DECISÃO ARBITRAL
I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual
I.1 – É Demandante na presente ação arbitral A..., titular da categoria de escriturário superior da carreira dos oficiais dos ..., colocada no B..., integrado na estrutura do Demandado.
É Demandado, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o C... .
I.2 – A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa.
Não oferece qualquer dúvida a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada [cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113], nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.
Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, no âmbito do qual funciona o C... I.P., ora Demandado, está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria].
Seja pelo valor da presente ação, seja pelo seu objeto, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação do Ministério da Justiça à jurisdição do CAAD, que é, pois, competente para o julgamento da mesma.
Este Tribunal Arbitral, constituído em 12 de setembro de 2019, é composto por um Árbitro, conforme estatuição do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem [cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD, disponível em www.caad.org.pt/]; e, nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o Árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa.
Devendo fazê-lo segundo o direito constituído, conforme estatuem os artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, do Regulamento da Arbitragem [cfr., ainda, artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA].
Logo no Despacho n.º 1, proferido em 16 de dezembro de 2019, o Tribunal explicitou que, à luz dos artigos 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 26.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, poderá recorrer subsidiariamente às normas da Lei da Arbitragem Voluntária e do CPTA.
Anote-se, desde já, que as Partes não renunciaram à possibilidade de recurso da Decisão Arbitral a ser proferida na presente arbitragem, considerando o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem; tendo, aliás, por razões que especifica (cfr. artigos 2.º a 7.º da contestação), o Demandado dito expressamente não prescindir da possibilidade desse recurso e requerido, ainda, a notificação da Demandante “para manifestar, de forma expressa, a sua posição quanto à possibilidade de ser interposto recurso jurisdicional” [cfr., ainda, artigos 39.º, n.º 4, e 46.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º-A do CPTA].
Tal manifestação expressa da Demandante preconizada pelo Demandado veio a ocorrer em 29 de agosto de 2019, juntamente com a resposta daquela à matéria de exceção invocada por este, tendo concluído assim (cfr. artigo 10.º dessa resposta): “Embora a Demandante não renuncie à possibilidade de recurso, entende, no entanto, que não há lugar à celebração de convenção de recurso, quer por desnecessidade, quer por inutilidade.”
I.3 – No referido Despacho n.º 1, proferido em 16 de dezembro de 2019, o Tribunal logo saneou o presente processo, declarando-se competente, declarando que as Partes têm legitimidade e capacidade judiciárias e que estão regularmente representadas, declarando que não se verificam nulidades processuais ou questões prévias (para além da referida questão, então já ultrapassada, relativa à possibilidade de recurso da Decisão Arbitral), nem as Partes as suscitaram, declarando que toda a matéria relativa às exceções invocadas pelo Demandado seriam decididas na presente Decisão Arbitral (cfr. artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento da Arbitragem) e fixando o valor da presente causa em € 651,87 (seiscentos e cinquenta e um euros, oitenta e sete cêntimos), conforme o artigo 32.º, n.º 1, do CPTA.
Nesse mesmo Despacho n.º 1, o Tribunal promoveu a pronúncia simultânea das Partes nos termos seguintes:
a) Considerando que as Partes não requerem a produção de prova testemunhal e que o Tribunal Arbitral considera suficiente a prova documental junta aos autos, devem as Partes pronunciar-se sobre a possibilidade de condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”, conforme possibilidade prevista no artigo 18.º, n.º 3, do Regulamento da Arbitragem;
b) Devem as Partes pronunciar-se ainda sobre, se delas não prescindirem expressamente, a “produção de alegações finais, escritas ou orais, sucessivas ou simultâneas”, nos termos e para os efeitos da previsão do artigo 24.º do Regulamento da Arbitragem.
Pronunciaram-se tempestivamente as Partes e ambas declararam expressamente, seja não se oporem à condução do processo arbitral com base na prova documental e nos restantes elementos juntos aos autos, seja prescindirem da produção de alegações finais.
II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes
II.1 – A fundamentação da pretensão da Demandante assenta, no essencial, no facto de ter acedido à categoria de escriturário superior por deliberação do conselho diretivo do Demandado oficialmente publicada em 18 de dezembro de 2013, retroagindo a 21 de outubro de 2010, a data em que aquela adquiriu o direito a aceder a essa categoria, tudo conforme previsto no artigo 6.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, e entender que as verbas que lhe foram pagas referentes às diferenças retributivas mensais entre a categoria anterior e a nova categoria inerentes ao período entre 21 de outubro de 2010 e 18 de dezembro de 2013 (num total de € 8330,81) deveriam ter sido acrescidas de juros de mora, o que não aconteceu.
Mais concretamente, estão em causa os juros de mora, quanto a cada uma dessas diferenças retributivas mensais, referentes ao período entre o dia 1 do mês seguinte àquele em que se considera ter-se vencido a obrigação de pagamento de cada uma dessas diferenças retributivas mensais e o dia 31 de dezembro de 2013, mês em que, no final, foi feito o pagamento mais relevante das referidas diferenças retributivas mensais até 30 de novembro de 2013 (cfr. infra 3.º facto considerado provado).
Como se enunciou no Despacho n.º 1, a Demandante termina a petição inicial, que deu entrada no CAAD em 24 de junho de 2019, formulando o seguinte pedido, o qual, em si mesmo, é revelador do objeto da presente ação:
Termos em que, julgando o presente pedido procedente por provado, se requer a V. Exa., (...), que, reconhecendo o direito da Demandante a juros de mora pelo atraso no pagamento das diferenças salariais mensais consequentes do atraso na sua colocação na categoria de escriturário superior, condene o Demandado no pagamento de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais devidas, cujo valor, em Dezembro de 2013, se converteu em dívida de capital por força do n.º 1 do artigo 705.º do Código Civil, e, assim, o condene no pagamento da dívida de capital apurada e supra apontada mais juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
A referência ao n.º 1 do artigo 705.º do Código Civil foi nitidamente um lapso de escrita cometido pela Demandante, o qual se extrai aliás à saciedade do que ela afirma nos artigos 56.º e 60.º da petição inicial, assumindo o Tribunal a sanação de tal lapso, considerando que a referência normativa efetivamente pretendida se reporta ao n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil.
Os termos da citada formulação do pedido, que delimitam o objeto da presente ação, são bem reveladores de que a Demandante assume o seu direito ao recebimento dos referidos juros moratórios e de que considera, ao abrigo precisamente do n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil, já lhe terem sido pagos esses juros que tem por devidos (€ 532,92), peticionando na presente ação o montante do capital que assim ficou por pagar, em resultado da imputação do cumprimento presumida nessa norma do Código Civil, acrescido dos juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, devidos a partir de 1 de janeiro de 2014 até efetivo e integral pagamento desse mesmo montante de capital.
Daí que aquele valor indicado na petição inicial para a presente causa – € 651,87 (seiscentos e cinquenta e um euros, oitenta e sete cêntimos) – corresponda à soma do montante pecuniário da referida dívida de capital de que a Demandante alega ser credora no final de dezembro de 2013 (€ 532,92) com os respetivos juros de mora vencidos até 30 de junho de 2019 (€ 118,95).
Deve anotar-se que, nos artigos 111.º e 112.º da contestação, o Demandado, sem contudo impugnar esses montantes, “reserva (...) o direito de se pronunciar”, em sede de execução da presente Decisão Arbitral, sobre os referidos montantes pecuniários resultantes do cálculo dos juros de mora que a Demandante considera devidos e que apresenta no Anexo I à petição inicial.
Deve ainda anotar-se que o Tribunal verificou o referido cálculo dos juros de mora apresentado pela Demandante no Anexo I à petição inicial e por ela peticionado (€ 532,92). E, assim, pôde o Tribunal confirmar o acerto desse cálculo.
Dito isto, importa aqui sublinhar que a Demandante, no artigo 16.º da petição inicial, qualifica expressamente a presente ação como de impugnação do despacho, exarado em 16 de maio de 2019 pela presidente do conselho diretivo do Demandado, que indeferiu o seu requerimento, de 10/11 de dezembro de 2018, no qual, em síntese, pedira o reconhecimento do seu direito ao recebimento de juros de mora sobre cada uma das referidas prestações mensais devidas, contados desde a data de vencimento de cada uma delas, e o pagamento dos mesmos, tudo em termos similares ao pedido formulado na presente ação, que já se transcreveu (cfr. infra 5.º e 10.º factos considerados provados).
II.2 – Termina o Demandado a sua contestação – tempestivamente apresentada em 26 de agosto de 2019 e juntando o processo administrativo – propugnando por que a presente ação seja julgada totalmente improcedente.
O Demandado defende-se por exceção e por impugnação: invoca a exceção dilatória de intempestividade da interposição da presente ação, com a consequente sua absolvição da instância; invoca, ainda, a exceção perentória de prescrição do direito ao recebimento de juros de mora e, em qualquer caso, impugna o alegado direito da Demandante a esse recebimento, com a consequente sua absolvição do que vem pedido.
II.3 – Em 29 de agosto de 2019, tempestivamente portanto, a Demandante respondeu a estas exceções invocadas pelo Demandado, considerando-as improcedentes.
Cumpre, pois, apreciar e decidir a presente ação.
III – Da fundamentação de facto
O Tribunal decide considerar provados os factos que, tendo sido alegados e que relevam para a decisão da presente causa, a seguir se especificam, incluindo, em cada uma dessas especificações, a fundamentação da respetiva decisão:
1.º - A Demandante presta trabalho ao Demandado desde 25 outubro de 2000, data em que ingressou na carreira dos oficiais dos ..., hoje mediante vinculação laboral em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com colocação no B... desde abril/maio de 2005, tendo sido promovida da categoria de escriturário, na qual detinha o escalão remuneratório 2/índice 165, à categoria de escriturário superior, com o escalão remuneratório 1/índice 190 (independentemente da questão de saber se esta concreta mudança de categoria deve qualificar-se como “promoção” ou como “progressão”), por Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29 de novembro de 2013, do conselho diretivo do Demandado, publicada no Diário da República, 2.ª série – N.º 245 – 18 de dezembro de 2013, páginas 35997 a 36006, que sancionou tal promoção com efeitos a partir de 21 de outubro de 2010, data em que a Demandante adquiriu o direito à referida categoria de escriturário superior, conforme o artigo 6.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril; tudo como resulta dos documentos 1, 2 e 3 juntos à contestação, bem como de “CERTIDÃO” de folhas 25 e 26 do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado e, ainda, quanto ao regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, dos artigos 88.º, n.º 4, e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, mantidos em vigor pelo artigo 42.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.
2.º - O referido hiato entre 18 de dezembro de 2013 e 21 de outubro de 2010 resultou: (i) da necessidade de aferir a situação concreta de vários escriturários para efeitos de verificação das respetivas condições de promoção; (ii) da necessidade de confirmar – o que só terá ocorrido por despacho governamental de 24 de agosto de 2012, comunicado ao Demandado por ofício de 20 de novembro de 2012 – se as promoções em questão, de escriturário a escriturário superior, eram possíveis face às normas orçamentais em vigor em 2011, 2012 e 2013 que, por razões de exigência de contenção da despesa pública, vedaram promoções/revalorizações remuneratórias; (iii) da necessidade de assegurar disponibilidade orçamental para cobrir a despesa, incluindo a retroativa, inerente a tais promoções, o que só terá ocorrido em 22 de novembro de 2013; como resulta do documento 3 junto à contestação.
3.º - Por causa da referida promoção com efeitos reportados a 21 de outubro de 2010, o Demandado pagou à Demandante um montante total de “retroativos”, após as reduções legalmente determinadas, de € 8330,81, correspondente a todas as diferenças retributivas mensais entre a categoria anterior e a nova categoria, referentes ao período entre 21 de outubro de 2010 e 30 de novembro de 2013 e às rúbricas de “vencimento da categoria” (€ 2888,43), “vencimento de exercício” (€ 4305,32), “subsídio de Natal” (€ 484,42), “subsídio de férias” (€ 427,48), “subsídio de parentalidade” (€ 214,11) e “emolumentos pessoais” (€ 11,05), tendo estes pagamentos sido feitos no final de dezembro de 2013 e, o referente a “emolumentos pessoais”, em março de 2015; como resulta dos documentos 2 e 3 e do Anexo I juntos à petição inicial, não tendo, aliás, tais montantes sido impugnados pelo Demandado.
4.º - O Demandado não pagou à Demandante juros de mora sobre cada uma das referidas prestações mensais pagas a título de “retroativos” e contados desde o dia 1 do mês seguinte à data de vencimento de cada uma delas; como resulta dos documentos 2 e 3 juntos à petição inicial e é confessado pelo Demandado, sendo, aliás, precisamente este o ponto crucial do presente dissídio.
5.º - Em 10/11 de dezembro de 2018, a Demandante requereu ao Demandado, entre o mais, o reconhecimento do seu direito ao recebimento dos juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, sobre cada uma das referidas prestações mensais pagas a título de “retroativos” e contados desde o dia 1 do mês seguinte à data de vencimento de cada uma delas, logo aí considerando, ao abrigo do n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil, ser de reconhecer já lhe terem sido pagos esses juros de mora no final de dezembro de 2013, preconizando, por isso, que lhe fosse pago o montante do capital que assim ficou por pagar (em resultado da imputação do cumprimento presumida nessa norma do Código Civil), acrescido dos juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, devidos a partir de 1 de janeiro de 2014 até efetivo e integral pagamento desse mesmo montante de capital peticionado pela Demandante (€ 532,92); tudo como resulta dos documentos 5, 6 e 7 juntos à petição inicial, bem como do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado.
6.º - Consta do identificado documento 7 junto à petição inicial (cfr. artigo 6.º, que remete para um “Doc. n.º 2”, e artigo 7.º, ambos desse mesmo documento 7) a referência, feita pela própria Demandante, seja à existência de um seu requerimento de 28 de janeiro de 2014, no qual peticionava, entre o mais, “juros de mora, à taxa de 4%, sobre as diferenças salariais devidas desde a data de vencimento de cada uma das retribuições mensais após a produção de efeitos da dita promoção”, seja ao facto de não ter sido notificada de nenhuma decisão sobre esse requerimento; como resulta do documento 7 junto à petição inicial, bem como do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado.
7.º - Tal requerimento de 28 de janeiro de 2014, a que a Demandante se referiu nesses artigos 6.º e 7.º do documento 7 junto à petição inicial, pode ter sido, face ao respetivo conteúdo, o que consta (embora sem qualquer identificação da respetiva data de apresentação) de folhas 42 a 45 do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado; como deste mesmo processo administrativo resulta.
8.º - Contudo, por comunicação datada de 11 de janeiro de 2019, o Demandado informou a Demandante, entre o mais, que, após “buscas efetuadas à base de dados”, “não foi localizada a entrada” do referido requerimento de 28 de janeiro de 2014, “pelo que se solicita o envio do comprovativo de entrega de tal requerimento, a fim de podermos diligenciar pela sua eventual localização noutro Setor ou Departamento deste organismo”; como resulta do documento 8 junto à petição inicial, bem como do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado.
9.º - Por comunicação de correio eletrónico datada de 12 de março de 2019, o Demandado suscitou a audição prévia da Demandante sobre um projeto de decisão de indeferimento daquele requerimento de 10/11 de dezembro de 2018, maxime quanto ao referido reconhecimento do direito ao recebimento dos juros de mora, por se considerar que “é indiscutível que não se verificou qualquer situação de mora”; como resulta dos documentos 9 e 10 juntos à petição inicial, bem como do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado.
10.º - Por comunicação de correio eletrónico datada de 17 de maio de 2019, o Demandado notificou a Demandante da decisão, proferida na véspera (16 de maio de 2019) pela presidente do seu conselho diretivo, que indeferiu aquele mesmo requerimento de 10/11 de dezembro de 2018 (sendo esta, como dito, a decisão que a Demandante assume impugnar na presente ação arbitral), a qual se fundamentou – “sem embargo da validade de tudo quanto se expendeu a pretexto do mérito das pretensões deduzidas pela requerente” naquele outro projeto de decisão de indeferimento – na extemporaneidade dos pedidos deduzidos, já que, “pese embora a requerente qualifique os seus pedidos como de ‘reconhecimento de direitos’”, “há muito que havia decorrido o prazo de que aquela dispunha para impugnar a forma como foi dada execução” à referida deliberação de 29 de novembro de 2013 do conselho diretivo do Demandado; como resulta dos documentos 11 e 12 juntos à petição inicial, bem como do processo administrativo junto aos autos pelo Demandado.
Em contrapartida, o Tribunal decide que não pode considerar-se provado que o requerimento de 28 de janeiro de 2014, referido nos 6.º, 7.º e 8.º factos considerados provados, que a Demandante alega ter submetido a decisão do Demandado, deu de facto entrada nos serviços deste e, a tal entrada ter ocorrido, em que data a mesma ocorreu.
IV – Da fundamentação de direito
IV.1 – Face ao objeto da presente ação e às posições nela assumidas pela Demandante e pelo Demandado, nos termos antes enunciados, as questões de direito a decidir, perante os factos que vêm de considerar-se assentes, são as seguintes:
a) É, como alega o Demandado, intempestiva a interposição da presente ação?
b) Prescreveu, como alega o Demandado, o direito invocado pela Demandante ao recebimento de juros de mora?
c) Tem efetivamente a Demandante o direito que invoca ao recebimento de juros de mora? E nos termos que preconiza no seu pedido?
Vamos, pois, por partes.
IV.2 – Foi a presente ação, que deu entrada no CAAD em 24 de junho de 2019, interposta em tempo?
Responde negativamente o Demandado, à luz, em síntese, do argumento de que não faz sentido pretender agora impugnar o despacho, exarado em 16 de maio de 2019 pela presidente do conselho diretivo do Demandado, de indeferimento do requerimento da Demandante de 10/11 de dezembro de 2018, quando poderia e deveria esta ter-se insurgido contra aquela outra Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29 de novembro de 2013, do conselho diretivo do Demandado, publicada no Diário da República, 2.ª série – N.º 245 – 18 de dezembro de 2013, páginas 35997 a 36006.
E acrescenta o Demandado que a Demandante “não pode negar que o que almeja, verdadeiramente, é pôr em causa o mencionado ato administrativo, no qual, de facto, poderia, eventualmente, ter sido determinado o pagamento dos juros de mora, desde a data de produção de efeitos da promoção (in casu, 21/10/2010)”; sendo que, face à data em que tal ato administrativo foi oficialmente publicado (18 de dezembro de 2013), o prazo para a sua impugnação está esgotado, conforme estatuição do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA.
Contrapõe a Demandante, remetendo para o alegado sobre esta matéria na petição inicial, acrescentando apenas que o Demandado não faz a prova, que lhe competia, necessária para infirmar a afirmação daquela constante do artigo 21.º da petição inicial: “Nesta conformidade, porque lhe faltam os «elementos essenciais do ato administrativo», a Nota de Abonos e Descontos (referindo-se ao documento 2 junto à petição inicial), não constituindo meio válido de notificação de ato administrativo, não é oponível à Demandante (tal como resulta da jurisprudência supracitada e, atualmente, do disposto no artigo 160.º do Código do Procedimento Administrativo).”
Na verdade, a Demandante, logo na petição inicial, impugna o argumento da extemporaneidade do seu pedido a juros moratórios, o qual, como vimos (cfr. 10.º facto considerado provado), constituiu o fundamento central de indeferimento daquele seu requerimento de 10/11 de dezembro de 2018.
Aí, a Demandante afirma não ter sido notificada da forma como foi dada execução àquela deliberação do conselho diretivo do Demandado oficialmente publicada em 18 de dezembro de 2013, acrescentando, citando Acórdãos vários do Supremo Tribunal Administrativo, que desde “há muito se encontra assente em jurisprudência constante e pacífica que as notas de abonos ou verbetes de vencimento não são meio idóneo de notificação do ato de processamento que lhes está subjacente”.
Acrescentando que, por isso mesmo, quando em 10/11 de dezembro de 2018 “a Demandante apresentou o seu requerimento de pagamento dos juros de mora em falta estava perfeitamente em tempo”.
Ainda na petição inicial, a Demandante vai mais além na impugnação do argumento da extemporaneidade do seu pedido a juros moratórios, pois, uma vez mais invocando jurisprudência administrativa, aduz que esse seu pedido visa o “reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas” e a condenação do Demandado “ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram (decorrem) de normas jurídico-administrativas e não envolvam (envolvem) a emissão de um ato administrativo impugnável”, conforme previsto, respetivamente, nas atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA, e numa matéria em que o Demandado não dispunha “de nenhum espaço de discricionariedade visto encontrar-se estritamente vinculado ao cumprimento da lei”, não cabendo a prática de ato administrativo mas tão só as operações materiais necessárias à aplicação das disposições legais (a “realização de simples atuações ou atos reais”, na expressão de Mário Aroso de Almeida, que a Demandante cita extensivamente).
Vejamos, pois, tendo de ser-se rigoroso nesta matéria e começando por duas anotações preliminares.
A primeira, para deixar claro que na decisão que vai tomar-se nesta matéria não se considera aquele requerimento de 28 de janeiro de 2014 que a Demandante alega ter apresentado ao Demandado, pois, como se viu, não pode considerar-se provado que tal requerimento deu de facto entrada nos serviços do Demandado e, a tal entrada ter ocorrido, em que data a mesma ocorreu.
A segunda anotação serve para reconhecer existir alguma incoerência ou, se quisermos, simplesmente excesso de alegação – ainda assim, sem causar ineptidão da petição inicial e sem que não possa ser perfeitamente objeto de sanação pelo Tribunal – quando a Demandante, por um lado, qualifica expressamente a presente ação como de impugnação do despacho, exarado em 16 de maio de 2019 pela presidente do conselho diretivo do Demandado, que indeferiu o seu requerimento de 10/11 de dezembro de 2018, e, por outro lado, em termos aliás mais conformes à formulação do seu pedido, vem dizer que com tal pedido visa o “reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas” e a condenação do Demandado “ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram (decorrem) de normas jurídico-administrativas e não envolvam (envolvem) a emissão de um ato administrativo impugnável”, conforme previsto, respetivamente, nas atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.
Dito isto, importa afirmar que, em qualquer caso, inexiste intempestividade na interposição da presente ação.
Desde logo, porque existiu realmente o requerimento de 10/11 de dezembro de 2018 da Demandante, que o Demandado indeferiu em 16 de maio de 2019, notificando no dia seguinte aquela desse mesmo indeferimento, a petição inicial da presente ação, entrada no CAAD em 24 de junho de 2019, sempre seria perfeitamente tempestiva, conforme o artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA.
Deve, aliás, reconhecer-se, vendo bem as coisas, que, nos próprios termos em que o Demandado as coloca, a extemporaneidade em causa incide, não sobre a interposição da presente ação, mas sim sobre o próprio pedido daquele requerimento da Demandante de 10/11 de dezembro de 2018, o que, longe de uma exceção dilatória inerente à presente ação, implica uma apreciação de mérito sobre o fundamento (de extemporaneidade) do indeferimento desse mesmo requerimento.
E, realmente, não ocorre uma tal extemporaneidade. Vejamos porquê.
Por um lado – e dando por assente a insuficiência dos documentos 2 e 3 juntos à petição inicial como notificação de um ato administrativo –, é muito claro que aquela Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29 de novembro de 2013, do conselho diretivo do Demandado, publicada no Diário da República, 2.ª série – N.º 245 – 18 de dezembro de 2013 e certamente logo bem conhecida da Demandante, não incidiu, de todo, sobre juros moratórios, tendo sido totalmente omissa sobre a questão; não podendo, portanto, ao contrário do que aparentemente pretende o Demandado (cfr., maxime, artigos 69.º a 78.º da contestação), tomar-se por um ato administrativo que recusa o pagamento de tais juros, impugnável neste ponto no prazo do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA.
A ser necessário nesta matéria um ato administrativo – e veremos de imediato que não é –, estaríamos então perante um ato administrativo devido e ilegalmente omitido (cfr. artigos 66.º e seguintes do CPTA), estando em tempo a iniciativa da Demandante para que o mesmo fosse emitido, por ausência de prazo legal para tal emissão (cfr. artigo 69.º do CPTA).
Seja como for, este Tribunal tem por seguro que o pedido ora causa para o pagamento de juros de mora se deve qualificar processualmente – como melhor se enunciará nesta Decisão Arbitral quando se pronunciar sobre o direito que in casu exista a tal pagamento – como uma ação visando o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei, com o propósito de condenação do Demandado ao pagamento de uma quantia que a lei diretamente impõe, independentemente da emissão de um ato administrativo impugnável, à luz das atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA.
Ora, assim qualificado, como se impõe que o seja, o pedido sub judice da Demandante integra uma ação administrativa que pode ser proposta a todo o tempo (cfr. artigo 41.º do CPTA), não dependendo de uma impugnação de um ato administrativo no prazo limitado respetivo.
Razão porque se impõe decidir não proceder, de todo, a exceção dilatória de intempestividade da interposição da presente ação invocada pelo Demandado.
IV.3 – Ainda assim, prescreveu, como exceciona perentoriamente o Demandado, o direito invocado pela Demandante ao recebimento de juros de mora?
Na verdade, entende o Demandado, em síntese, que deve aplicar-se in casu a estatuição do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, segundo a qual prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais (ainda que ilíquidos); que esse prazo de prescrição começou a correr quando o direito pôde ser exercido, conforme o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, propugnando por que um tal início de contagem do prazo prescricional correspondesse a 21 de outubro de 2010 (a data em que a Demandante adquiriu o direito à referida categoria de escriturário superior) ou, no limite, a dezembro de 2013 (a data de publicação oficial daquela Deliberação (extrato) n.º 2359/2013, de 29 de novembro de 2013, do conselho diretivo do Demandado); e que a contagem desse prazo prescricional se não interrompeu com o referido requerimento da Demandante de 10/11 de dezembro de 2018, pois, conforme o artigo 323.º do Código Civil, uma tal interrupção sempre implicaria a prática de atos em sede judicial.
Contrapõe a Demandante, também em síntese, que “mostra-se descabido falar em prescrição” dos juros de mora ora em causa, porque ela se prevaleceu do disposto no artigo 785.º, n.º 1, do Código Civil, razão porque “os juros de mora devidos à data em que a prestação foi posta à disposição da Demandante – dezembro de 2013 – consideram-se, de jure et de facto, pagos”, concluindo assim: “Em suma, transmutada, em dezembro de 2013, a dívida de juros em dívida de capital, neste momento só são devidos: i) esse capital; ii) juros sobre esse capital remanescente, contados desde dezembro de 2013 para cá.”
Anotando-se, uma vez mais, também neste ponto, a não consideração daquele requerimento de 28 de janeiro de 2014 que a Demandante alega ter apresentado ao Demandado (por não poder considerar-se provado que o mesmo deu de facto entrada nos serviços do Demandado e, a tal entrada ter ocorrido, em que data a mesma ocorreu), importa reconhecer que esta defesa da Demandante inerente à imputação de cumprimento presumida no n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil (tema a que vai ter de voltar-se mais à frente) não é totalmente imune àquela argumentação do Demandado, pois esta argumentação sempre incidiria sobre os juros de mora reclamados agora pela Demandante a partir de 1 de janeiro de 2014.
O que obriga a decidir se o Demandado tem razão, nos referidos argumentos que apresenta ou noutros relevantes, ao invocar, in casu, a prescrição de juros moratórios.
Considera o Tribunal que tal prescrição não ocorreu, porque se reconhece pacificamente [cfr., entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2004, no Recurso n.º 1761/04], com bons argumentos [evitação da necessidade de acionamento do empregador por créditos de juros na constância do contrato de trabalho, causando mal estar e atrito na relação laboral], que sobre a referida estatuição do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil prevalece a do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Ora, a aplicação desta disposição do Código do Trabalho ao contrato de trabalho em funções públicas decorre, hoje, da norma remissiva do artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, sendo que o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, consagrava, no seu artigo 245.º, n.º 1, norma semelhante à daquele artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Importa, pois, decidir não proceder, de todo, a exceção perentória de prescrição dos juros moratórios invocada pelo Demandado.
IV.4 – Mas tem efetivamente a Demandante o direito que invoca ao recebimento de juros de mora? E nos termos que preconiza no seu pedido, isto é, com a imputação de cumprimento presumida no n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil?
Como se sabe, o ponto crucial do presente dissídio tem a ver com o facto de a Demandante ter acedido à categoria de escriturário superior por deliberação do conselho diretivo do Demandado, oficialmente publicada em 18 de dezembro de 2013, mas reportando efeitos a 21 de outubro de 2010, a data da aquisição do direito a essa promoção, entendendo a Demandante, ao contrário do Demandado, que são devidos juros de mora sobre as diferenças retributivas recebidas por efeito de tal retroação.
Ora, essa retroação assenta na estatuição do artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, cuja interpretação é precisamente objeto de divergência entre as Partes.
Atente-se no que estatuem os n.ºs 3 e 4 desse mesmo artigo 6.º:
3 – O acesso a escriturário superior fica condicionado à permanência de, pelo menos, 10 anos na categoria anterior e à classificação de serviço não inferior a Bom, segundo a ordem de graduação estabelecida pelo Conselho Técnico dos ... .
4 – O acesso a que se refere o número anterior produz efeitos independentemente de quaisquer formalidades, exceto publicação no Diário da República, e retroage à data em que o funcionário adquiriu direito à categoria superior.
Não se põe em causa que aquele hiato entre as referidas duas datas, de 18 de dezembro de 2013 e de 21 de outubro de 2010, seja justificada pelas razões expressas pelo Demandado nos artigos 79.º a 93.º da contestação e dadas por assentes no 2.º facto considerado provado.
Só que, independentemente da razão por que ocorreu, tal hiato existiu realmente e implicou os identificados pagamentos de retroativos à Demandante, permitindo assim a colocação da questão ora em causa sobre se esses pagamentos deveriam ou não ter sido acrescidos dos respetivos juros moratórios; o que coloca a questão de direito sub judice, partindo precisamente da interpretação (disputada entre as Partes) daquela citada norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.
Sobre tal interpretação, face à situação sub judice, afirma o Demandado, em síntese, o seguinte (cfr. artigos 95.º a 104.º da contestação): sem prejuízo de a promoção à categoria de escriturário superior retroagir a 21 de outubro de 2010, “o direito a essa promoção (e todos os outros, designadamente pecuniários, que lhe estão inerentes) só produz efeitos com a publicação em Diário da República”; “antes da referida publicação – que é condição de eficácia da promoção a escriturário superior – o demandado não era devedor de qualquer quantia à trabalhadora”; ou seja, “se, nos termos do n.º 4 do citado artigo 6.º, só com a publicação em Diário da República se produzem os efeitos do direito à promoção, forçoso é concluir que, antes dessa data, não se verificou qualquer incumprimento por parte da entidade demandada, pois o facto que deu origem à sua obrigação pecuniária (ou seja, à obrigação de proceder ao pagamento das referidas diferenças remuneratórias) – a promoção – só produziu efeitos a partir de 18/12/2013!”; daí que “é inevitável que não se verificou qualquer situação de mora que determine o pagamento, por parte da entidade demandada, dos respetivos juros, mesmo porque não houve alguma atuação culposa por parte do demandado que tivesse motivado a impossibilidade da prática do ato logo em 2010”.
O Demandado pronuncia-se ainda sobre as Decisões Arbitrais proferidas no CAAD em 2 de junho de 2013 [Processo n.º 01/2013 (AA)] e em 28 de março de 2014 [Processo n.º 54/2013-A], relembrando que foram intentadas em 2013, anotando que apenas produzem efeitos entre as partes respetivas e opinando “que, e salvo o devido respeito, o entendimento sustentado nas referidas decisões nem se revela o mais acertado face ao enquadramento legal aplicável”.
Já a Demandante – que citou em seu favor as referidas duas Decisões Arbitrais proferidas no CAAD (cfr. artigos 37.º a 39.º da petição inicial) – afirma, em síntese, o seguinte (cfr. artigos 40.º a 55.º da contestação): o ato de atribuição da categoria de escriturário superior é um ato declarativo (de accertamento) e não constitutivo, pois traduz-se na mera verificação da existência dos condicionalismos legais determinantes dessa promoção, e “a lei declara expressa e claramente que o direito de acesso a escriturário superior produz efeitos independentemente de quaisquer formalidades, exceto publicação no Diário da República, e retroage à data em que o funcionário adquiriu direito à categoria superior”; “o que se passou foi que a Administração só três anos e dois meses depois da data de 21/10/2010, em que se havia constituído na esfera jurídica da Demandante o direito à promoção para a categoria de escriturário superior, é que acertou esse direito, mas sem que tivesse tirado todos os efeitos da retroatividade legalmente imposta, visto não ter liquidado e pago qualquer quantia a título de juros de mora”; ora (citando neste ponto diversos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo), “ao reconstituir a situação que existiria se não fosse aquele atraso no acertamento do direito à promoção, a Administração estava adstrita não só no dever de corrigir a falta de pagamento das diferenças remuneratórias, «mas também a falta da sua tempestividade», o que deveria ter sido feito por via do pagamento de juros de mora”.
Vejamos, pois.
Há de reconhecer-se a seriedade da referida argumentação de qualquer das Partes. Na verdade, como sublinha o Demandado, pagou o que pagou a título de retroativos à Demandante quando tinha de pagar e não terá sido por culpa sua que ocorreu o hiato entre 18 de dezembro de 2013 e 21 de outubro de 2010. Mas também, como sublinha a Demandante, a sua promoção à categoria de escriturário superior (independentemente, como se disse, da questão de saber se esta concreta mudança de categoria deve qualificar-se como “promoção” ou como “progressão”) traduziu-se num ato declarativo, necessariamente sujeito a publicação oficial, cujos efeitos a lei (coerentemente com tal natureza declarativa) manda retroagir à data em que a Demandante adquirira o direito a essa categoria, in casu, 21 de outubro de 2010.
Sejamos claros: a questão não está em saber se o Demandado pagou o que pagou à Demandante quando tinha de pagar; está, isso sim, em saber se, quando pagou o que pagou, pagou tudo quanto tinha de pagar, em concreto, se devia ou não ter pago juros de mora quanto a cada uma das diferenças retributivas mensais pagas retroativamente, referentes ao período entre o dia 1 do mês seguinte àquele em que se considera ter-se vencido a obrigação de pagamento de cada uma dessas diferenças retributivas mensais e o dia 31 de dezembro de 2013, mês em que, no final, foi feito o pagamento mais relevante das referidas diferenças retributivas mensais até 30 de novembro de 2013 (cfr. infra 3.º facto considerado provado).
Quando a norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, manda, sem quaisquer delimitações negativas, retroagir à data em que o funcionário adquiriu o direito à promoção os efeitos desta, pretende, naquela que segundo este Tribunal corresponde à mais adequada hermenêutica jurídica, que se reconstitua na esfera jurídica do funcionário a situação que existiria se a promoção tivesse acontecido nessa data da aquisição do direito à mesma.
O que implica, seja considerar retroativamente vencidas todas as prestações pecuniárias devidas, no novo quantum resultante da promoção, no momento em que teria ocorrido o respetivo vencimento se a promoção tivesse acontecido nessa data da aquisição do direito à mesma, seja ainda (inexistindo qualquer isenção de juros de mora por parte da Administração Pública relativamente às quantias devidas aos seus funcionários) indemnizar o funcionário pelo tempo de espera no recebimento das diferenças pecuniárias entre o que recebeu em cada uma dessas datas de vencimento e o que efetivamente teria recebido se a promoção tivesse acontecido nessa mesma data.
Ora, este sentido indemnizatório por falta de tempestividade a extrair da norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, deve materializar-se precisamente no pagamento dos respetivos juros de mora, que têm essa vocação de ressarcimento, nos termos, considerando o circunstancialismo sub judice, dos artigos 804.º, 805.º, n.º 2, alínea a), e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil [cfr., ainda, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, que fixa em 4% a taxa anual dos juros legais].
É certo que poderia discutir-se, in casu, para efeitos do artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil, se é, ou não, de imputar ao Demandado a falta de pagamento no tempo tido como devido das prestações inerentes à referida promoção da Demandante.
Acontece que, não só a melhor interpretação da norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, aponta para a irrelevância da culpa do devedor – na medida em que a imposição de efeitos retroativos é inerente à assunção de uma delonga, que pode aliás ser mais ou menos prolongada, de procedimentos internos da entidade pública empregadora e a esta normalmente imputável –, como a lei é expressa a prescindir dessa culpa, estatuindo antes a necessidade de ausência de imputabilidade ao trabalhador (o que no caso é inquestionável).
Na verdade, o artigo 173.º, n.º 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – com rigoroso paralelo no anterior artigo 218.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro –, estatui: “O empregador público fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da remuneração na data do vencimento.”
Anote-se, por fim, que a interpretação preconizada da norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, é, aliás, a única consonante com a Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, que estabelece a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária e que entrou em vigor em 1 de setembro de 2010, a qual estatui, no seu artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, relevantes in casu, o seguinte:
1 – O Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, estão obrigados ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte.
2 – Quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica-se a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil.
Tem, assim, de decidir-se serem devidos pelo Demandado juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, sobre as quantias sub judice pagas à Demandante por efeito da promoção desta à categoria de escriturário superior, ocorrida à luz do artigo 6.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, correspondentes às diferenças retributivas mensais entre a categoria anterior e a nova categoria, contados, quanto a cada uma destas diferenças retributivas mensais, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se considera ter-se vencido cada uma dessas diferenças retributivas mensais e o dia 31 de dezembro de 2013, totalizando € 532,92 (quinhentos e trinta e dois euros, noventa e dois cêntimos), conforme peticionado pela Demandante.
Por outro lado, porque a Demandante considera – e assim delimita o seu pedido, aliás sem qualquer contestação neste preciso ponto por parte do Demandado – que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil, já lhe foi pago esse montante total dos juros de mora, montante que, assim mesmo, “se converteu em dívida de capital”, importa reconhecer que o Demandado tem uma dívida de capital para com a Demandante nesse mesmo montante de € 532,92 (quinhentos e trinta e dois euros, noventa e dois cêntimos), sobre o qual são devidos juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, contados desde 1 de janeiro de 2014, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Na verdade, estatuem as normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 785.º do Código Civil:
1 – Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
2 – A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.
E, à luz destas normas, aquela dívida de juros moratórios de € 532,92 (quinhentos e trinta e dois euros, noventa e dois cêntimos) pode realmente considerar-se saldada mediante a imputação do cumprimento à indemnização que no n.º 1 se prevê (pois é à indemnização que são imputáveis os juros de mora); imputação essa que, aliás, não só o Demandado não impugnou, como sempre implicaria, conforme o n.º 2, o acordo do credor para ocorrer no sentido contrário, isto é, para que a imputação se considerasse feita no capital [cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1986, páginas 36 e 37].
V – Da Decisão Arbitral
À luz dos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar totalmente improcedentes as exceções deduzidas pelo Demandado;
b) Declarar serem devidos pelo Demandado juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, sobre as quantias sub judice pagas à Demandante por efeito da promoção desta à categoria de escriturário superior, ocorrida à luz do artigo 6.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, correspondentes às diferenças retributivas mensais entre a categoria anterior e a nova categoria, contados, quanto a cada uma destas diferenças retributivas mensais, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se considera ter-se vencido cada uma dessas diferenças retributivas mensais e o dia 31 de dezembro de 2013, totalizando € 532,92 (quinhentos e trinta e dois euros, noventa e dois cêntimos), conforme peticionado pela Demandante;
c) Declarar, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 785.º do Código Civil, que esse montante total dos juros de mora se considera convertido em dívida de capital;
d) Em consequência, declarar procedente a presenta ação e, assim, anular o despacho de 16 de maio de 2019 da presidente do conselho diretivo do Demandado que indeferiu o requerimento da Demandante de 10/11 de dezembro de 2018, condenando o Demandado a pagar à Demandante a quantia pecuniária peticionada de € 532,92 (quinhentos e trinta e dois euros, noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% dos juros legais, contados desde 1 de janeiro de 2014, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Registe e notifique.
2 de março de 2020
O Árbitro,
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Abílio de Almeida Morgado