DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. Partes, convenção arbitral e constituição do tribunal
São Partes na presente ação arbitral a A..., LDA., enquanto Demandante, e o B..., I.P., enquanto Demandado.
No que se refere à convenção de arbitragem, importa considerar o disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), segundo o qual «[q]uando, por portaria, regulamento ou qualquer outro meio legalmente admissível, os ministérios, instituições públicas de ensino superior ou outras pessoas coletivas se encontrem vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, o interessado que manifeste vontade em resolver o litígio por via arbitral deve apenas identificar o instrumento de vinculação».
Nos termos da …, encontrava-se sujeito à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD (CAAD), entre outras entidades, o B... Por força do disposto na alínea …, o referido instituto foi extinto, tendo sido sendo objeto de fusão, tendo as suas atribuições sido integradas no Demandado, criado na mesma ocasião (no mesmo sentido dispõe o artigo …).
Por sua vez, na petição inicial, a Demandante manifestou a sua vontade de resolver o presente litígio por via arbitral (cf. artigo 3.º).
Atento o disposto nos artigos 17.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2, do NRAA, o tribunal considera-se constituído em 04.02.2020.
Para os efeitos do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 8.º do NRAA, importa referir também que o litígio, que emerge de um contrato público, se enquadra no objeto do CAAD.
2. Lugar da arbitragem
A arbitragem teve lugar nas instalações do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, na Avenida Duque de Loulé n.º 72 A 1050-091, em Lisboa.
3. Pretensões formuladas, peças apresentadas e principais marcos da tramitação do processo
Na sua petição inicial, a Demandante formulou os seguintes pedidos:
a) Que seja «[d]eclarado parcialmente resolvido o contrato outorgado, entre a Requerente e o Requerido, no dia 18 de janeiro de 2012, no âmbito do concurso público “para elaboração de projeto para novo edifício …, … e …, remodelação de … e conservação geral do...”, a que foi atribuído o n.º 7/2010, nos termos anunciados pela Requerida, por carta, à Requerente, no dia 8 de janeiro de 2018»;
b) Que o Demandado seja «condenad[o] a reconhecer que a [Demandante], por via de tal resolução, tem direito ao pagamento de um justa indemnização no valor global de € 29.216,72 (vinte nove mil, duzentos e dezasseis euros e setenta e dois cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal, ou seja, € 35.936,57 (trinta e cinco mil, novecentos e trinta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos)»;
c) Que o Demandado seja «condenad[o] a proceder ao pagamento do valor do mencionado na alínea anterior, no prazo de 30 dias, sob pena de vencimento de juros».
A Demandante juntou 14 documentos a este articulado.
Citado para o efeito, o Demandado apresentou a sua contestação. O Demandado defende-se por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e pedindo:
a) Que seja «confirmada a resolução do contrato ao abrigo do disposto no artigo 334.º do Código dos Contratos Públicos», que, segundo alega, terá pronunciado através de deliberação notificada à Demandante através de ofício de 10.12.2019;
b) Que «não [seja] concedido o valor indemnizatório de €29.216,42».
O Demandado juntou 2 documentos a este articulado.
Em articulado superveniente apresentado em 03.02.2020, a Demandante veio pedir a ampliação da causa de pedir e do pedido, formulando as seguintes pretensões adicionais:
a) Que «[s]eja declarada inoponível, em relação à A., a deliberação eventualmente decidida pela Ré, sobre o pedido apresentado pela A. (e que a Ré pretendeu notificar através da carta que se junta sob o n.º 1), por violação do disposto no art.º 114.º, n.º 2 do CPA e por força do disposto no art.º 160.º do mesmo diploma; ou, em alternativa.»
b) Que «[s]ejam declaradas nulas, por referência ao estabelecido no art.º 161.º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA, a comunicação a que respeita o documento agora junto sob o n.º 1 e a respetiva deliberação, por não respeitarem as exigências de conteúdo previstas no art.º 151.º do CPA, não se identificando, além do mais, a qualidade em que intervém o subscritor de tal documento ou a função que a missiva se propõe, no respetivo iter procedimental, realizar; ou, subsidiariamente,»
c) Que «[s]ejam anuladas, à luz do que estabelece o art.º 165.º do CPA, a comunicação a que respeita o documento agora junto sob o n.º 1 e a respetiva deliberação, por falta de fundamentação (determinante de vício de anulabilidade), nomeadamente por não justificarem as razões do não reconhecimento do valor indemnizatório pedido pela Requerente e omitir qualquer referência, por mínima que fosse, à contabilização apresentada e a todos os documentos juntos – em violação do disposto nos art.ºs 152.º e 153.º do CPA.»
Em 06.02.2020, o Demandado respondeu ao teor do articulado superveniente apresentado pela Demandante, concluindo no sentido de que «devem improceder pedidos agora formulados pela demandante, considerando-se eficaz a notificação do ato administrativo efetuada a coberto do ofício S-... /TP».
O Demandado juntou aos autos o processo administrativo em questão.
Conforme referido em despacho de 16.06.2020, por força do disposto nos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, subsequentemente alterado, e tendo presente a norma interpretativa constante do artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, ficaram suspensos desde o dia 09.03.2020 todos os prazos respeitantes ao presente processo arbitral. O citado artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 foi revogado pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, diploma que, nos termos do artigo 10.º, entrou em vigor no quinto dia após a sua publicação. Assim, os prazos relativos ao presente processo arbitral, nomeadamente o prazo para proferir a decisão arbitral previsto no n.º 1 do artigo 25.º do NRAA, estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020.
Em reunião realizada no dia 24.06.2020, depois de informarem o Tribunal sobre a ausência de uma perspetiva concreta de conciliação, as Partes procederam à identificação da matéria de facto considerada controvertida e não controvertida. Como matéria controvertida foi identificada, essencialmente, a matéria alegada nos artigos 16.º a 19.º da petição inicial.
Notificado para o efeito, o Demandado juntou, em requerimento de 08.07.2020, documentos que se encontravam omissos no processo administrativo anteriormente junto e relativamente aos quais a Demandante não se pronunciou.
No dia 16.07.2020, teve lugar a audiência destinada à inquirição das testemunhas arroladas pela Demandante (C..., D... e E...).
No mesmo dia, foram ainda apresentadas oralmente – método com o qual as partes haviam concordado na reunião realizada em 24.06.2020 – as alegações finais.
II. Saneamento
O Tribunal é competente. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se afigura existirem quaisquer questões que obstem ao conhecimento da causa.
O valor do presente processo é fixado em € 35.936,54 (trinta e cinco mil novecentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), conforme indicado na petição inicial da Demandante e na contestação do Demandado.
III. Matéria de facto
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
A. A Demandante é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto a atividade de consultoria de arquitetura e engenharia, elaboração e gestão de projetos e obras, representações, gestão da qualidade e empreendimentos da construção e segurança e saúde em obra.
[cf. artigo 4.º da petição inicial; facto provado através de consulta pelo tribunal da certidão permanente da Demandante]
B. O Demandado é um instituto público, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, que tem por missão …
[cf. artigo 5.º da petição inicial; conforme resulta do Decreto-Lei n…]
C. Em 18 de janeiro de 2012, no âmbito do concurso público «para elaboração de projeto para novo edifício …, … e …, remodelação de … e conservação geral do...», foi outorgado entre a Demandante e o Demandado um contrato de aquisição de serviços para «...», com o teor constante do documento n.º 1 da petição inicial e de fls. 164 a 183 do processo administrativo junto pelo Demandado.
[cf. artigo 6.º da petição inicial e ponto 5 da contestação; facto aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo Documento 1 da petição inicial e pelo processo administrativo junto pelo Demandado]
D. Nos termos da cláusula segunda do contrato referido no ponto anterior, a prestação de serviços contratada com a Demandante abrangia «[a] elaboração dos projetos, nas suas diversas fases, conforme disposto no Programa Preliminar» e, ainda, a «assistência técnica», consistindo esta última, nos termos da cláusula terceira, «nos serviços complementares de elaboração do projeto, a prestar pelo projetista ao dono da obra durante», nomeadamente, «a execução da empreitada».
[cf. artigo 7.º da petição inicial; facto aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo Documento 1 da petição inicial e pelo processo administrativo junto pelo Demandado]
E. Nos termos do estabelecido no «Programa Preliminar» (anexo I do Caderno de Encargos), para o qual remete o n.º 1 da cláusula sexta do referido contrato, «[a]pós a adjudicação será feita uma 1ª reunião com toda a equipa projetista contratada, e com os técnicos do F... que irão acompanhar o projeto, esclarecendo o âmbito da intervenção e a metodologia de trabalho. O prazo de elaboração do Projeto de Execução será contado a partir dessa data. Estudo Prévio; 1 mês e meio (45 dias). Projeto de Execução; 3 meses e meio (105 dias)».
[cf. artigo 8.º da petição inicial; facto aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo Documento 2 da petição inicial, bem como da versão integral do programa preliminar posteriormente junto pelo Demandado]
F. Nos termos da cláusula sétima do contrato referido em C. supra, «[o] encargo total com a execução do presente contrato é de [€ 45.940,50 (quarenta e cinco mil, novecentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos)], sendo que € 37.350,00 (trinta e sete mil, trezentos e cinquenta euros) são referentes aos trabalhos a realizar e € 8.590,50 (oito mil, quinhentos e noventa euros e cinquenta cêntimos), correspondentes ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, à taxa legal em vigor, de 23 %».
[cf. artigo 10.º da petição inicial (na reprodução do facto alegado, corrigiu-se um lapso evidente na referência ao preço contratual); facto aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo Documento 1 da petição inicial e pelo processo administrativo junto pelo Demandado]
G. O referido F... foi extinto, sendo objeto de fusão no B... que, desse modo, sucedeu «nas atribuições do G...».
[cf. artigo 11.º da petição inicial; conforme resulta do Decreto-Lei n.º …]
H. A Demandante, no contexto do contrato acima citado, iniciou a elaboração do estudo prévio que apresentou à dona de obra, que o aprovou.
[cf. artigo 12.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação); sendo certo que o artigo 12.º se refere à elaboração dos “projetos”, a Demandante conformou no início da sessão de 16.07.2020 que se pretendia referir ao “estudo prévio”, tendo o Demandado confirmado que foi nesse pressuposto que aceitou o facto na contestação.]
I. O estudo prévio foi entregue em 4 de junho de 2012.
[cf. ponto 6 da contestação; na reunião realizada com as Partes em 24.06.2020, a Demandante declarou aceitar este facto, o qual aliás, viria também a ser confirmado, com credibilidade e conhecimento direto dos factos, pelas testemunhas C... e D...].
J. Foi faturado ao Demandado o valor de €9.437,50, já liquidado.
[cf. ponto 7 da contestação; na reunião realizada com as Partes em 24.06.2020, a Demandante declarou aceitar este facto].
K. O estudo prévio foi aprovado em 23 de novembro de 2011 [o facto resultou provado através dos depoimentos das testemunhas C... e D... (cujas funções adiante serão descritas) que, com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, confirmaram a referida data.]
L. O Demandado transmitiu, em 28 de fevereiro de 2013, à Demandante que apenas avançariam para execução os projetos referentes ao Bloco Residencial, Balneário do Ginásio e Bloco Escolar.
[cf. artigo 13.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação)]
M. Desde 28 de fevereiro de 2013 e até, pelo menos, 8 de janeiro de 2018, a Demandante não recebeu qualquer informação complementar, em face do que questionou o B... .
[cf. artigo 14.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação)]
N. A Demandante suportou os custos inerentes à manutenção das condições necessárias à prestação do serviço, nomeadamente: a) no pagamento dos juros devidos pela manutenção da garantia bancária, entre janeiro de 2012 e 8 de janeiro de 2018, apresentada em garantia da boa execução do contrato, no valor total de € 1.158,75 (mil, cento e cinquenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos); b) na manutenção da equipa de cinco técnicos (a saber, dois engenheiros civis – um deles coordenador –, um engenheiro eletrotécnico, um engenheiro mecânico de AVAC e um arquiteto), que – entre junho de 2012 e fevereiro de 2013 (durante 8 meses) – esteve alocada (em 20 %) ao projeto.
[cf. artigo 15.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação).
Os custos suportados com as comissões associadas à garantia bancária prestada são também demonstrados através do documento n.º 5 da petição inicial, conjugados com o documento correspondente à cópia da garantia bancária em questão junto pelo Demandado em requerimento de 08.07.2020.]
O. O Demandado, por carta datada de 8 de janeiro de 2018, comunicou à Demandante intenção de proceder à «resolução do contrato ao abrigo do artigo 334.º do Código dos Contratos Públicos, conforme deliberação do Conselho Direto exarada na informação .../... /... /TP», e concedeu-lhe prazo de 10 dias para pronúncia ao abrigo do direito de audiência prévia que precede a decisão final, conforme o regime estatuído nos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
[cf. artigo 20.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo documento n.º 3 junto com a petição inicial]
P. No dia 15 de janeiro de 2018, a Demandante remeteu ao Demandado uma missiva com o seguinte teor:
«Considerando o teor da carta com Refª S-... /TP datada de 08/01/2018, na qual somos notificados de decisão unilateral de V. Exas sobre a resolução de contrato ao abrigo do Art. 334.º do Código dos Contratos Públicos, e atendendo às razões expostas na referida comunicação, gostaríamos de salientar os seguintes fatos:
Essa entidade, contratou a nossa empresa para a prestação de serviços dos projetos acima aludidos, tendo sido celebrado o contrato nº ... de 18/01/2012 no valor de 37.350,00€.
Aquando da Aprovação do Estudo Prévio foi faturado e liquidado o valor de 9.437,50€ correspondente a 25% do valor contratado. O remanescente do contrato no valor de 27.912,50€, corresponde ao valor do Projeto de Execução e da Assistência Técnica.
A A..., atuou sempre com a máxima diligência na prestação dos serviços contratados, tendo inclusive, elaborado novas propostas, tendo estado presente em várias reuniões onde foram discutidas soluções que permitissem ultrapassar o facto da localização do Novo Edifício proposto por V. Exas, estar implantado em zona de RAN.
Não obstante as várias comunicações enviadas pela A..., e as tentativas de ultrapassar esta situação, totalmente alheia a esta empresa, nunca obtivemos qualquer resposta dessa entidade, e estamos a reportar-nos ao ano de 2013 (ver histórico em anexo).
No plano da responsabilidade (civil) contratual (nos termos em que o próprio CCP, no seu art. 334.º, o n.º2 prevê a resolução do contrato por imperativos de interesse público cria, para o contraente público, a obrigação simétrica do dever de indemnização total do co-contratente, não apenas pelos danos emergentes, mas também pelos lucros cessantes.
Além da obrigação do pagamento da indemnização nos termos atrás expostos, impende, também, sobre o contraente público o dever de pagar juros moratórios nos casos em que a indemnização não seja paga no prazo de 30 dias após o apuramento do respetivo montante. Cfr. Artigo 334.º, n.º3 do Código dos Contratos Públicos.
Neste contexto, a A..., desde a data da aprovação do Estudo Prévio manteve ao seu serviço, uma equipa de projetistas conforme imposto pelo Caderno de Encargos.
Para esse efeito a A... suportou, como é óbvio, os custos inerentes a tal manutenção.
Assegurou ainda uma garantia bancária que, desde Janeiro de 2012, acumulou até esta data o valor de: (46,35€ x 25*)= 1.158,75€
*(4 débitos por ano, 2012 (4); 2013 (4); 2014 (4) ;2015 (4); 2016 (4); 2017 (4); 2018 (1).
Assim, e face ao exposto, vimos informar que, de acordo com o nº 1 e 2 do Artigo 334.º do Código dos Contratos Públicos, aceitamos a decisão de V. Exas, desde que sejamos ressarcidos dos seguintes valores:
· Juros referentes à garantia bancária prestada pela A..., desde a data da assinatura do contrato até à presente data……………………………………1.158,75€
· Indeminização total correspondente às fases subsequentes do projeto, nos valores de:
- Projeto de Execução………………………………………………..…. 22.310,00€
- Assistência Técnica …………………………………..….…………...… 5.602,50€
TOTAL: ……..….. 29.071,25€
Valores aos quais acresce IVA à Taxa Legal».
[cf. artigo 21.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo documento n.º 4 junto com a petição inicial].
Q. O Demandado dirigiu à Demandante uma comunicação datada de 30 de janeiro de 2018, na qual é referido o seguinte:
«[…] somos a transmitir-vos que nos encontramos a analisar o seu teor [da comunicação referida no ponto anterior].
[…][A]gradecíamos a V. colaboração no sentido de apurar os custos alegados e decorrentes do contrato em crise.
Assim somos a solicitar os comprovativos dos juros pagos referentes à garantia bancária associada ao contrato n.º..., o apuramento por vós efetuado e referente aos custos com a manutenção da equipa de projetistas alocados ao contrato e, por fim, a vossa contabilização da expetativa de lucro com a execução das fases subsequentes do projeto»
[cf. artigo 22.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo documento n.º 6 junto com a petição inicial]
R. A Demandante, por comunicação remetida no dia 2 de fevereiro de 2019 ao Demandado, enviou um conjunto de documentação, referindo o seguinte:
«[…] correspondendo ao vosso pedido informamos:
‐Juros pagos referentes à garantia bancária associada ao contrato n.º... (anexam-se dados contabilísticos/bancários de 2012 até janeiro 2018), no valor de 1.242,97€.
Refira-se que, para além dos juros, há prejuízos decorrentes face a limitações de plafonds bancários de utilização/concessão;
‐ Custos de manutenção da equipa projetista alocada ao contrato:
De junho de 2012 (data da entrega do estudo prévio) até fevereiro de 2013 (data da comunicação relativa á necessidade de alteração do Novo Edifício):
2.450,00€ (C./técnico) x 8 meses x 5 (n.º técnicos) x 0,2 (afetação) = 19.600,00€
‐ Expetativa de lucro com fases subsequentes e apoio administrativo e de gestão
(22.310,00€ + 5.602,50€) = 27.912,50€ x 0,30 (afetação) = 8.373,75€
Total: …………... 29.216,42€
Valores aos quais acresce IVA à Taxa Legal.
Acresce também referir, que desde fevereiro de 2013, data em que nos informaram de que o projeto teria de ser reajustado, até ao ano de 2015, efetuamos troca de correspondência com essa Entidade, conforme emails anexos, nos quais foi sendo solicitado apoio.
Nestes documentos é bem visível o esforço e empenho por nós demonstrado na tentativa de solucionar uma situação à qual fomos totalmente alheios.
Assim, estando certos de V.Exa decidirá com justeza e dentro das normas legais, que nos regem, solicitamos a sua melhor atenção para a rápida resolução deste assunto».
[cf. artigo 23.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo documento n.º 5 junto com a petição inicial]
S. A Demandante, por comunicação remetida ao Demandado, e por este recebida no dia 18 de setembro de 2019, solicitou ao Presidente do Conselho Diretivo do Demandado que fosse determinada «a decisão final de resolução, com definição do pagamento do justo montante de indemnização, quanto ao contrato em epígrafe, designadamente ordenando o pagamento à primeira de indemnização no valor de € 29.216,72 (vinte nove mil, duzentos e dezasseis euros e setenta e dois cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal, que é devida à Requerente por força do n.º 2 do citado normativo, sob as cominações previstas no n.º 3 do mesmo artigo».
[cf. artigo 24.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação) e provado pelo documento n.º 7 junto com a petição inicial]
T. Após a missiva referida no ponto anterior e até ao momento em que foi proposta a presente ação, o Demandado não dirigiu qualquer comunicação à Demandante.
[cf. artigos 24.º e 25.º da petição inicial; aceite pelo Demandado (ponto 1 da contestação)]
U. Com base na Informação n.º .../TP, de 03.10.2019, o Conselho Diretivo do Demandado adotou uma deliberação no sentido de «manter a deliberação de 22/12/2017, ou seja, a resolução do contrato e a não concordância com o valor indemnizatório peticionado, como proposto, nos termos e fundamentos da presente informação».
[cf. ponto 18 da contestação, demonstrado pelo documento n.º 2 junto com a contestação (nas pp. 3 a 8)]
V. O Demandado enviou à Demandante um ofício com a referência .../NJC, de 10 de dezembro, com o teor constante das primeiras duas páginas do documento n.º 2 junto com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.
[cf. ponto 18 da contestação, o qual, conforme referido no ponto seguinte, apenas se considera parcialmente provado (apenas na medida acima referida neste ponto V.)]
W. Aquando do enviou da comunicação referida no ponto anterior, o Demandado não enviou à Demandante uma cópia da Informação e do Despacho do Conselho Diretivo referidos no ponto U. supra.
[cf. artigos 4.º e 5.º do articulado de 03.02.2020, aceite pelo Demandado na reunião realizada no dia 24.06.2020]
Quanto aos custos alegados nos artigos 16.º a 19.º da petição inicial, impugnados nos termos do ponto 2 da contestação, dá-se como provada a seguinte factualidade.
X. Entre a aprovação do Estudo Prévio pelo Demandado e 28 de fevereiro de 2013, foram desenvolvidos trabalhos correspondentes à execução da fase da elaboração do projeto de execução pelos cinco técnicos a que a Demandante se refere no artigo 16.º da petição inicial.
Fundamentos:
Depoimento da testemunha C..., engenheiro civil, funcionário da Demandante desde 2006 e que relativamente ao contrato em questão, além de responsável pelo projeto de estruturas, desempenhava ainda a função de “gestor do projeto”, função que englobava as tarefas de planeamento do trabalho, a gestão interna da equipa de trabalho e de relacionamento com o cliente:
No seu depoimento, com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, a citada testemunha referiu que após a aprovação do estudo prévio, e tendo em conta que estaria em curso o prazo da fase seguinte, a equipa trabalhou no projeto em questão.
Muito embora três dos técnicos afetos à equipa de cinco técnicos considerados na petição inicial não tivessem sido arrolados como testemunhas, o Tribunal considera que, no depoimento da testemunha em questão, deve ser valorada a circunstância de desempenhar a função de gestão interna da equipa de trabalho, o que lhe proporciona ciência sobre se, para além do trabalho desenvolvido pelo próprio, os demais membros da equipa retomaram os trabalhos nessa altura.
Quanto ao período em questão, a testemunha, não se recordando se foram desenvolvidos trabalhos entre a entrega do estudo prévio e a respetiva aprovação, afirmou que após a aprovação do estudo prévio foram retomados os trabalhos. Afirmou ainda que, em 28 de fevereiro de 2013, momento em que a Demandante recebeu um e-mail do Demandado relativo a uma reunião sobre o “Novo Edifício de Apoio”, a equipa estava ainda a trabalhar no pressuposto de que estaria a correr o prazo para a elaboração do projeto de execução e que o contrato manteria o seu objeto inicial.
Depoimento da testemunha D..., arquiteta, funcionária da Demandante desde 2004, e técnica diretamente envolvida na execução do contrato em questão:
No seu depoimento, com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, referiu que, pelo menos no período entre a aprovação do estudo prévio e maio de 2012 a equipa afeta ao projeto trabalhou no projeto de execução, que teria ficado praticamente concluído. No que se refere ao período compreendido entre a apresentação do estudo prévio e a respetiva aprovação, afigura-se ao Tribunal que as afirmações da testemunha resultaram apenas de uma suposição assente numa prática habitual de adiantar os trabalhos nessa fase.
Muito embora os demais técnicos afetos à equipa de cinco técnicos considerados na petição inicial não tivessem sido arrolados como testemunhas, o Tribunal considera relevante o depoimento da testemunha em questão no sentido de que os demais membros da equipa também se encontravam a trabalhar no projeto durante o referido período, uma vez que, segundo explicou, a sua intervenção pressupunha a conclusão prévia de trabalhos realizados pelas várias especialidades. E, segundo referiu, chegavam-lhe dos colegas da equipa os elementos por estes desenvolvidos necessários ao trabalho da testemunha. Esta circunstância permitiu-lhe afirmar com credibilidade que, para além do trabalho desenvolvido pela própria, os demais membros da equipa se encontravam também a trabalhar no projeto em questão.
Y. No período entre julho de 2012 e fevereiro de 2013, quatro dos cinco técnicos a que se refere o artigo 16.º da petição inicial auferiam mensalmente um rendimento base bruto não inferior a € 1.450 (mil quatrocentos e cinquenta euros) e a “coordenadora do projeto” auferiu um rendimento base bruto não inferior a € 5.000.
Fundamentos:
Não foi produzida prova documental que, por si só, sustentasse este facto. Por um lado, os documentos n.ºs 8, 9, 10 e 12 da petição inicial, mesmo que identificassem o destinatário pelo respetivo nome (o que não é o caso), não comprovariam um efetivo pagamento dos montantes em questão aos trabalhadores. Por outro lado, no que se refere aos meses de julho de 2012 a janeiro de 2013, a comprovação documental seria ainda inviabilizada pela circunstância de os documentos em questão se referirem apenas ao mês de fevereiro de 2013.
No entanto, tendo presente a prova testemunhal produzida, que acresce aos referidos elementos documentais, o Tribunal considera demonstrada uma parte das despesas com retribuições pagas aos trabalhadores a que se refere o artigo 16.º da petição inicial.
Em particular, importa fazer referência ao depoimento da testemunha E..., funcionária administrativa da Demandante há 25 anos, cujas funções compreendem a preparação da informação contabilística relativa aos salários e o pagamento dos salários dos funcionários da Demandante. No seu depoimento, com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, referiu, com segurança, que no período em discussão a remuneração base auferida por cada um dos técnicos correspondia situava-se entre os € 1.450 (mil e quatrocentos e cinquenta euros) e € 1.500 (mil e quantos euros) – remuneração que seria igual entre os técnicos. Apenas em relação à diretora da empresa, que assumia as funções de “coordenador do projeto” [função que, como explicou a testemunha C..., não se confunde a do “gestor (interno) do projeto”, desempenhada por este] a testemunha E... confirmou que o rendimento base correspondia a mais de € 5.000 (cinco mil euros). Os valores referidos pela citada testemunha encontram-se em harmonia com os valores das remunerações base referidos nos documentos n.ºs 8, 9, 10 e 12, o qual, refira-se também, foi confirmado pela testemunha D..., relativamente à sua pessoa, quando confrontada com o documento n.º 10. Por outro lado, no que se refere ao “coordenador do projeto”, também o valor referido aproxima-se do valor constante do documento n.º 11 da petição inicial.
Além disso, a testemunha E...– que, como referido, era responsável pelo pagamento dos vencimentos – confirmou que os referidos montantes dos vencimentos relativos aos meses compreendidos entre julho de 2012 e fevereiro de 2013 dos cinco membros da equipa afeta a este projeto foram efetivamente pagos.
Z. A alocação média dos cinco membros da equipa ao projeto correspondente ao contrato em discussão era não inferior a 20%.
Fundamentos:
Depoimento da testemunha C..., que, no seu depoimento, com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, referiu que, não obstante a possível oscilação no efetivo grau de afetação de um técnico a um determinado projeto, por regra cada técnico não é envolvido em mais de cinco projetos em simultâneo.
Depoimento da testemunha D... que, com credibilidade e revelando ter conhecimento direto dos factos, referiu que existia um cuidado com o número de projetos atribuídos a cada técnico, tanto que, em períodos de elevado nível de trabalho na empresa, a Demandante recorre a recursos externos. Neste contexto, a testemunha confirmou que, em regra, não são alocados a cada técnico da empresa mais do que quatro ou cinco projetos em simultâneo.
Quanto aos factos não provados:
A. Ainda que a questão não tenha sido expressamente alegada na petição inicial, o teor da comunicação transcrita no artigo 23.º do referido articulado faz referência a uma expectativa de lucro que, segundo os cálculos aí apresentados, corresponderia a 30% (trinta por cento) do preço contratual.
O Tribunal considera que, independentemente da falta de alegação na petição inicial, a verdade é que, além de não existirem nos autos elementos documentais a este respeito, tão-pouco os depoimentos prestados pelas testemunhas permitiriam extrair uma conclusão a este respeito.
Com efeito, as testemunhas C... e D... não confirmaram a sua participação da definição do preço proposto no âmbito do concreto procedimento de formação do contrato em questão. Concretamente, a primeira das referidas testemunhas referiu que, considerando o tempo entretanto decorrido, não se recordava se esteve envolvido na referida decisão. A testemunha D... referiu que, embora por vezes colaborasse na preparação de propostas em procedimentos de contratação pública, não estava envolvida nas ponderações relativas ao lucro ou à rentabilidade projetada. Por fim, a testemunha E..., muito embora referisse o seu envolvimento na preparação da proposta, confirmou também que, tendo em conta o tempo decorrido, não se recorda das concretas ponderações a que houve lugar.
Esta circunstância, por si só, inviabilizaria uma conclusão a este respeito.
Em todo o caso, importa referir ainda o seguinte. É certo que a testemunha C... referiu que, por vezes, o preço proposto excederia em 30% os custos estimados com a execução do contrato. No entanto, além de não ter sido confirmado pela prova testemunhal que, no caso concreto, teria sido esse o método seguido na definição do preço, foi também referido que esse valor dificilmente é atingido na prática e, questionado pelo Tribunal, referiu que não existiam dados sobre a margem de lucro ou de rentabilidade efetivamente atingidos na execução de projetos – ou seja, que não existiam dados sobre o lucro ou a rentabilidade habitualmente atingidos. Além disso, tanto a testemunha C... como a testemunha D... referiram que, por vezes, o preço era ajustado em função de considerações estratégicas relacionadas com o particular interesse em certas adjudicações, o que poderia levar à assunção de uma expectativa de lucro mais reduzida. No entanto, nenhuma das testemunhas estava em condições de confirmar se, no caso em apreço, essas ponderações de natureza estratégica influíram na determinação do preço proposto no âmbito do procedimento de formação do contrato.
B. Por outro lado, não ficaram provados os custos referidos nas alíneas b) e c) do artigo 16.º da petição inicial, onde se refere o seguinte:
«Entre junho de 2012 e fevereiro de 2013, a Requerente suportou mensalmente os seguintes custos:
[…]
b) Seguro de responsabilidade civil - € 250,52 (sendo valor anual de € 3006,24) – cf. doc. 13;
c) Quotização e seguro respetivo - € 338,00 (sendo o valor trimestral total de € 1.014,00) – cf. docs. n.º 14 e 15.»
Fundamentos:
A prova produzida mostra-se insuficiente para a prova dos referidos valores.
No que se refere ao seguro de responsabilidade civil, a Demandante remete para o documento n.º 13 da petição inicial, o qual, além de se referir a um produto designado como “V. Ac. Trabalho”, não contém indicações quanto ao respetivo “objeto” e à “pessoa segura”, remetendo a este respeito para “condições particulares”, que não constam dos autos.
No que se refere à rubrica “quotização e respetivo seguro”, a Demandante remete para os documentos n.ºs 14 e 15 da petição inicial que, correspondem a dois recibos emitidos pela H...: no primeiro caso, com a referência «quotização – trimestre de Outubro a Dezembro»; no segundo caso, com a referencia «comparticipação nos custos da apólice de grupo do seguro de responsabilidade civil profissional. Trimestre de Outubro a Dezembro». No entanto, não existem indicações nos autos sobre o âmbito coberto por estes valores, o que inviabiliza a consideração dos respetivos valores.
A prova testemunhal não se revelou suficiente para suprir estas incertezas. A testemunha C... limitou-se a referir a existência de seguros e quotizações. A testemunha D... também se limitou referir a existência de seguros e, quando confrontada com a questão de saber se esses seguros seriam contratados especificamente por projeto, referiu não possuir esse conhecimento por se tratar de uma questão ligada à gestão da empresa. Por outro lado, a testemunha E..., embora referisse a existência dos seguros, apenas quanto ao seguro de acidente de trabalhos referiu um valor com correspondência aproximada aos documentos juntos. Referiu, no entanto, que se tratava de um seguro global, sendo que os autos não contêm indicações sobre o número dos funcionários cobertos à data, informação que a citada testemunha também não confirmou com a segurança necessária (referido apenas “achar” que, à data, a empresa teria um determinado número de técnicos).
No que se refere ao “custo médio” dos técnicos considerado internamente no âmbito de preparação de propostas, a testemunha C... não precisou um montante concreto. Mesmo quando confrontado com a questão de saber se esse custo se situaria aproximadamente em 2.400 € - número que foi referido na pergunta colocada (e não, espontaneamente, pela própria testemunha), a testemunha absteve-se de confirmar, com a segurança necessária, este valor.
C. Sem prejuízo dos valores referidos no ponto Y da matéria de facto provada, importa referir que, não tendo ficado provados os custos referidos no ponto anterior, não se consideram provados os valores referidos pela Demandante para os quais concorrem estes custos não provados. Assim, não se consideram provados os valores referidos nos artigos 17.º, 18.º e 19.º da petição inicial, onde se refere o seguinte:
«No global, com a manutenção da equipa de trabalho, a Requerente suportou, mensalmente, o valor de € 13.073,86 (treze mil e setenta e três euros e oitenta e seis cêntimos)» (cf. artigo 17.º da petição inicial).
«Uma vez que a referida equipa se encontrava afetada, em 20 %, ao projeto em apreço, tal implica que o custo mensal efetivamente suportado, na parte que corresponde a este projeto, projeto, pela Requerente, não foi inferior a € 2.450,00» (cf. artigo 18.º da petição inicial).
«No total dos oito meses, a manutenção da equipa cuja disponibilidade era obrigatória nos termos contratados, consubstanciou, na parte correspondente a projeto em análise, um custo total não inferior a € 19.600,00 (dezanove mil e seiscentos euros)» (cf. artigo 19.º da petição inicial).
IV. Matéria de direito
1. Considerações introdutórias
Na petição inicial, apresentada em 09.12.2019, a Demandante começa por pedir a este tribunal arbitral que «declar[e] parcialmente resolvido» o contrato celebrado entre as partes «nos termos anunciados [pelo Demandado] por carta [à Demandante] no dia 8 de janeiro de 2018».
A esta pretensão, de declaração de resolução do contrato pelo tribunal, a Demandante acrescenta um pedido no sentido da condenação do Demandado a reconhecer o direito indemnizatório da Demandante no valor de € 29.216,72 (acrescido de IVA), bem como um pedido de condenação do Demandado no pagamento dessa indemnização.
Na contestação, o Demandado deu notícia de que, por deliberação do Conselho Diretivo entretanto comunicada à Demandante, já havia sido praticado o ato de resolução, sem que tivessem sido acolhidas as pretensões indemnizatórias da Demandante.
Porém, a comunicação desta decisão à Demandante apenas foi feita apenas através de um ofício de notificação, sem que fosse enviada uma cópia da própria deliberação e da informação subjacente. Com efeito, solicitando a ampliação das pretensões inicialmente formuladas na petição inicial – que a Demandante afirmou manter integralmente –, pede que o Tribunal declare a “inoponibilidade” do ato de resolução, acrescentando “em alternativa” um pedido de declaração de nulidade do referido ofício de notificação e da própria deliberação e, subsidiariamente, um pedido de anulação dos mesmos dois atos.
2. Quanto ao pedido de declaração parcial da resolução
Conforme resulta da factualidade provada, o Demandado notificou a Demandante de um projeto de decisão de resolução do contrato celebrado entre ambos em 18 de janeiro de 2012. Mais concretamente, e conforme decorre da informação subjacente à respetiva deliberação do Conselho Diretivo (cf. fls. 156 a 163 do processo administrativo junto pelo Demandado), tratava-se de um projeto de resolução por razões de interesse público, nos termos do artigo 334.º do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Ora, o pedido formulado pela Demandante no sentido de declaração a resolução contratual nos termos projetados (ou seja, uma resolução por razões de interesse público) implicaria que este tribunal arbitral interferisse num espaço de valoração próprio do Demandado. Quer isto dizer que a conformação substantiva pedida a este tribunal incidiria sobre uma zona discricionária da decisão regulada no n.º 1 do artigo 334.º do CCP.
Improcede, pois, desde logo por esta razão, o primeiro pedido formulado na petição inicial.
3. O pedido de declaração de inoponibilidade do ato praticado pelo Demandado
Como vimos, já em momento posterior à propositura da presente ação o Demandado comunicou à Demandante a deliberação do Conselho Diretivo que confirmou a extinção contratual, sem que tivesse sido reconhecido a indemnização reclamada pela Demandante.
Tendo em conta que o ofício de notificação enviado à Demandante não foi acompanhado de uma cópia integral do ato (composto, designadamente, por uma informação e um despacho do Conselho Diretivo), considera a Demandante que o Demandado violou a alínea a) do n.º 2 do artigo 114.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o que, nos termos do 160.º do mesmo diploma, ditaria a inoponibilidade do ato de resolução.
Nesta conformidade, a Demandante veio pedir, no articulado de 03.02.2020, o reconhecimento desta inoponibilidade.
Vejamos, então.
De facto, a alínea a) do n.º 2 do artigo 114.º do CPA exige que «[d]a notificação do ato administrativo const[e] […] [o] texto integral do ato administrativo, incluindo a respetiva fundamentação, quando deva existir», o que, conforme decorre da factualidade assente, não ocorreu no caso dos autos.
Por outro lado, o artigo 160.º do CPA determina que «os atos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício, só são oponíveis aos destinatários a partir da respetiva notificação».
Ora, no caso dos autos verifica-se que, de facto, e contrariamente ao que exige a alínea a) do n.º 2 do artigo 114.º do CPA, da notificação dirigida à Demandante não constava o texto integral do ato administrativo.
No entanto, importa sublinhar que essa circunstância não corresponde a uma falta de notificação que, nos termos do citado artigo 160.º do CPA, conduza à inoponibilidade do ato.
Na verdade, afigura-se que o vício em questão conduz a uma notificação insuficiente que, quanto aos seus efeitos, não deve ser equiparada à falta de notificação. Recorrendo às palavras de PEDRO GONÇALVES, «[d]a falta de notificação deve distinguir-se a notificação insuficiente ou incompleta, que, no ordenamento português, é um acto jurídico eficaz, que determina a oponibilidade do acto notificado, marca o início do decurso do prazo de reacção do interessado, assim como confere relevância jurídica externa àquele acto» [cf. “Notificação dos actos amdinistrativos (notas sobre a génese, evolução, função e sentido de uma imposição constitucional)”, AB VNO AD OMNES – 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 1121].
No âmbito das notificações insuficientes – como a que está em causa nestes autos – importa considerar ainda a distinção traçada por SÉRVULO CORREIA entre os casos de insuficiência relativa e os casos de insuficiência absoluta da notificação (cf. “Inexistência e insuficiência de notificação de acto administrativo” (2006), in J. M. SÉRVULO CORREIA, “Estudos de Direito Público”, Vol. 1, Almedina, 2019, p. 519 e segs.).
Na primeira destas categorias enquadram-se, nomeadamente, as situações previstas no artigo 60.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual, «quando a notificação ou a publicação do ato administrativo não contenham a indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão, tem o interessado a faculdade de requerer à entidade que proferiu o ato a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha, bem como, se necessário, de pedir a correspondente intimação judicial». De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, «[a] apresentação, no prazo de 30 dias, de requerimento dirigido ao autor do ato […] interrompe o prazo de impugnação, mantendo-se a interrupção se vier a ser pedida a intimação judicial […]».
A citada solução legislativa resulta de uma operação de «optimização na consecução conjugada dos princípios [constitucionais] em conflito»: «o direito à notificação e a tendencial eficácia dos atos administrativos» (ob. cit., p. 523). Assim, nos casos em que os vícios da notificação não são de molde a impedir o conhecimento pelo destinatário da prática de um ato e do seu sentido, a lei limita-se a permitir que o destinatário exija a realização de uma notificação adequada e, desse modo, interrompa o respetivo prazo de impugnação.
Destes casos, de insuficiência relativa, devem distinguir-se os de insuficiência absoluta, ou seja, as «situações em que o administrado não haja disposto ao menos dos conhecimentos essenciais para compreender que se encontra emitido um acto administrativo e, ou, que esse acto administrativo se destina a comprimir de certo modo a sua esfera jurídica, bem como que a Administração considera ter levado a cabo a respectiva notificação» (ob. cit., p. 524).
Ora, afigura-se que o vício de que padece a notificação em apreço se enquadra na hipótese de uma mera insuficiência relativa: na verdade, tendo em conta o teor do ofício de notificação constante das primeiras duas páginas do documento n.º 2 da contestação, é de concluir que a falta de junção do texto integral do ato (que contém a sua fundamentação completa) não era de molde a impedir a Demandante de compreender que foi tomada uma decisão e que a mesma consistia na estatuição de uma resolução contratual sem atribuição da indemnização solicitada.
Nesta conformidade, o vício de que padece o ato de notificação em causa nestes autos não é equiparável a uma situação de falta de notificação conducente à inoponibilidade do respetivo ato administrativo, pelo que improcede o primeiro pedido formulado pela Demandante no articulado de 03.02.2020.
4. A impugnação do ato de notificação
No segundo e terceiro pedido formulado no articulado de 03.02.2020, a Demandante impugna tanto o ato de notificação como a própria deliberação de resolução do contrato.
Comecemos pela primeira parte, em que a Demandante pede a declaração de nulidade, ou subsidiariamente a anulação, do ato de notificação.
A Demandante refere que a comunicação em questão não observa o artigo 151.º do CPA, o que, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 161.º do mesmo diploma, determinaria a nulidade da notificação. Quanto à anulabilidade, alega uma violação do disposto nos artigos 151.º e 152.º do CPA, sustentando a citada invalidade no artigo 165.º do mesmo diploma.
Ora, todas as normas invocadas – tanto na identificação de alegados vícios como na determinação da consequente invalidade – encontram-se legalmente estabelecidas para atos administrativos.
Ao invés, no segmento ora considerado destes pedidos, o objeto da impugnação não incide sobre a deliberação do Conselho Diretivo (ato administrativo), mas sobre a notificação dessa deliberação, que consubstancia um ato de comunicação (ou medida de conhecimento).
Relativamente a esta segunda categoria de atos (atos de notificação), os seus vícios e as consequências da sua ausência não se aferem à luz das normas citadas pela Demandante, mas antes nos termos dos citados artigos 114.º e 160.º do CPA.
No entanto, tendo em conta o exposto no capítulo anterior, em que já foram apreciadas as consequências dos vícios da notificação, impõe-se a conclusão pela improcedência dos pedidos ora em apreço.
5. A impugnação da deliberação do Conselho Diretivo
Nos demais segmentos do segundo e terceiro pedido do articulado de 03.02.2020, a Demandante dirige a sua pretensão impugnatória contra a própria deliberação do Conselho Diretivo.
A Demandante começa por sustentar que a deliberação em causa seria nula nos termos das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA. Concretamente, sustenta que o ato em questão não indica «a qualidade em que intervém o subscritor de tal documento ou a função que a missiva se propõe, no respetivo iter procedimental, realizar», o que violaria o disposto no artigo 151.º do CPA e, segundo parece resultar do pedido, conduziria a uma nulidade nos termos das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 161.º do mesmo diploma.
No entanto, não se afigura que assista razão à Demandante.
Quanto à identificação do autor do ato, o artigo 151.º exige, por um lado, que do ato constem «a assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana» e, no caso em apreço, resulta claro que a deliberação foi tomada pelo “Conselho Diretivo” do Demandado («O Conselho Diretivo delibera…»), não sendo posta em causa pela Demandante a assinatura eletrónica aposta no despacho.
Por outro lado, ao referir-se à alegada falta de menção à «função que a missiva se propõe, no respetivo iter procedimental, realizar», a Demandante parece referir-se ao ato de notificação («missiva») e não à própria deliberação de resolução. Mas ainda que assim não fosse, a crítica da Demandante seria, quando muito, reconduzível à alegação de uma violação da alínea e) do n.º 1 do artigo 151.º, nos termos da qual deve constar do ato administrativo «[o] conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto». Em qualquer caso, afigura-se que a deliberação é clara ao identificar o objeto e o sentido da estatuição nela contida, clareza que sai reforçada pela consideração da Informação .../TP cujo teor a deliberação acolhe expressamente.
No plano da anulabilidade, a Demandante alega que o ato padece de um vício de violação de lei por ofensa ao dever de fundamentação dos atos administrativos regulado, essencialmente, nos artigos 152.º e 153.º do CPA.
Nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do CPA, «a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato».
Ora, afigura-se que o teor da Informação .../TP, acolhida pelo ato do Conselho Diretivo, satisfaz as exigências colocadas por esta disposição legal: por um lado, enuncia os as considerações fácticas e jurídicas subjacentes à decisão de resolução, remetendo ademais para as conclusões contidas na Informação I.../4916 que havia sido comunicada à Demandante para efeitos de pronúncia em sede de audiência prévia (cf. a p. 4 e nota de rodapé 2 da Informação .../TP, integrante do documento n.º 2 junto com a contestação); por outro lado, enuncia as razões pelas quais não é acolhida a indemnização solicitada pela Demandante (cf. p. 4 e seguintes da mesma informação).
Improcedem, assim, também os pedidos de impugnação do ato de resolução.
6. A pretensão indemnizatória
Aqui chegados, importa apreciar a pretensão indemnizatória resultante das alíneas b) e c) do pedido formulado a final da petição inicial.
Tendo o Demandado praticado um ato de resolução por razões de interesse público do contrato celebrado com a Demandante em 18.01.2012, importa considerar o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 334.º do CCP, no qual a Demandante apoia a sua pretensão.
As citadas normas dispõem do seguinte modo:
«1 - O contraente público pode resolver o contrato por razões de interesse público, devidamente fundamentado, e mediante o pagamento ao co-contratante de justa indemnização.
2 - A indemnização a que o co-contratante tem direito corresponde aos danos emergentes e aos lucros cessantes, devendo, quanto a estes, ser deduzido o benefício que resulte da antecipação dos ganhos previstos.»
Afigura-se claro que a Demandante tem direito a uma indemnização nos termos destas normas legais.
Quanto aos danos emergentes, são de considerar os custos dados como provados relativos à remuneração dos técnicos que efetivamente trabalharam na execução da fase de elaboração do projeto de execução (na parcela em que estavam afetos ao projeto em apreço). A atendibilidade destes custos não é posta em causa pela circunstância de, na altura em questão, os técnicos pertencerem aos quadros da empresa, pois o pagamento das respetivas remunerações não deixa de consubstanciar uma subtração patrimonial na esfera da Demandante.
Ficou provado que a equipa considerada na petição inicial trabalhou efetivamente na elaboração do projeto de execução, sendo que quatro dos técnicos em questão auferiam um rendimento base bruto não inferior a € 1.450 e um membro da equipa auferia um rendimento base bruto não inferior a € 5.000. Tendo em conta o ponto Z. da matéria de facto provada, relativo ao grau de afetação dos técnicos ao projeto em questão, o citado valor remuneratório é de considerar em 20%.
Quanto ao número de meses a considerar, ficou provado que foram realizados trabalhos ligados à elaboração do projeto de execução no período compreendido entre a aprovação do estudo prévio (23 de novembro de 2012) e o final do período considerado nas alegações da Demandante contidas na petição inicial (final de fevereiro de 2013) – tempo que, refira-se, não chega a esgotar a extensão do prazo de 105 dias de que a Demandante contratualmente dispunha para concluir a fase de elaboração do projeto de execução. Já quanto ao período compreendido entre junho de 2012 e o momento da aprovação do estudo prévio, não ficou provado que a alocação da equipa ao projeto se tenha traduzido numa efetiva falta de aproveitamento pela Demandante dos recursos humanos em questão na medida dessa alocação. Por outras palavras, não foi demonstrado a ocorrência de uma efetiva falta de ocupação (designadamente, com outros trabalhos) por parte dos técnicos em questão.
Assim, de acordo com os factos dados como provados, é de considerar, relativamente a quatro dos técnicos, um valor total mensal de € 1.160 [4 (número de técnicos) x 1.450 (valor a considerar quanto ao vencimento base bruto) x 0,2 (grau de afetação)] e, relativamente à “coordenadora do projeto” um valor mensal de € 1.000 [€ 5.000 (valor a considerar quanto ao vencimento base bruto) x 0,2 (grau de afetação)]. Ou seja, no conjunto dos 5 membros da equipa, é de considerar um valor mensal de € 2.160.
Tendo em conta que o período a considerar corresponde a cinco dias úteis no mês de novembro de 2012, de entre os 22 dias úteis desse mês [a que corresponde, assim, um valor de € 490,91], acrescido de 3 meses completos (dezembro de 2012, janeiro de 2013 e fevereiro de 2013) [a que corresponde um valor de € 6.480], o valor total da indemnização, neste segmento, corresponde a € 6.970,91.
Por outro lado, são também atendíveis, neste contexto, os custos suportados pela Demandante com a manutenção da garantia bancária prestada no contexto do contrato em questão – note-se que os custos invocados na petição inicial correspondem a comissões referentes a uma garantia bancária cujo valor é fixado por referência a um preço contratual que, em virtude da extinção contratual, já não é possível à Demandante receber. Sendo certo que este custo existiria na hipótese de o contrato ter sido integralmente executado nos termos contratualmente previstos, a verdade é que, uma vez inviabilizada a obtenção das vantagens associadas à execução integral do contrato (nomeadamente, o recebimento do preço contratual), deixa de justificar-se que o cocontratante suporte um custo que aceitou no pressuposto da obtenção das citadas vantagens. Note-se aliás que o próprio Demandado reconheceu, no contexto da fundamentação da resolução, a bondade da reclamação de uma indemnização associada a este tipo de custos.
Tendo em conta o ponto N. da matéria de facto provada, a Demandante tem, pois, neste ponto, direito a ser indemnizada no valor de € 1.158,75.
Quanto a eventuais lucros cessantes, importa referir que da matéria de facto dada como provada nos presentes autos não resultam indicações que permitam ao Tribunal arbitrar uma respetiva indemnização.
Conclui-se, assim, que será de condenar o Demandado a pagar à Demandante uma indemnização correspondente a € 8.129,66.
Quanto à referência contida no segmento final da alínea b) dos pedidos formulados a final da petição inicial, importa referir que não ficaram provados quaisquer danos relacionados com o pagamento pela Demandante de IVA. Por outro lado, na eventualidade de a citada referência reportar-se a uma eventual sujeição futura do montante indemnizatório ao citado tributo, afigura-se que uma pronúncia sobre essa questão ultrapassaria os limites da presente decisão.
Por fim, quanto aos juros eventualmente devidos, importa referir que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 334.º do CCP, «[a] falta de pagamento da indemnização prevista nos números anteriores no prazo de 30 dias contados da data em que o montante devido se encontre definitivamente apurado [ou seja, com a decisão definitiva neste processo] confere ao cocontratante o direito ao pagamento de juros de mora sobre a respetiva importância».
V. Decisão:
Em face do exposto:
a) Julga-se improcedente o pedido formulado pela Demandante a final da petição inicial sob a alínea a), bem como os pedidos formulados a final do articulado apresentado pela Demandante em 03.02.2020 sob as alíneas a), b) e c);
b) Relativamente aos pedidos formulados pela Demandante a final da petição inicial sob a alínea b) e c), condena-se o Demandado a pagar à Demandante um montante correspondente a € 8.129,66 (oito mil cento e vinte e nove euros e sessenta e seis cêntimos).
Os encargos serão suportados em ¾ pela Demandante e ¼ pelo Demandado.
Notifique-se as Partes, para além da via postal, também por via eletrónica.
Promova-se a publicação da decisão no site do CAAD nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do NRAA.
Lisboa, 30 de julho de 2020.
O árbitro
_________________________
José Azevedo Moreira