judice.
Este Tribunal Arbitral não o ignora e tem especialmente presente que o então decidido no âmbito do CAAD [cfr. Decisão Arbitral do CAAD de 7 de dezembro de 2017 (disponível em www.caad.org.pt/)] assentou, essencialmente, no argumento de que aquela norma do artigo 132.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro [Nos casos em que a integração se faça para escalão com índice remuneratório inferior ao detido no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, o funcionário vence pelo índice de origem.], não permitiria distinguir – pois em ambos os casos se estaria perante um concurso interno de ingresso – entre as situações relativas a funcionários públicos já pertencentes à B..., às quais se aplicaria, e as situações relativas a funcionários públicos ainda não pertencentes à B..., às quais se não aplicaria. E acrescentou-se a falta de sentido em admitir “que o funcionário fosse remunerado por um índice remuneratório superior durante a fase de estágio do que após concluído com sucesso o estágio e integrado na carreira”.
Por outro lado, deve anotar-se que a anteriormente referida decisão judicial invocada nos artigos 63.º e 64.º da contestação e posteriormente junta pelo Demandado (cfr. supra I.3) apresenta especificidades que não permitem considerá-la, tale quale, na apreciação e decisão da situação sub judice; ainda que nela se tenha decidido – com suporte numa ratio que, como se verá, consideramos correta – pela aplicação da norma do artigo 132.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro [O ingresso nas carreiras do pessoal de apoio à investigação criminal faz-se no escalão 1, precedido de um período de estágio.], a uma situação de ingresso numa das carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal da B... através de concurso externo e relativamente a um funcionário público que antes já desempenhava, em regime de mobilidade entre entidades públicas, funções inerentes à carreira/categoria em que ingressou através de tal concurso externo.
Assim, embora não possa considerar-se aqui, tale quale, essa decisão judicial (datada de 16 de fevereiro de 2017), a verdade é que também não pode sobre ela dizer-se simplesmente o que disse a Demandante: que a mesma “foi, praticamente, sobre a interpretação do artigo 84.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro” e que “nada tem a ver com o peticionado no âmbito deste processo que ora se encontra em causa”.
Como se sabe, o Demandado entende que a correta aplicação das normas jurídicas relevantes na matéria ora em análise determina que a Demandante, a partir de 27 de outubro de 2011, tivesse efetivamente de auferir a remuneração mensal ilíquida correspondente ao escalão 1 da carreira/categoria de especialista auxiliar, do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal da B... .
Segundo o Demandado, isso resulta, essencialmente, para além de uma decorrência do próprio princípio da igualdade, do caráter imperativo da norma do artigo 132.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, e de a norma do n.º 5 do mesmo artigo respeitar “a situações específicas de integração de trabalhadores na B... e não a situações de ingresso de trabalhadores nas carreiras especiais da B..., após procedimento concursal”.
Na apreciação e decisão da questão sub judice estamos, determinantemente, perante uma questão de legalidade, no sentido de que está exclusivamente em causa a correta interpretação – na adequada conjugação dos seus elementos literal, sistemático e teleológico – das normas aplicáveis in casu do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro.
Vejamos, então.
Os artigos 132.º a 141.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, estão integrados, todos eles, numa subseção IV, relativa às disposições especiais inerentes ao pessoal de apoio à investigação criminal.
Resulta muito claro, em termos sistemáticos, que em tal subsecção IV se distinguem, no que releva para a presente ação, as seguintes três situações:
a) A situação do acesso a escalão superior no seio de cada carreira/categoria do pessoal de apoio à investigação criminal, em primeiro lugar;
b) A situação do ingresso nas carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal, em segundo lugar;
c) A situação do ingresso nas carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal, mas através do acesso à integração em carreira/categoria superior por mobilidade do pessoal da B..., em terceiro lugar.
À primeira situação – a do acesso a escalão superior no seio de cada carreira/categoria do pessoal de apoio à investigação criminal – referem-se especialmente os n.ºs 2 e 3 do artigo 133.º (quanto à carreira/categoria de especialista superior), os n.ºs 2 e 3 do artigo 134.º (quanto à carreira/categoria de especialista), os n.ºs 2 e 3 do artigo 135.º (quanto à carreira/categoria de especialista-adjunto), os n.ºs 2 e 3 do artigo 136.º (quanto à carreira/categoria de especialista auxiliar) e os n.ºs 2 e 3 do artigo 137.º (quanto à carreira/categoria de segurança).
E, em cada um destes cinco acessos a escalão superior, a lei distingue entre o acesso ao escalão 9, implicando “concurso de provas públicas” (cfr. os referidos n.ºs 2), e o acesso ao escalão 6, implicando “procedimento interno de seleção” (cfr. os referidos n.ºs 3).
E, quanto exclusivamente a estes casos de acesso ao escalão 6, implicando, portanto, “procedimento interno de seleção”, estatuem os n.ºs 3 a 5 do artigo 132.º, que: (i) a progressão salarial faz-se no escalão em que o funcionário se encontra posicionado até que seja integrado no escalão seguinte, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 103.º (cfr. n.º 3), contando esse tempo de serviço como prestado no novo escalão sempre que a integração se efetue na sequência do primeiro procedimento interno de seleção ao qual se possa submeter (cfr. n.º 4); (ii) mas, quando a integração se faça para escalão com índice remuneratório inferior ao detido no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, o funcionário vence pelo índice de origem (cfr. n.º 5); norma esta que se justifica, exclusivamente, porque precisamente entre os escalões 5 e 6 verificam-se sobreposições dos respetivos índices remuneratórios (cfr. Anexo II ao Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro) e que, logicamente, pressupõe que o funcionário já esteja posicionado num escalão remuneratório (o 5) inerente a uma das carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal.
À segunda situação – a do ingresso nas carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal – referem-se especialmente, a primeira parte do n.º 4 e os n.ºs 5 e 6 do artigo 133.º (quanto à carreira/categoria de especialista superior), a primeira parte do n.º 4 e os n.ºs 5 e 6 do artigo 134.º (quanto à carreira/categoria de especialista), o n.º 4 do artigo 135.º (quanto à carreira/categoria de especialista-adjunto), o n.º 4 do artigo 136.º (quanto à carreira/categoria de especialista auxiliar) e o n.º 4 do artigo 137.º (quanto à carreira/categoria de segurança).
E, quanto a esta mesma segunda situação, o n.º 1 do artigo 132.º estatui a regra geral de que tal ingresso faz-se no escalão 1, precedido de um período de estágio, estágio este que é regulado no artigo 138.º.
Por fim, à terceira situação – a do ingresso nas carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal, mas através do acesso à integração em carreira/categoria superior por mobilidade do pessoal da B...– referem-se especialmente a segunda parte do n.º 4 e os n.ºs 5 e 6 do artigo 133.º (quanto à carreira/categoria de especialista superior) e a segunda parte do n.º 4 e os n.ºs 5 e 6 do artigo 134.º (quanto à carreira/categoria de especialista); e também o artigo 141.º, este prevendo uma situação muito particular de dispensa de concurso ou procedimento interno de seleção do funcionário que, tendo sido aprovado por concurso para o escalão mais elevado da sua carreira/categoria, pretenda aceder a carreira/categoria superior por mobilidade.
A esta terceira situação dedica-se, ainda, o n.º 2 do artigo 132.º, estatuindo que tal acesso à integração em carreira/categoria superior por mobilidade pressupõe “a classificação mínima de Bom nos anos relevantes para a mesma”.
E a mesma situação é igualmente objeto do artigo 140.º, que, sob a epígrafe “Mobilidade”, estatui o seguinte:
1 – Nos casos de mobilidade para carreira superior, nos termos previstos na presente subsecção, a integração na nova carreira faz-se em escalão a que corresponda:
a) O mesmo índice remuneratório;
b) Na falta de coincidência, o índice superior mais aproximado na estrutura da carreira.
2 – Nas situações previstas na alínea a) do número anterior, o tempo de serviço no escalão de origem releva para progressão na nova carreira.
Deste artigo 140.º resulta que, quando o funcionário da B... ingressa numa carreira/categoria superior do pessoal de apoio à investigação criminal, sendo na mesma integrado porque a ela acedeu por mobilidade, uma de duas situações remuneratórias pode verificar-se, aliás bem compreensíveis em termos lógicos e teleológicos, pois que se verificam algumas sobreposições entre os diversos índices remuneratórios dos vários escalões das diferentes carreiras/categorias do pessoal de apoio à investigação criminal (cfr. Anexo II ao Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro):
a) O funcionário transita para o primeiro escalão da nova carreira/categoria a que corresponda o índice por que antes estava a ser remunerado (com o tempo de serviço no escalão de origem a relevar para a progressão na nova carreira/categoria);
b) Inexistindo uma tal coincidência, o funcionário transita para o primeiro escalão da nova carreira/categoria a que corresponda o índice imediatamente superior àquele por que antes estava a ser remunerado.
Ora, é muito claro que na situação sub judice não estamos perante uma situação traduzida no acesso a escalão superior no seio de uma carreira/categoria do pessoal de apoio à investigação criminal – a referida primeira situação – e, portanto, perante uma situação em que tal acesso implica um “procedimento interno de seleção”, razão pela qual se está totalmente fora da hipótese/previsão (tatbestand/facti species) da norma do n.º 5 do artigo 132.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro.
Por outro lado, é igualmente muito claro que na situação sub judice não estamos perante a referida terceira situação, isto é, perante uma situação de integração em carreira/categoria superior por mobilidade do pessoal da B... já integrado numa carreira/categoria inferior do pessoal de apoio à investigação criminal – situação não prevista, aliás, para a carreira/categoria de especialista auxiliar –, razão pela qual se está agora totalmente fora da hipótese/previsão (tatbestand/facti species) das normas do artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro; as quais pressupõem, logicamente, a referida já existente integração do funcionário numa carreira/categoria inferior do pessoal de apoio à investigação criminal da B... .
Dito isto, torna-se muito claro que na situação sub judice estamos, isso sim, perante uma situação de ingresso numa carreira/categoria do pessoal de apoio à investigação criminal, mas fora de uma situação de mobilidade de carreira/categoria inferior para carreira/categoria superior. Estamos, pois, perante a referida segunda situação.
E, assim sendo – como realmente inequivocamente é –, há de concluir-se, necessariamente, por que prevalece na situação sub judice a regra geral do n.º 1 do artigo 132.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, fazendo-se o concreto ingresso na carreira/categoria de especialista auxiliar, no âmbito do pessoal de apoio à investigação criminal, no respetivo escalão 1.
Conclusão que, aliás, resulta reforçada por um argumento a contrario a extrair da norma do n.º 3 do artigo 138.º do mesmo Decreto-Lei. Norma esta que colhe toda a coerência do facto de a frequência do estágio ser feita em regime de contrato administrativo de provimento, caso não exista vínculo à função pública, e em regime de comissão de serviço extraordinária, caso exista esse vínculo, com os estagiários não aprovados a terem de regressar ao lugar de origem ou a terem de ver o contrato administrativo de provimento rescindido, sem direito a qualquer indemnização, consoante exista ou não tal vínculo [cfr. alíneas d) e e) do n.º 1 desse mesmo artigo 138.º].
Em suma, ao contrário do que reclama, não tem a Demandante direito a auferir, a partir de 27 de outubro de 2011, a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, até que no seio da B... progrida em termos salariais para uma remuneração mensal ilíquida não inferior.
Razão por que importa declarar totalmente improcedente a presente ação, por não poder reconhecer-se qualquer procedência à pretensão da Demandante, absolvendo o Demandado dos pedidos que aquela formulou.
V – Da Decisão Arbitral
À luz dos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar totalmente improcedentes as exceções dilatórias, deduzidas pelo Demandado, de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade da Demandante e de caducidade do direito à presente ação;
b) Declarar totalmente improcedente a presente ação, por não poder reconhecer-se qualquer procedência à pretensão da Demandante de auferir, a partir de 27 de outubro de 2011, a remuneração mensal ilíquida de € 1156,85, até que no seio da B... progrida em termos salariais para uma remuneração mensal ilíquida não inferior, ficando em consequência prejudicado o pedido relativo a juros de mora, absolvendo o Demandado de todos os pedidos formulados pela Demandante.
Registe e notifique.
12 de janeiro de 2021
O Árbitro,
Abílio de Almeida Morgado